Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Processo:R-1372/95
Número: 82/A/96
Data:18.10.1996
Área: A1

Assunto:SAÚDE PÚBLICA – DIREITO À HABITAÇÃO – PROTECÇÃO DOS ANIMAIS DE COMPANHIA – CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

Sequência: Acatada.

I-Dos Factos

1. Tomei conhecimento de a Câmara Municipal de Oeiras fazer depender a celebração dos contratos de arrendamento relativos às casas de custos controlados, e destinadas ao alojamento dos munícipes sem habitação ou oriundos de bairros degradados, do facto de estes prescindirem da posse de animais domésticos.

2. Instado V.ª Ex.ª a pronunciar-se sobre o assunto, tomou posição utilizando os argumentos que constam do ofício n.º … .

II-Dos Fundamentos

3. Nesse ofício, alega V.ª Ex.ª que a proibição em causa, não ofendendo os limites da liberdade contratual, visa “contribuir para a criação e manutenção de um sadio ambiente urbano”, e acrescenta que “cabendo também às Câmaras Municipais de acordo com o próprio Decreto-Lei n.º 317/85, a eventual remoção de animais por razões de salubridade, tranquilidade e segurança da vizinhança, mais simples e racional será a Câmara Municipal de Oeiras nem sequer admiti-los nos locados, prevenindo e não remediando eventuais situações de conflito”.

4. A este propósito, não posso deixar de chamar a atenção de V.ª Ex.ª para as singularidades do caso em apreço, o que o faz merecer a minha intervenção.

5. Com efeito, o princípio da igualdade das partes, que se apresenta como pressuposto da liberdade de celebração e estipulação contratual, está no caso pervertido.

6. De facto, a situação económica e social dos futuros arrendatários (oriundos de bairros degradados ou mesmo sem qualquer tipo de alojamento) não lhes permite recusar a oferta contratual que é feita e, muito menos, negociar o clausulado.

7. Ou seja, a regra de que o contrato emana do acordo de vontades entre as partes, não se verifica no caso assistindo-se, isso sim, à existência, por parte da Câmara Municipal, de uma posição dominante que lhe permite ditar as regras do contrato, fundada nos custos reduzidos a suportar pelos interessados.

8. É por esta situação em que se encontram os futuros arrendatários que me parece censurável o facto de essa edilidade se arrogar o direito de incluir nos contratos de arrendamento uma cláusula que impede a subsistência da relação que se foi estabelecendo entre os donos e seus animais (muitas vezes, a única companhia que possuem) – não se vislumbrando, motivo suficientemente atendível para o fazer.

9. De facto, e posto que a restrição em apreço tem em vista regular os conflitos de interesses que surgem por via da relação de proximidade física existente entre vizinhos, e a protecção de um ambiente urbano sadio, não me parece que a mesma se justifique caso:
– o número de canídeos por fogo não seja superior ao permitido pelo n.º 1 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 317/85, de 2 de Agosto (que decreta o Programa Nacional de Luta e de Vigilância Epidemológica da Raiva Animal),
– os animais estejam guardados em condições que evitem a emissão de cheiros ou ruído susceptíveis de causar incómodo objectivamente relevante para os vizinhos,
– os animais sejam saudáveis possuindo as necessárias vacinas.

10. Por seu turno, parece-me resultar evidente que limitando a Câmara Municipal o universo daqueles que escolhe para contratar com base no critério supra referido, tal traduz-se, num incentivo ao abandono e abate dos animais.

11. Na verdade, não colhe, na situação “sub judice”, o argumento de que aos donos cabe o encaminhamento dos animais, estando a Câmara Municipal totalmente alheia à solução encontrada para o efeito, pois é evidente que tratando-se de pessoas de parco poder económico, a única medida ao seu alcance será o abandono ou o abate.

12. Constituindo o princípio da proporcionalidade um limite interno quanto à discricionariedade da Administração, para que tal limite não seja ultrapassado, impõe-se que a decisão administrativa seja adequada (apta à prossecução do interesse público visado), necessária (por o meio escolhido ser o único apto à satisfação do interesse em causa) e proporcional (na medida em que a lesão sofrida pelos administrados seja equilibrada e justa em relação aos benefícios alcançados para o interesse público) – cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo anotado, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1993, anotação ao art.º 5.º).

13. Verifica-se, no caso em apreço, e pelos argumentos atrás invocados, que a medida tomada viola o princípio da proporcionalidade (art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo) já que se mostra inadequada e desequilibrada face aos propósitos de protecção de saúde pública que visa atingir.

14. É excessivo proibir, em absoluto, o alojamento de cães em determinado fogo para habitação. Se é certo que, nos termos do Decreto-lei n.º 317/85, de 2 de Agosto, compete às câmaras municipais remover animais por razões de salubridade, tranquilidade e segurança da vizinhança, isso não significa um poder acrescido de interditar a posse desses animais.

15. Quando a lei confere um poder discricionário aos órgãos da Administração estes têm de exercê-lo como tal, ficando impedidos de abolir a ponderação e avaliação das situações individuais e concretas que devem apreciar.

16. De resto, no art.º 9.º, n.º 1 do citado diploma prevê-se expressamente o direito a manter alojados três cães por fogo habitacional.

17. Por seu turno, constata-se ainda, que sujeitando a Câmara Municipal de Oeiras a celebração dos contratos de arrendamento a uma condição desta natureza, está a favorecer a prática do abandono e abate de animais de companhia, conduta proibida legalmente (art.ºs 1.º e 3.º, n.º 3, al. d), da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro).

18. Por fim, não posso deixar de chamar a atenção de V.ª Ex.ª para o que consta da Declaração Universal dos Direitos do Animal proclamada pela UNESCO, em 15 de Outubro de 1978, principalmente para o disposto no n.º 3 do seu art.º 2.º, art.º 6.º e 11.º onde se estatui:
Art. 2.º
1. (…).
2. (…).
3. Todo o animal tem direito à atenção, aos cuidados e à protecção do homem.
Art. 6.º
1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural .
2. O abandono de um animal é um acto cruel e degradante.
Art. 11.º
Todo o acto que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é, um crime contra a vida.

19. Assim sendo, entendo que deverá essa edilidade admitir, por regra, a presença de animais nos fogos arrendados, só promovendo a sua remoção nos casos em que a segurança, higiene ou salubridade a isso obriguem.

III-Conclusões

Por estas motivações, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, e atentas as implicações que a inclusão nos contratos de arrendamento de uma cláusula com o conteúdo da ora em apreço acarretam – aumento do abate e abandono dos animais, quebra das relações estabelecidas entre os seus donos e estes, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1 al. a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril),RECOMENDO:

A) Não se faça depender a celebração dos contratos de arrendamento de habitações a custos controladas do facto de os promitentes arrendatários prescindirem da posse dos seus animais domésticos, já que não pode prenunciar-se, em absoluto, razões de salubridade, higiene ou segurança que o justifiquem.
B) A mesma condição seja dada como não escrita nos contratos de arrendamento para habitação que, eventualmente, já tenham sido celebrados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel