Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas
Número: 19/A/98
Processo: 2699/92
Data: 19.03.98
Área: A1

Assunto: AMBIENTE – RUÍDO – ACTIVIDADE INDUSTRIAL RUIDOSA – INEXISTÊNCIA DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – CONTRA-ORDENAÇÃO – DESPEJO ADMINISTRATIVO – PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO

Sequência:Acatada

I – Exposição de Motivos

1.Com base em reclamação, foi organizado e instruído processo a respeito da intervenção das autoridades administrativas quanto à invocada incomodidade causada pelo ruído proveniente do funcionamento da instalação de refrigeração de uma empresa, sita em Riachos, Torres Novas.

2.Não obstante a queixa ter sido apresentada em … /92 (quando haviam já sido desenvolvidas diligências no sentido de repor a legalidade urbanística), a situação reclamada ainda apresenta as mesmas características similares de incomodidade às que motivaram a reclamação inicial.

3.A instrução do presente processo permitiu, à partida, dar por verificada a procedência da queixa dirigida ao Provedor de Justiça.
Com efeito, o funcionamento da instalação de refrigeração da empresa, provocava – como ainda provoca – ruído a níveis incomodativos, sem que as autoridades de polícia administrativa tenham adoptado providências adequadas para o fazer conformar com os padrões regulamentares.

4.Ainda em 1993, a G.N.R.-Guarda Nacional Republicana, através do ofício n.º … , da Secção Territorial de Torres Novas, dava conta da produção de ruído a níveis incomodativos e da realização, pela empresa reclamada de obras de insonorização.

5.A sociedade, responsável pela actividade, reconheceu a necessidade de assegurar uma melhoria nas condições de isolamento acústico da instalação ruidosa, designadamente “no condensador evaporativo através da instalação de um atenuador de som, nos ventiladores, com o fim de reduzir a propagação.

6.Em … /92, foi realizado,pelo Centro de Coordenação Distrital de Protecção Civil de Santarém, exame de medição acústica na residência do reclamante. Foi observado, então, que o grau de incomodidade se situava em 11,0 dB (A).

7.Em …/93, o Instituto de Soldadura e Qualidade realizou, também na residência do reclamante, um ensaio de medição do ruído cujo resultado determinou uma diferença entre o nível sonoro equivalente do ruído perturbador (Leq) e o nível sonoro do ruído de fundo, excedido em 95 % do tempo (L95), da ordem de 14,2 db (A).

8.Uma vez que, nos termos da alínea a), do n.º 1, do art. 20º, do Regulamento Geral sobre o Ruído (abreviadamente R.G.R.), aprovado pelo Decreto-Lei 251/87,de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, a diferença entre o ruido perturbador e o ruído de fundo não pode exceder os 10 dB (A), os valores encontrados excediam os níveis legalmente permitidos.

9.Pese embora outras entidades terem tido intervenção neste processo – designadamente o Governo Civil do Distrito de Santarém, a Administração Regional de Saúde de Santarém, a Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo e a Direcção-Geral das Pescas (enquanto entidade licenciadora da actividade da industria transformadora do pescado em terra) – dirijo a presente recomendação a V.Exa., Senhor Presidente, porquanto o mero exercício das competências próprias da Câmara Municipal de Torres Novas poderia ter evitado o arrastamento da situação. Para além dos aspectos ambientais descritos, os factos não deixam de revelar uma problemática urbanística em matéria estritamente dependente dos poderes camarários.

10.Na verdade, em …/97, a Câmara Muncipal de Torres Novas, questionada sobre a utilização licenciada para o edifício da empresa e sobre a autorização relativa ao aparelho de refrigeração, informou este Órgão do Estado que “não houve qualquer licenciamento para o edifício em questão, bem como não houve autorização para a instalação de refrigeração (…)” (Cfr. ofício n.º …).

11.A intervenção da Câmara Municipal de Torres Novas no âmbito das competências relativas ao licenciamento municipal de obras particulares permitirá comprovar a conformidade do edifício em questão com os requisitos técnico-funcionais legalmente impostos.

12.Com efeito, é da competência das câmaras municipais o licenciamento das obras de construção civil, designadamente de edifícios novos, reconstruidos, reparados, ampliados ou alterados ou das suas fracções autónomas, bem como a concessão das respectivas licenças de utilização (Cfr. art.s 1ºe 26º, n.º 1, do Regime de Licenciamento das Obras Particulares).

13.A ocupação de edifício em relação ao qual inexista licença de utilização configura, em princípio, uma contra-ordenação, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 54º, do Regime de Licenciamento de Obras Particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.

14.A contra-ordenação referida, além de dar lugar ao pagamento de coima, sujeita a despejo administrativo os ocupantes das edificações ou das fracções autónomas utilizadas sem as respectivas licenças (Cfr. art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44.258, de 31 de Março de 1962).

15.A circunstância de a utilização do edifício não se encontrar licenciada significa, acrescidamente, que não foi realizada análise específica do cumprimento das disposições do R.G.R.

16.Com efeito, o diploma aprovado pelo Decreto-Lei 251/87, de 24 de Junho e, posteriormente, alterado pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, prevê que a verificação da conformação dos requisitos técnicos dos edifícios -tanto dos destinados a habitação, como daqueles onde se exerçam actividades industriais, comerciais ou de serviços -com as pertinentes normas de isolamento acústico, ocorra no respectivo processo de licenciamento municipal.

17.Nos termos do disposto art. 2º, do R.G.R., a construção de edifícios, a laboração de indústrias, comércio e serviços, o tráfego (rodoviário, ferroviário e aéreo) e a sinalização sonora, são as actividades compreendidas no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho (Cfr. alíneas a) a f), do art. 2º).

18.Mas, em extensão, o Decreto-Lei n.º 251/87 submete à sua disciplina todas as “actividades geradoras de ruído ,…) que possam causar incomodidade” (Cfr. n.º 1, do art. 20º), pelo que, ainda que não licenciadas ou licenciáveis, as actividades geradoras de incomodidade pelo ruído provocado devem sujeitar-se às condições técnicas impostas para o respeito das imposições do R.G.R..

19.Esta disposição, contida no art. 20º, integrada no capítulo relativo às actividades ruidosas, define os requisitos a que deve obedecer o licenciamento de quaisquer actividades ruidosas.

20.O limite sonoro máximo permitido é de 10 dB (A), uma vez que, nos termos da alínea a) deste art. 20º, a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido do ruído proveniente dos locais em questão, e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, que é excedido, num período de referência, em 95% da duração deste (L95), deve ser inferior ou igual aquele valor.

21.O Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, embora alterando a redacção dos art.s 20º e 21º, manteve o limite de 10 dB (A).

22.Não obstante, a nova redacção do n.º 2 do art. 20º introduziu uma presunção “juris tantum”, nos termos da qual a licença ou a imposição de condicionalismos para a realização de actividades ruidosas presume-se concedida sob condição de respeito por aquele limite.

23.Acrescidamente, o art. 21º, dispondo sobre actividades ruidosas em geral, dispõe que só devem ser autorizadas nas proximidades de edifícios de habitação, escolares, hospitalares ou similares e de estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento, quando:

a)Seja respeitado o limite sonoro máximo de 10 dB (A);

b)Ocorra a sua suspensão

– entre as 22,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, de domingo a quinta-feira;

– entre as 24,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, à sexta-feira, ao sábado e nas vésperas de dias feriados.

24.O n.º 3 do art. 20º determina que incumbe às entidades competentes para o licenciamento ou autorização, ouvidas as entidades fiscalizadoras, a imposição, expressamente e a título excepcional, dos condicionamentos tendentes ao cumprimento das imposições do R.G.R.

25.O edifício da empresa, sito em Riachos, Torres Novas, não foi licenciado, nem dispõe, consequentemente, de licença de utilização.

26.A instalação do aparelho de refrigeração não foi, da mesma forma, autorizada.

27.Uma vez que não ocorreu licenciamento municipal, não houve prévia verificação da conformação dos requisitos técnicos do edifício com as pertinentes normas de isolamento acústico, nos termos do regime instituido pelo R.G.R.

28.Por outro lado, mesmo não tendo sido organizado processo de licenciamento, a actividade ruidosa é fiscalizada, em especial para verificar se é ultrapassado o limite sonoro de 10 dB (A) e se ocorre a sua suspensão entre as 22,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, de domingo a quinta-feira, e entre as 24,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, à sexta-feira, ao sábado e nas vésperas de dias feriados.

29.A mesma fiscalização (de actividade ruidosa) é ainda assegurada, independentemente da questão da ultrapassagem do limite de 10 dB (A), por forma a verificar se provoca, no caso concreto, incomodidade para terceiros.

30.Resulta, pois,que o edifício em causa não reúne as condições indispensáveis para a utilização que a empresa lhe vem dando.

31.Nessa conformidade, o ruído produzido para o exterior do edifício provoca grave incomodidade, designadamente para os moradores dos edifícios vizinhos, como foi possível constatar dos exames de medição acústica.

32.Por outro lado, não só o edifício em causa não foi construído com precedência de processo de licenciamento camarário (e não dispõe, por esse facto, da necessária licença de utilização) como, da mesma forma, a instalação do aparelho de refrigeração que provoca incomodidade acústica não foi autorizada.

33.Não obstante o que ficou dito, pode a situação de ilegalidade vir a ser regularizada, nos termos do disposto no art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, caso se reconheça que o edifício pode vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis. Em tal caso, e ao abrigo da citada disposição, poderá condicionar-se a deliberação favorável por parte da Câmara Municipal, ao cumprimento das pertinentes exigências legais e regulamentares.

34.Caso verifique que não é susceptível de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, a Câmara Municipal de Torres Novas deve promover o despejo do edifício, por estar a ser utilizado sem a necessária licença de utilização.

II – Conclusões

De acordo com as razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art0 200, n.º1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A. Que a Câmara Municipal de Torres Novas promova, nos termos do disposto no art. 1670, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, processo de regularização da situação jurídico – urbanística do edifício sito em Riachos, Torres Novas, da empresa…

B.Que, caso o edifício não seja susceptivel de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis, a Câmara Municipal de Torres Novas promova, nos termos do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, o despejo do referido edifício, em virtude daquele estar a ser utilizado sem dispor da necessária licença de utilização.

Permito-me, ainda, recordar a V.Exa. que a presente Recomendação, nos termos do artº 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,constitui V.Exa. no dever de comunicação a este Órgão do Estado da posição que a Câmara Municipal de Torres Novas vier a assumir em face das respectivas conclusões dentro dos 60 próximos dias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL