Director Regional de Habitação

Rec. nº 30/A/98
Processo: 3093/97; 3109/97; 3439/97; 3445/97; 245/98
Data: 16.06.1998
Àrea: Açores

Assunto: HABITAÇÃO – PROGRAMA DE APOIO À HABITAÇÃO – COOPERATIVAS DE HABITAÇÃO – SUBSÍDIO A SÓCIOS – SUSPENSÃO DO PAGAMENTO – REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE.

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de Motivos

Os Factos

1. Foram recebidas neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) diversas reclamações relativas ao cancelamento de subsídios atribuídos no âmbito do programa “SAFIN-Sistema de Apoio Financeiro à Habitação”.

2. Segundo as queixas, o apoio financeiro que fora atribuído através da aplicação do programa “SAFIN” foi subitamente cancelado, sem qualquer aviso prévio.

3. Acrescia, ainda nos termos das reclamações, que a decisão de cessação do apoio financeiro teria operado com efeitos retroactivos, uma vez que a comunicação aos interessados dava conta do fim do subsídio, ocorrida em data anterior.

4. Por outro lado, era mencionado que outros beneficiários do programa “SAFIN” continuam auferindo dos apoios financeiros que aquele sistema instituiu.

5. Através do ofício n.º … , de … /98, a Provedoria de Justiça solicitou a V.Exa. esclarecimentos relativamente:

a) Às razões supervenientes que fundaram a cessação dos apoios atribuídos, uma vez que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 5º, do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, a concessão das compensações financeiras tinha “a duração de sete anos” (não tendo sido previstas quaisquer excepções ou derrogações à duração do benefício);

b) Ao entendimento sobre a aplicabilidade da sua disciplina jurídica (apenas aos novos processo instruídos ou se, pelo contrário, a todos os processos dos beneficiários do programa “SAFIN”).

6. Em resposta, V.Exa. remeteu a este Órgão do Estado, os ofícios n.ºs … e … , de … /98 e … /98, respectivamente, nos quais expendia a seguinte argumentação:

a) O Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, revogou expressamente o Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, e revogou tacitamente o Decreto Regulamentar Regional n.º 7/91/A, de 1 de Março;

b) O art. 15º do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A previu um regime transitório no âmbito do qual “os beneficiários apoiados ao abrigo do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, [ficariam] abrangidos pelas disposições constantes [daquele] diploma, dois anos após a data da sua publicação” (cfr., ponto 4 do supra citado ofício);

c) O Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A não previu qualquer extensão de benefícios aos sócios de cooperativas de habitação e/ou aos beneficiários de habitação a custos controlados, retirando qualquer suporte legal à continuidade do processamento das comparticipações/subsídios a esse grupo de beneficiários;

d) A Direcção Regional da Habitação limitou-se a comunicar o cancelamento do processamento do subsídio, extinto em 29/04/97 em virtude da publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A;

e) Foram indeferidas todas as candidaturas de sócios de cooperativas de habitação e adquirentes de habitações a custos controlados formalizadas após a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril.

O Direito

7. O Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, criou o “Sistema de Apoio Financeiro à Habitação, abreviadamente designado por SAFIN”, com o objectivo de “bonificar os encargos do crédito obtido junto das instituições bancárias para a construção ou aquisição de casa própria” (vide art. 1º).

8. O apoio financeiro instituído consistia “numa compensação aos juros” a qual era calculada em função de pontuação atribuída de acordo com as disposições do SAFIN (vide art. 3º).

9. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 5º, o apoio financeiro tinha a duração de sete anos, podendo – em caso de força maior (definida segundo os critérios previstos no n.º 2) – ir até nove anos.

10. Sobre a conformidade do pedido com os requisitos de acesso (que constam do art. 2º) era ouvida a Direcção Regional de Habitação (art. 6º, n.º 1, in fine) que, no prazo máximo de oito dias, prestava aquela informação (n.º 2); então, o Secretário Regional da Habitação e Obras Públicas decidia o pedido de concessão do poio financeiro (n.º 1).

11. Os requisitos negativos (o diploma utiliza a expressão “critérios para a candidatura”) estavam definidos nas alíneas do n.º 1 do art. 2º.

12. Não obstante regular, ainda, os aspectos relativos à instrução do processo (art. 7º), ao prazo de decisão do pedido (art. 8º) e aos pagamentos dos encargos, obrigações dos beneficiários, e a forma de apuramento do montante do subsídio (art.s 9º, 10º e 11º), foi publicado o Decreto Regulamentar Regional n.º 7/91/A, de 1 de Março – em cumprimento do disposto no art. 16º, do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, que previa a regulamentação no prazo de 90 dias -, cujo objectivo consistia na regulamentação do SAFIN, através da definição dos seus restantes trâmites processuais.

13. Importa notar que o art. 11º, deste Decreto Regulamentar Regional n.º 7/91/A, dispunha que poderiam “ser abrangidos pelo SAFIN os sócios de cooperativas de habitação, desd que não [houvessem] sido anteriormente beneficiados com a cedência de materiais para apoio à construção de casa própria”.

14. O Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, revogou expressamente o Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto.

15. O objecto do SAFIN foi alargado: deixou de compreender apenas a bonificação dos encargos bancários para a construção ou aquisição de casa própria (art. 1º, do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A) e passou a abranger, igualmente, a “ampliação e ou recupeação de habitação” (vide art. 1º, do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A).

16. Por outro lado, os requisitos de acesso – negativos, no caso do n.º 2, e das alíneas a), b), c), d), f), g) e h) do n.º 3, e positivo, no caso da alínea i), também do n.º 3 – são substancialmente alargados, considerando os anteriores “critérios para a candidatura” definidos nas alíneas do n.º 1, do art. 2º, do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto.

17. A mero título de exemplo, refira-se que passou a constituir requisito de acesso ao apoio “não ser o custo da recuperação ou ampliação da habitação objecto da condidatura superior a 4000 contos, nem o empréstimo contraído pelo interessado, para o efeito, superior a 3000 contos” [vide art. 3º, n.º 3, alínea f), do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A]. Esta disposição é totalmente inovadora uma vez que não tem paralelo no regime criado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto.

18. Alteração relevante foi a relativa ao novo prazo de duração do apoio: de sete anos (com possibilidade de chegar aos nove), passou para “um ano, renovável até ao limite máximo de sete anos, consecutivos ou não” (vide art. 4º, 1ª parte, do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A).

19. Mais substancial, porém, é a alteração resultante do disposto na 2ª parte deste mesmo art. 4º: os beneficiários devem “satisfazer necessariamente em cada renovação os requisitos previstos no artigo 3º e dar cumprimento ao previsto no artigo 12º”. O art. 3º, como já ficou referido, define os requisitos, negativos e positivo, de acesso ao SAFIN; a referência ao art. 12º aponta para o cumprimento das obrigações impostas pela alínea c) do n.º 1 (de apresentação de documento comprovativo do montante pago, mensalmente, a título de juros, no mês seguinte ao correspondente ao da data de celebração da escritura) e pelo n.º 3 (prova anual do cumprimento das obrigações referentes ao empréstimo objecto do subsídio).

20. Refira-se, ainda, que a disposição que previa a possibilidade dos sócios de cooperativas de habitação serem abrangidos pelo SAFIN (desde que não tivessem sido anteriormente beneficiados com a cedência de materiais) deixou de ter correspondência no Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A.

21. Conclui-se, portanto, que o sistema de apoio financeiro criado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, é substancialmente diferente daquele que havia sido instituído através do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto (1). E, como igualmente ficou visto, as alterações não consistiram em meros ajustamentos (como seria de esperar pela leitura do prêmbulo do novo diploma) mas em efectivas modificações da estrutura do regime do apoio financeiro à habitação.

22. Não obstante serem mais vastas as alterações de fundo ao SAFIN, importa destacar as relativas à duração do benefício e às condições de acesso, como forma de ilustrar a ruptura operada com a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, e a circunstância de se estar, consequentemente, perante um diferente regime de apoio financeiro à habitação.

23. Com efeito:

Duração do Benefício

No âmbito do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto
duração de 7 anos, podendo chegar a 9 anos.

No âmbito do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril
concedido pelo prazo de 1 ano, renovável até ao limite máximo de 7 anos

Condições de Acesso

No âmbito do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto

– não ter o interessado outra habitação própria
– não ter beneficiado do programa de apoio à auto-construção
– não ter adquirido ou construído a actual habitação há mais de 12 anos
– não ter contraído empréstimo superior a 7000 contos
– não ser o rendimento mensal bruto do agregado familiar superior a 8 vezes o SMN
– não ser a área da habitação adquirida ou construída superior a 160 m²

No âmbito do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril

– não ter sido o interessado, ou qualquer dos elementos do seu agregado familiar, apoiado pelo programa de recuperação de habitação degradada em montante que, a preços correntes e somado ao subsídio a ser concedido, ultrapasse o valor do apoio a que teria direito num dos programas referidos no art. 3º, n.º 3, alínea b), do SAFIN

– não ser o interessado, ou qualquer dos elementos do seu agregado familiar, proprietário de prédios urbanos ou rústicos, salvo se estes últimos forem fonte de rendimento do agregado familiar e não sejam passíveis de ser urbanizados

– não ter o interessado, ou qualquer dos elementos do seu agregado familiar, beneficiado do apoio à construção ou aquisição de habitação própria

– Não ter construído ou adquirido a habitação objecto da candidatura há mais de 5 anos

– Não ser o custo da construção ou aquisição da habitação objecto da candidatura superior a 11000 contos, nos 2 anos anteriores à candidatura, nem o empréstimo contraído pelo interessado, para o efeito, superior a 9000 contos

– Não ser o custo da recuperação ou ampliação da habitação objecto da candidatura superior a 4000 contos, nem o empréstimo contraído pelo interessado, para o efeito, superior a 3000 contos

– Não ser o rendimento mensal ilíquido do interessado, ou do seu agregado familiar, com base no ano anterior ao da candidatura, superior aos limites constantes das subalíneas da alínea g) do n.º 3 do art. 3º, do SAFIN

– Não ultrapassar a área bruta da habitação adquirida, construída, ampliada e ou recuperada, os valores constantes das subalíneas da alínea h) do n.º 3 do art. 3º, do SAFIN

– Ter sido o empréstimo contraído para construção, aquisição de casa própria, ampliação e ou recuperação de habitação, nas condições vigentes para o crédito à habitação.

24. O programa SAFIN que passou a vigorar após a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, tem, pois, características – e implicações – que o afastam daquele criado inicialmente através do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto.

25. Quando, no decurso do prazo de vigência do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, foram apresentados pedidos de apoio financeiro ao abrigo do SAFIN, os requerentes candidatavam-se a bonificações aos encargos de crédito obtido em instituições bancárias para a construção ou aquisição de casa própria, atribuídas pelo prazo de sete ou nove anos. Após a apresentação da candidatura, e instruído o respectivo processo, caso o pedido merecesse decisão favorável, “a satisfação dos encargos que [fosse] concedida [seria] efectuada directa e trimestralmente pelo Governo, por depósito em conta do beneficiário expressamente aberta para o efeito na instituição financiadora (…)” (vide art. 9º, n.º 1).

26. O argumento segundo o qual a solução da questão da existência de apoios financeiros atribuídos na vigência do SAFIN aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, foi encontrada mediante a publicado, no Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, da norma transitória constante do art. 15º (2) não colhe em absoluto.

27. Com efeito, os beneficiários dos apoios concedidos tinham (e continuam a ter, como se verá) um direito, resultante das decisões que, nos termos do art. 8º, do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, apreciaram os pedidos de bonificação. Os actos em causa são constitutivos de direitos e, como tal, irrevogáveis, nos termos do disposto no art. 140º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.

28. Acrescidamente, dir-se-á a norma em causa, no sentido em que está a ser aplicado pela Direcção Regional de Habitação (comunicando o cancelamento do processamento do subsídio) atinge o princípio da confiança emanado do art. 2º, da Constituição. No caso em apreço, estamos perante direitos resultantes da aprovação dos processos administrativos regularmente instruídos. A protecção destes direitos decorre, igualmente, do princípio do Estado de direito democrático o qual “mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional que densificam a ideia da sujeição do ponder a princípios e regras jurídicas, garantido aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança” (cfr. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada).

29. A alteração do regime do SAFIN operada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril, não é aplicável aos beneficiários com pedidos já decididos porquanto – socorrendo-me, embora em contexto diferente, da argumentação do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 1/97 – “são ainda postas em causa as expectivas que se referem ao conhecimento prévio das regras de um concurso público e à manutenção de tais regras até à produção de todos os efeitos legais desse concurso” uma vez que estamos perante “(…) as expectativas associadas à manutenção do quadro legal em que se opera um concurso público até ao seu termo, que decorrem da própria segurança jurídica característica do Estado de direito democrático”. No caso em apreço, mais do que expectativas estamos perante verdadeiros direitos adquiridos pelo que os argumentos têm força acrescida.

II – Conclusões

30. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO:

Que a Direcção Regional da Habitação continue a processar o pagamento dos subsídios atribuídos no âmbito da vigência do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, a todos os candidatos cujo processo mereceu decisão favorável, nos exactos termos dessa decisão e pelo período dela constante.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) E isto não obstante o legislador ter assegurado, no preâmbulo do diploma, que “as alterações que se pretendem agora introduzir não desvirtuam em nada o sistema original, pretendendo, apenas, definir vários conceitos com mais rigor, formular com mais objectividade a constituição do apoio e a duração do benifício (…)” (cfr. parágrafo 3º do preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 7/95/A, de 29 de Abril). Esta afirmação, como fica visto, não corresponde à realidade.

(2) A norma em causa é a seguinte:

Artigo 15º
Normas transitórias

1 – Os beneficiários apoiados ao abrigo do Decreto Legislativo Regional n.º 13/90/A, de 7 de Agosto, ficarão abrangidos pelas disposições constantes do presente diploma dois anos após a data da sua aplicação.
2 – Decorrido o prazo fixado no número anterior, os apoios concedidos ao abrigo daquele diploma serão reanalisados nos termos constantes do n.º 3, alíneas a), g), h) e i), do artigo 3º e ainda do artigo 9º do presente diploma.
3 – Aos apoios reanalisados, nos termos dos números anteriores, aplica-se o disposto no artigo 4º do presente diploma, considerando-se para esse efeito o período de tempo em que o interessado já usufruiu do subsídio.”