Presidente do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola

Processo: R-354/90
Rec. nº 42/A/95
Data:1995-05-03
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – PROTECÇÃO DO LOBO IBÉRICO – AGRICULTOR – RECUSA DE SUBSÍDIO DE EXPLORAÇÃO DE CAPRINOS – MOTIVO DE FORÇA MAIOR – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência:

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Tomei conhecimento, na sequência de queixa que me foi dirigida pelo Senhor …… , dos seguintes factos:

1. 0 Senhor….. candidatou-se ao prêmio de produtores de ovinos e caprinos relativo à campanha de comercialização do ano civil de 1988, em 17.01.89.

2. No acto da candidatura declarou possuir- 85 fêmeas com direito a prêmio, nove fêmeas destinadas à reforma e dois machos, assumindo o compromisso de manter o número declarado de animais elegíveis entre 31.01.89. e 9.05.89. (cfr. doc. 1).

3. Entre finais do mês de Janeiro e finais de Março de 1989, o lobo ibérico depredou 15 caprinos que o Senhor ….. mantinha na sua exploração agrícola.
No mesmo período, o reclamante vendeu nove caprinos que possuía, os quais, porque destinados à reforma, não integravam
o núcleo dos animais declarados como elegíveis.

4. Em 30.03.89, técnicos da Zona Agrária do Barroso procederam à conferência dos animais retidos na exploração do Senhor … , tendo concluído que, dos 85 caprinos elegíveis declarados, apenas subsistiam 74.

5. Inquirido sobre os motivos da redução do número de animais elegíveis, o reclamante afirmou verbalmente que 11 das fêmeas
elegíveis haviam sucumbido por virtude de ataque dos lobos que enxameiam a Serra da Cabreira, tendo as suas declarações
sido confirmadas na íntegra por dois moradores vizinhos.

6. E mais declarou por escrito, ao preencher o impresso que lhe foi presente pelos técnicos, que alienara nove fêmeas e
que as demais haviam sido “comidas” pelo lobos (v. doc.2). – bis.

7. Através do ofício nº … de 23.10.89., o INGA comunicou ao Senhor ….que este quebrara o compromisso assumido, por redução deliberada do efectivo, pelo que, ex vi do disposto no artº 12º da Portaria 724/86, de 29 de Novembro, não lhe seria atribuído qualquer
prémio.

8. Em 20.11.89, o Reclamante, através de exposição que dirigiu ao INGA, esclareceu que as nove fêmeas vendidas correspondiam aos animais que declarara no acto de candidatura, como destinadas à reforma e que

9. Apresentou como testemunho da acção predadora do lobo duas declarações subscritas por terceiros e manifestou a sua
disponibilidade quanto a eventuais actos de sindicância (cfr. doc. 4) .

10. Não obstante o pedido formulado pelo Senhor …., o INGA não realizou qualquer diligência complementar para apurar do sucedido e manteve a decisão de não atribuir qualquer montante a título de prémio (v. doc. 5).

11. Por telex de 27.12.89., os Serviços da Zona Agrária do Barroso comunicaram ao INGA o seguinte:
“…chegámos à conclusão de que existe um mal entendido pois somos levados a acreditar não ter havido tentativa de fraude pelo agricultor, visto que lhe foram mortas 15 cabras pelo lobo (comprovativo já enviado ao INGA).

Assim, o agricultor vendeu nove cabras (conforme declarou aos controladores) que eram as da reforma, restando-lhe então 85.
Aquando do controle só foram contadas 74 que eram as que efectivamente existiam, porque as restantes foram comidas pelo lobo.

Verifica-se deste modo que o agricultor possuia até mais cabras do que aquelas que inscreveu, pois que a diferença de 74 para 85 é apenas de 11 enquanto que lhe foram comidas 15.”

CONCLUSÕES

1. O Reclamante agiu em situação de erro e, tal como veio a confirmar a Zona Agrária, não terá havido qualquer intervenção
fraudulenta da sua parte.
1.1. Os animais que o reclamante alienou eram irrelevantes para o cômputo do volume de animais elegíveis; tratava-se dos
animais da reforma, sem os quais e excluindo os animais perecidos por acção do lobo, o número de caprinos com direito
a prémio mantidos na exploragão excederia os 85.
1.2. As afirmações do reclamante foram corroboradas por testemunhas no momento do controle realizado em 30.03.89.
1.3. A preocupação manifestada pelos técnicos responsáveis quanto à recolha de depoimento testemunhal demonstra bem que a
quantidade de caprinos vitimados pelo lobo relevava para a decisão de atribuição do prémio a que o reclamante se candidatara e que a declarada venda de 9 cabeças não firmou nas autoridades a convicção de a mesma consubstanciar quebra do compromisso assumido, determinando a exclusão do benefício financeiro, nos termos consignados no nº 12 da Portaria nº 724/86, de 29 de Novembro.
1.4. No impresso preenchido no momento do controle, o Reclamante não discrimina o número de caprinos “comidos pelo
lobo”. A referência às “restantes cabras” reporta-se ao total dos 94 animais declarados, em termos tais que as conclusões a
retirar deveriam razoavelmente ter sido precedidas de maior averiguação no momento da decisão.

2. Ao tomar conhecimento dos pressupostos de facto em que assentara a decisão de não atribuição do prémio a que se
candidatara, o Senhor …. desenvolveu esforços no sentido de alterar o seu conteúdo.
2.1. Se é certo que a comunicação da Zona Agrária do Barroso é posterior ao termo do processamento da campanha que data de
22.12.89, o mesmo não sucede quanto à exposição pela qual o reclamante impugnou os fundamentos da mencionada decisão,
subscrita em 20.11.89. e a que se reporta o ofício de 6.12.89, do INGA.

3. Na resposta à exposição do Senhor ….. , a Administração não ponderou os argumentos expendidos pelo Reclamante, nem tão pouco estimou as diligências realizadas pelos técnicos no momento da conferência, com vista a avaliar o fundamento da redução dos animais elegíveis declarados, em especial, a veracidade da. alegada acção predadora do lobo e dos seus efeitos sobre a universalidade do Reclamante.

4. O regime de atribuição de prêmio aos produtores de ovinos e caprinos, como meio de compensação da perda de rendimento
decorrente do diferencial entre o preço de mercado e o preço base fixado para a campanha anterior, foi fixado pela Portaria
nº 724/86, de 29 de Novembro, em execução do disposto nos Regulamentos (CEE) nº 872/94, do Conselho, de 31 de Março de
1984 e nº 3007/84, da Comissão, de 26 de Outubro de 1984.
4.1.Nos termos do ng 7 da Portaria nº 724/86, os prêmios são concedidos aos produtores que os requererem, de acordo com o
número de ovelhas e cabras consideradas elegíveis nos termos da regulamentação comunitária e declaradas no requerimento,
desde que mantenham os animais na sua exploração agrícola durante, pelo menos, 100 dias contados a partir do último dia
do prazo estabelecido para a entrega dos requerimentos.
4.2.Em caso de redução do número de animais elegíveis declarados, motivada por circunstãncias normais da vida do rebanho que ocorram em data posterior à da apresentação do requerimento de candidatura, o prêmio será calculado em função do número de animais elegíveis efectivamente mantidos na exploração durante o período de retenção previsto pelo nº 7 da portaria (v. nº 11).
4.3.No nº 14 do mesmo diploma, por seu turno, prevê-se a ocorrência de casos de força maior que, supervenientemente ao
pedido, originem a redução dos animais elegíveis, e determina-se que o prêmio será concedido na íntegra ou em parte, após apreciação das circunstãncias e da prova produzida.

5. De acordo com o art. 6º, nº 1, da Lei nº 90/88, de 13 de Agosto, “o Estado assume a responsabilidade de indemnizar os
cidadãos que venham a ser considerados como directamente prejudicados pela acção do lobo “.
5.1. Os pressupostos e requisitos de tais indemnizações foram fixados pelo art. 9º do Decreto-Lei nº 139/90, de 27 de Abril.
5.2. A assunção dos riscos decorrentes da especial protecção que merece o lobo ibérico por parte da ordem jurídica traduz o
reconhecimento, pelo Estado, de os danos perpetrados pela referida espécie animal em pessoas e bens, não deverem, em
princípio, ser imputados por conta do risco dos lesados. Ou seja, decorre dos referidos diplomas que o dano causado pelo
kabo ibérico não apenas confere o direito a uma indemnização, como também deve ser considerado causa justificativa do
incumprimento de um dever que assume, no caso vertente, natureza contratual.
5.3. A Administração encontra-se pois, adstringida a reconhecer que a acção predadora do canis lupus signatus pode ser tomada como causa de força maior que origina a redução do número de animais elegíveis mantidos na exploração, para efeitos de aplicação do nº 14, da Portaria nº 724/86, de 29 de Novembro.
5.4. De resto, a indemnização consagrada nos termos do art. 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 139/90, de 27 de Abril parece abranger inclusivamente o ressarcimento por lucros cessantes que sofra o lesado por perda de abonos legais ( v.art. 9º, nº 7, al. c] do Decreto-Lei nº 139/90).

6. Em face do que antecede, o comportamento assumido pelo Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola é, seguramente, merecedor de maior censurabilidade que a menor clareza inicial das declarações do Reclamante.

7. Acresce que, nos termos do nº 14º da citada Portaria, sempre poderia ser abonado ao reclamante, se as circunstãncias
assim o indiciassem e subsistissem dúvidas sobre o número de cabras com direito a prêmio vitimados pelo lobo, apenas parte
do prémio, em termos de equidade.

8. A decisão sobre o merecimento da candidatura do reclamante assentou em pressupostos de facto erróneos e constitui um acto
ilícito pela lesão que produziu na esfera patrimonial do Reclamante.

9. O INGA actuou de forma pouco diligente, em termos que se não compaginam com o dever de boa administração, ao omitir a
adequada apreciação das circunstãncias invocadas pelo Senhor ….., seja no momento do controlo, seja subsequentemente, quanto à acção predadora dos lobos.
9.1. Por consequência directa e necessária, foi o interessado privado do prémio a cujo pagamento o INGA se encontrava adstrito, nos termos previstos nos ns.7 e 14º da Portaria nº 724/86, de 29 de Novembro.

10. Os funcionários e agentes do INGA actuam, quando no exercício das competências dos respectivos órgãos ou serviços, como comissários do Estado, sendo a responsabilidade pelos danos causados imputável ao Estado, independentemente de culpa, nos termos estatuídos pelo art. 500º do Código Civil.

De acordo com o exposto, entende o Provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo seu Estatuto (Lei nº 9/91, de 9 de Abril), art. 20º, nº 1, alínea a), e, como tal, RECOMENDAR:

o ressarcimento, pelo Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, dos prejuízos sofridos pelo Senhor …. e adequadamente
ligados, por nexo causal, à decisão de não atribuição ao reclamante do prémio de produtores de ovinos e caprinos relativo à campanha de comercialização de 1988, incluindo, no cômputo da indemnização, as perdas correspondentes a danos emergentes e a lucros cessantes.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel