Presidente da Assembleia da República

Proc. P-11/92
13/B/98
1998.12.18
Área:A1
Sequência: Acatada

Foi elaborado neste Órgão do Estado um estudo sobre as áreas urbanas de génese ilegal, a partir da análise dos regimes jurídicos contidos no Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro e na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, e da sua aplicação.
As questões suscitadas a propósito da reconversão e legalização dos loteamentos clandestinos, as quais me foram presentes através das várias queixas apresentadas na Provedoria de Justiça sobre o assunto, revelam a extensão e gravidade dos problemas que afectam não apenas os particulares interessados no processo de reconversão, mas também as entidades públicas competentes, sobretudo municipais.

No âmbito da instrução dos processos abertos na Provedoria de Justiça, foram ouvidas as Câmaras Municipais das autarquias que mais frequentemente deparam com o problema da existência de loteamentos clandestinos, coincidindo aquelas com os municípios sitos na área envolvente do município de Lisboa.
A análise dos problemas em causa e a ponderação das soluções que possam contribuir para a sua resolução constituem o objecto do presente estudo. De entre as conclusões alcançadas, releva, em especial, a necessidade de introdução de modificações legislativas, alterando-se a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, por forma a dotar o quadro legal aplicável de maior eficácia e justiça.

No capítulo VI do estudo incluem-se as Recomendações legislativas que entendi formular, no exercício dos poderes que me são constitucional e legalmente conferidos, as quais dirijo à Assembleia da República.
Na certeza de que a Assembleia da República não deixará de considerar a necessidade de aperfeiçoamento do actual regime legal de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal, subscrevo-me, solicitando a Vossa Excelência, nos termos do disposto no art. 38º, n.ºs 2 e 3, do Estatuto do provedor de justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que me comunique a apreciação feita por esse Órgão de Soberania das presentes Recomendações.

Em anexo: Estudo sobre a reconversão das áreas urbanas de génese ilegal.

Áreas Urbanas de Génese Ilegal
Avaliação dos Regimes Legais e da Sua Aplicação

ÍNDICE: I. Introdução.; II. Os problemas; III. Regime jurídico do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro; 1. Introdução; 2. Âmbito de aplicação (uma análise sistemática); 2.1. o art. 1º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro; 2.2. os Decretos-Lei n.ºs 275/76, de 13 de Abril e 289/73, de 6 de Junho; 2.3. o Decreto-Lei n.º 278/71, de 23 de Junho; 3. Regime Legal; 4. O Procedimento de Legalização; 5. O Projecto; 6. Associação da Administração com os proprietários; 7. Impossibilidade ou inviabilidade de legalização; IV. Regime jurídico da Lei n.º. 91/95, de 2 de Setembro; 1. Introdução; 2. Âmbito de Aplicação; 3. Delimitação das AUGI; 4. Modalidades do processo de reconversão; 4.1 Pedido de loteamento; 4.2 Plano de pormenor de reconversão; 5. Regime da Administração da AUGI; 5.1 Os órgãos da Administração Conjunta; 5.2 As competências; 6. Competências das entidades públicas versus deveres dos interessados; 6.1 Na Reconversão por iniciativa dos particulares; 6.2 Na Reconversão por iniciativa municipal; 6.2.1 Com o Apoio da Administração Conjunta; 6.2.2 Sem o Apoio da Administração Conjunta; 6.3Dever de reconversão; 7. Do Regime de Excepção; 8. Divisão de Coisa Comum e Registo; 9. Legalização de Construções; V. Das conclusões alcançadas

I. Introdução

Foram apresentadas ao provedor de justiça várias queixas relativas aos procedimentos em curso de reconversão urbanística e legalização de áreas de construção clandestina, associadas, na generalidade dos casos, a operações de loteamento (ou divisão de terrenos) não precedidas da necessária licença municipal.

Os problemas descritos incidem, fundamentalmente, sobre dois aspectos, quais sejam o da direcção das operações de reconversão e legalização destas áreas e o da execução e financiamento das obras de urbanização em falta.

Os aspectos focados prendem-se com a aplicação dos sucessivos regimes legais, constantes dos Decretos-Lei n.ºs 804/76, de 6 de Novembro e 90/77, de 9 de Março e da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, a qual atribui às situações em análise a designação de “áreas urbanas de génese ilegal (AUGI)”, quer contestando-se a bondade das soluções legais preconizadas, quer, sobretudo, reclamando-se a sua aplicação pela Administração Pública. Isto porque se verifica que em muitos dos processos de reconversão, a iniciativa e direcção das operações e loteamento e das obras de urbanização foi deixada aos particulares, organizados em comissões ou associações, cujo funcionamento tem merecido contestação, sobretudo por parte dos não associados ou não representados nas mesmas.

II. Os problemas

As queixas apresentadas nesta matéria deram origem a vários processos abertos na Provedoria de Justiça, mostrando-se útil ao estudo em análise o conhecimento de algumas situações de facto, elucidativas da real dimensão do problema das áreas urbanas de génese ilegal. Isto quer pela reiteração dos motivos das citadas queixas, quer pela extensão e gravidade das mesmas.

Não se deve perder de vista que se trata de um fenómeno associado ao crescimento dos grandes centros urbanos, em especial Lisboa, como se poderá denotar da descrição sumária das queixas que, em seguida, se enuncia.

Dessa descrição também se retira que a complexidade e a morosidade da resolução dos problemas suscitados estão, sem dúvida, associadas aos elevados custos da reconversão, nomeadamente no que concerne à execução das obras de urbanização e à necessidade de adequação das construções e usos conferidos aos terrenos às regras urbanísticas e de ordenamento do território, bem como às exigências ambientais.

Atente-se, pois, na diversidade das questões suscitadas, reflectindo diferentes pontos de vista, consoante o papel desmpenhado no processo de reconversão pelos reclamantes.

A – Concelho de Almada

Processo R-612/97

Foi apresentada uma queixa colectiva dando conta de problemas surgidos na reconversão da área urbana de génese ilegal designada Quintinhas-Pinheirinho, na Charneca da Caparica, especialmente no que se refere à actuação da Associação de Proprietários Moradores das Quintinhas-Pinheirinho, na sequência de um protocolo celebrado em 23.03.93, com a Câmara Municipal de Almada, nos termos do qual a realização das obras de urbanização fica a cargo da Associação, assim como o cálculo e cobrança das quantias correspondentes à comparticipação nas despesas, comprometendo-se o município a não licenciar as obras de construção senão mediante a apresentação de documento comprovativo do pagamento pelo requerente daquelas despesas, emitido pela Associação.

Alegam os reclamantes que os termos do citado protocolo não acautelam os interesses dos comproprietários, sobretudo dos não associados, que não se sentem representados junto da Câmara Municipal de Almada pela referida Associação, invocando o direito de não se associarem.
No que respeita às despesas de reconversão, os reclamantes pretendem que seja a Câmara Municipal a proceder ao seu cálculo e cobrança, porquanto consideram excessivas as quantias exigidas pela Associação de Proprietários Moradores e ilegítima a cobrança de juros de mora que é realizada por esta Associação, os quais atingem 2% ao mês.
A estas questões acrescem a alegada falta de clareza quanto às contas da Associação e ao procedimento seguido, para mais não tendo sido adoptada qualquer das modalidades previstas na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, bem como a demora na realização das obras de urbanização previstas.

A Câmara Municipal de Almada informou que, à semelhança do que acontece noutras áreas de construção clandestina existentes no concelho, a reconversão urbanística das Quintinhas-Pinheirinho tem sido conduzida pela Associação dos Proprietários, considerando que o principal obstáculo à reconversão consiste na recusa ou demora do pagamento das comparticipações nas despesas àquela inerentes. Mais entende a Câmara que não lhe compete fiscalizar o funcionamento das associações dos particulares.
Posteriormente, a Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo informou que a Câmara Municipal de Almada havia delimitado as Quintinhas-Pinheirinho como área urbana de génese ilegal, encontrando-se constituída a associação de proprietários e comproprietários, à qual cabe a administração conjunta da área, nos termos da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro. Por seu turno, a própria Associação de Proprietários Moradores das Quintinhas-Pinheirinho facultou uma cópia dos seus estatutos, bem como da acta da assembleia constitutiva da administração conjunta, na qual foi igualmente deliberado ratificar as deliberações da antiga Assembleia de Proprietários (entre as quais se inclui o citado acordo com a autarquia, com vista à realização das obras de urbanização).

Processo R-4466/97

Neste processo é a associação dos comproprietários que tem vindo a promover a reconversão urbanística da Quinta da Queimada-Nascente, situada nos concelhos de Almada e do Seixal, que apresenta queixa, alegando falta de participação das autarquias nas despesas com a realização das obras de infra-estruturas.
Os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento do Município de Almada esclareceram já que se encontram em fase de conclusão as obras de construção do emissário pluvial, cujos custos são exclusivamente suportados por esses Serviços e pela Câmara Municipal do Seixal.

B – Concelho do Barreiro

Processo R-1373/96

Foi apresentada uma queixa colectiva por parte dos moradores do bairro da Quinta dos Catarinos e Vale do Trabuco, freguesia de Santo António da Charneca, dando conta da demora na realização das obras de urbanização em falta (arruamentos e redes de esgotos), por parte da autarquia. Entendem os moradores que quer as obras quer as respectivas despesas devem ser assumidas pela Câmara Municipal do Barreiro. Neste caso, e conforme as informações prestadas pela Câmara Municiipal, o procedimento de reconversão foi iniciado no âmbito da vigência do Decreto–Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, tendo sido aprovado e publicado o Regulamento Municipal para Execução de Infraestruturas de Loteamentos Urbanos Realizados ao Abrigo de Planos de Reconversão (aprovado em 1991), no qual se definem os critérios de comparticipação, sendo da responsabilidade da Câmara a execução das obras de urbanização mas o respectivo custo suportado pelos proprietários dos lotes.

Processo R-1586/97

Este processo foi aberto com base numa queixa apresentada por um dos comproprietários da Quinta dos Catarinos e Vale do Trabuco e refere-se à exigência, pela Câmara Municipal do Barreiro, do pagamento de uma quantia destinada às obras de infraestruturação daquela área de construção ilegal. Embora a queixa seja apresentada em termos concretos e individualizados, as questões suscitadas são idênticas às colocadas no âmbito do citado Processo R-1373/96.

Processo R-3945/97

A queixa apresentada respeita à reconversão dos bairros da Quinta das Gateiras, Quinta dos Castanheiros e Quinta J. Onofre, merecendo contestação a quantia cobrada pela Câmara Municipal do Barreiro a título de compensação de infraestruturas, nos termos do citado Regulamento Municipal para Execução de Infraestruturas de Loteamentos Urbanos Realizados ao Abrigo de Planos de Reconversão, bem como a legitimidade da Associação de Moradores para adjudicação das obras de infraestruturas realizadas. A Câmara Municipal do Barreiro esclareceu que as áreas de construção clandestina foram definidas no Plano Director Municipal como unidades operativas de planeamento e gestão e, posteriormente, delimitadas como áreas urbanas de génese ilegal, tendo sido adoptado o processo de reconversão de iniciativa municipal com apoio da administração conjunta, previsto na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro. Mais informou que as obras de urbanização do supra referido bairro estão concluídas, com excepção da pavimentação dos passeios, devendo o seu custo ser suportado pelos interessados, como é o caso da reclamante, de acordo com os critérios regulamentares, podendo o pagamento ser feito em prestações.

C – Concelho de Loures

Processo R-1962/96

A queixa em análise foi subscrita pela Associação dos Moradores do Bairro do Mato do Antão e por vários comproprietários deste bairro, tendo por objecto a recusa, por parte da Câmara Municipal de Loures, de legalização do loteamento e construções existentes no local, reivindicando o direito à habitação (e à auto-construção). A Câmara Municipal informou que a legalização não é possível, porquanto a zona é classificada no Plano Director municipal de Loures como espaços não urbanizáveis (solos florestais e silvo-pastoris), pelo que as construções estão sujeitas a demolição, conforme já havia informado os interessados. Questionada a Câmara sobre a possibilidade de realojamento ou de atribuição de lotes e empréstimos ou subsídios para construção, foi esclarecido que apenas procedem ao realojamento das famílias residentes em barracas ao abrigo do Plano Especial de Realojamento, vocacionado para esse efeito.

Processo R-297/97

A reclamação põe em causa a condução do processo de reconversão da área urbana de génese ilegal de Vale Grande, freguesia da Pontinha, pela Associação de Melhoramentos Sócio-culturais do Vale Grande, sobretudo no que concerne ao cálculo e à cobrança das comparticipações nas obras de infra-estruturas e cobrança de juros de mora. Funda-se a queixa na ilegitimidade da Associação para exigir aqueles pagamentos e na falta de informação e controlo sobre as contas. A Câmara Municipal de Loures informou que o processo de reconversão foi iniciado em Agosto de 1986, por iniciativa particular (na vigência do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, considerando a autarquia que o cálculo e cobrança das verbas em causa são da responsabilidade exclusiva da Associação de Proprietários.

Processo R-4707/97

No âmbito deste processo, queixa-se um dos comproprietários do bairro do Casal dos Apréstimos, freguesia da Ramada, da recusa, por parte da Associação Cultural e Desportiva do Casal dos Apréstimos (hoje Administração Conjunta do Bairro Casal dos Apréstimos), de emissão de declaração indispensável à obtenção, junto dos serviços municipalizados de Loures e da LTE, respectivamente, do fornecimento de água e electricidade. A referida Associação, por seu turno, informou a Provedoria de Justiça que a edificação do reclamante não respeita o projecto de recuperação urbanística apresentado na Câmara Municipal de Loures e o regulamento aprovado para as edificações.

Processo R-1152/98

A queixa refere-se à reconversão da área urbana de génese ilegal do Bairro do Olival Queimado, em S. Julião do Tojal, no âmbito da qual foi exigido a um dos comproprietários a cedência de uma parcela de terreno para alargamento da via pública, com inerente destruição dos muros de vedação existentes. É pretensão do reclamante que o alargamento da via não seja feito apenas à custa dos lotes situados num dos seus lados, incidindo, assim, a questão sobre a repartição dos encargos inerentes à execução das obras de urbanização.
A Câmara Municipal de Loures informou que se trata de uma reconversão sujeita ao regime da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, na modalidade de iniciativa dos particulares, remetendo as opções em matéria de obras de urbanização e de repartição dos respectivos encargos para os órgãos próprios da administração conjunta.

Processo R-1469/98

Foi suscitada neste processo questão idêntica à do processo R-1152/98 (cfr. supra).

D – Concelho do Seixal

Processo R-1816/95

Neste processo, queixa-se o proprietário de um prédio rústico de 5000 m2, sito na Quinta das Laranjeiras, agricolamente aproveitado, em virtude do projecto do Plano de Pormenor da Quinta das Laranjeiras (entretanto publicado) prever a construção de uma escola no seu terreno. Considera o reclamante injusto o facto de ser sujeito às obrigações (de reconversão) que impendem sobre os que lotearam ou construíram ilegalmente na Quinta das Laranjeiras, o que ele não fez, nem pretende fazer. A Câmara Municipal do Seixal deu conta de algumas propostas de permuta do terreno em causa, as quais não foram aceites, sendo ponderada a possibilidade de alteração da localização do empreendimento escolar projectado.

Processo R-5468/96

Neste processo está em causa a reconversão do bairro do Pinhal do Conde da Cunha, em Foros de Amora, sobretudo no que concerne ao cálculo e cobrança das despesas de reconversão pela Associação para o Desenvolvimento do Pinhal do Conde da Cunha. Assim, a queixa refere-se à não comunicação atempada das importâncias devidas pelo interessado, as quais são cobradas posteriormente, acrescidas de juros moratórios elevados, bem como da falta de justificação e de quitação relativamente às quantias pagas.

Processo R-570/97

A queixa foi apresentada por uma associação de proprietários da freguesia de Fernão Ferro, a partir de situações verificadas nos procedimentos de reconversão das áreas de construção clandestina do Pinhal do General, do Pinhal do Conde da Cunha, de Redondos, da Quinta das Laranjeiras e dos Foros de Catrapona.
Reclamam os interessados uma maior intervenção da Câmara Municipal do Seixal, nos termos previstos na legislação aplicável, na medida em que os processos de legalização e reconversão pendentes têm sido conduzidos por entidades privadas, sobretudo associações de particulares, nas quais não se vêem representados.
Alegadamente estas associações elaboram os projectos de reconversão a submeter à aprovação camarária, executam as obras de infra-estruturas e cobram taxas, compensações, cedências e comparticipações, assim como elevados juros de mora.

Consideram os reclamantes excessivas a percentagem de área de terreno cuja cedência é exigida, baseando-se o seu cálculo em escalões fixados arbitrariamente, ao que acresce o facto de as áreas cedidas nem sempre serem utilizadas para o fim a que se destinavam.
Invocam os reclamantes que a Câmara Municipal exige, como condição da legalização dos lotes e das construções, a apresentação de documento comprovativo do pagamento das contribuições às associações, entre as quais o pagamento de uma sobretaxa de 20% cuja finalidade é desconhecida, sem que seja fiscalizado a afectação dessas receitas às despesas de urbanização.

Mais refere a queixa que não existe controlo sobre as contas das associações que têm promovido a reconversão das áreas clandestinas, desconhecendo-se, por vezes, a que se destinam as quantias cobradas, como acontece em casos em que servem as mesmas para aquisição de terrenos situados fora da área clandestina para instalação de equipamentos ou espaços de uso colectivo.
Ainda é dito que a forma como têm sido executadas as obras de infra-estruturas levanta dúvidas quanto à titularidade do direito de propriedade e de utilização das mesmas.

Processo R-4080/97

A queixa tem por objecto a reconversão do bairro clandestino de Redondos, na freguesia de Fernão Ferro. O reclamante insurge-se contra a exigência do pagamento de comparticipações nas despesas de urbanização e de juros de mora, considerando que assegura o pagamento de contribuição autárquica.

E- Concelho de Sintra

Processo R-1275/96

A queixa tem por objecto a exigência, pela Câmara Municipal de Sintra, do pagamento de despesas de urbanização, relativamente a um “lote” situado na área crítica de recuperação e reconversão urbanística designada por Casal de Cambra, freguesia de Belas, com base no denominado Plano Geral de Urbanização de Casal de Cambra, aprovado pela Câmara Municipal de Sintra, em 1994, mas não ratificado pelo Governo.

Processo R-2888/96

Trata-se da reconversão urbanística da referida área crítica de recuperação e reconversão urbanística designada por Casal de Cambra. A queixa reporta-se à exigência feita pela Câmara Municipal de Sintra da cedência de uma parcela de terreno para construção de um arruamento, implicando a demolição de um muro. A Câmara Municipal esclareceu que a cedência foi exigida nos termos previstos do designado Plano Geral de Urbanização de Casal de Cambra e na sequência de uma alteração do traçado do arruamento confinante com o lote, determinada pela execução da passagem superior n.º 3 à CREL (PS3).

Processo R-4943/96

A queixa é apresentada pela associação que vem promovendo a reconversão da área de construção clandestina do Vale dos Cavaquinhos ou dos Castanheiros. Pretende a reclamante que a Câmara Municipal de Sintra exerça os seus poderes legais, nomeadamente de expropriação, relativamente aos comproprietários que não procederam ao pagamento da sua quota parte nas despesas de urbanização, porquanto as obras foram iniciadas, mas encontram-se actualmente suspensas e a deteriorar-se, existindo já uma elevada dívida para com o empreiteiro, podendo vir a frustrar-se as expectativas dos comproprietários que procederam ao pagamento das suas comparticipações.
A Câmara Municipal de Sintra entende que se trata de uma relação entre privados, à qual é alheia, pois já comparticipou em 30% do valor das obras de urbanização.

F – Concelho de Vila Franca de Xira

Processo R-2761/97

Foi apresentada uma queixa subscrita pela proprietária de um prédio rústico, sito em Forte da Casa, objecto de uma operação de loteamento ilegal, dando conta da morosidade do procedimento tendente à emissão de alvará de loteamento. A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira informou que o loteamento clandestino data dos anos 80, tendo sido aprovado e publicado plano de pormenor. Uma vez que o mesmo apenas foi parcialmente ratificado, não abrange todos os lotes da reclamante, tendo a Câmara Municipal encetado contactos com o Instituto da Água, a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo e a Direcção Regional do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano com vista a que sejam retiradas as condicionantes que obstam à ratificação integral do plano.

III Regime jurídico do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro

1. Introdução

A primeira definição legal do regime de enquadramento da construção clandestina em larga escala, fenómeno associado, as mais das vezes, a operações de loteamento realizadas à revelia do devido licenciamento municipal, encontra-se no Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/77, de 9 de Março.

Estes dois diplomas, procurando disciplinar a situação criada por essas actividades clandestinas, desenvolvidas sobretudo nas regiões envolventes dos grandes centros urbanos, pautaram-se por “uma certa contemporização com as situações criadas, na medida em que se considere viável, técnica e economicamente, a reconversão das áreas, no que se refere aos edifícios e às infra-estruturas indispensáveis, e a ocupação das mesmas não se mostre contrária ao adequado ordenamento do território” (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 804/76).

Certo é que pragmaticamente se reconheceram as enormes dificuldades associadas à demolição de todos os edifícios construídos clandestinamente (investimentos realizados, desalojamento de famílias, etc.).

As soluções preconizadas, não obstante a inclusão da demolição no seu elenco, passam, assim, primacialmente pela possibilidade de legalização das operações de loteamento e das obras de construção efectuadas e pela reconversão urbanística da zona, ditada esta, sobretudo, pela necessidade de infraestruturação das áreas em causa.

Com efeito, nos termos art. 1º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, as áreas de construção clandestina poderão ser objecto, consoante as circunstâncias, de medidas tendentes à sua legalização, à sua manutenção temporária ou à imediata ou próxima demolição, devendo procurar-se o apoio dos interessados na primeira das hipóteses apontadas.

O legislador revela ainda que a disciplina das situações visadas contará com a devida colaboração entre a Administração Local e a Adnministração Central e, naturalmente, com a participação das populações.
As últimas preocupações expressadas no preâmbulo do diploma centram-se no papel e responsabilidades dos loteadores clandestinos, que poderão ter de pagar indemnizações pelos prejuízos causados, não recebendo, por seu turno, qualquer indemnização pelas expropriações que hajam de ser feitas no caso de, através de negócios jurídicos (inválidos), terem procedido à cedência dos terrenos e recebido importâncias dos pretensos adquirentes dos mesmos.

2. Âmbito de aplicação (uma análise sistemática)

2.1 O art. 1º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro

A disciplina fixada visa as designadas áreas de construção clandestina, ou seja, “aquelas em que se verifique acentuada percentagem de construções efectuadas sem licença legalmente exigida, incluindo as realizadas em terrenos loteados sem a competente licença” (art. 1º, n.º 1).

Como já se viu, poderá optar-se pela legalização das áreas de construção clandestina, pela sua manutenção temporária ou pela sua demolição (imediata ou próxima), sendo que as diversas medidas poderão ser adoptadas “conjuntamente” dentro de uma mesma área, se esta apresentar zonas diferenciadas, reclamando soluções igualmente diferenciadas.

Na definição do âmbito de aplicação da lei, não se poderá perder de vista que é excluída a opção de legalização quanto às áreas que tenham sido objecto de loteamentos clandestinos ou de cedência para construção em fraude à exigência legal de licença de loteamento depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de Abril (art. 17º).

2.2 Os Decretos-Lei n.ºs 275/76, de 13 de Abril e 289/73, de 6 de Junho
Deve recordar-se que o Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de Abril teve por escopo a repressão das actividades tendentes à divisão de terrenos em lotes e à construção sem o prévio licenciamento camarário, procurando prevenir e combater o desenvolvimento da construção clandestina.

Nesta linha, o diploma agora citado veio estabelecer um regime punitivo (prisão e multas) para as seguintes actividades:
a) a divisão de um terreno em lotes destinados à construção sem prévia licença ou caso esta se mostrar caducada ou suspensa;
b) a realização de trabalhos tendentes a esta divisão em lotes, nomeadamente obras de urbanização;
c) a autorização concedida a terceiros, por qualquer título, mesmo que juridicamente inválido, para construir no terreno, em fraude à exigência legal de loteamento.

Deverá notar-se que já o Decreto-Lei n.º 289/73, de 3 de Junho (regime de licenciamento das operações de loteamento e de obras de urbanização) previa a responsabilidade criminal dos que prosseguiam as actividades enunciadas nas alíneas a) e c), do parágrafo anterior, vindo agora o Decreto-Lei n.º 275/76 adoptar regime semelhante para os actos praticados após a sua entrada em vigor, até porque, como se lê no seu preâmbulo ” o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, já prevê sanções penais, que se podem considerar de certa gravidade, para os actos de loteamento clandestino.

Mas tais sanções não têm tido actuação prática, designadamente por falta de participação generalizada às autoridades competentes para a instauração de procedimento criminal”.

Do regime fixado no Decreto-Lei n.º 275/76 há ainda que realçar os poderes cometidos à Administração Local logo que se iniciem quaiquer trabalhos ou obras tendentes ao loteamento ilegal. Verificada essa ocorrência, podem os órgãos autárquicos competentes para o licenciamento dos loteamentos, tomar posse administrativa dos prédios, a qual terá por efeitos a imediata suspensão dos trabalhos e actividades visadas e a proibição de quaisquer trabalhos e actividades que não respeitem à exploração normal do prédio. Mais é conferido o poder de demolição das obras de urbanização realizadas sem licença ou em desconformidade com esta ou com prescrições legais e regulamentares.

Por seu turno, à Administração Central é conferido o poder de embargar os trabalhos e actividades tendentes ao loteamento clandestino, no caso de o município não tomar posse administrativa do prédio, bem como o poder de demolir as obras de urbanização ilegalmente realizadas.

Prevê-se ainda que a decisão judicial que condene o proprietário, comproprietário ou usufrutuário pela prática das actividades em causa decreta, do mesmo passo, a perda a favor do município do prédio ou prédios objecto da infracção.

Esta breve incursão no regimes sancionatórios fixados nos Decretos-Lei n.ºs 289/73 e 275/76, especialmente no que a este último se refere, apenas pretende dilucidar o que ficou dito quanto ao âmbito de aplicação das diversas medidas previstas no Decreto-Lei n.º 804/76. Assim, se o prévio licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização era obrigatório nos termos do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, a realização destas actividades à margem do regime legalmente fixado passa a ser estritamente reprimida depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de Abril.

Pelo exposto, compreende-se melhor que a escolha da data que determina (doravante) a impossibilidade de legalização dos loteamentos clandestinos coincida com a data da entrada em vigor de um regime legal que não apenas sanciona os autores dessas actividades, como prevê a posse administrativa das áreas onde as mesmas actividades sejam levadas a cabo, associada ao exercício de poderes de intervenção nessas áreas conferidos à Administração Local e Central.

De qualquer forma, a possibilidade de legalização das áreas de loteamentos e construção clandestinas nunca seria prevista para situações futuras, à semelhança do que acontece com o disposto no art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que prevê a legalização de obras de construção sem restringir o âmbito da aplicação do regime às situações pretéritas, pois aquele fenómeno atinge proporções e acarreta inconvenientes do ponto de vista ambiental e do ordenamento do território não comparáveis aos associados à feitura de obras de construção isoladas à revelia ou em desconformidade com a licença municipal.

2.3 O Decreto-Lei n.º 278/71, de 23 de Junho

Merece, a este propósito, referência o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 278/71, de 23 de Junho, não obstante ter sido operada a sua revogação por força do disposto no art. 18º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro.

Este diploma vem sufragar o que ficou dito quanto à diversidade das situações de construção clandestina, consoante se trate de uma infracção pontual ou de um fenómeno de larga escala, ao qual a lei associa os bairros clandestinos.

Se se reconhece que a demolição dos edifícios clandestinos pode ser evitada se as autoridades competentes reconhecerem que esses imóveis são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade (o que corresponde, grosso modo, ao que vem enunciado no citado art. 167º, do RGEU), optando-se pela legalização da obra, não podem deixar de se ponderar os custos que tal procedimento acarreta quando aplicado a áreas de construção clandestina. Daí que se considera que nos casos em que se admite a legalização de vários edifícios, “esta tolerância com as construções clandestinas, pode obrigar o Estado ou os municípios a subsequentes investimentos de vulto em infra-estruturas, dado que os bairros clandestinos carecem de arruamentos pavimentados, de redes de esgoto e de abastecimento de água e energia eléctrica (…). Uma vez legalizados, as autarquias locais são forçadas a custear essas obras. Mas não é razoável que os infractores venham depois a aproveitar da valorização imediata que daí resulta para os prédios (…). Isso equivaleria a premiar o desrespeito da lei”.

Estas preocupações estão na base da solução encontrada: a sujeição das edificações em causa a expropriação por utilidade pública, se for julgado necessário para a resolução do problema da habitação, mediante o pagamento de uma indemnização a cujo valor serão deduzidas as despesas com as obras de infra-estruturas.

3. Regime Legal

Dita a lei que verificada uma zona de construção clandestina será a mesma delimitada por decreto, o que se obtém pela conjugação do art. 5º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro (com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 90/77, de 9 de Março) com o art. 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos Solos). Com efeito, o citado art. 5º do Decreto-Lei n.º 804/76 remete para o disposto no Cap. XI da Lei dos Solos, que tem por epígrafe “áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística”, prevendo o seu art. 41º, n.º 2, que as mesmas sejam delimitadas por decreto.

Atenda-se, porém, ao que vem disposto no art. 10º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março (que aprova o regime de delimitação e coordenação das actuações da Administração Central e Local em matéria de investimentos públicos). Prevêem os citados preceitos que a delimitação das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística seja aprovada pela Câmara Municipal ou pela Assembleia Municipal, consoante haja ou não plano de ordenamentodo território em vigor.

A aplicação do referido capítulo do Decreto-Lei n.º 794/76 far-se-á com as necessárias adaptações, devendo notar-se que existem pontos de contacto entre as áreas de construção clandestina e as áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.

Estas áreas são definidas como aquelas em que a falta ou insuficiência de infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes, ou as deficiências dos edifícios existentes, no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade, atinja uma gravidade tal que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permita obviar, eficazmente, aos inconvenientes e perigos inerentes às mencionadas situações.

Sendo certo que as situações descritas não se reconduzem necessariamente a situações clandestinas, não menos certo parece poder concluir-se que os problemas suscitados pelas áreas de construção clandestina centram-se, em grande parte, na carência de infra-estruturas adequadas e de condições de habitabilidade dos imóveis, o que, se seguido o devido procedimento de licenciamento, não ocorreria. Do mesmo passo, em determinadas circunstâncias e ponderada a sua razoabilidade e eficácia, a resolução daqueles problemas também passa por operações de beneficiação e reconversão urbanísticas.

Assim, e de acordo com o regime fixado no citado capítulo XI da Lei dos Solos, a delimitação das áreas de construção clandestina tem por efeitos directos e imediatos: i) a declaração de utilidade pública da expropriação urgente dos imóveis de que a Administração careça para execução de trabalhos a realizar e ii) a faculdade de a Administração tomar posse administrativa dos imóveis ali situados para proceder à sua ocupação temporária, à sua demolição ou à realização de obras de reparação ou beneficiação, se urgentes (art. 41º).

Atente-se, porém, no regime fixado no Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, o qual, como já vimos, define o destino que pode ser dado a uma área de construção clandestina, de entre as seguintes alternativas: ou se procede à sua legalização, ou se opta pela manutenção temporária ou se adoptam medidas tendentes à sua imediata ou próxima demolição (art. 1º, n.º 2).

A escolha de cada uma das alternativas possíveis depende, no entanto, da verificação dos requisitos fixados na lei.

A legalização apenas será possível se for aceitável, na perspectiva do ordenamento do território, a ocupação da área para fins habitacionais, devendo ainda ponderar-se a viabilidade técnica e económica das obras de infraestruturas urbanísticas e da instalação de equipamentos sociais que se mostram indispensáveis, bem como considerar-se que as construções existentes são aceitáveis no que respeita à sua solidez, segurança e salubridade ou são susceptíveis de assim se tornarem mediante a realização de obras economicamente justificáveis (art. 2º, n.º 1).

Se os requisitos agora enunciados são de verificação cumulativa, tal só pode significar que a falta de um deles impede a legalização da área de construção clandestina, determinando, do mesmo passo, a necessidade de se optar pela manutenção temporária ou pela demolição das edificações clandestinas, não obstante a infeliz formulação dos artigos 3º e 4º, do Decreto-Lei n.º 804/76, mesmo na redacção que veio a ser introduzida pelo Decreto-Lei n.º 90/77, de 9 de Março.

Com efeito, os requisitos definidos para a opção de manutenção temporária ou de demolição não coincidem integralmente com a falta de verificação de alguns dos requisitos de legalização.
Afastada a possibilidade de legalização da área de construção clandestina, a Administração Pública pode decidir manter temporariamente as edificações existentes se não se mostrar necessária a ocupação da área para a realização de qualquer empreendimento público, desde que a manutenção das construções e da sua ocupação não acarrete perigos, para os ocupantes ou terceiros.

Por último, a demolição surge como a solução a adoptar nas situações de inviabilidade de manutenção das áreas clandestinas, ditadas quer pela necessidade de ocupação do terreno para localização de um empreendimento público projectado, quer pela falta de segurança oferecida pelas edificações existentes.

Quanto à norma constante do art. 4º, não será de mais notar que se exige um esforço acrescido ao intérprete aplicador, já que o preceito remete tão só para a verificação das circunstâncias referidas no art. 3º, n.º 1, alíneas b) e c), pese embora a formulação negativa das mesmas.

4. O Procedimento de Legalização

Verificada preliminarmente, e de acordo com os requisitos acima enunciados, a existência de uma área clandestina legalizável, como tal delimitada, a Administração Pública elabora um projecto de reconversão ou urbanização, nos termos do art. 6º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 5 de Novembro.

A formulação do preceito agora citado indica claramente que a elaboração do projecto em causa consubstancia um dever, não sendo, para mais, estabelecida qualquer opção ou alternativa.

5. O Projecto

O projecto de urbanização ou reconversão prevê as infra-estruturas e o equipamento social a instalar ou a melhorar e as despesas a tal associadas; o reordenamento dos lotes (redistribuições, correcções ou reduções), contemplando-se as áreas a ceder para a instalação daquelas infra-estruturas e equipamentos e as comparticipações a assumir quer pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e construções para as infra-estruturas e equipamentos, quer pelos loteadores clandestinos para a eliminação dos prejuízos causados pela sua actuação. Poderá ainda ainda conter normas sobre as obras de beneficiação que se mostrem indispensáveis à legalização das edificações existentes.

Sobre cada um destes aspectos do projecto, a lei vem estabelecer as directrizes a ter em conta na sua elaboração.

Desde logo, o reordenamento dos lotes é proporcional às áreas de cada um desses lotes, sem se perder de vista, contudo, a preocupação de salvaguarda das construções existentes e de manutenção da capacidade edificatória dos lotes mais diminutos.

As despesas previstas para fazer face à instalação e melhoramento das infra-estruturas projectadas, bem como à construção de equipamentos colectivos, deverão ser comparticipadas pelos proprietários ou possuidores das parcelas a constituir em lotes, quando e na medida em que tal comparticipação seja considerada socialmente justa e possível. Esta ponderação e quantificação dos montantes devidos por cada um, feita pela Administração, constitui elemento integrante do projecto.

Facultativamente o projecto pode contemplar facilidades a conceder a todos os interessados ou apenas àqueles cujos rendimentos do agregado familiar sejam mais reduzidos.

Estas facilidades incluem a possibilidade de pagamento faseado (em prestações) das referidas comparticipações e das despesas com obras de beneficiação que a Administração tenha assumido. Quanto a estas obras de beneficiação, poderá prever-se a concessão de empréstimos, mediante prestação de garantia adequada.

Por último, note-se que o projecto pode estabelecer que os terrenos da área passem a pertencer à Administração em propriedade, passando os possuidores dos lotes ou construções a titulares do direito de superfície. Este regime é, porém, obrigatório quando as áreas de construção clandestina constituam novos aglomerados urbanos ou expansão de aglomerados urbanos com mais de 25.000 habitantes (art. 8º).

6. Associação da Administração com os proprietários

A Administração, concluído o projecto, procurará obter o acordo dos proprietários e possuidores dos terrenos e construções, no que respeita à execução do referido projecto, nomeadamente quanto ao que o mesmo prevê em matéria de reordenamento dos lotes e comparticipações devidas (cfr. art. 9º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro).

A execução do projecto de urbanização ou reconversão depende da obtenção do acordo de “parte significativa” dos interessados, como resulta da leitura do art. 10º do diploma legal sempre citado. Na falta de outros elementos que possam integrar o preenchimento daquele conceito indeterminado, podemos recorrer ao disposto no art. 23º, n.º 2, alínea a), da Lei dos Solos, integrado no seu capítulo V (“Associação da Administração com os Proprietários”), para o qual remete o referido art. 10º. Com efeito, na Lei dos Solos, a associação da Administração com os proprietários baseia-se na concordância manifestada pelos proprietários ou outros interessados detentores de uma área igual ou superior a dois terços da área total dos prédios.

Não sendo obtido acordo de parte significativa dos interessados, a execução do projecto de legalização mostra-se inviabilizada, pelo que se pode concluir que à Administração restará optar por uma das soluções facultadas pela lei, no seu art. 11º (manutenção temporária da área; expropriação de toda ou parte da área, com demolição das construções que se não possam manter; demolição de todas as construções).

Obtido acordo quanto ao projecto, eventualmente com as alterações sugeridas pelos interessados e aceites pela Administração, deverá proceder-se à constituição de uma associação da Administração com os proprietários e possuidores que tenham dado o seu acordo, regendo-se esta associação pelo disposto no capítulo V da Lei dos Solos (e no Decreto n.º 15/77, de 18 de Fevereiro, que o veio regulamentar).

Quanto aos proprietários e possuidores que não prestem o seu acordo ao projecto (e estando excluídos da referida Associação), prevê-se no art. 10º, n.º 1, in fine, do Decreto-Lei n.º 804/76, que os respectivos terrenos ou construções são expropriados por utilidade pública. Aliás, podemos encontrar disposição semelhante no art. 23º, n.º 3, da Lei dos Solos, que determina que os imóveis expropriados na sequência da falta de acordo dos interessados integram a participação da Administração na associação com os proprietários.

A associação é constituída mediante auto lavrado por notário ou pelo chefe de secretaria da câmara municipal, onde consta o acordo dos interessados e a assinatura de todos (art. 24º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 804/76 e art. 6º, n.º 3, do Decreto n.º 15/77, de 18 de Fevereiro) e produz efeitos, apenas, entre os seus associados, não possuindo personalidade jurídica nem representando, para com terceiros, individualidade diferente da Administração (art. 4º do Decreto n.º 15/77).

Merece regulamentação a publicitação do acto de constituição da Associação, bem como a possibilidade e consequências das reclamações dos munícipes ou da recusa de participação dos interessados, o que serve o objectivo, ilustrado no preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 15/77, de “facultar um amplo e eficaz controlo das populações sobre o uso da associação da Administração com os proprietários, com vista a impedir que tal processo ou instrumento seja utilizado para favorecer interesses privados ou sem vantagem para o interesse público”.

A Associação tem por finalidades a realização dos trabalhos de urbanização, o loteamento e a partilha entre os associados dos lotes ou do produto da cedência dos mesmos, na proporção das respectivas participações (art. 25º, n.º 1, da Lei dos Solos).

Estas participações correspondem ao valor dos imóveis e direitos a eles inerentes dos associados particulares e, do lado da Administração Pública, ao valor dos imóveis que a mesma possuir na área (que incluem os prédios expropriados, como vimos) e ao capital que investir nas obras de infraestruturas (art. 24º, n.ºs 1 e 2).

Fixados estes valores, a propriedade dos imóveis é transferida para o património da Administração, sendo gratuito o registo e dispensado o registo prévio a favor dos associados particulares. Para o cancelamento dos ónus e encargos inscritos sobre os prédios é suficiente o título constitutivo da associação (pacto associativo, com menção do acordo dos interessados).

Esta transferência de património é justificada pelo facto de ser a Administração que procede aos trabalhos de urbanização e ao loteamento, isto é, compete-lhe a reconversão e legalização da área clandestina. A Administração passa a ser proprietária exclusiva de todos os bens, dispondo de amplos poderes de administração, sempre tendo em vista os fins da associação e o interesse comum (cfr. artigos 6º a 9º). De todo o modo, prevê-se a compensação dos encargos de gerência da Administração, por via do pagamento de uma retribuição proporcional ao preço da construção e das infra-estruturas (art. 10º).

Terminadas as obras de urbanização, a Administração procede à cedência dos direitos sobre os terrenos aos interessados (art. 13º do Decreto n.º 15/77), ou seja, aos associados particulares, quer estes tenham integrado a associação em virtude do seu direito de propriedade ou compropriedade, quer em razão da sua qualidade de possuidores dos terrenos ou das construções abrangidas pela área de construção clandestina, na medida em que sobre todos recaem os deveres de comparticipação inerentes à legalização.

Esta cedência pode ser realizada em propriedade plena ou em direito de superfície, consoante o que estiver previsto no projecto de reconversão (art. 13º). Nesta sede, o Decreto em análise remete para o disposto nos artigos 29º a 31º da Lei dos Solos.

Aqui se prevê que a cedência aos interessados é feita por acordo directo, tratando-se de terrenos destinados a habitação própria, de acordo com os critérios gerais aprovados ministerialmente, por preços não lucrativos para a Administração, atendendo aos custos de aquisição, acrescidos dos custos dos estudos e da realização dos trabalhos de urbanização calculados em relação a toda a zona.

Cumpre advertir que as disposições contidas nos artigos 29º e 5º da Lei dos Solos sobre a possibilidade de cedência da propriedade plena, restringindo-a (na medida em que a mera cedência do direito de superfície parece ser a regra), devem ceder perante o que vier estipulado no projecto de reconversão, no qual se optou pela cedência da propriedade ou do direito de superfície (sem prejuízo da regra legal imperativa contida no art. 8º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro).

Do mesmo modo, e quanto ao preço (contrapartida) pela cedência de lotes, não se pode perder de vista que o que se pretende é fazer repercutir as despesas com o loteamento e as obras de urbanização sobre os adquirentes dos lotes, parecendo irrelevantes as despesas com a aquisição dos terrenos pela Administração, pelo menos quando os mesmos correspondam às áreas transferidas para o património da Administração nos termos do art. 6º do Decreto n.º 15/77, de 18 de Fevereiro.

Assim, o preço a pagar corresponde ao valor das comparticipações previstas no projecto de loteamento de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro. Essas comparticipações são calculadas tendo em atenção as despesas inerentes à instalação ou melhoria das infra-estruturas e equipamento social, incluindo as relativas à obtenção dos terrenos necessários para a sua implantação.

Findo o processo de reconversão, estes terrenos ficam a pertencer à Administração (art. 14º, n.º 2 do Decreto n.º 15/77), à semelhança do que sucede com as áreas objecto de cedência para o domínio público no âmbito do licenciamento das operações de loteamento. Compreende-se, por isso, que o custo desses terrenos seja suportado proporcionalmente por todos os associados.

Nas disposições legais e regulamentares relativas aos custos e comparticipações devidas pelos associados particulares não se encontra referência explícita quanto à inclusão nas mesmas do valor dos terrenos que constituem a participação da Administração, eventualmente adquiridos por expropriação (art. 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 804/76). Parece que pelo menos as despesas de aquisição desses terrenos deverão ser contabilizadas e incluídas nas comparticipações sempre que os mesmos terrenos sejam afectos à instalação de infraestruturas e de equipamento colectivo.

A correspondência feita entre as despesas com as operações de reconversão e o montante total das comparticipações devidas pode, porém, não se verificar em concreto, atento que as mesmas só devem ser exigida na medida em que forem socialmente justas e possíveis (art. art. 6º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 804/76). Tal indicia que a Administração pode, na presença de situações de carência económica, que reclamem tratamento diferenciado, coadjuvar no pagamento das despesas a suportar pelos associados, o que deverá, desde logo, ser previsto no projecto de reconversão.

Preocupações congéneres poderão igualmente determinar a concessão de facilidades no pagamento das comparticipações, mediante a previsão do seu faseamento (art. 7º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 804/76).

Além das comparticipações devidas pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e construções nas despesas com a instalação ou melhoria das infra-estruturas e equipamento social, a lei prevê, ainda, uma comparticipação a assumir pelos loteadores clandestinos nas despesas necessárias para a eliminação dos prejuízos e inconvenientes causados pelos loteamentos clandestinos (art. 6º, n.º. 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 804/76).

Note-se a este propósito que, caso não sejam satisfeitas as referidas comparticipações, recai sobre os loteadores clandestinos a obrigação de pagamento de uma indemnização à Administração, correspondente às despesas que esta tenha que suportar com a instalação e melhoria das infra-estruturas necessárias (art. 16º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 804/76). No cálculo da indemnização devida pelo loteador clandestino atende-se quer à área dos terrenos por ele loteados, quer aos lucros obtidos com esta operação, considerando-se, ainda, os valores dos terrenos com que tenha constribuído para a execução do projecto de legalização (art. 16º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 804/76).

Face ao exposto e não obstante o art. 6º, n.º. 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 804/76 não se referir à medida da comparticipação dos loteadores clandestinos, será de considerar que a mesma traduzirá a aplicação dos critérios enunciados quanto ao cálculo da indemnização.

7. Impossibilidade ou inviabilidade de legalização

Como se viu anteriormente, não se mostrando possível a legalização por falta de preenchimento dos requisitos previstos no art. 2º do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro ou, ainda, não se mostrando viável a execução do projecto de legalização (v.g. falta de acordo de parte significativa dos interessados), restará à Administração optar, consoante as circunstâncias, pela manutenção temporária da área de construção clandestina, pela expropriação de parte ou da totalidade daquela área e das construções que se possam manter, com a demolição das restantes, ou pela demolição de todas as construções (cfr. art. 11º, n.º 1, do citado diploma).

Nas situações em que a Administração opte pela manutenção temporária da área, cabe-lhe, ainda, o poder de fazer cessar a ocupação da mesma, sempre que se torne desaconselhável o prolongamento da situação, determinando a demolição das construções, acompanhada ou não da expropriação dos terrenos.

Quanto às expropriações, determina o Decreto-Lei n.º 804/76 que serão tidos por interessados além dos proprietários e usufrutuários, os possuidores. A consequência mais visível desta asserção legal traduz-se no facto de as respectivas indemnizações não serem pagas àqueles titulares de direitos reais enquanto estes não provarem que não receberam qualquer importância por parte dos possuidores, ou que, tendo-a recebido, procederam já à sua restituição.

Compreendendo-se o objectivo contido na norma em análise, não se poderá deixar de criticar a fórmula encontrada pelo legislador para o prosseguir. Com efeito, a prova de facto negativo exigida aos proprietários e usufrutuários revelar-se-á, as mais das vezes, impossível. Aliás, prevenindo esta objecção, a lei remete para a via judicial a resolução das situações de complexa indagação, suspendendo-se, até à decisão final, o pagamento da indemnização.
Nas situações de insusceptibilidade de legalização, e quando estejam em causa lotes ou construções destinadas a habitação do possuidor ou do respectivo agregado familiar, a Administração poderá facultar lotes para o mesmo fim, dando preferência àqueles cujas construções forem prioritariamente demolidas e aos agregados que tenham menos recursos económicos. Quanto a estes últimos, prevê-se ainda a possibilidade de ser concedido empréstimo ou atribuído subsídio não reembolsável (artigos 14º e 15º).

Estas faculdades, a exercer no domínio de uma Administração prestadora, vêm na esteira do regime de realojamento previsto no capítulo XIII da Lei dos Solos, no qual se estabelece essa obrigação para a Administração nos casos em que haja que desalojar os moradores de casas de habitação para a realização de qualquer empreendimento ou a execução de qualquer actividade ou trabalho, se a situação sócio-económica dos referidos moradores o justificar.

Lamentavelmente, o novo regime de reconversão e legalização das áreas urbanas de génese ilegal não consagrou medidas semelhantes, em sede de protecção dos agregados de maior carência económica, cuja habitação possa ser posta em causa.

IV. Regime jurídico da Lei n.º. 91/95, de 2 de Setembro

1. Introdução

A Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, decorridos nove anos sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro, veio definir uma nova disciplina jurídica com vista à resolução dos problemas gerados pela construção ilegal e pelos loteamentos clandestinos.

A citada Lei n.º 91/95 surge, assim, como forma de responder às inúmeras situações de parcelamento ilegal de prédios existentes, quer àquelas que eram susceptíveis de ter sido reconvertidas por força da aplicação do Decreto-Lei n.º 804/76, mas que este se revelou incapaz de solucionar, quer às que se constituíram no decurso da vigência daquele diploma e as quais não eram sequer susceptíveis de legalização à luz do seu regime.

A necessidade de uma nova disciplina jurídica foi ditada, assim, pelo facto de o regime previsto no Decreto-Lei n.º 804/76, não ter permitido a reconversão e resolução dos problemas emergentes dos loteamentos clandestinos a que se aplicava, designadamente os que tiveram lugar em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de Abril.

O fracasso dos objectivos prosseguidos pelo Decreto-Lei n.º 804/76, como se referiu, resultou da escassa aplicação prática que este diploma mereceu, o que está, indiscutivelmente, associado à complexidade do regime fixado mas, sobretudo, ao facto de as autarquias não terem assumido as competências que lhe foram atribuídas em ordem à reconversão das áreas de construção clandestina.

Por outro lado, a disciplina repressiva prevista no Decreto-Lei n.º 275/76, em parte retomada pelo Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, não conseguiu evitou o aparecimento de inúmeros loteamentos clandestinos, os quais conheceram, mesmo nesta fase, uma clara expansão.

Não obtante, o novo regime de reconversão não revogou o Decreto-Lei n.º 804/76 e prevê, inclusivamente, que as medidas previstas pelo citado diploma podem continuar a ser aplicadas complementarmente e sempre que se revele necessário à reconversão da AUGI.

2. Âmbito de Aplicação

O regime excepcional estabelecido pela Lei n.º 91/95 não abrange todas as situações criadas em violação da lei, mas apenas as que o legislador julgou merecedoras de tutela, no intuito, porventura, de não incentivar a criação de novas situações idênticas, em detrimento do regime do licenciamento das operações de loteamento.

Como resulta, desde logo, do art. 1º da Lei n.º 91/95, este diploma aplica-se às áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), considerando como tais as áreas:

objecto de parcelamento físico antes mesmo de a lei prever o licenciamento das operações de loteamento, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46.673, de 29 de Novembro de 1965, quando predominantemente ocupadas por construção clandestina;

objecto de loteamento clandestino (prédios objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção, sem prévia licença municipal), desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46.673, de 29 de Novembro de 1965 até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, quando classificadas como espaço urbano ou urbanizável pelo respectivo plano municipal de ordenamento do território.

Cabe salientar a este propósito, que a Lei n.º 91/95 não tem um objecto tão amplo como o do Decreto-Lei n.º 804/76, o qual se aplicava a todas as áreas de construção clandestina, quer se tivesse verificado ou não um loteamento clandestino.

Assim, a Lei n.º 91/95, embora não se aplique apenas a situações de loteamentos clandestinos, só tem por objecto situações de construção clandestina quando estas tenham propiciado o parcelamento de um prédio ou conjunto de prédios, nos termos do n.º 3 do seu art. 1º.

Por outro lado, apenas são abrangidas pela Lei n.º 91/95 algumas situações já consolidadas pelo decurso do tempo, quais sejam, as constituídas antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84.

Aliás, também a aplicação no tempo do regime da Lei n.º 91/95 é limitada, impondo o seu art. 57º que as AUGI disponham de título de reconversão até 31 de Dezembro de 1999, para que possam beneficiar do regime previsto. De todo o modo, o regime deste diploma não se aplica apenas aos processos de reconversão iniciados depois da sua entrada em vigor, mas também aos processos pendentes nessa data, mediante requerimento dos interessados.

3. Delimitação das AUGI

Contrariamente ao que acontecia no âmbito do Decreto-Lei n.º 804/76, em que, como vimos, a delimitação das áreas de construção clandestina era realizada por decreto do Governo, a competência para proceder à delimitação das AUGI passa a caber às câmaras municipais, nos termos do art. 1º, n.º 4, da Lei n.º 91/95, o qual impõe, do mesmo passo, que essa delimitação seja realizada no prazo de 180 dias.

Relativamente às demais áreas de loteamento ou construção ilegais insusceptíveis de reconversão urbanística, estabelece a Lei n.º 91/95 que as câmaras municipais devem elaborar, no prazo de dois anos, estudo de reafectação destas áreas ao uso previsto no plano municipal de ordenamento do território (cfr. arts. 1º, n.º. 5 e 48º).

Não obstante a delimitação das AUGI competir às câmaras municipais, os proprietários ou comproprietários e os donos das construções erigidas e participadas na matriz podem apresentar, à câmara municipal respectiva, pedido de declaração da AUGI, acompanhado por proposta de delimitação devidamente justificada, sendo certo que, na falta de deliberação, os requerentes podem pedir, no Tribunal Administrativo de Círculo territorialmente competente, a intimação judicial da respectiva câmara para proceder à delimitação da AUGI.

4. Modalidades do processo de reconversão

Às câmaras municipais compete, igualmente, determinar qual das modalidades de reconversão das AUGI, previstas no art. 4º da Lei n.º 91/95, deverá ser adoptada em concreto.

Com efeito, a lei prevê duas modalidades de reconversão, quais sejam a reconversão por iniciativa dos proprietários ou comproprietários, com a apresentação de projecto de loteamento e a reconversão da iniciativa municipal, mediante a elaboração de plano de pormenor.

4.1 Pedido de loteamento

O pedido de loteamento que seja apresentado pelos proprietários ou comproprietários rege-se pelo disposto na Lei n.º 91/95 e, subsidiariamente, pelo regime do licenciamento municipal de operações de loteamento e de obras de urbanização, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.

Note-se que o procedimento estabelecido na Lei n.º 91/95 apresenta diferenças significativas relativamente ao do citado Decreto-Lei n.º 448/91. Tal decorre, naturalmente, do facto de a lei agora em análise estabelecer um regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (art. 1º, n.º 1).

Desde logo, o pedido inicial abrange quer o licenciamento do loteamento, quer o licenciamento das obras de urbanização, conforme resulta do elenco dos elementos que devem instruir o pedido, estabelecido no art. 18º da Lei n.º 91/95.

O pedido formulado pelos particulares é necessariamente instruído com o estudo de loteamento e o projecto das obras de urbanização, que serão objecto de apreciação em conjunto pela câmara municipal. Isto, sem prejuízo de a lei prever a dispensa de apresentação do projecto de obras de urbanização, nos casos em que já existam as redes de infra-estruturas e as mesmas se mostrem em condições de funcionamento (art. 18º, n.º 2).

Diversamente, no âmbito do licenciamento das operações de loteamento e obras de urbanização, sendo facultado aos particulares a possibilidade de, querendo, apresentarem os projectos em simultâneo, certo é que a apreciação camarária incidirá primeiro sobre o pedido de licenciamento de loteamento, correndo o prazo de apreciação do projecto de obras de urbanização apenas a partir da notificação da deliberação que haja merecido aquele pedido (art. 22º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro).

De entre os elementos instrutórios a apresentar, pela especificidade que apresentam relativamente ao regime dos loteamentos constante do Decreto-Lei n.º 448/91, salienta-se a planta da realidade actual da AUGI, com indicação das construções existentes e da medida em que as mesmas não cumprem o estudo apresentado ou as normas legais ou regulamentares aplicáveis.

Merece, igualmente, referência a obrigatoriedade de explicitação, na memória descritiva e justificativa, das construções a manter e das construções a demolir. Ainda em sede de instrução do pedido, releva-se a necessidade de apresentação de uma listagem dos possuidores das parcelas já constituídas.

Na sequência da recepção do pedido e no prazo de trinta dias, a câmara municipal deve apreciar liminarmente o pedido. Admitindo o mesmo, consulta as entidades que se devam pronunciar em virtude da existência de servidão administrativa ou restrição de utilidade pública, bem como as entidades gestoras das redes de infra-estruturas, nos termos dos arts. 19º e 20º da Lei n.º 91/95.

Não obstante o pedido de loteamento incluir os supra referenciados elementos sobre a realidade existente, a câmara municipal deve confirmar a mesma, assim como verificar as circunstâncias que determinam a manutenção, alteração ou demolição das construções, mediante a realização de uma vistoria, no prazo de 180 dias a contar da apresentação daquele pedido, prorrogável por igual período – art. 22º da Lei n.º 91/95.

Realizada a vistoria, além de poder autorizar o início das obras de urbanização que tenham merecido parecer favorável das entidades consultadas (art. 24º da Lei n.º 91/95), a câmara municipal está obrigada a decidir o pedido de loteamento, no prazo de trinta dias, por força do art. 25º da Lei n.º 91/95, sob pena de deferimento tácito do pedido, conforme estabelece o art. 26º, n.º 6, do mesmo diploma.

De acordo com o art. 25º, n.º 2, do diploma em análise, a câmara municipal só pode indeferir o pedido de loteamento com fundamento