Director-Geral da Saúde
Número:40/A/98
Processo:R-970/97
Data:29.05.1998
Área: A3

Assunto:SAÚDE – DOENÇA NO ESTRANGEIRO – INTERNAMENTO – TRATAMENTO – PAGAMENTO DAS DESPESAS – CASO DE FORÇA MAIOR.

Sequência:Acatada

1. A Senhora D… dirigiu-me uma reclamação relativa à emissão do formulário E 112 a favor de sua mãe M… .

2. De acordo com aquela exposição, verificaram-se os seguintes factos:
2.1. M… residia em Vialonga, Portugal.
2.2. Em Abril de 1995 deslocou-se a França, sendo portadora do Modelo E 111.
2.3. Nesse mesmo mês, em momento prévio à partida para França, terá feito exames médicos, não lhe tendo sido diagnosticada qualquer doença.
2.4. Voltou a Portugal em Julho do mesmo ano, sem que tenha dado qualquer utilização àquele Modelo E 111.
2.5. Em Setembro desse ano voltou a França, não sendo, desta vez, portadora de qualquer Modelo porquanto terá sido informada que só era emitido um Modelo E 111 por ano, com a validade de três meses.
2.6. Nesse mesmo mês de Setembro adoeceu, tendo vindo a ser operada à vesícula.
2.7. Perante essas circunstâncias, foi emitido um Modelo E 111.
2.8. Em Fevereiro de 1996 foi-lhe diagnosticado um cancro no estômago, tendo vindo a ser operada de urgência e ficado internada entre o dia 27 desse mesmo mês e o dia 26 de Março seguinte.
2.9. Foi solicitado e emitido um Modelo E 111, que cobriu as despesas do hospital.
2.10. Subsequentemente,a doente foi submetida a tratamento por quimioterapia e internada diversas vezes.
2.11. A doente veio a falecer em 24 de Setembro de 1996.

3. A questão suscitada pela reclamante, no quadro circunstancial acima referido, prende-se com o facto de essa Direcção-Geral de Saúde ter emitido parecer desfavorável à emissão do formulário E 112, que desse cobertura às despesas decorrentes do tratamento por quimioterapia, bem como dos internamentos subsequentes à cirurgia.

4. Com efeito, essa Direcção-Geral de Saúde, emitiu parecer desfavorável à emissão do formulário E 112, ao abrigo do art.º 22º, n.º 1, do Regulamento (CEE) n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971, conforme resulta do ofício n.º …, dirigido ao Senhor Coordenador da Sub-Região de Saúde de Lisboa.

5. Esse parecer, conforme o ofício n.º …, dirigido a esta Provedoria de Justiça, assentou nas seguintes ordens de razões:
5.1. O formulário E 112 pode ser emitido na situação de transferência de residência ou regresso ao território do Estado-membro em que reside o beneficiário da segurança social e, bem assim, de recurso para tratamentos adequados ao estado de saúde daquele, desde que autorizado previamente pela instituição competente, excepto se puderem ser invocados motivos de força maior, atento o disposto no art.º 22º, n.º 1, alíneas b) e c) do do Regulamento n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971 e art.º 22º do Reg. (CEE) n.º 574/72, do Conselho, de 21 de Março de 1972.
5.2. Essa Direcção-Geral apenas é solicitada a emitir pareceres nos casos em que o acesso aos estabelecimentos de saúde estrangeiros se verifica ao abrigo do art.º 22º, n.º 1, al. c). do Regulamento (CEE) n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971 e a propósito de relatórios médicos portugueses que por forma circunstanciada tentem justificar a necessidade daquele acesso, designadamente, com base na invocação de insuficiência de meios técnicos e humanos para fazer face a uma determinada patologia.
5.3. A emissão do formulário E 111 tem lugar nos casos de deslocação temporária quando se verifique a conjugação simultânea da necessidade e da urgência dos cuidados de saúde de que carece o beneficiário.
5.4. Nas situações de transferência de residência ou de regresso ao Estado de residência, só o estado de saúde ou a aplicação de um tratamento médico podem ser impeditivas dessa deslocação, conforme decorre do art.º 22º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2.
5.5. No caso em apreço, está-se perante um caso de emissão do formulário E 112, ao abrigo do referido art. 22º, al. c), para cobrir uma prescrição de tratamentos de quimioterapia de um médico francês para uma nacional portuguesa já deslocada em França.
5.6. Esta situação não integra a previsão da norma legal atrás referida, na medida em que esta exige que a doente se encontre no nosso País, apresente um relatório justificativo da deslocação para tratamento subscrito por um serviço de saúde português e obtenha uma autorização prévia, excepto se aduzir motivos de força maior, e eles forem reconhecidos como justificativos da não organização prévia do próprio processo de deslocação.

6. Em ordem a clarificar, tanto quanto possível, as circunstâncias que rodearam os factos acima referidos, foi solicitada à Extensão de Saúde de Vialonga do Centro de Saúde da Póvoa de Santa Iria informação quanto à situação clínica da beneficiária no momento anterior da sua estada em França.

7. O médico de família informou que:
7.1. A Senhora D… havia sido observada em diversas ocasiões, constando do registo clínico várias consultas ocasionais, a última das quais em 4 de Abril de 1995;
7.2. Na ficha clínica não consta qualquer sintomatologia ou exame complementar de diagnóstico que pudesse levar a colocar a hipótese de patologia gástrica.

8. A data da última consulta efectuada pela beneficiária permite admitir, com um altíssimo grau de probabilidade, como confirmada a afirmação da filha, segundo a qual, a mãe fora observada em momento prévio à partida para França e não lhe fora diagnosticada qualquer doença.

9. Essa confirmação resulta, também, dos elementos de natureza médica conhecidos, que atestam que as doenças diagnosticadas à beneficiária foram diagnosticadas quando ela já se encontrava em França.

10. Tais elementos, incluem uma declaração médica de acordo com a qual o tratamento por quimioterapia subsequente à intervenção cirúrgica foi considerado indispensável.

11. Essa Direcção-Geral de Saúde, apesar disso, entendeu que o tratamento por quimioterapia a que a doente foi submetida, um mês após a intervenção cirúrgica, não assumia características de necessidade imediata; isto é, considerou que a quimioterapia lhe poderia ter sido ministrada nos serviços de saúde oficiais portugueses se a doente tivesse regressado ao país da sua residência.

12. A esse propósito, dá-se um exemplo para distinguir as situações de tratamento no que respeita ao imediatismo.
De acordo com esse exemplo, esse imediatismo verificar-se-á quanto a uma dor de dentes, mas não quanto ao tratamento dentário.

13. Esse exemplo, todavia, é, antes de mais, ilustrativo da diferença entre a natureza das duas situações, bem como das próprias curcunstâncias que envolvem uma e outra.

14. Adoptando-se o critério explicitado por essa Direcção-Geral através daquele exemplo, a beneficiária, após a operação a que foi submetida de urgência, para beneficiar de protecção, no que respeitava à quimioterapia e aos internamentos, teria que ter regressado a Portugal.

15. No entanto, não está, neste caso, em causa a mera apreciação da possibilidade ou impossibilidade desse tratamento poder ter lugar em Portugal.

16. A questão que se nos coloca é a de saber se era moral e legalmente exigível que esse regresso se tivesse verificado para que a beneficiária pudesse usufruir da protecção prevista.

17. Se se tiver presente o trauma resultante da descoberta da doença, a cirurgia urgente a que foi submetida, as sequelas físicas e psicológicas dela decorrentes, o facto de ter permanecido doente após aquela operação e, finalmente, o facto de ter a família em França, dificilmente se poderá admitir tal exigência.

18. Nessas circunstâncias, uma tal exigência é incompatível com os princípios humanistas que regem a sociedade portuguesa, pelo que, para além de injusta, é contrária ao espírito do legislador europeu.

19. Com efeito, indiciariamente, a situação ora em causa, constitui um caso em que o estado de saúde ou a aplicação do tratamento médico se constituíram como impedimentos ao regresso ao Estado de residência, que essa própria Direcção-Geral admite integrar a previsão do art.º 22º, n.º1, als.a) e b), e n.º2, do do Regulamento n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971, para efeitos da emissão do formulário E 111.

20. Sendo que, face às circunstâncias conhecidas, também não violentaria o espírito do legislador considerar que se verificaram motivos de força maior que obstaram à organização do processo de autorização à deslocação a outro Estado-membro, a fim de a beneficiária nele receber os tratamentos adequados ao seu estado, para efeitos do art.º 22º, n.º 1, al. c) do mesmo Regulamento.

21. Na verdade, parece-me essencial que a interpretação do art. 22º do Regulamento n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971, integre uma ponderação à luz do princípio de justiça, por forma a assegurar que o objectivo visado pela vontade do legislador quanto às garantias relativas à protecção aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e membros da sua família que se deslocam no interior da União Europeia.

22. Em face do exposto,RECOMENDO

A V.Exa. que seja emitido o formulário considerado competente, ao abrigo do art. 22º do Regulamento n.º 1.408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971, por forma a garantir a protecção a que a beneficiária tinha direito.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel