Director do Hospital Distrital de Aveiro

Rec. nº 134/A/94
Proc.: R-172/94
Data: 1994/08/18
Área: A4

ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – PROVIMENTO DE LUGAR – CONCURSO OU TRANSFERÊNCIA – PROVIMENTO POR TRANSFERÊNCIA – ANULAÇÃO – REPRESTINAÇÃO DE CONCURSO INTERNO ANTERIOR

Sequência:

1. Face à documentação reunida nesta Provedoria relativamente ao concurso interno geral de acesso aberto por esse Hospital em 22.02.91 para provimento de 1 lugar de técnico de análises clÍnicas e saúde pública principal, passo a expor o meu entendimento sobre o assunto.

2. Constato que o Júri foi inicialmente constituido em derespeito do nº 6 do artº 6º do Dec-lei nº 235/90, de 17 de Julho. Essa irregularidade, geradora da anulabilidade do concurso, veio no entanto a ser suprida com a nomeação de um outro presidente de Júri com categoria superior à de técnico principal, conforme publicação do Diário da República, 2ª série, de 18.04.91.

Todavia não foram tomadas em seguida medidas por esse Hospital no sentido de o Júri já regularmente constituido iniciar e concluir dentro dos prazos fixados no artº 21º do mesmo diploma legal a análise da admissibilidade das candidaturas.

A não elaboração da lista de candidatos dentro dos prazos referidos resultou da omissão do dever de agir por parte dos órgãos competentes desse Hospital, os quais deveriam ter actuado formalmente junto do presidente do Júri no sentido de o fazer respeitar o disposto no nº 11 do artº 6º do Dec-Lei nº 235/90.

De acordo com este artigo, os membros do Júri, mesmo quando pertencentes a serviços diferentes daquele que organiza o concurso, não carecem de autorização dos seus dirigentes (nº 10 do mesmo artigo), e estão vinculados a dar preferência a esta tarefa sobre as restantes ( nº 11 deste artigo).

Não foi obviamente o que sucedeu com o presidente do Júri deste concurso, o qual assim violou um dos seus deveres funcionais e caiu na alçada disciplinar (Estatuto Disciplinar aprovado pelo Dec-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, artº 3º).

3. Passivamente, o Conselho de Administração (CA) desse Hospital acatou a manifestação de indisponibilidade do presidente do júri a qual apenas foi formalizada em 19.05.93.

E determinou a anulação do concurso por despacho de 5.07.93 (que veio a ser publicado em 17.12.93, cerca de 3 anos após a abertura daquele).

4. Conforme V. Excia informou, o lugar que tinha sido posto a concurso veio a ser provido em 19.01.94, por transferência de uma técnica proveniente do Hospital Distrital de Águeda (HDA).

Esta técnica (M. …), enquanto titular de um lugar de quadro em Aveiro, fora também opositora ao concurso anulado em 17.12.93 e concorreu também à vaga anunciada no Diário da República de 9.10.93 pelo HDA.

A lista de classificação final deste concurso foi divulgada em 7.01.94 e o provimento daquela técnica, por urgente conveniência de serviço do HDA, teve lugar em 19.01.94.

Também na mesma data, e igualmente por urgente conveniência de serviço, e a pedido da interessada, com o indispensável acordo do HDA, foi autorizada a solicitada transferência daquela técnica para o Hospital Distrital de Aveiro.

Ou seja, no mesmo dia, sempre por urgente conveniência de serviço, a mesma técnica foi provida em dois lugares de quadros diferentes e ambos aceitou com referência à mesma data.

5. Uma análise atenta dos factos descritos e das datas sublinhadas, confrontada quer com o insucesso do concurso aberto em Aveiro, quer com a celeridade do concurso do HDA, obrigou esta Provedoria a aprofundar a investigação inerente à queixa que lhe deu origem tendo reunido um acervo de documentos e informações surpreendentes.

6. A reiterada ausência do presidente do Júri, aparentemente contrária à vontade manifestada por esse Hospital ao publicar e rectificar o aviso de abertura do concurso de provimento, violou a determinação do já citado artº 6º, nº 11, do Dec-lei nº 235/90 e revelou-se lesiva do interesse do Hospital e dos concorrentes.

Todavia não foram tempestivamente accionados os mecanismos legais tendentes à determinação da pena disciplinar aplicável à infracção constatada e ao apuramento de eventual responsabilidade civil do faltoso, não sendo a sua actual condição de aposentado impeditiva do procedimento disciplinar, assim como à obrigatória intervenção do presidente nomeado no prosseguimento do concurso até à sua conclusão.

Por outro lado, o conhecimento de uma infracção sem a consequente participação ou actuação disciplinar está previsto e cominado nos artºs 47, nº 1, e 27º, nº 1 a) do Estatuto Disciplinar.

A responsabilidade civil dos órgãos e agentes da Administração, por actos e omissões praticados no exercício das suas funções de que resulte prejuizo para outrem está consagrada no artº 22º da Constituição da República.

No caso em presença, quer o presidente do Júri, quer o C.A. desse Hospital foram autores de omissões culposas causadoras de prejuizos a um dos concorrentes (até ao presente, não determinado, mas determinável).

7. O não explicado desinteresse desse Hospital no prosseguimento de qualquer concurso por si aberto revela-se pelo acatamento sem mais da declaração de 19.05.93 da indisponibilidade do presidente do Júri, pela emissão em 5.07.93 do despacho anulatório do concurso por si aberto, pela publicação do mesmo despacho apenas cinco meses volvidos (17.12.93) e pela não abertura de um novo concurso.

E é incongruente com a declaração da urgente conveniência do serviço da transferência, menos de um mês decorrido sobre a anulação do concurso que se destinava a prover o lugar.

8. Os Hospitais envolvidos nesta queixa são pessoas colectivas distintas, com autonomia administrativa e financeira, órgãos de gestão e quadros de pessoal próprios.

Parece-me evidente que a simultaneidade dos dois despachos de que resultaram dois provimentos em dois quadros diferentes com produção de efeitos em simultâneo relativamente à mesma profissional (que no mesmo dia mudou de localidade de trabalho duas vezes sem ter saído do local de origem…) traduz violação do princípio da imparcialidade pois revela uma actuação concertada entre dois Hospitais “intuitu personnae”.

Viola também o princípio constitucional da protecção da confiança dos concorrentes do Hospital de Aveiro que foram esperando confiadamente o prosseguimento de um concurso que mudara de presidente de júri uma vez e deveria mudar de novo até à consolidação da lista de classificação final.

Revela incongruência de um órgão de gestão que declara a urgente conveniência de uma nomeação e no mesmo dia concorda com a saída por transferência da nomeada; e de outro órgão que, sem ter chegado a permitir a saída obrigatória da nomeada, defere por urgente conveniência de serviço o pedido desta para regressar ao posto de onde nunca saiu.

8. A violação do dever de imparcialidade dos órgãos e agentes da Administração gera vício de violação de lei.

A abertura e anulação de um concurso sem fundamento válido, visto manter-se a urgente conveniência de serviço de ocupar a vaga existente, fere o princípio da protecção da confiança e constitui vício de violação de lei.

A autorização da transferência, enquanto acto não fundamentado praticado no uso de poderes discricionários, traduz desvio de poder pois invoca o instituto da urgente conveniência de serviço com um fim diferente daquele para o qual o legislador o concedeu à Administração.

Esta pretendeu apenas criar condições para promover no quadro de origem a técnica M. …, depois de se assegurar de que as restantes opositoras no concurso de Aveiro não tinham apresentado candidatura em Águeda.

9. Os vícios assinalados tornam inválidos e anuláveis os actos praticados pelo C.A. desse Hospital.

Por isso, e nos termos do artº 141º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), devem os mesmos ser revogados.

10. Por tudo quanto se expôs,

RECOMENDO

10.1. Seja obtida a concordância do Hospital Distrital de Águeda, e revogado, por deliberação fundamentada na sua invalidade, o acto que autorizou a transferência da técnica M. …;

10.2. A revogação do acto que anulou o concurso aberto por esse Hospital.

A revogação deve ser fundamentadamente deliberada por esse C.A. com declaração expressa de aquele concurso de provimento ser repristinado dE acordo com o disposto no artº 146º do mesmo Código.

10.3. No respeito do princÍpio do paralelismo das formas e das formalidades (idem, artºs 143º e 144º) que seja dada ao acto de revogação com efeitos repristinatórios a mesma publicidade que foi dada ao acto de anulação cuja revogação recomendo.

11. Recordo a V. Excia que, de acordo com o artº 38º, nº 2, do Estatuto aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, devem os destinatários das recomendações do Provedor de Justiça transmitir-lhe nos 60 dias imediatos a posição que sobre as mesmas assumem.

O Provedor de Justiça

José Menéres Pimentel