Ministro da Agricultura

Recomendação nº 110/A/1993
Processo: R-1063/83-A-2
Data: 5-8-1993
Área: A1

ASSUNTO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – LOTE DE TERRENO – ATRIBUIÇÃO – DESPACHO – INCUMPRIMENTO – REITERAÇÃO DE RECOMENDAÇÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1985

Sequência: Não Acatada

I

1. Em 24 de Janeiro de 1985 foi dirigida pelo Provedor de Justiça ao então Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação e a respeito do assunto em epígrafe, a recomendação de que se junta fotocópia (1 no processo da presente Recomendação).

2. Em sequência dessa recomendação, remeteu esse Ministério à Provedoria de Justiça um ofício de cujo contexto (bem como do documento que o acompanhou) se permitia concluir que iriam ser desenvolvidas diligências no sentido de ser obtida uma solução adequada para o assunto (2 no processo da presente Recomendação).

3. Em 23 de Novembro de 1988, foi recebido na Provedoria de Justiça novo ofício desse Ministério complementado com documentação através da qual, embora sem concretização específica a tal respeito, se pretenderia possivelmente justificar o não cumprimento da recomendação formulada (3 no processo da presente Recomendação).

4. Por isso, foi entendido enviar ao Gabinete do Senhor Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação o ofício que em fotocópia se documenta (4 no processo da presente Recomendação).

5. A evolução subsequente ilustra-se nas fotocópias que se juntam(5)(6)(7)(no processo da presente Recomendação).

II

Como se infere de todos estes elementos documentais (embora muitos outros existam no processo) não foi até agora atribuído ao reclamante R. … o lote disponível que o despacho de 29.01.86 do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação havia determinado atribuir-lhe.

A explicação desta não atribuição tem assentado sobretudo (para não dizer unicamente) na inexistência de terrenos disponíveis, numa gradação evolutiva no sentido negativo pois que enquanto no ofício a que corresponde a fotocópia nº 5 (no processo da presente Recomendação) se deixava insinuada uma perspectiva de solução através da expressão “pelo que não foi, ainda, possível, resolver o caso do Sr. R. …”, já no último ofício recebido (fotocópia nº 7 no processo da presente Recomendação) a defenição da posição do Ministério surge em termos de impossibilidade de se dar satisfação ao recomendado por inexistência de área disponível susceptível de permitir a atribuição de qualquer lote de terra.

III

O largo período de tempo transcorrido, após o despacho que determinou a atribuição ao reclamante de um lote disponível sem que tenha havido concretização do mesmo despacho, justificação convincente dessa não concretização ou, sequer, algo que permitisse supôr existir preocupação na busca de uma solução alternativa adequada, confere a todo este condicionalismo um carácter insólito (que até será adjectivo benevolente).

Na verdade, a existência de um despacho que permanece sem execução prática ao longo destes anos, conferindo um direito que ainda não foi possível exercer, não deixará de colocar em causa a confiança que os administrados devem depositar na Administração nem de afectar a própria credibilidade desta, a transparência das suas acções e a segurança nas relações jurídicas estabelecidas, sem mesmo excluir a legitimidade de se poder pensar que o aludido despacho foi proferido sem a indispensável ponderação prévia sobre se tinha possibilidade de ser cumprido.

Mas o certo é que foi proferido e dai decorrem consequências inevitáveis.

IV

Inquestionável parece que o despacho do Senhor Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação consubstancia um acto administrativo constitutivo de direitos e sendo favorável aos interesses do seu destinatário (que, aliás, continua a pugnar pela sua execução) tornou-se irrevogável.

Com efeito:

Do aludido despacho resultou a atribuição ao interessado do direito (subjectivo) a um lote de terreno disponível.

E qualquer que seja a óptica doutrinal porque se veja a figura do acto administrativo constitutivo de direitos, quer na da concepção restrita que o confina ao que faça nascer um direito novo verdadeiramente subjectivo (cfr: ROBIN DE ANDRADE in “A Revogação dos Actos Administrativos, págs. 93 e seguintes), quer na da concepção ampla que considera actos administrativos constitutivos de direitos todos os que atribuem direitos subjectivos, ampliem direitos subjectivos existentes, extingam restrições a direitos já definidos ou que, em essência, criem situações juridicas subjectivas (cfr: FREITAS DO AMARAL in” Direito Administrativo, volume III, pág. 364), não se afigura questionável esta conclusão.

Deve até acentuar-se que a concepção ampla – hoje a maioritariamente seguida – é a que melhor se ajusta à regra da irrevogabilidade dos actos administrativos constitutivas de direitos ou de interesses legítimos e que, presentemente, alarga o elenco dos actos não susceptíveis de revogação.

O que, no fundo, leva à consolidação do princípio da intangibilidade das situações jurídicas subjectivas criadas em favor dos administrados por actos administrativos válidos.

No caso presente, a factualidade subscreve-se de pleno à norma do artigo 140º do Código do Procedimento Administrativo.

v

Sendo certo que não pode “inventar-se” um lote de terreno inexistindo área disponivel, certo é também que tal circunstância não pode nem deve ser usada como justificativa do incumprimento do despacho.

Por isso e a persistir a impossibilidade de atribuição do lote (embora o último ofício recebido do Ministério da Agricultura inculque que ainda podem restar algumas parcelas disponíveis ao explicitar-se que foi devolvida aos ex-titulares “a quase totalidade da área expropriada” e não a totalidade) então aquela impossibilidade terá de ser suprida por uma solução alternativa de cariz indemnizatório.

VI

Diga-se aliás que mesmo a entender-se que o despacho de 29.01.86 teria tão somente originado uma nova expectativa – o que só em tese se concede – ainda assim não poderia admitir-se que tal expectativa saisse defraudada.

A Administração tem de ser coerente e honesta nas relações que estabeleça com os administrados para justificar a confiança do cidadão e por respeito pela sua boa fé.

É na certeza de que estas regras morais não estão esquecidas e na de que o Direito acabará por vir a ser respeitado que entendo:

REITERAR a RECOMENDAÇÃO

formulada em 24 de Janeiro de 1985 no sentido de, com a brevidade que se impõe, ser atribuído ao reclamante R. … um lote de terra de acordo com o despacho ministerial oportunamente proferido.

e RECOMENDAR que,

no caso de ser de todo em todo impossível efectivar essa atribuição (por comprovada inexistência de terreno disponível), se tomem com a maior urgência disposições adequadas para aquele reclamante ser compensado pelos prejuízos sofridos, através de indemnização a definir conjuntamente em bases justas.

VIII

Vossa Excelência, disso estou certo, será o primeiro a reconhecer, face ao antecedentemente exposto, quanto à indispensável, em homenagem à Moral e ao Direito, o encerramento, a muito curto prazo, deste assunto, em termos de, concomitantemente, satisfazer os interesses legítimos do reclamante e repôr a imagem que a Administração de si devia ter dado em todo o desenrolar do processo.

Agradecia pois ser mantido ao corrente da sua evolução futura, designadamente no tocante à sequência que venham a merecer, quer a recomendação que reiterei, quer a que me pareceu dever agora complementarmente formular.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel