Presidente da Câmara Municipal de Castro Marim

Proc. R-431/97
Rec. n.º 12/A/98
1998.03.09
Área: A1
Sequência: Acatada

I Exposição de Motivos

A De Facto

1. Foi apresentada queixa na Provedoria de Justiça relativa à imposição de alteração do alvará de loteamento n.º 2/86 feita por essa Câmara Municipal à empresa R…, Lda. (na sequência da remodelação do projecto de arquitectura de uma unidade hoteleira a construir em Alagoa, freguesia de Altura, concelho de Castro Marim).

2. Com efeito, para o lote E2 foi prevista a construção de um Aparthotel com 51 apartamentos, nos termos da alteração ao alvará inicial (que consistiu na junção de dois lotes), requerida pela empresa R…, Lda. e aprovada em reunião camarária de 18 de Maio de 1993.

3. Apresentado o projecto de arquitectura à Direcção-Geral do Turismo, veio esta entidade condicionar a sua aprovação à rectificação das áreas sociais da unidade hoteleira (aumento da área de recepção e da área de espera).

4. Para cumprir esta exigência, foi necessário reduzir o número de apartamentos previstos de 51 para 49, o que foi submetido à apreciação camarária no âmbito do projecto de arquitectura já reformulado.

5. No parecer técnico que recaíu sobre o projecto em causa, pode ler-se que:
“O projecto agora apresentado visa a construção de um hotel de apartamentos, como está previsto no alvará de loteamento respectivo.
Acontece porém que os fogos propostos não são coincidentes com o que está aprovado, mesmo que se tenha traduzido numa diminuição de dois fogos e consequentemente de dois habitantes.
Assim, de 4 T0 aprovados só existem 2 (-2), de 43 T1 só existem 42 (-1) e de 4 T2 passou a haver 5 (+1). Estas alterações das tipologias implicam uma alteração ao alvará de loteamento respectivo, apesar de ter havido uma diminuição quer do número de fogos quer do número de habitantes.
No resto cumpre o alvará de loteamento (…)” (Cfr. parecer de 26-06-1996).

6. Conhecido o teor do parecer ora transcrito foi questionado o reclamante sobre se a empresa proprietária do lote requerera à Câmara Municipal de Castro Marim a alteração ao alvará de loteamento n.º 2/86. Foi dado então conhecimento do pedido de alteração formulado e da resposta que o mesmo mereceu.

7. Nos termos do parecer técnico de 27-05-1997, que veio fundar o projecto de decisão camarária de indeferimento daquele pedido, considera-se que:
“O requerente pede para alterar o alvará de loteamento e considerar esta diminuição de fogos como uma alteração de pormenor, de acordo com o n.º 4 do art. 36º do DL 448/91, alterado pelo DL 334/95.
Este ponto n.º 4 afirma que desde que não se alterem as especificações previstas na alínea e) do n.º 1 do art. 29º, então a alteração é de pormenor e não necessita de autorização de 2/3 dos condóminos.
Ora a alínea e) do art. 29º especifica (…) o número de fogos , razão porque esta alteração não deverá ser considerada de pormenor, (…), mesmo neste caso em que é proposta uma diminuição do número de fogos”.

8. No exercício do direito de audiência prévia dos interessados em face de um projecto de decisão desfavorável, a empresa requerente invocou, por um lado, o facto de não se tratar da diminuição de fogos, mas da diminuição do número de unidades de alojamento designadas apartamentos nos termos do Decreto Regulamentar n.º 8/89, de 21 de Março e, por outro lado, o facto de a letra da lei não permitir a interpretação conferida, referindo-se ao disposto no art. 36º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.

9. Não obstante as objecções levantadas, a Câmara Municipal de Castro Marim, em reunião de 3 de Junho de 1997, deliberou “proferir a intenção de indeferimento” do pedido de aprovação da alteração considerada de pormenor.

10. No decurso da instrução do processo aberto na Provedoria de Justiça, foi ouvida a Câmara Municipal, que veio, através do ofício n.º 4769, de 29-08-1997, informar que, tendo sido consultada a Comissão de Coordenação da Região do Algarve para que se pronunciasse sobre um caso semelhante, se aguardava o resultado da reunião de juristas agendada para o dia 24 de Setembro de 1997, “a fim de emitir uma decisão mais correcta”.

11. De acordo com o que se apurou, a questão formulada no “caso semelhante” consistiria em saber se uma determinada alteração a um alvará de loteamento configurava, ou não, uma alteração de pormenor. Mais se constatou que o interessado nessa alteração era também o Exmo. Arqtº J.. (autor do projecto).

12. A questão colocada resumia-se no seguinte:
A. Pretendia-se a construção de uma moradia isolada num lote para o qual se previa a construção de dois fogos geminados com o edifício do lote contíguo e, naturalmente, a prévia alteração do alvará de loteamento (n.º 3/87);
B. Mais se invocava tratar-se de uma alteração de pormenor, e como tal, não carecedora do consentimento de dois terços dos proprietários dos lotes e construções da urbanização em causa.
C. Considerando-se que a exigência da autorização de dois terços dos proprietários dos lotes, dos edifícios e das suas fracções autónomas, nos termos do art. 36º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, tem por finalidade a protecção dos interesses de terceiros adquirentes, a diminuição dos índices urbanísticos previstos no alvará de loteamento (como o COS, o CAS, ou a densidade populacional), na medida em que não se mostram afectados esses interesses, a alteração não carece do consentimento dos terceiros adquirentes, sendo uma mera alteração de pormenor (cfr. Informação do Exmo. Director Regional da Administração Autárquica n.º 347 de 29-07-1997).

13. A situação descrita foi ponderada na citada reunião de juristas de 24-09-1997, tendo “feito vencimento o parecer de que a alteração dos parâmetros previstos no alvará de loteamento não constitui alteração de pormenor se exceder os 3% referidos no n.º 4, do art. 36º do D.L. n.º 448/91, de 29.11, independentemente de tal alteração se verificar para mais ou para menos em relação aos inicialmente fixados” (cfr. Ofício da CCRA n.º 3710, de 2-10-1997, dirigido ao Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Castro Marim).

14. Este parecer foi analisado na reunião da Câmara Municipal de Castro Marim de 21 de Outubro de 1997, da qual foi dado conhecimento à instrução do processo através do ofício n.º 5882, de 30-10-1997.

15. Nessa reunião foi deliberado, em definitivo, indeferir o requerimento com base no parecer técnico de 16-10-1997, de que se transcreve:
“O caso que iniciou este esclarecimento consistia na diminuição do n.º de apartamentos do hotel do lote E2 da Urbanização da Rota do Sol, que passou de 51 para 49 unidades de alojamento.
Neste caso não houve qualquer alteração da área de implantação ou da área de construção, porquanto não se aplica o n.º 5 do art. 36º do Decreto-Lei n.º 334/95 de 28/12, (que prevê a alteração de pormenor para as modificações que se traduzem numa variação das áreas de implantação e de construção inferiores a 3%, sem que isso implique aumento do n.º de fogos).
Assim e por exclusão de partes, se não é uma alteração de pormenor é uma alteração às especificações do alvará de loteamento que necessita de autorização de 2/3 dos proprietários dos lotes abrangidos pelo respectivo alvará de loteamento”.

16. Quanto a este último aspecto, o senhor reclamante faz notar que “a recolha de 2/3 de assinaturas é praticamente impossível (375 fogos previstos-51 fogos do presente lote=324; 324×2/3=216), usando como se sabe a maioria dos seus proprietários as suas habitações apenas em tempo de férias”.

B De Direito

17. Do que ficou descrito, resulta que a decisão da Câmara Municipal de Castro Marim relativamente à pretensão dos interessados baseou-se numa interpretação do disposto no art. 36º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, supostamente avalizada pelos juristas das comissões de coordenação regional em parecer elaborado a propósito de uma situação semelhante.

18. O que está em causa é a escolha do procedimento a adoptar para a aprovação camarária das alterações pretendidas ao alvará de loteamento n.º 2/86, atenta a projectada redução dos unidades de alojamento do Hotel Apartamentos a construir no lote E2 da Urbanização da Rota do Sol.

19. A escolha do procedimento de alterações não pode ser dissociada da natureza e extensão das alterações a introduzir. Assim, restará saber se, na situação que me foi exposta, se trata de meras alterações de pormenor ou se, ao invés, estamos perante alterações que carecem de um procedimento semelhante ao do licenciamento do loteamento, com o devido consentimento de, pelo menos, dois terços dos proprietários.

20. Vista a posição a esse respeito assumida pela Câmara Municipal de Castro Marim, permito-me subscrever posição diversa, isto é, defender que no caso em análise deparamos com meras alterações de pormenor ao alvará de loteamento emitido.

21. Antes de explicitar o que ficou agora enunciado, devo, em primeiro lugar, manifestar a minha concordância quanto à necessidade de se proceder à alteração do alvará de loteamento antes do licenciamento das obras de construção pretendidas, sob pena de invalidade deste licenciamento.

22. Com efeito, são nulos os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento de obras de construção violando o disposto em alvará de loteamento em vigor, conforme prescreve o art. 52º, n.º 2, alínea b), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro. No presente caso, a variação do número de apartamentos a construir deve ser considerada em sede de alteração ao alvará de loteamento em vigor, o que é feito mediante um procedimento próprio e nunca através da emissão de uma licença de construção que pretendesse revogar ou derrogar as regras fixadas para aquele loteamento.

23. Entre essas regras, inclui-se a previsão do número de fogos, uma das especificações do alvará de loteamento, vinculativa quer para a câmara municipal, quer para o loteador e para os adquirentes dos lotes (art. 29º, n.º 1, alínea e), e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro).

24. Assim sendo, cumpre proceder à alteração ao alvará de loteamento, seguindo o procedimento adequado, atento o disposto no art. 36º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro (já que se trata de alteração a requerimento do interessado).

25. A este propósito deverá recordar-se o regime legalmente estabelecido para as alterações ao alvará de loteamento:
A. As especificações do alvará de loteamento (previstas no n.º 1 do art. 29º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro) podem ser alteradas a requerimento do interessado (art. 36º, n.º 1, do mesmo diploma legal);
B. A alteração das especificidades do alvará segue um procedimento semelhante ao procedimento de licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização, designadamente em matéria de pareceres, autorizações e aprovações legalmente exigíveis, aproveitando-se, todavia, os documentos apresentados pelo requerente que se mantenham válidos e adequados (art. 36º, n.º 2);
C. As alterações, devidamente licenciadas, constarão de um aditamento ao alvará inicial (art. 36º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, com a redacção dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto);
D. O procedimento de licenciamento das alterações é agravado pela exigência de autorização escrita de dois terços dos proprietários dos lotes, dos edifícios neles construídos ou das suas fracções autónomas caso se pretenda alterar o número de lotes e respectivas áreas, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes (art. 36º, n.º 3);
E. Não será necessário o licenciamento, como se pôde observar, bastando uma autorização por simples deliberação fundamentada da câmara municipal, sem mais formalidades, se se pretender fixar diferente prazo para a conclusão das obras de urbanização ou estabelecer um novo montante da caução prestada ou um novo título dessa caução (art. 36º, n.º 4);
F. Do mesmo passo, basta a simples autorização camarária (em deliberação fundamentada), com dispensa de quaisquer outras formalidades, se se tratar de alterações de pormenor (cfr. idem);
G. Consideram-se alterações de pormenor as que se traduzem na variação das áreas de implantação e construção até 3%, desde que não implique aumento do número de fogos e alteração dos parâmetros urbanísticos fixados nos planos municipais de ordenamento do território (art. 36º, n.º 5).

26. Como se viu, o indeferimento da pretensão da empresa requerente baseou-se na não subsunção do caso vertente ao disposto no art. 36º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, por se considerar que, não tendo havido variação das áreas de implantação e de construção, mas apenas diminuição do número de fogos, não seria de aplicar o n.º 5 do art. 36º. Logo, “por exclusão de partes, se não é uma alteração de pormenor é uma alteração às especificações do alvará de loteamento que necessita de autorização de 2/3 dos proprietários”.

27. Já se tinha alcançado idêntica conclusão, embora por referência a outros fundamentos, quais sejam a de uma determinada leitura do disposto no art. 36º, n.º 4 – “este ponto n.º 4 afirma que desde que não se alterem as especificações previstas na alínea e) do n.º 1 do art. 29º, então a alteração é de pormenor e não necessita de autorização de 2/3 dos condóminos” – , daí se concluíndo que qualquer alteração às especificações do art. 29º, n.º 1, alínea e) não pode ser considerada de pormenor, “mesmo neste caso em que é proposta uma diminuição do número de fogos” (cfr. parecer dos Serviços Técnicos de Obras de 27-05-1997).

28. Cumpre agora verificar se a asserção acima enunciada é a mais correcta em sede de interpretação da norma contida no n.º 5 do art. 36º, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 4, do mesmo artigo.

29. Permito-me afastar, desde já, a leitura feita do art. 36º, n.º 4, do diploma legal sempre citado pelo município. Com efeito, a disposição invocada não diz que todas as alterações às especificações previstas no art. 29º, n.º 1, com excepção das consignadas na sua alínea e), são alterações de pormenor. Bastaria a compaginação do que ficou dito com o disposto no número imediatamente seguinte do mesmo artigo para se concluir de modo diverso.

30. Recorde-se a sua formulação legal:
“Consideram-se alterações de pormenor apenas as que se traduzem na variação das áreas de implantação e de construção até 3%, desde que não implique aumento do número de fogos e alteração dos parâmetros urbanísticos fixados nos planos municipais de ordenamento do território”.

31. Da interpretação deste preceito legal – cuja aplicação a uma situação em concreto determinará a adopção de um procedimento simplificado de aprovação das alterações pretendidas, nos termos do art. 36º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 448/91 – resulta que três das especificações enunciadas no art. 29º, n.º 1, alínea e), do diploma podem sofrer variações que, pela sua diminuta extensão e pelo seu sentido, se consideram alterações de pormenor.

32. Refiro-me à especificação da área de construção, da área de implantação e do número de fogos.

33. Tratando-se de alterar as áreas de construção e de implantação nos lotes, verifica-se que é admitida a variação, para mais ou para menos, até 3%, desde que não implique o aumento do número de fogos (art. 36º, n.º 5).

34. Parece-me legítimo concluir que a alteração das áreas de construção ou de implantação pode implicar, ou não, a variação do número de fogos. Contudo, apenas serão consideradas de pormenor as alterações que comportem a manutenção ou a diminuição do número de fogos.

35. Do mesmo passo, ainda encontra integração na norma descrita a diminuição do número de fogos, quer acarrete, ou não, a variação das áreas de implantação ou de construção.
Será considerada alteração de pormenor a diminuição do número de fogos, sempre que não se alterem as áreas de implantação ou de construção ou, caso tal aconteça, sempre que a variação destas se limite à percentagem de 3% fixada na lei.

36. Logo, não é toda e qualquer variação (para menos) do número de fogos que pode ser incluída nas designadas alterações de pormenor. Se a diminuição do número de fogos num edifício a construir num lote for de tal forma significativa que se traduza numa redução superior a 3% das áreas de implantação ou de construção, deparamos com uma alteração ao alvará de loteamento cujo licenciamento não se afasta do procedimento regra (semelhante ao licenciamento inicial das operações de loteamento).

37. Enquanto o procedimento de alteração a um alvará de loteamento não se afasta do procedimento de licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização, o procedimento de aprovação das alterações de pormenor consiste, para além do requerimento formulado pelos interessados (fase da iniciativa), na deliberação camarária fundamentada (fase decisória), sem mais formalidades (fase instrutória).

38. Poderá aqui questionar-se se quando no art. 36º, n.º 4, se excepcionam do disposto no n.º 2 as alterações ao prazo das obras de urbanização e ao montante da caução, bem como as alterações de pormenor (área de implantação, área de construção, número de fogos), a falta de referência ao disposto no n.º 3 (autorização dos demais proprietários) inculca a obrigatoriedade de cumprimento desta regra.

39. Esta questão apenas se faz quanto às alterações de pormenor, pois coincidindo estas com as alterações a algumas das especificações elencadas na alínea e), do n.º 1, do art. 29º do mesmo decreto-lei, sempre seria de averiguar da necessidade de cumprimento da mencionada regra da autorização de dois terços dos proprietários interessados nos termos do disposto no art. 36º, n.º 3 (não expressamente excepcionado).

40. A resposta está no preceito legal analisado. Com efeito, o procedimento fixado no art. 36º, n.º 4, dispensa quaisquer outras formalidades (para além da deliberação camarária), o que afasta a aplicação do disposto no n.º 3 caso as alterações previstas sejam de pormenor.

41. A “ratio” das disposições agora citadas também não permite diferente entendimento. Atente-se que o disposto no n.º 3 do art. 36º, enquanto afloramento dos princípios da confiança legítima e da boa fé, procura “acautelar os interesses e direitos de terceiros de boa fé, maxime daqueles que adquiriram fracções autónomas nos edifícios construídos em lotes resultantes das operações de loteamento que o alvará titula, certamente levando em conta as soluções urbanísticas consagradas no alvará” (ALMEIDA, António Duarte et. al., Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo, Anotada e Comentada, vol. II, Lisboa, 1994, p. 638).

42. Nesta linha de entendimento não repugnou ao legislador dispensar a observância desta formalidade nos procedimentos de aprovação das alterações de pormenor, as quais, conforme resulta da sua configuração legal, se mostram insusceptíveis de lesar, ou sequer, ameaçar, os direitos e interesses legítimos dos terceiros de boa fé.

43. Para mais, a excepcionalidade do regime das alterações de pormenor, associada à tipificação legal destas, não admite a analogia para a integração de eventuais lacunas, como decorre das regras gerais de interpretação e aplicação da lei (art. 11º do Código Civil).

44. A esta luz, poderá considerar-se o que foi invocado, não tanto ao nível da fundamentação do acto reclamado, mas ao nível da sua motivação, a propósito do aguardado parecer dos juristas reunidos na Comissão de Coordenação da Região do Algarve.

45. Adverte-se que o sentido deste parecer não deveria ter influenciado a decisão camarária em análise, para o efeito de ser tomado como um precedente.

46. Isto porque a situação ali ponderada não se inclui no elenco das alterações de pormenor do art. 36º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro. Com efeito, pretendia-se a construção de uma moradia unifamiliar num lote em que estava prevista a construção de um edifício de dois fogos, geminado com o edifício do lote vizinho. Para além da redução do número de fogos (de dois para um), o projecto alterado implicava ainda uma significativa redução das áreas de construção e de implantação, ultrapassando-se a margem de variação de 3% fixada na lei.

47. Logo, o paralelismo com a situação reclamada consiste, tão só, na intenção de redução do número de fogos e na identidade do autor do projecto de arquitectura.

48. Como atrás se defendeu, nem toda e qualquer alteração (“rectius”: redução) do número de fogos é enquadrável nas designadas alterações de pormenor. Daí que as conclusões retiradas da análise da situação levada à reunião de juristas – a meu ver, correctas – não possam servir a presente análise, menos ainda “tornar definitiva” a intenção de indeferimento da pretensão apresentada na Câmara Municipal de Castro Marim quanto à alteração pretendida.

49. Por último, e voltando aos fundamentos do acto de indeferimento, não posso deixar de notar que a interpretação feita da norma contida no art. 36º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, fortemente restritiva, não se afigura correcta, mesmo tratando-se de norma excepcional. A este respeito, ensina KARL LARENZ que há uma “excepção segundo a matéria quando a lei derrogou em relação a determinados casos, as mais das vezes estritamente delimitados, uma regra que procura conseguir validade no sentido mais amplo possível, porque a sua realização pareceu ao legislador, inclusivamente nesses casos, pouco prática ou oportuna e, devido a isso, acreditou poder aqui renunciar a ela. Tem de evitar-se aqui que, mediante uma interpretação excessivamente lata das disposições excepcionais, ou mediante a sua aplicação analógica, o propósito de regulação do legislador se transmude afinal no seu contrário. Mas isso não significa que a disposição excepcional haja de interpretar-se “tão estritamente quanto possível”” (cfr. Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., 1989, p. 428).

50. Para retirar da norma o sentido, parte-se sempre letra da lei, mas, como é sabido, a interpretação não se cinge à formulação linguística daquela (apenas se exige um mínimo de correspondência verbal), como resulta do art. 9º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

51. No presente caso, procura-se o sentido da norma contida no art. 36º, n.º 5, do referido Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, a partir do seu texto. E neste se vê a referência feita a três das especificações do alvará de loteamento, cuja alteração, desde que enquadrada nas balizas estabelecidas, pode ser considerada como alteração de pormenor.

52. Não se retira que quando se reduza o número de fogos, se devam também alterar as áreas de implantação ou de construção.

53. Pareceria absurdo incluir uma alteração que consistisse na variação das áreas citadas com redução do número de fogos, excluindo a mera redução do número de fogos sem variação sequer dos outros requisitos.

54. Também aqui se obedece a uma regra de interpretação contida no Código Civil (art. 9º, n.º 3), que ilumina a escolha interpretativa “por uma pretensão de máxima racionalidade”, nas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito. Introdução e Teoria Geral, 9ª edição, Coimbra, 1995, p. 404), pois assente na presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

55. Esta conclusão nem carece de recondução a uma das formas de interpretação enunciativa, isto é, aquela que fazendo apelo a argumentos lógicos, “deduz de uma norma um preceito que nela está apenas virtualmente contido” (MACHADO, J. Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 6ª reimpressão, Coimbra, 1993, pp. 186-187), e recorrendo-se, neste caso, ao argumento “a maiori ad minus”: a lei que permite o mais também permite o menos.

56. Isto porque a interpretação enunciativa vai para além da interpretação em sentido técnico, pois extrai as regras não das fontes mas de outras regras (lógicas), o que transcende o nosso objectivo: “desentranhamento, difusão e exposição do sentido disposto no texto, (…) fazer falar o texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja” (LARENZ, Karl, ob. cit., p. 377).

57. E esse objectivo é alcançado com a qualificação do caso vertente como mera alteração de pormenor.

58. Esta asserção não é irrelevante, pois a mesma determina a adopção de um procedimento menos gravoso para o administrado, com dispensa das regras do procedimento de licenciamento das operações de loteamento e da imposição da necessidade de autorização de dois terços dos demais proprietários interessados.

59. Devo assim concluir que, no acto reclamado, ao erro sobre os pressupostos de direito (interpretação da norma legal) acresce o vício de desvio de procedimento (escolha do procedimento de alterações do alvará de loteamento), pelo que o acto de indeferimento da pretensão da requerente é ilegal.

60. Nesta sede deverá ponderar-se a violação do princípio da proporcionalidade (sobretudo nas suas vertentes de adequação e necessidade), constitucional (art. 266º, n.º 2, CRP) e legalmente consagrado (art. 5º, n.º 2, Código do Procedimento Administrativo). Aliás, o regime procedimental de licenciamento estabelecido no Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro mostra-se imbuído dos valores carreados por este princípio, como resulta desta passagem do seu preâmbulo:
“Dificilmente se entenderia que tal processo administrativo funcionasse como entrave ao salutar desenvolvimento da iniciativa privada ou comportasse níveis de intervenção, por parte da administração central ou local, desproporcionados face aos interesses que importa garantir e desajustados da óptica descentralizada que se pretende imprimir à prática administrativa”.

61. E isto mesmo que se entenda que “no desenrolar do próprio procedimento administrativo, os princípios da adequação e proporcionalidade das decisões não têm, na prática, um relevo jurídico facilmente autonomizável, pois a desproporcionalidade dos meios e instrumentos procedimentais usados revelar-se-á normalmente através dos erros que se cometerem na decisão final” (OLIVEIRA, M. Esteves de, et. al. Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, Coimbra, 1997, anotação ao art. 5º, p. 105).

62. Ora no caso em análise, a inadequação do procedimento exigido repercute-se na decisão final (desfavorável), pelo que se deve considerar relevante – mesmo que se perfilhe o entendimento restritivo dos Autores acima citados – a inoperacionalidade do princípio da proporcionalidade da actividade administrativa.

63. Tanto assim é que, tomando-se por certo, nos termos do art. 36º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, que o pedido de alteração deve ser “desde logo acompanhado de autorização escrita de dois terços dos interessados, sob pena de, assim não sucedendo, a câmara municipal estar vinculada a indeferi-lo” (ALMEIDA, António Duarte, et. al., ob. cit., p. 638), a imposição desta formalidade procedimental (insisto: não exigível na situação que me foi exposta) sempre teria relevância em sede de decisão final.

64. Por último, e sendo esta decisão inválida, pode – e deve – ser revogada com fundamento na sua ilegalidade dentro do último prazo previsto na lei para o recurso contencioso (art. 141º, do Código de Procedimento Administrativo), o qual se encontra actualmente a decorrer.

Conclusões

De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art. 23º, n.º 1, CRP), entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do provedor de justiça), no seu art. 20º, n.º 1, alínea a), e, como tal,
RECOMENDO
1º. A revogação do acto administrativo que indeferiu a pretensão da empresa Removar, Construções,Lda., decidindo desfavoravelmente o seu pedido de alteração de pormenor do alvará de loteamento, com fundamento na invalidade daquele acto por desrespeito do disposto no art. 36º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro que aprovou o regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento urbano e obras de urbanização, e do disposto no art. 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo, ao abrigo do art. 141º, do mesmo Código;
2º. A notificação à interessada do(s) acto(s) que venha(m) a ser emitido(s) na sequência da presente Recomendação;
3º. A reapreciação da pretensão da interessada, em sede de futuro procedimento de alteração do alvará de loteamento em vigor, ao abrigo do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/92, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 302/94, de 19 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro e pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto, para as alterações de pormenor.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Menéres Pimentel