Ao
Exm.º Senhor
Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações
Número:50/A/96
Processo:R-2123/95
Data:22.05.1996
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE SOBREVIÊNCIA – INDEFERIMENTO – REVOGAÇÃO POR MÉRITO – PROCEDIMENTOS ESPECIAIS – APLICAÇÃO DO CPA

Sequência: Não Acatada.

1. A Senhora… dirigiu-me uma exposição onde invoca, essencialmente, o seguinte:

1.1. Tendo requerido a atribuição de pensão de sobrevivência por morte do pai, ocorrida em 2.9.65, veio tal pedido a merecer despacho de indeferimento com base no facto de a junta médica a que foi apresentada em 18.11.85 ter considerado que a reclamante não sofria de incapacidade total para o trabalho na data do aludido óbito.
1.2. Em 24.2.95, a reclamante voltou a requerer a pensão de sobrevivência por morte do pai, na sequência do que foi submetida a nova junta médica em 17 de Maio do mesmo ano.
1.3. A referida junta médica emitiu parecer no sentido de que a reclamante sofria de incapacidade permanente e total para o trabalho desde a data da morte do seu pai, parecer que foi homologado em 18.5.95.
1.4. Em 5.6.95, a Direcção dessa Caixa (no uso da delegação de poderes conferida pela Administração, em despacho publicado no D.R., II, de 14.4.94) deliberou no sentido do indeferimento do pedido formulado pela reclamante em 24.2.95, com a seguinte fundamentação: a junta médica de 17.5.95 foi considerada sem efeito em virtude de a situação da reclamante perante a Caixa “desde há muito se encontrar definida pela Junta Médica realizada em 18.11.85 que a não considerou incapaz para o trabalho à data da morte do contribuinte, requisito necessário à atribuição da pensão de sobrevivência nos termos do art.º 42.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência”.

2. Não posso deixar de considerar que a deliberação da Direcção da Caixa de 5.6.95 se encontra ferida de invalidade, porquanto baseada em errada interpretação e aplicação da lei. A fundamentação invocada traduz-se, basicamente, na consideração de que a pretensão da reclamante se encontra definitivamente fixada na ordem jurídica. Ou seja, a Caixa entende encontrar-se vinculada à não modificação da decisão já proferida, pelo que a revogação desta consubstanciaria um acto ilegal.

3. Esta fundamentação não se afigura, contudo, válida, porquanto não descortino razão que impeça a Caixa de revogar o primeiro acto de indeferimento da pretensão da reclamante, proferido em 1985. Este acto é um acto válido, revogável nos termos do art.º 140.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Como facilmente se verificará, esta última conclusão dá como assente que o regime aplicável é o do Código de Procedimento Administrativo e, portanto, que este revogou o art.º 53.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência. O art.º 2.º, em especial o seu n.º 6, do Código do Procedimento Administrativo, na sua versão originária, poderia, com efeito, suscitar a questão de saber se o processo de atribuição de pensão de sobrevivência se assumia como um procedimento especial, regulado prevalentemente pelas regras do Estatuto das Pensões de Sobrevivência e, supletivamente, pelas disposições do C.P.A. (nomeadamente no que toca ao regime da revogação dos actos administrativos) ou se, pelo contrário, as normas do Código prevalecem, nesta matéria, sobre as de natureza especial. A doutrina dominante tem entendido, desde a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo, que este revogou a legislação, de carácter geral ou especial, sobre o regime do acto administrativo. Defende-se, com efeito, que a interpretação do art.º 2.º, n.º 6, do Código de Procedimento Administrativo (na sua versão originária) implica proceder a uma classificação ou divisão das normas deste Código, distinguindo “quatro grandes sectores normativos” (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS, Código de Procedimento Administrativo Comentado, vol. I, pag. 130): os princípios gerais do procedimento administrativo, as normas genéricas sobre organização administrativa, as regras de direito substantivo aplicáveis à actividade administrativa e as normas particularizadas sobre trâmites processuais. Assim, as normas dos três primeiros grupos aplicar-se-iam a todos os procedimentos, ainda que especialmente regulados, enquanto as do último grupo apenas se aplicariam em caso de lacuna de regulamentação das normas particulares de tramitação procedimental e se daí não resultar diminuição de garantias dos particulares. Quanto ao terceiro grupo de regras enunciado, conteria ele as normas da Parte IV do Código (onde se integra o regime dos actos administrativos) as quais se entende terem “validade geral e vocação universal, pelo que se aplicam a todos os regulamentos, actos e contratos administrativos da nossa Administração Pública e aos respectivos procedimentos decisórios ou executivos, ainda que especialmente regulados” (DIOGO FREITAS DO AMARAL E OUTROS, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., pg. 29; ) (para além dos autores citados, cfr., ainda, JOSÉ LUÍS ARAÚJO e JOÃO ABREU DA COSTA, Código do Procedimento Administrativo Anotado). A posição doutrinária supra descrita quanto ao âmbito de aplicação do Código foi, aliás, consagrada na recente alteração introduzida no preceito em causa pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31.1, num propósito de clarificação que resulta nítido do respectivo preâmbulo e que evidencia a natureza interpretativa do preceito.

5. Terá que concluir-se, pois, pela invalidade do acto de recusa de revogação, praticado em 5.6.95, tendo em conta a respectiva fundamentação. E, assim, resta-me dizer que, a meu ver, nada parece impedir que se defira o segundo pedido formulado pela reclamante, dessa forma se reconhecendo o direito à pensão de sobrevivência e, do mesmo passo, se revogando o acto de indeferimento praticado em 1985. Ou seja, não há qualquer razão de mérito que desaconselhe a reapreciação, tanto mais que a segunda junta médica a que a interessada foi submetida demonstra que, certamente, a primeira decisão de indeferimento terá estado viciada de erro sobre os pressupostos de facto. O interesse público é noção que não se opõe necessariamente a interesse particular, antes deverá representar o melhor equilíbrio entre os interesses em presença. Ora, não prosseguir o interesse da reclamante a receber pensão de sobrevivência sem que a tal se oponha qualquer interesse público digno de relevo ou de prevalência sobre aquele, é solução que claramente atenta contra os princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art.ºs 266.º, n.ºs. 1 e 2 da CRP e 4.º e 5.º do CPA).

6. Em face do exposto,RECOMENDO:

a V.ª Ex.ª a revogação, com fundamento em ilegalidade, do acto que indeferiu o pedido de atribuição da pensão de sobrevivência formulado pela reclamante em 24.2.95 e que seja praticado novo acto que, em conformidade com o parecer da junta médica homologado em 18.5.95, reconheça o direito à referida pensão.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel