Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

Rec. n.º 112/A/92
Proc.: R-2728/90
Data: 5-11-92
Área: A 1

ASSUNTO: ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO – EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA – CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES.

Sequência:

I – Despacho –

1. Os despachos em análise (despacho SEVC 9/89-XI de 6 de Julho de 1989, publicado no DR II Série, de 19 de Julho de 1989 e o Despacho SEOP 29/91 de 23 de Maio de 1991, publicado no DR II Série, de 17 de Junho de 1991, o qual revoga o primeiro) têm natureza administrativa e não legislativa inserindo-se no exercício da competência regulamentar do Governo(art.º 202.º,al. c) da C.R.P.).

2. Neste sentido são verdade nos actos normativos, na medida em que consentem a generalidade e abstracção. Neste sentido são também, porque no exercício da função administrativa e em razão da forma que os reveste, actos administrativos em sentido amplo.

3. Senão, em rigor, actos administrativos na sua qualidade de “comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade” AMARAL, Diogo Freitas do – Direito Administrativo, vol. III, lições policopiadas, 1985, Lisboa, p. 39.

4. Serão também actos normativos enquanto dotados de generalidade e abstracção. Como tal, distinguem-se dos actos administrativos, em sentido estrito (e comum) – decisões individuais e concretas.

5. A simplicidade da distinção entre, por um Lado, aquilo que é geral e abstracto e, por outro, e que se individual e concreto, não deixa de ser aparente, razão pala qual a marcação da fronteira entre o acto normativo e o acto não normativo em sempre se mostra tarefa fácil.

6. Inclusivamente não é absurdo admitir a existência de normas gerais e não abstractas, de tal modo que há quem considere apenas a generalidade como característica da norma jurídica (ASCENSÃO, José de Oliveira – O Direito – Introdução e Teoria Geral, Liv. Almedina, 6.ª Ed., Coimbra, 1991, p. 516).

7. A ambos os despachos em análise não falta o carácter normativo porquanto contêm negras gerais e abstractas.

8. Gerais porque se dirigem a um universo relativamente indeterminado de destinatários, ou melhora, sem um destinatário ou destinatários “a priori” individualizáveis – aqueles que pretendam explorar postos de abastecimento de combustível e áreas de serviço.

9. Abstractas por visarem um domínio quantitativamente indefinido de casos ou situações.

10. Oe despachos SEVC 9/89-XI e SEOP 29/91 contêm, portanto, verdadeiras normas regulamentares.

II –

11. A fiscalização da constitucionalidade, entre nós, incide sobre normas – actos normativos emanados de órgãos do poder público que violam normas ou princípios constitucionais (cfr. art. 277.º, n.º 1, da C.R.P.).

12. E sublinhe-se que o conceito de norma que tem sido adoptado pela jurisprudência constitucional é bastante extenso.

13. Não fica, de modo algum cingido às normas legislativas. Compreende, também, as normas regulamentares:

“Onde, porém, um acto público for mais do que isso e contiver uma negra de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério de decisão para esta última ou para o juiz, aí estaremos perante um acto normativo cujas injunção ficam sujeitas ao controle da constitucionalidade (Acórdão TC, n.º 26/85, DR, II Série, 26 de Abri1 de 1985.) “.

14. Até aqui parece, possível encontrar-se objecto adequado à fiscalização da constitucionalidade.

15. E ficará afectada esta asserção pela tese que a Administração pretende fazer valer no sentido que tais actos são meramente internos e, além disso, indicativos e recomendatórios?

16. Primeiro não é certo que tal hipótese afastasse a fiscalização da constitucionalidade de tais normas.

17. Depois, também não se pode admitir que tais normas sejam eficazes apenas na ordem interna da administração ou que a sua eficácia seja simplesmente indicativa ou recomendatória.

18. Relativamente ao primeiro aspecto, afirma GOMES CANOTILHO: “Os casos normativos editados pela Administração no exercício de funções administrativas podem constituir o objecto de controlo de constitucionalidade. Incluem-se aqui todos os actos regulamentares típicos bem como os actos para-regulamentares (resoluções, instruções, directivas, despachos) desde que preencham as características de norma jurídica (…)
(Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, 5.ª Edição. p. 1011).

19. Nada aponta na Constituição ou na lei para a execução dos chamados regulamentos internos do catálogo de actos sujeitos à fiscalização da constitucionalidade.

20. A fiscalização da constitucionalidade, talvez a maior garantia de unidade no sistema configurado pela ordem jurídica, visa, antes de mais, o controlo do poder público.

21. Não se vê, pois, o que pudesse afastar “a priori” a jurisdição constitucional do conhecimento dessa parte do sistema, fundamentalmente, na área da fiscalização abstracta.

22. Os regulamentos internos fazem levantar, como se antevê, problemas complexos:

“Saber quais os âmbitos de actuação dos regulamentos administrativos internos, se são normas jurídicas, se têm de fundar-se em preceitos legais, se admitem
ser impugnados contenciosamente – são alguns problemas que têm implicado respostas divergentes”. (ABREU, Jorge Manuel Coutinho de – Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Liv. Almedina, Coimbra, 1987, pag. 95).

23. Verdadeiros regulamentos internos serão apenas os que não produzirem quaisquer efeitos sobre as esferas jurídicas dos particulares. Pelo contrário, ainda que sejam regulamentos organizatórios, desde que se reflictam nas posições subjectivas privadas serão regulamentos externos.

24. MARCELLO CAETANO distingue claramente regulamentos processuais e regulamentos internos:

“Os primeiros contêm normas relativas ás relações entre os serviços e o público, regulando o modo como os particulares podem fazer valer os seus direitos perante a Administração ou obter desta as prestações que lhe são devidas”. (Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Almedina, 10.ª Edição, Coimbra, 1982, p.100)

25. Quanto aos segundos escreveu o ilustre Professor:
“Os regulamentos internos limitam-se a traçar o âmbito de cada subunidade dentro de um serviço e as tarefas de cada agente, e a regular as relações entre agentes, dos agentes com os órgãos de que dependem ou até o funcionamento de um órgão colegial”.(idem)

26. Pois bem, é por demais evidente que os regulamentos em questão não são meros regulamentos internos: desde a localização à instalação, da concessão aos licenciamentos tudo se prevê sobre o acesso à actividade de abastecimento de combustíveis ao público em estações de serviço ou simples bombas de gasolina e gasóleo.

27. Neles se define o modo como os particulares deverão actuar para a obtenção de determinado resultado. Neles se criam ónus e deveres pana os particulares e se estabelecem, por outro lado, algumas situações jurídicas activas. As suas normas possibilitam, perfeitamente, nelas fazer ancorar interesses legítimos dos particulares.

28. Encontram-se, ainda, preenchidos os pressupostos relativos ao objecto para a fiscalização pelo Tribunal Constitucional.

29. Não pode esquecer-se, porém, que se trata da fiscalização da constitucionalidade de normas.

30. Na verdade, diz-se no art.º 281.º, n.º 1, al. a) da Constituição que:
“O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas.”

31. A infracção de normas ou princípios constitucionais não pode ser a infracção de normas ou princípios colocados entre a Constituição e as normas visadas; não pode ser a simples afectação de normas que a Constituição faz pressupor como condição de validade das normas visadas.

32. Não fosse este entendimento correcto e não se compreenderia a razão de ser de mecanismos de fiscalização da legalidade.

33.E não se contra-argumente que a simples violação do princípio da hierarquia das normas gera inconstitucionalidade. Primeiro, porque o princípio da hierarquia normativa não é em si mesmo um princípio constitucional. Ele é pressuposto da própria ideia de Constituição em sentido formal e de inconstitucionalidade. Tal princípio exprime a ideia de que há normas que prevalecem sobre outras normas, assegurando a harmonia do sistema, fazendo afectar a existência e validade das normas tidas por inferiores que colidam com as normas de grau superior.

34. Logo, deve entender-se haver inconstitucionalidade quando se viola directamente uma norma ou princípio constitucional e não por se contrariar o princípio segundo o qual há normas superiores e normas inferiores e por se ofender essa cadeia hierárquica sem atingir a Constituição.

35. Será inconstitucional, sim, por exemplo, a norma que alterasse a hierarquia normativa configurada pela Constituição.

36. Observe-se a demonstração pelo absurdo, levando até às últimas consequências a ideia contrária, com a ilustração do exemplo de um acto administrativo que viole um regulamento ou de um regulamento de grau inferior em colisão com outro
de grau superior.

37. Não é de admitir nestas situações, como bem se vê, que haja uma relação de inconstitucionalidade.

38. “É que o sistema jurídico não está organizado de forma circular, com a Constituição no centro e todos os actos amarrados a ela, a igual distância”.
(MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra Ed., 1991, p. 315).

39. E, sublinhe-se, não fora assim e perderiam sentido útil, quer os mecanismos de fiscalização da legalidade pelo Tribunal Constitucional, quer outros meios como é o cabo da impugnação contenciosa de actos regulamentares, nos termos da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), nos seus artigos 63.º e seguintes.

40. Sendo assim, não deve nem pode ser descurado um aspecto fundamental – saber da existência de mediação legislativa entre as normas dos despachos SEVC 9/89-XI e SEOP 29/91 e as normas e princípios constitucionais.

41. Isto porque, se não houver tal mediação, em obediência ao princípio da legalidade administrativa (arts. 115.º nos 6 e 7, 202.º, al. c), 242.º e 266, n.º 2 da C.P.R.), tudo leva a crer na inconstitucionalidade formal de tais despachos.

42. Por outro lado, se tal mediação existir ela haverá de ser tida em conta porque apenas a relação directa cem a Constituição permite gerar a inconstitucionalidade de uma norma {regulamentos independentes, autónomos ou em situação, “pra et legem”, necessariamente).

43.A isto acresce o facto de a fiscalização constitucional da legalidade não -ser uma categoria genérica.

44. Não pode ser esquecido que a fiscalização da legalidade não incide sobre quaisquer normas, sem mais.

45. No que toca a normas regulamentares, a fiscalização abstracta sucessiva da legalidade confina-se, exclusivamente, às alíneas c) e d) do art.º 281.º n.º l da Constituição: regulamento regional violador de estatuto político-administrativo ou de lei geral da República e regulamentos nacionais por colisão com direitos regionais estatutariamente reconhecidos.

46. Bem se vê, pois, que a fiscalização da legalidade pelo Tribunal Constitucional de normas regulamentares tem por “ratio” a salvaguarda dos limites da unidade do Estado face as autonomias regionais, bem como fazer respeitar aos órgãos de soberania as garantias das regiões insulares.

47. Diga-se, antes de mais, que as normas em causa padecem de inconstitucionalidade mas por razões e em plano totalmente diversos dos focados pelos Srs. Provedor-Adjunto e Assessor.

48.Assim, trata-se, de inconstitucionalidade formal, total e antecedente.

49.Do artigo 115.º, n.ºs 5,6 e 7 resulta claramente que o regulamento pressupõe a lei como condição da sua validade.

50. O regulamento serve, “prima facie”, para executar a lei. Outra coisa não podia resultar do princípio da legalidade, ao qual se submete todo o exercício da função administrativa, nos termos do art.º 266.º, n.º 2 do texto constitucional.

51. O despacho SEVC 9/89-XI e o seu sucessor na ordem jurídica, o despacho SEOP 29/91 executam o Decreto-Lei 13/71 de 23 de Janeiro, o qual estabelece o regime administrativo a que se sujeitam as zonas de estrada e as zonas de protecção à estrada.

52. Quanto a estas últimas zonas, disciplina as proibições em faixas com servidão “non aedificandi” e as permissões condicionadas nas chamadas faixas de respeito. (art.º 3.º do citado diploma).

53. Este diploma condiciona, nomeadamente, os acessos à zona de estrada (art.º 7.º) e, em especial, para o que aqui importa, proíbe nos termos do art.º 8.º “a construção, estabelecimento, implantação ou produção de:

d) edifícios a menos de 20m, 15m, 12m ou 10m do limite da plataforma da estrada consoante esta for, respectivamente, internacional, de 1.ª, de 2.ª, ou de 3.ª classes, ou dentro da zona de visibilidade;

e) instalações de carácter industrial, nomeadamente fábricas, garagens, armazéns, restaurantes, hotéis e congéneres (…) a menos de 70 m e 50 m do limite da plataforma da estrada, consoante esta seja ou não estrada internacional, ou dentro das zonas de visibilidade.

54. E, ainda mais especificamente faz depender sempre de aprovação ou licença da Junta Autónoma de Estradas “o estabelecimento de postos de abastecimento de combustíveis ou as obras neles a realizar (art.º 10.º, n.º 1, al. c) do D.L. 13/71 de 23 de Janeiro).

55. A lei confere poderes discricionários, à Administração, nesta matéria. A Administração autovincula-se por meio da regulamentação aprovada.

56. A legitimidade desta autovinculação é discutida na doutrina nacional e estrangeira (vd. por todos, sobre este assunto, – CORREIA, José Manuel Sérvulo – Legalidade e Autonomia Constitucional nos Contratos Administrativos, Ed. Almedina, Coimbra, 1987, 1987, p. 450 e sgs.).

57. A vinculação por via regulamentar até ao limite de densificação que salvaguarda um mínimo razoável de especificidade da situação individual e concreta (razão pela qual se conferem poderes discricionários), é a opção mais consentânea com os princípios de igualdade e imparcialidade e proporcionalidade a que há-de submeter-se a actividade da Administração pública (art.º 266.º/2).

58. Assim, a regulamentação operada pelos despachos SEVC 9/89-XI e SEOP 29/91 parece, mesmo, desejável à luz da Constituição.

59. No entanto, as normas que contêm tais despachos estão feridas de inconstitucionalidade, na medida em que não indicam expressamente a lei que regulamentam nem apontam para nenhuma norma habilitante de competência regulamentar.

60. Há, deste modo, uma violação do art.º 115.º, n.º 7, da Constituição.

61. E acrescente-se tratar-se de inconstitucionalidade directa, pese embora a interposição do Decreto-lei 13/71, de 23 de Janeiro.

62. É que neste ponto os actos regulamentares encontram-se disciplinados na Constituição.

63. A parametricidade para aferir da validade do acto, quanto a este aspecto, -reside na Constituição e não na lei.

64. “À partida, não é de excluir que qualquer acto jurídico-público – qualquer acto de exercício de uma função do Estado (política, administrativa, jurisdicional) – qualquer acto de poder público, desde que sujeito a uma norma constitucional sobre qualquer aspecto – pressuposto, elemento, requisito – venha a infringi-la”. (MIRANDA, Jorge -Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 1991, p. 315).

65. Ainda que se entenda tratar-se de regulamentos independentes, os despachos SEVC 9/89-XI e SEOP 29/91 estão feridos de inconstitucionalidade formal.

66. E é assim, ou por não indicarem a norma habilitante (nos termos do art. 1115.º, n.º 7, parte final) ou porque, pura e simplesmente, não receberam, a forma de decreto-regulamentar (de acordo com a exigência do art.º 115.º, n.º 6, “in fine”).

67. Refira-se, ainda, que não merece ser discutida, sequer, a questão da submissão ou não dos regulamentos internos ao princípio da legalidade.

68. Há, na verdade, quem entre nós sustente a existência de uma reserva de poder regulamentar interno (ABREU, Jorge M. Coutinho de, opus. cit., pp. 100 e ss.), à semelhança do que ocorre generalizadamente na doutrina espanhola.

69. Os regulamentos internos de organização escapariam, segundo esse entendimento, à relação comum entre lei e acto regulamentar, a começar pela regra da necessária precedência legislativa.

70. Contudo, como foi já oportunamente esclarecido (vd. supra, n.ºs 22 e ss.), os despachos ministeriais em questão não podem, de modo algum, ser qualificados como regulamentos internos.

71. Seguramente, os regulamentos são, pois, inconstitucionais por atentarem directamente contra o artigo 115.º, n.º 7 da Constituição, mas não pelas razões apontadas pelo mandatário do reclamante e pelos Exmos. Senhores Assessor e Provedor-Adjunto.

72. Atente-se, seguidamente, nas razões da discordância com as posições sustentadas, as quais vêm nos despachos SEVC 9/89-XI e SEOP 29/91, uma violação dos art.ºs 61.º, n.º 1, n.º 62.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 266.º, n.º 2 e 82.º, todos da Constituição.

73. Relativamente à liberdade de iniciativa económica privada, ninguém hesitará, hoje, em reconhecer-lhe a natureza dos direitos, liberdades e garantias, ou em bom rigor, de direitos fundamentais de natureza análoga à destes, para efeitos do art.º 17.º do texto constitucional.

74. O texto inicial da Constitucional fazia situá-la no art.º 85.º (Parte II, concernente à organização económica).

75. Com a revisão constitucional de 1982 receberia acolhimento na Parte I, ingressando no catálogo formal dos direitos fundamentais e, dentro destes, no título III, referente aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

76. A mesma revisão deu-lhe redacção diversa da originária, mas manteve a funcionalização da iniciativa privada ao progresso colectivo e a sua limitação expressa pela Constituição e pela lei.

77. A revisão de 1989 suprimiria a instrumentalização desta liberdade ao progresso colectivo sublinhando, simplesmente, o interesse geral ao qual deve estar subordinado o seu exercício.

78. Ainda no sentido da sua valorização como direito fundamental (que nunca deixara de ser) substituiu-se a expressão “pode exercer-se” por “exerce-se”.

79. Esta evolução no passado recente do constitucionalismo português não permite retirar a conclusão de ser este um direito superprotegido no sistema.

80. Ora, se é cento que as restrições ao conteúdo dos direitos, liberdades e garantias têm de encontrar justificação expressa no quadro dos valores constitucionais (art.º 18.º, n.º 2), não pode deixar de observar-se que é a própria redacção do art.º 61.º, n.º 1, que obriga a ter em conta o interesse geral.

81. Esta subordinação ao interesse geral é acrescida à limitação pela Constituição e pela lei.

82. Repare-se que é a iniciativa privada a ser exercida livremente onde e como a Constituição, a lei e o interesse geral o permitirem.

83. Outra coisa não pode resultar do art.º 61.º, n.º 1, senão que a iniciativa económica privada se submete ao mesmo regime de restrições que qualquer outro direito do título II ou de natureza análoga. Por outro lado, consagraram-se regras próprias quanto às suas limitações.

84. E forçoso será ter presente a distinção que normalmente se efectua entre restrições e limitações eu entre restrições ao conteúdo e restrições ao exercício dos direitos, liberdades e garantias.

85. “A restrição tem que ver com o direito em si, com a sua extensão objectiva; o limite ao exercício de direitos contende com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular (…).0 limite pode desembocar ou traduzir-se qualificadamente em condicionamento”. (MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, – Coimbra Ed., 1988, pp. 300-301.)

86. Ou, noutra perspectiva apontada, podem distinguir-se as restrições quanto ao objecto, ao 6conteúdo e ao exercício de direitos fundamentais, como faz, MARCELO REBELO DE SOUSA: “0 objecto corresponde ao bem juridicamente tutelado, o conteúdo ao feixe de faculdades ou poderes em que se traduz essa tutela, o exercício à implementação dessas faculdades”.(O Valor jurídico do acto inconstitucional, Lisboa, 1988, p. 173.

87. E a partir do que ficou dito, duas coisas se podem concluir. A primeira é que o art.º 61.º da Constituição trata de limitações ao exercício da iniciativa privada (ou restrições “tout court” (cujo regime é confiado ao art.º 18.º C.R.P.).

88. A segunda conclusão é a de os regulamentos em apreço tratarem da limitação ao exercício da actividade económica privada (abastecimento de combustíveis a particulares segundo critérios empresariais): instalação, construção, licenciamento, concessão, classificação e funcionamento dos postos de abastecimento e estações de serviço.

89. Tais limitações justificam-se plenamente à luz de valores a que não é alheia a Constituição e de modo a obter a sua salvaguarda:

-“… assegurar um correcto ordenamento do território.” (art.º 9.º al. e), parte final.
– direitos dos consumidores (art.º 60.º, n.º 1 ).
– “… ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades (art.º 66.º, n.º 2, al. b).
– objectivos da politica comercial (art.º 102.º).

90. Regressando ao art.º 61.º, n.º 1 parece verificar-se, pois a conformidade destes dois despachos com aquilo que nele se dispõe, nomeadamente quanto ao exercício da liberdade de empresa nos quadros definidos pela Constituição.

97. Este mesmo preceito não pode deixar de ser lido a par do art.º 87.º, n.º l: “0 Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas…”.

92. 0 acesso à actividade económica (pressuposto do seu exercício) de abastecimento de combustíveis e outras actividades próprias das estações de serviço ficam condicionadas ao preenchimento de certos requisitos: a definição dos quadros do seu exercício pela Constituição (vd. supra, n.º 89) pela lei (o Decreto-Lei, n.º 13/71, de 23 de Janeiro) e a sua subordinação, individual e concretamente, ao interesse geral, verificada pela Administração pública no exercício das suas funções de assegurar “em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar “AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, vol. I, Liv. Almedina. Coimbra, 1986. pp. 36 e ss.)

93. E para não correr o risco de cair numa visão demasiado administrativa da análise, citar-se-ia, ainda, SOUSA FRANCO, quando afirma:
“A iniciativa económica privada (que tomaremos como prototípica) é pois um direito que consiste em tomar todas as iniciativas que sejam conformes com o ordenamento (a Constituição e a lei) pana produzir bens e serviços”.(Noções de Direito da Economia, 1.º volume. reimp. Ed. AAFDL, Lisboa, 1982-83, p. 228).

94. Ainda quanto à livre iniciativa económica privada diga-se, por último, que a invocação do art.º 52.º do Tratado de Roma, não se revela adequada.

95. Isto porquanto o Tribunal Constitucional, ao qual compete, de forma única e exclusiva, declarar a inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral (art.ºs 225.º e 282.º da C.R.P.) não toma em caso algum o direito comunitário como parâmetro de aferição da validade de uma norma.

96. Nada permite, antes pelo contrário, que os preceitos constitucionais sejam interpretados pelos órgãos nacionais à luz das disposições comunitárias, sob pena de ser esquecido que as próprias normas do Tratado de Roma e das convenções que o alterem estão elas próprias dependentes na sua eficácia da conformidade com a Constituição.

97. Outro entendimento propiciaria uma recepção formal das normas convencionais comunitárias que a nossa Constituição apenas consentiu relativamente à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do art.º 16.º. n.º 2.

98. Propõe-se, seguidamente, a abordagem do problema das expropriações de que se fala em 7.2 do despacho SEVC 9/89-X1, (embora actualmente já substituído pelo de 13 de Maio de 1991), apontado pelo reclamante como ofensivo do art.º 62.º, n.º 2 da C. R. P. .

99.Tal despacho, ora revogado, não exige, não impõe, nem efectua a expropriação de imóveis para a instalação de estações de serviço.

100. A referência ao recurso à expropriação como regra geral deve ser entendida como regra de subsidiariedade, ou seja, quando não for possível acordo com os expropriados.

101. É que não podem ficar à margem de tudo isto as consequências do princípio da legalidade sobre os actos da administração, ainda que regulamentares.

102. São os regulamentos que devem ser interpretados à luz da lei e não a lei a ser interpretada de acordo com aqueles.

103. Por aqui se pode concluir que, embora o despacho nada esclarecesse neste ponto, podiam vir a ser expropriados terrenos para o fim em causa, desde que observada a lei, observando esta a Constituição, nomeadamente, os art.ºs 18.º, n.º 2 e 62.º, n.º 2.

104. Retirar daquele preceito que a expropriação seria o meio de aquisição em primeira análise, conduziria o intérprete ao seguinte resultado absurdo: apenas quando não fosse possível expropriar se recorreria a outros modos.

105. A expressão “regra geral” implica uma alternatividade com outro meio de aquisição. Logicamente na alternativa regra/excepção verifica-se sempre a existência da situação excepcional, em primeiro lugar. Só a sua não verificação permite aplicação de uma regra geral.

106. E recorde-se que deve o intérprete presumir “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

107. Mesmo que exigida regulamentarmente a expropriação não teria de assim ser.

108. Na verdade, o novo Código das Expropriações – o qual não pode deixar de moldar a interpretação da norma em análise – é tributário da ideia de última “ratio” no uso dos mecanismos expropriativos (Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro).

109. No seu artigo 2.º. n.º 1 afirma-se nitidamente um princípio de necessidade
e de subsidiariedade na expropriação por utilidade pública, o que aliás está em consonância com as intenções manifestado no preâmbulo:

“Num Estado de Direito, a expropriação de bens imóveis dos cidadãos por motivos de utilidade pública só deverá ter lugar quando não existir qualquer possibilidade de aquisição amigável”.

110. A negra geral a que se alude em 7.2 do despacho SEVC 9/89-XI teria, pois, de ser entendida a esta luz, se tal despacho ainda vigorasse. O próprio conceito constitucional de expropriação não autorizaria outra leitura.

111. De todo o modo, com a entrada em vigor do novo Código das Expropriações o problema passaria a ser de legalidade regulamentar, cujo conhecimento compete, como se sabe, ao Contencioso Administrativo. Antes dele, seria, eventualmente, de inconstitucionalidade (se o preceito fosse interpretado literalmente, note-
-se). Contudo, seria de inconstitucionalidade meramente consequente, à sombra do Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro.

112. Com isto parece desnecessário fazer referência ao princípio de apropriação colectiva de meios de produção e solos (art.º 80.º, al. c), da C.R.P.).

113. A solução trazida pelo vigente Despacho SEOP 29/91, tem vantagens técnicas e de clareza assinaláveis.

114. Nele se afirma que “a instalação de áreas de serviço será feita em terrenos do Estado” (1.2) e apenas quanto aos itinerários principais (IP) e complementares (IC), aos quais acrescem “as estradas existentes em que estes venham a sobrepor-se.

115. Com efeito, o conceito de terrenos do Estado permitir melhor visualizar as outras formas de aquisição de propriedade pública, nomeadamente no âmbito do Direito Privado.

116. Não se vê, portanto, como possa ser violado o princípio da proporcionalidade pelas disposições em causa.

117. Este princípio oferece no domínio em análise duas áreas de controlo: a proporcionalidade nas normas de procedimento de expropriação por utilidade pública (sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, a começar pelo Código das Expropriações); o controlo proporcionalidade das expropriações levadas a cabo pela Administração pública na sua tríplice vertente de necessidade, adequação e razoabilidade, ou proporcionalidade “stricto sensu”), por comparação à utilidade pública concreta retirada da aquisição de certo bem imóvel pelo sector público de propriedade). O controlo desta última vertente pertence ao domínio do contencioso administrativo, a menos que se trate de acto formalmente normativo no sentido de norma que é dado pelo, Acórdão 26/85, de 26 de Abril de 1985, do Tribunal Constitucional.

118. Também não pode deixar de observar-se que as normas dos despachos em questão não ofendem o direito de propriedade privada garantido nos termos do art.º 62.°, n.º 1, da Constituição.

119. A este respeito, o Acórdão n.º 341/86, de 10 de Dezembro de 1986, do Tribunal Constitucional, esclareceu nestes termos:”No direito de propriedade constitucionalmente consagrado contêm-se o poder de gozo do bem objecto do direito, sendo certo que não se tutela ali expressamente um jus aedificandi, um direito à edificação como elemento necessário e natural do direito fundiário”.
(Diário da República, 2.ª série, n.º 65., de 19 de Março de 1987).

120. Por fim, não pode deixar de referir-se a pretensa violação do art.º 82.º sustentada pelo reclamante.

121. A invocação de tal preceito é, aqui, infundada.

122. O artigo 82.º visa garantir um modelo estático que a Constituição quer parcialmente preservar, ou seja, o pluralismo na organização económica.

123. Subjaz-lhe uma certa ideia de limitação do poder pelo poder – do poder económico privado pela preservação da propriedade pública.

124. A coexistência da garantia de três sectores não inviabiliza o recurso à expropriação nem a sujeição ou condicionamento a licença para a instalação de áreas e postos de serviço.

125. Antes significa um imperativo dirigido às orientações de política económica no sentido de salvaguardar razoavelmente uma diversidade de apropriação.

126. E se é cento que neste princípio se alicerce uma defesa da propriedade privada contra uma hipotética estatização da propriedade dos meios de produção e solos, não é menos verdadeiro que garanta, bem assim, a salvaguarda, de um núcleo.

127. Nestes termos nunca poderiam ser as razões invocadas pelos Senhores Provedor-Adjunto e Assessor que fundamentariam um eventual pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, mas sim os concernentes ao desrespeito pela regra do art.º 115, n.º 7, da Constituição. Isto, tanto pana o despacho revogado, como também pana o vigente.

128. No entanto, só utilizarei este poder se o Ministério das 0bras Públicas, Transportes e Comunicações não acatar, em prazo razoável, RECOMENDAÇÃO no sentido de corrigir o despacho vigente com a menção da lei que visou regulamentar (D.L. n.º 13/71, de 23 de Janeiro).

Consequentemente, volte o processo ao Senhor Provedor-Adjunto para redigir o projecto de recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL