Ministro da Agricultura

Rec. n.º 8/A/92
Proc.:R-125/90
Data:16-03-1992
Área: A 1

Assunto: LAZERES – CAÇA E PESCA – ZONA CINEGÉTICA ESPECIAL.

Sequência:

I. Tendo-me sido suscitada a questão do exercício do direito da caça por um titular de terreno submetido a regime cinegético especial na modalidade de Zona de Caça Turística (Z.C.T.) por força de uma agregação forçada nos termos do artigo 284 da Lei da Caça, sugere-me a mesma as seguintes considerações:

– Questão prévia relativa à condição jurídica da caça –

Concretamente pretende-se apurar se o exercício daquele acto venatório se inclui (ou não) nos poderes de fruição usuais e habitualmente contidos no direito de propriedade em geral.

Não cabendo agora apreciar ou tomar posição quanto às concepções romanistas ou germanistas sobre o assunto, pode-se seguramente afirmar que com a publicitação dessas matérias, a sua regulamentação legal tem vindo paulatinamente a subordinar-se a interesses eminentemente colectivos cabendo agora ao Estado zelar, não só pelo património cinegético nacional, como também, dirigir e orientar o exercício dessa mesma actividade (vd. art.º 4.º da Lei n.º 30/86 de 27 de Agosto) – isto sem prejuízo, como é óbvio, das limitações impostas pelos interesses particulares reconhecidos por aquela mesma lei, como mais adiante veremos. Daí que seja hoje pacífico o entendimento de que as limitações impostas pelo legislador àqueles direitos reais de gozo resultam das (legítimas) restrições do direito real maior que lhe está subjacente, i.e. do próprio direito de propriedade “tout court”. Assim se compreende que o exercício da caça se encontre hoje em dia, condicionado por uma série de restrições legais e requisitos formais (Vd. art.º 4.º e segs. do Decreto-Lei no 274-A/88 de 3 de Agosto); e que os próprios terrenos de caça, se encontrem subordinados a diferentes regimes cinegéticos, gerais ou especiais, cujo escopo se prende exactamente com a própria organização da actividade venatória e de ordenamento do património cinegético nacional, pelo que se poderá, em conclusão, dizer que o
direito de caça não é mais sinónimo de liberdade absoluta de caçar (concepção romanista) e também não é algo estritamente integrado no direito de propriedade
(concepção germanista). Generaliza-se portanto, a fixação por parte do Estado, de zonas de caça, quer sob o regime de administração directa (as Z.C.N. e Z.C.S.), quer sob o regime de concessão da sua exploração a outras entidades
(as Z.C.A. e as Z.C.T.).

II. Concluída esta introdução, e passando agora à análise da legislação que lhe é própria, verifica-se o seguinte:

1. Relativamente aos regimes cinegéticos especiais prevê expressamente o art.º 21.º, n.º 1 da mencionada Lei n.º 30/86 de 27 de Agosto que: “… o estabelecimento duma zona de regime cinegético especial carece de prévios acordos da entidade ou entidades titulares e gestores dos terrenos a serem submetidos aquele regime, nomeadamente no que respeita a entidade que acede ao direito de caça e terrenos de caça que a eles respeitam…”.

2. Em face de tal exigência, o artigo 65.º, n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 274-A/88 de 3 de Agosto, veio regulamentar tal matéria nos seguintes termos, respectivamente:

– “… Quando não for possível fazer intervir no acordo todos os proprietários e gestoras dos terrenos envolvidos, constitui documento bastante a acta da reunião
… e da qual constem todos os elementos essenciais do acordo”;

– “Para a reunião referida no número anterior devem ser convocados os proprietários e gestores dos terrenos a submeter a regime cinegético: especial, menos 30 dias de antecedência, por edital afixado …, e o acordo resultante da reunião considera-se válido para o início da instrução do processo de concessão desde que tenha obtido os votos favoráveis da maioria dos presentes”.

3. Regulada, portanto, a situação dos proprietários e gestores dos terrenos que deram o seu aval à constituição das referidas zonas de caça, resta saber qual a posição dos não aderentes, qualquer que seja a posição que adoptarem em relação àquele acordo; quer tenham adoptado conscientemente uma atitude passiva, quer se tenham oposto ao mesmo, quer ainda porque, pura e simplesmente, desconheciam a realização daquela reunião.

Em tais casos, e havendo que salvaguardar os seus legítimos interesses os n.ºs 6 e 7 daquele mesmo preceito vieram estatuir o seguinte:

– (os não aderentes) “… poderão apresentar reclamação ao Director-Geral das Florestas, no prazo de 90 dias a contar da data de afixação, …, dos editais a
anunciar a entrada do pedido de concessão”.

– “A D.G.F. excluirá do pedido de concessão os terrenos cujos titulares ou gestores tenham apresentado reclamação nos termos do número anterior”.

4. A “contrario sensu” afinal, consagra-se, uma forma de consentimento tácito a tal acordo por parte daqueles que não tenham apresentado qualquer reclamação, tudo se passando como se o tivessem aprovado tal como foi vertido na acta, pelo
que se lhes aplicará, “mutatis mutandis”, o regime estipulado pelos próprios celebrantes.

5. No entanto e apesar desta aparentemente segura ressalva dos direitos dos reclamantes, verifica-se, dizia, que aquela primeira lei supra referenciada veio permitir, no seu artigo 28.º, que mesmo na ausência de acordo previsto naquele seu artigo 21.º “… as entidades a quem tenham sido concedidos direitos de exploração de zonas de caça em regime cinegético especial poderão solicitar … a agregação de terrenos do regime cinegético geral que constituem enclaves na sua zona de caça, desde que a superfície destes não exceda 10% da superfície resultante dessa agregação”.

6. Assim e desde que observados tais condicionalismos, poderão (aqueles titulares ou gestores), ser compelidos a submeterem-se àquele novo ordenamento cinegético sem que para tal tenham dado o seu assentimento tácito ou expresso, sendo para mais privados daquele seu direito de caça que primitivamente detinham
enquanto enquadrados no regime cinegético geral. Tal solução apresenta-se-me incongruente, sabendo-se, como se sabe, que na criação de tais zonas especiais, os interesses estritamente particulares dos entes que as exploram não são, de forma alguma, despiciendos – eles poderão até dominantes consoante os objectivos essenciais pugnados, em cada momento, pela lei (cfr. art.º 27.º da Lei da Caça).

7. Reconhecendo o próprio legislador que tal constituiria uma atitude demasiado violenta para os sujeitos àquela injunção legal apressou-se a ressalvar, no n.º 3 daquele mesmo artigo que “No caso de despacho favorável, não havendo acordo entre as partes, condições dessa agregação serão fixadas pelos serviços competentes do MAPA .”

8. Ora apesar do período de tempo entretanto decorrido desde a publicação do diploma que rectificou a Portaria n.º 62/89 de 30 de Janeiro (que criou aquela zona de caça ora em apreço), i.e. a Portaria n.º 566/89 de 21 de Julho a qual veio, exactamente, englobar tais terrenos tidos por enclaves naquela zona, e o momento actual, ainda não foram que se saiba, estabelecidas as condições referidas naquele número, pelo que:

III. Urge regular a situação dos assim designados “titulares ou gestores dos terrenos” que se encontrem nas condições previstas no artigo 28.º da Lei da Caça para que, clara e inequivocamente, se consagre aquele direito de caça nos domínios afectos àquelas zonas cinegéticas especiais, sem prejuízo do dever de observar as demais restrições legais e convencionais próprias daquela actividade e sem prescindirem dos restantes direitos de que sejam, porventura, titulares.
o que recomendo ao Senhor Ministro da Agricultura.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL