Secretário de Estado da Administração Pública
Processo:R-1656/95
Número: 7/B/96
Data:01.02.1996
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL – QUADRO DE EFECTIVOS INTERDEPARTAMENTAIS – REMUNERAÇÃO.

Sequência:Não Acatada.

1. Em queixa que me foi dirigida, alegou-se que a um funcionário considerado excedente, colocado no Quadro de Efectivos Interdepartamentais do Ministério da Agricultura, na situação de disponibilidade, lhe foram abonados em resultado das reduções remuneratórias previstas anualmente para os excedentes, nas respectivas Leis Orçamentais, vencimentos inferiores ao salário mínimo nacional, designadamente nos anos de 1989 a 1992, ao contrário do procedimento adoptado, para casos paralelos, pela Direcção-Geral da Administração Pública, que vem abonando o salário mínimo nacional.

2. Ouvido o Exm.º Secretário-Geral do Ministério da Agricultura, veio a confirmar através de ofício que dirigiu a este Órgão de Estado, o procedimento revelado na queixa, justificando-o, essencialmente, nas reduções percentuais nos vencimentos dos excedentes, estabelecidas nas Leis Orçamentais n.º 101/89 de 29 de Dezembro (artigo 17.º, alínea b)), Lei n.º 65/90 de 28 de Dezembro (artigo 18.º, alínea b)) e Lei n.º 2/92 de 9 de Março (artigo 70, alínea c)) temporalmente relevantes, no caso. (vid. cópias dos ofícios n.º …. e n.º …., e docs. anexos, para melhor esclarecimento).

3. Solicitada, por sua vez, informação pertinente à Direcção-Geral da Administração Pública, expressou o entendimento de que devia ser sempre abonado o salário mínimo nacional, aos excedentes na situação de disponibilidade, cujos vencimentos por redução das percentagens, fiquem abaixo daquele salário”, entendimento que de resto, já fora feito valer, através do ofício nº…. dirigido ao Exm.º Secretário-Geral do Ministério da Agricultura (vid. cópias dos aludidos ofícios, em anexo).

4. Da análise da questão colocada, resulta a configuração de um conflito intra-sistemático de normas no domínio do mesmo ordenamento jurídico, que estão entre si, numa relação de incompatibilidade relativa, ou de contraditoriedade, relativa aos valores jurídicos que lhe estão subjacentes.

5. O problema consiste, no entanto, em saber se a inaplicabilidade cumulativa das duas normas colidentes – dum lado a lei atributiva do salário mínimo nacional, do outro, as normas que estabelecem redução percentual nos vencimentos dos funcionários excedentes, na situação de disponibilidade procede, ou não, de uma “colisão aparente de normas”, resolúvel, pelo recurso à unidade e coerência do sistema jurídico, que postula a não existência de contradições normativas, e se legitima pela referência e valores jurídicos fundamentais gerais, que criam o verdadeiro “sistema jurídico”, e não apenas a “ordem normativa” (cfr. neste sentido, Prof. Dr. Castanheira Neves, “A Unidade do Sistema Jurídico, o seu Problema e o seu Sentido”, pág. 81 e ss., e Prof. Dr. José Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” – págs. 197 e seguintes).

6. Com efeito, se a “unidade do sistema jurídico” deixa implicada, como entendem os Autores, a consideração da unidade e coerência jurídico-sistemática, as normas a interpretar – as que impõem reduções remuneratórias aos excedentes, enquanto disponíveis -, não podem ser desligadas, do seu contexto normativo e valorativo, no domínio jurídico de que fazem parte.

7. Constitui valor referencial essencial, nesse contexto valorativo e prescritivo, a consagração constitucional de uma “remuneração mínima garantida” (artigo 59.º, 2, da Constituição), legalmente concretizada no “salário mínimo nacional”, e respectiva actualização sucessiva, cuja primeira versão legislativa coube ao Decreto-Lei n.º 217/74 de 27 de Maio, alterada depois pelo Decreto-Lei n.º 440/79 de 6 de Novembro, cujo regime jurídico, foi mais recentemente revisto pelo Decreto-Lei 69-A/84 de 9 de Fevereiro, cujo quadro jurídico enformador ainda, basicamente, vigora.

8. Conquanto o artigo 59.º n.º 1 da Constituição se reporte à expressão abrangente “todos os trabalhadores”, como destinatários das respectivas prescrições normativas, não devem ser excluídas do seu âmbito aplicativo, os “Trabalhadores da Administração Pública” (expressão usada no artigo 269.º do Texto Fundamental) por razões de justiça, e de coerência jurídica, associadas ao primado do “princípio do estado de direito democrático”, (art.º 2.º da Constituição) aglutinador, por sua vez, de outros direitos fundamentais, entendimento que é sufragado, quanto aos chamados “direitos sociais e económicos” dos trabalhadores, de que curamos, pelos constitucionalistas Prof. Gomes Canotilho e Dr. Vital Moreira ao considerarem abrangidos, na expressão “trabalhadores”, os funcionários públicos, desde que haja uma relação de trabalho, ou de emprego público (cfr. neste sentido preciso, Prof. Gomes Canotilho e Dr. Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.º vol., 2ª edição, pág. 290).

9. A estas razões de coerência lógica e jurídica que parecem já de si irrecusáveis, no plano dos princípios, acrescem ainda razões substantivas que têm a ver com a justificação axiológica do “salário mínimo nacional”.

10. Com efeito, a imposição constitucional relativa à “remuneração mínima garantida”, radica-se na necessidade de garantir aos trabalhadores um “mínimo vital” para cobrir as necessidades tidas por essenciais. face ao nível atingido pelo custo de vida, devendo corresponder, em suma, “às necessidades elementares do ser humano e da sua família”, como doutrina, com pertinência, o Prof. Gérard Lyon – Caen (cfr. neste sentido preciso, “Droit du Travail” – Le Salaire, Pois/Dalloz, 1981, págs. 3334 e segs, e ainda, Dr. António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, págs. 336 e 337, entre outros autores).

11. E conquanto o Decreto-Lei 69-A/87 de 9 de Fevereiro, que estabeleceu o novo regime do “salário mínimo nacional”, tenha como destinatários expressos os trabalhadores por conta de outrem, do sector privado (indústria, comércio e serviços), e não tenha sido tornado extensivo, aos trabalhadores da Administração Pública, não é menos certo, que o Governo, correspondendo a justas reivindicações destes trabalhadores, veio determinar através das recentes Portarias n.º 1093-A/94, de 7 de Dezembro, e n.º 87/95, de 31 de Janeiro, respectivamente, “que os funcionários e agentes com remuneração base correspondente ao índice 100 da escala salarial do regime geral são remunerados no ano de 1995, pelo índice 105”, e na segunda, alterando a primeira em consequência da actualização do valor do salário mínimo nacional, entretanto verificada, veio fazer equivaler a remuneração base correspondente ao índice 100, ao índice 106, da escala salarial, com efeitos retroactivos reportados a 1 de Janeiro de 1995, o que constitui, sem dúvida, reforço significativo, do entendimento que defendemos neste domínio.

12. O confronto entre o precedente quadro normativo e valorativo respeitante ao salário mínimo nacional, com as normas determinativas das reduções no vencimento dos excedentes, na situação de disponibilidade, parece legitimar a conclusão que a forma de compatibilizar, lógica e prescritivamente, as normas colidentes, haverá de fazer-se através de uma interpretação restritiva das disposições que impõem reduções abaixo do valor do salário mínimo nacional, cujo montante deve ser sempre, e em qualquer caso, abonado.

13. Todavia, apesar da interpretação restritiva e compatibilizadora que deixámos delineada, importa ainda, por razões de certeza e de segurança jurídica, também relevantes, definir, através de providência legislativa adequada, o critério a seguir, neste domínio, dada a discrepância de entendimentos perfilhados no caso, pela Administração (vid. pontos 1 e 2 e docs. anexos).

14. Face às razões atrás invocadas, tenho por oportuna e conveniente, a emissão de “providência legislativa”, a qual, mediante “norma delimitativa”, circunscreva aos limites convenientes, – ou seja ao valor fixado na lei para o salário mínimo nacional – as normas que imponham reduções, nas remunerações dos funcionários excedentes, na situação de disponibilidade.

15. Face ao antecedentemente exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

Que por iniciativa do Governo, seja emitida providência legislativa adequada, de carácter delimitativo, que prescreva no sentido de que, sempre que as normas que imponham reduções nos vencimentos dos funcionários excedentes, na situação de disponibilidade, se traduzam em valor remuneratório inferior ao salário mínimo nacional, anualmente fixado, deve ser abonado este último.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel