A Sua Excelência
o Ministro da Justiça

Rec. n.º 208A/93
Proc.: R-1975/93
Data: 1993-12-16
Área: A 5

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – AUXILIAR DE JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL – INTEGRAÇÃO CARREIRA MAGISTRADOS – CURSO DE AUDITORES DE JUSTIÇA.

Sequência: Sem resposta

0 Senhor … peticionou a intervenção do Provedor de Justiça, com fundamento na preterição de disposições legais por parte do Centro de Estudos Judiciários na condução do processo que levaria à integração dos antigos auxiliares de Juiz de Instrução Criminal, na carreira da magistratura.

Alegava que, face ao artigo 188.º da Lei 21/85, de 30 de Julho, e cumprida a formalidade da inspecção à sua actividade judiciária, devia ser ele integrado na carreira judicial sem necessidade de prestação de provas ou qualquer avaliação no Centro de Estudos Judiciários, mas tão só devendo frequentar o curso de auditores de justiça.

Não foi isto que sucedeu, vindo o reclamante a ser excluído, por duas vezes, da frequência do dito curso.

Estando em causa uma instituição ligada à entrada na carreira da Magistratura – logo, ao processo de designação dos titulares do órgão de soberania plural que são os tribunais poder-se-ia colocar a questão de, face ao disposto no art.º 22.º, do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei 9/91, de 9 de Abril), se poder configurar uma possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça no funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, analisando o modo como este interpreta a lei, emitindo as recomendações que se afiguram como necessárias.

Neste passo, dois problemas diferentes há a elucidar. O primeiro, já descrito, quanto à natureza do Serviço do Estado, posto em causa; o segundo, quanto à possibilidade de análise da função desempenhada por esse Serviço, nomeadamente na avaliação dos candidatos a magistrados.

Embora a Constituição, no seu artigo 23.º, 1 (art.º. 24.º, 1, da versão primitiva), não limite a garantia graciosa que é a queixa ao Provedor de Justiça às acções ou omissões dos órgãos administrativos, sequer dos materialmente administrativos, a verdade é que o Estatuto do Provedor, quer na sua versão pré-constitucional (Decreto-Lei 212/75, de 21 de Abril), quer nas duas versões que já leva após a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976 (Lei 81/77, de 20 de Setembro, e Lei 9/91, de 9 de Abril), configuram primariamente este órgão do Estado como essencialmente virado para a garantia dos cidadãos no seu relacionamento com a Administração Pública. Neste sentido temos os artigos 2.º e 22.º, do actual Estatuto do Provedor de Justiça, o primeiro, a título não taxativo. Diga-se já que tal não parece ser a visão mais correcta face à Constituição da República Portuguesa e à Lei. Não só várias competências atribuídas por lei extravasam do âmbito da Administração Pública, tal como o poder de emitir Recomendação legislativas e o poder de requerer a fiscalização da constitucionalidade e legalidade de normas, bem como a verificação da inconstitucionalidade por omissão, como também se podem configurar situações entre particulares que mereçam a intervenção do Provedor de Justiça, v.g, quando estejam em causa relações especiais de poder ou quando a violação dos direitos, liberdades e garantias seja gritante, pela gravidade ou reiteração.

De qualquer modo, no caso presente, não parece oferecer dúvida o facto de o C.E.J ser um organismo administrativo, dependente do Ministério da Justiça (cfr. art.º 1.º, 1.º, do Decreto-Lei 374-A/79, de 10 de Setembro) e, como tal, sujeito ao total controlo por parte do Provedor de Justiça. A sua actividade não é a tipicamente atribuída a órgãos jurisdicionais pela Constituição, mas sim a da preparação de eventuais futuros titulares desses órgãos.

Quanto à natureza da actividade desenvolvida no C. E. J., e consequente questão da sua possibilidade de controlo, sempre se dirá que o que está em causa não é o juízo de valor sobre as aptidões reais ou demonstradas do Reclamante. Está-se, apenas, a aquilatar da bondade das medidas administrativas tomadas pelo C.E.J., ao avaliar negativamente o candidato, face aos aspectos legalmente vinculados da sua actuação.

Como é sabido, a chamada justiça burocrática (Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 2.º vol., pg. 333) que é exercida pelos examinadores, não é uma zona livre do Direito. Pelo menos quanto aos critérios orgânicos-formais, está a sua formação legalmente determinada.

Deste modo, com a prevenção que o caso em apreço apenas pode ser tratado face à possibilidade de exclusão, pode-se entrar na apreciação do conteúdo da queixa.

O Reclamante exercia a sua profissão de advogado. Foi, como outros cidadãos, nomeado, ao abrigo do art.º 6.º do Decreto-lei 264-C/81, de 3 de Setembro, para desempenhar as funções de substituto do juiz de instrução criminal da comarca do Barreiro. Este diploma, abrindo a possibilidade da nomeação nesses postos de advogados e advogados-estagiários, visava ultrapassar a escassez de quadros disponíveis para o preenchimento de tais lugares, surgindo como instrumento de recurso para colmatar graves deficiências em termos de pessoal qualificado para a administração da justiça. Foi, pois, em resposta a uma grave carência e necessidade públicas que o recorrente, como outros colegas seus, suspendeu a sua anterior actividade profissional, para exercer as funções já descritas.

Com a progressiva normalização do serviço, conseguida através do recrutamento e formação de juízes, foi o requerente, dispensado do exercício das funções que desempenhava, por desnecessárias no quadro de então.

Esta cessação de funções, com o consequente retorno à actividade de advocacia anteriormente exercida, terá provocado grave dano na situação pessoal do reclamante, como alega e, aliás, é bem compreensível, dada a natureza bastante fluída e incerta da profissão liberal em causa, dependente da constituição de uma carteira de clientes, inevitavelmente dispersa por anos de imobilidade.

Esses danos, com a necessária responsabilização, se não jurídica pelo menos moral, do Estado, foram admitidos pela Lei 21/85, já citada, ao permitir a integração nos quadros da magistratura, através da frequência do C.E.J, sem necessidade de submissão a testes de aptidão, após parecer favorável de inspecção extraordinária.

Foi o que sucedeu ao reclamante, que após inspecção, frequentou o C.E.J., tendo sido excluído dessa frequência por decisão do mesmo Centro. 0 Reclamante alega estar essa exclusão em violação ao art.º. 188.º da Lei 21/85, cit..

Não tem razão o Reclamante. A dispensa concedida por essa norma refere-se tão-somente aos testes de aptidão para o ingresso no C.E.J, e não à avaliação necessária para ingresso na Magistratura. Trata-se assim de uma norma de cariz análogo ao do art.º. 28.º, 2, do Decreto-Lei 374-A/79, concedendo essa dispensa a outras categorias de cidadãos, como advogados com certa antiguidade e Doutores em Direito.

Do ponto de vista do Direito vigente não há, pois, que censurar ao C.E.J qualquer ilegalidade cometida.

Apreciação diferente é a que resulta da análise da justiça da situação. Como se sabe, uma das virtualidades específicas da actuação do Provedor de Justiça é a de poder e dever encarar as questões que se coloquem para além do direito estrito, avançando para a justeza do Direito aplicável e do que deverá existir, podendo para tal emitir as pertinentes recomendações.

Não sobram dúvidas que o Reclamante (bem como os seus colegas) disponibilizou-se para servir o Estado num momento em que este carecia desesperadamente da sua colaboração. Também parece certo que, em virtude desse serviço público, o Reclamante e os seus colegas ficaram numa situação difícil, num nível etário em que as alterações profissionais se repercutem de modo bastante gravoso na situação pessoal.

Parece da mais elementar justiça que o Estado procure assegurar a esses seus servidores que o serviço prestado não tenha sido a causa da sua ruína. Nesse sentido se insere o já referido art.º 188.º da Lei 21/85, que peca por insuficiente.

Sendo o C.E.J um centro de formação para o adequado exercício das funções judiciais, não se entende a necessidade de avaliação dos cidadãos nestas circunstâncias (e, pensando bem, da própria frequência). Em primeiro lugar, trata-se de cidadãos que, bem ou mal, já desempenharam funções jurisdicionais. E, em segundo lugar, temos a certeza que desempenharam bem as suas funções, por via da inspecção realizada nos termos da Lei.

Julgo que nada mais seria necessário para integrar definitivamente estes cidadãos nos quadros da magistratura, admitindo uma eventual frequência obrigatória do C.E.J, mas sem qualquer avaliação. Essa avaliação de capacidade, no caso, consistiu no efectivo desempenho de funções, positivamente valorado por inspecção ad hoc.

Atento o seu reduzido número, bem como a disponibilidade já manifestada pelo Conselho Superior de Magistratura, pela respectiva Associação Sindical e por algumas instâncias parlamentares, consoante fotocópias anexas, entendi RECOMENDAR à Assembleia da República, ao abrigo do art.º 20.º, 1, al. b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que;

1) Seja editada norma no sentido de se proceder à integração nos quadros da magistratura dos antigos auxiliares de juízes de instrução criminal, colocados ao abrigo do artigo 6.º, do Decreto-Lei 264-C/81, de 3 de Setembro, quando tenham sido aprovados na inspecção a que se refere o art.º 188.º da Lei 21/85, de 30 de Julho, sem necessidade de quaisquer outros procedimentos;
2) Ou, em alternativa, mediante frequência do curso de auditores de justiça, sem necessidade de qualquer avaliação.

A mesma recomendação dirijo ao Governo, na pessoa de Vossa Excelência, atenta a competência de iniciativa legislativa que nesta matéria lhe cabe.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL