Ministro das Finanças
Número:56/A/96
Processo:R-3694/94
Data:16.07.1996
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – VENDA DE IMÓVEL – HABITAÇÃO PRÓPRIA – TRIBUTAÇÃO INDEVIDA.

Sequência: Não acatada

Na sequência de queixa apresentada na Provedoria de Justiça, foi solicitada à Direcção de Serviços do IRS, durante o passado ano de 1995 (n/ ofício n.º…), a apreciação da questão que agora coloco à consideração de Vossa Excelência.
Trata-se da interpretação e aplicação da norma constante do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, cuja redacção à data dos factos era a seguinte:
“5- São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se, no prazo de 24 meses contados da data da realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação, ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino”.

O que se discutia durante a vigência desta redacção da disposição em causa – recentemente alterada pelo artigo 27.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março (Orçamento do Estado para 1996) – era se a mesma só deveria favorecer os sujeitos passivos que em primeiro lugar transmitissem onerosamente o imóvel destinado à sua habitação e que só em momento posterior reinvestissem o produto da alienação ou se, pelo contrário, também deveria merecer igual protecção aquele que em primeiro lugar adquiria o imóvel (ou efectuava outra das operações previstas no citado artigo) e só depois alienava o imóvel que afectara, até aí, à sua habitação, para aplicar o produto desta venda naquela primeira operação.

Sempre foi minha opinião, na vigência da anterior redacção da norma agora alterada, que ambas as situações eram merecedoras de igual protecção, desde que continuasse a exigir-se o prazo máximo de vinte e quatro meses para concretização de ambos os negócios. Só assim, creio, poderia atingir-se, de pleno, o objectivo subjacente a esta exclusão de tributação em categoria G de IRS: beneficiar os investimentos e reinvestimentos em imóveis destinados à habitação dos sujeitos passivos e do seu agregado familiar.

Mas sempre foi também minha opinião que este objectivo era alcançável ainda na vigência da primitiva redacção da norma em causa.
Com efeito, sendo o objectivo da citada disposição legal, desde o início – conforme a alteração agora introduzida veio provar -, beneficiar os investimentos e reinvestimentos em imóveis destinados à habitação dos sujeitos passivos e do seu agregado familiar, não pode deixar de concluir-se que, antes da referida alteração, a letra da lei se encontrava aquém do seu espírito.
Não posso, pois, deixar de me congratular pela recente alteração introduzida ao artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS pela Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, prevendo agora a alínea b) daquela disposição legal, de forma expressa e inequívoca, a possibilidade de os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação virem a ser excluídos da tributação em categoria G de IRS desde que o produto da alienação seja utilizado no pagamento da aquisição prévia – mas há não mais de doze meses – de outro imóvel ou terreno para construção de imóvel igualmente destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Assim, quanto às situações que anteriormente se discutia se estavam ou não abrangidas pelo preceito em questão, passa a letra da lei a não dar azo a qualquer dúvida, não fazendo qualquer distinção entre ambas, excepto em matéria de prazo de reinvestimento do produto da alienação do imóvel transmitido: para aquele que primeiro adquire uma segunda habitação e só depois aliena a primeira, o limite temporal de reinvestimento passou a ser de doze meses.
Não era este o entendimento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, conforme resulta da comunicação da Direcção de Serviços do IRS, enviada ao Reclamante na sequência de consulta por si formulada (doc. n.º 1, que se anexa), e conforme resulta, também, do douto Parecer de autoria do Prof. Dr. Pamplona Corte-Real, investigador-jurista do Centro de Estudos Fiscais da DGCI, remetido à Provedoria no decurso da instrução do processo aqui aberto com base em queixa do interessado (doc. n.º 2, que igualmente se anexa).

Não obstante os argumentos avançados naquele douto Parecer, constata-se agora ser efectivamente possível e desejável equiparar as situações a que venho fazendo referência.
O que procuro provar junto de Vossa Excelência é que tal equiparação poderia ter tido lugar no caso do Reclamante supra identificado.

Com efeito, os argumentos avançados no douto Parecer já mencionado, elaborado na sequência de uma primeira intervenção deste órgão do Estado acerca do assunto, são essencialmente dois: por um lado, a preocupação de prevenir situações fraudulentas decorrentes do desvanecimento do nexo causal entre a aplicação do produto da venda do imóvel e o investimento ulterior na aquisição de outro e, por outro lado, a existência de fórmulas jurídicas sucedâneas que teriam permitido ao interessado beneficiar da exclusão de tributação nos termos restritivos em que a mesma era reconhecida pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

Quanto a este último argumento, fácil será compreender que nem sempre as condições económicas, familiares e sociais dos sujeitos passivos nem as próprias condições de funcionamento do mercado habitacional são as que melhor permitem aos interessados conhecer ou mesmo concretizar fórmulas jurídicas alternativas à habitual operação de compra do segundo imóvel e posterior venda do primeiro.

Reconheço as dificuldades de controlo da afectação do valor de realização de um imóvel à aquisição de outro. Não creio, porém, que tais dificuldades existam apenas – ou, mesmo, que sejam maiores – nos casos de a alienação de um imóvel ocorrer posteriormente à aquisição do outro. Acresce que as consequências de tais dificuldades sempre são esbatidas pelo limite temporal imposto, aliás bem, para a concretização de ambos os negócios.

A prova da existência de nexo causal entre o produto da venda do imóvel e o investimento ulterior na aquisição de outro não constituía, pois, obstáculo inultrapassável ao alargamento do âmbito de aplicação da anterior redacção do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, por força da sua interpretação extensiva.

A função fiscalizadora e preventiva de fraudes fiscais a cargo da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não obstante a reconhecida importância de que se reveste, não pode deixar de ser uma função acessória e meramente instrumental na concretização do direito substantivo, o qual não deve ser, apenas, aquele que a função fiscalizadora daquela Direcção-Geral permite, mas sim aquele que, do ponto de vista substantivo, melhor garante o respeito por princípios tão importantes como o da igualdade de tratamento dos contribuintes que se encontram em situação idêntica.

No caso concreto que motivou esta minha intervenção, o interessado possui documentos comprovativos da contracção de empréstimo para compra da sua segunda habitação e da afectação do produto da venda da primeira casa à amortização do referido empréstimo, pelo que dúvidas não restam acerca da realização do reinvestimento exigido pelo artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS (mesmo anteriormente à alteração agora introduzida, como venho defendendo), condição essencial à exclusão de tributação dos ganhos obtidos com a transmissão do imóvel de que era proprietário. Na redacção da lei em vigor à data dos factos, o legislador, com a preocupação de esclarecer detalhadamente a forma pela qual quis admitir a exclusão da tributação, acabou por restringir mais do que queria o âmbito de aplicação do preceito, esquecendo os casos análogos ao do Reclamante, que certamente queria ter incluído – como veio a incluir – na previsão legal.

Solucionada, pela melhor forma, a questão em abstracto, julgo de toda a justiça reconhecer a aplicabilidade a este caso concreto dos mesmos princípios que pautam as operações análogas hoje realizadas, princípios que, reafirmo, já estavam subjacentes à norma em causa na sua redacção anterior, apenas não tendo tradução correcta na letra da lei. E princípios que, não é de mais recordar, eram contrariados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos com base em argumentos que a nova redacção do preceito legal em causa veio demonstrar cabalmente não terem a importância que se lhes pretendia conferir.

Assim,RECOMENDO:

Que o contribuinte supra identificado seja notificado para fazer prova da realização, no prazo legal, das operações de aquisição e alienação dos imóveis destinados à sua habitação e do seu agregado familiar, bem como de qualquer prova que se considere necessária no sentido de atestar a efectiva aplicação do produto da venda de um dos imóveis à aquisição do outro e, provados estes factos, que lhe seja corrigida a liquidação de IRS do ano em que os ganhos que obteve com a transmissão do imóvel de que era proprietário foram indevidamente tributados em IRS – categoria G.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel