Presidente do Governo Regional dos Açores
Número:37/A/96
Processo:R-389/92
Data:27.02.1996
Ártea: A2

Assunto:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – INVALIDADE DO CONTRATO – PAGAMENTO DE HONORÁRIOS E DESPESAS – PRINCÍPIO DA BOA FÉ – GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES

Sequência:Parcialmente acatada

1. Conforme é certamente do conhecimento de Vossa Excelência, há longo tempo que a Provedoria de Justiça procura mediar o conflito existente entre o Senhor Engenheiro… e o Governo Regional dos Açores, através das Secretarias Regionais das Finanças, e do Comércio e Indústria, no que respeita ao pagamento de montantes que o Senhor Engenheiro se considera credor, por vários serviços prestados à Região Autónoma dos Açores, no âmbito da promoção da imagem e da comercialização de produtos e serviços regionais no mercado norte-americano.

2. Relativamente a este assunto e para a adequada ponderação de Vossa Excelência, junto envio cópia dos documentos constantes do processo, que me parecem pertinentes para uma análise completa e conclusiva.

3. A prestação de serviços pelo Senhor Engenheiro… iniciou-se em 1978, na sequência de convite feito por Sua Excelência o Presidente do Governo Regional dos Açores, e terminou em Junho de 1990, tendo o reclamante apresentado relatórios periódicos da actividade desenvolvida com regularidade e permanência, geradora de resultados objecto de múltiplos elogios públicos, conforme se demonstra nos documentos juntos.

4. Podem-se referir, entre outras e sem a preocupação de ser exaustivo, as actividades desenvolvidas ao longo destes anos no que se refere à promoção do turismo dos Açores nos Estados Unidos, à criação de condições de instalação de novas tecnologias de comunicação entre a Região e aquele País, ao desenvolvimento do conjunto de actividades da ADA – Associação para o Desenvolvimento dos Açores -, ao aumento das exportações de queijos e de carnes da Região para os Estados Unidos, ao desenvolvimento da rentabilização dos transportes marítimos e aéreos entre os Açores e os Estados Unidos da América, a preparação de viagens de membros do Governo Regional. Todas estas actividades, assim como os respectivos resultados, encontram-se clara e pormenorizadamente descritas nos documentos juntos, pelo que me parece desnecessário referir o constante de muitas dezenas de páginas.

5. Parece-me, também, de toda a justiça, sublinhar que os serviços prestados à Região Autónoma dos Açores foram solicitados e o respectivo desenvolvimento acompanhado por membros do Governo Regional. Assim, a actividade de prestação de serviços foi iniciada em 1978, na sequência de convite formulado por Sua Excelência o Presidente do Governo Regional; em 04/07/78 e 23/11/78, Sua Excelência o Secretário Regional dos Transportes e Turismo solicita a prestação de serviços no domínio da procura de investimento para a construção de unidades hoteleiras; em cartas de 30/05/79 e 31/07/79, e telex de Maio de 1979, Sua Excelência o Presidente do Governo Regional demonstra acompanhar as diligências efectuadas no aumento das quotas de exportação de queijo e carne e determina orientações a prosseguir; o reclamante foi o representante do Governo Regional nas negociações com a Sheraton Hotels, visando a exploração de unidades hoteleiras na Região e integrou o Grupo de Trabalho que estudou a transformação do edifício Solmar em hotel, conforme documentos da Direcção Regional de Comunicação Social e despacho n.º 10/80, de Sua Excelência o Secretário Regional dos Transportes e Turismo; em telex de 11/1/82 o chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário Regional do Comércio e Industria, solicita-se ao reclamante todo o apoio na preparação e execução da visita a Nova Iorque e ao estado de Nova Inglaterra, a ser feita em breve.

6. Aliás, o trabalho desenvolvido em beneficio dos Açores pelo Senhor Engenheiro, designadamente no que respeita ao desenvolvimento do comércio externo, foi objecto de elogios e de incentivos por parte de responsáveis do Governo Regional, de que salientaria as apreciações feitas por Sua Excelência o Presidente do Governo Regional em Maio e Julho de 1979, e em Julho de 1981 onde, respectivamente, agradece “todas as diligências executadas em assunto de tanto interesse para os Açores”, considera que “as diligências feitas (…) são dignas do maior reconhecimento” e, ainda, “agradecendo ao Eng.º… o empenho posto nos assuntos mencionados”; por sua vez, em 11/10/88, dizia Sua Excelência o Secretário Regional do Comércio e Indústria que “parece-me, para além disso, justo que finalmente seja reconhecido o trabalho dedicado e permanente do Eng.º … nestes últimos anos, trabalho esse que nunca foi nem reconhecido devidamente, nem justamente remunerado”; finalmente, em 22/02/91, Sua Excelência o Secretário Regional da Economia sublinhava, em oficio dirigido ao Senhor Engenheiro, que “todo o trabalho que prestou e desenvolveu nos EUA foi positivo e até valioso e precioso para os Açores e para a sua actividade económica (…)”.

7. Identificados, embora a título exemplificativo e sumariamente, e não dispensando a consulta do documentos juntos, os serviços realizados pelo reclamante em favor do Governo Regional dos Açores e, em consequência, da Região Autónoma dos Açores, publicamente reconhecidos como valiosos, torna-se necessário passar a expor a natureza do diferendo que opõe o Senhor Engenheiro ao Governo Regional, e que se arrasta há alguns anos.

8. Vivendo exclusivamente do seu trabalho, sempre foi claro quer para o Reclamante, quer para o Governo Regional, que os serviços prestados ao longo dos anos de 1978 a 1990 deviam ser objecto do pagamento dos honorários devidos, acrescido do reembolso das despesas inerentes ao exercício da actividade desenvolvida. Inicialmente, colocou-se a hipótese – depois ultrapassada -, de o Governo Regional participar no capital social da empresa …,expressamente constituída pelo Senhor Engenheiro…, no Estado do Massachusetts, para o cumprimento dos objectivos que pelo próprio vinham sendo desenvolvidos, ao serviço do Governo Regional dos Açores. A verdade é que o Reclamante, não obstante os serviços prestados, esteve desde 1978 até 1983 sem receber quaisquer honorários nem, tão pouco, o pagamento das despesas efectuadas nos serviços desenvolvidos em favor da Região Autónoma. Tal facto não constituiu, na altura, obstáculo a que fosse solicitada a continuação da sua colaboração. Neste sentido, Sua Excelência o Secretário Regional do Comércio e Indústria encarregou o Exm.º Director Regional da Indústria, Eng.º …, de apurar junto do Director do ICEP em Nova Iorque, Dr…., qual o montante que seria de pagar ao Sr. Engº… pela prestação de serviços de promoção do investimento na Região Autónoma e pela exportação para os Estados Unidos de produtos regionais.

De acordo com o ICEP tal montante seria, em 1984, de 50.000 dólares anuais. Tendo por referência este valor, Sua Excelência o Secretário Regional do Comércio e Indústria decidiu que seriam pagos anualmente, a titulo de honorários, transitórios e actualizáveis, 12.500 dólares anuais, acrescidos das despesas inerentes ao exercício da actividade. Tais verbas foram pagas, embora sem qualquer actualização, até Março de 1989. Após esta data, continuou o Reclamante a trabalhar no projecto de promoção dos produtos e serviços da Região Autónoma, designadamente na criação da empresa…, apresentação da Zona Franca de Santa Maria no mercado norte-americano, elaboração de estudo de viabilização do transporte de mercadorias entre os Açores e os EUA, constituição da empresa …, garantindo a manutenção das quotas de exportação de queijos da Região e na preparação de contrato de transferência de tecnologia.
Na sequência de carta que o Reclamante, em 5 de Maio de 1988, dirigiu a Sua Excelência o Presidente do Governo Regional, chamando à atenção para a urgência da definição e concretização do modelo de colaboração pretendida, foi feita uma reunião em que, para além do autor e do destinatário da carta, se encontravam presentes Suas Excelências os Secretários Regionais da Agricultura e Pescas, e do Comércio e Indústria, e onde foi clara a determinação no sentido de continuarem a ser prestados os serviços.

Assim, vieram a ser feitos dois estudos, por parte da NORMA-Açores e da EGF, com o objectivo de estudar a forma de participação da Região no capital social da …, tendo Sua Excelência o Secretário Regional do Comércio e Industria, -em 11/10/88, proposto a Sua Excelência o Presidente do Governo Regional, na sequência de projecto apresentado pelo reclamante, um modelo de colaboração diversa, que passava, antes, pela celebração de um contrato de prestação de serviços com a Secretaria Regional. Neste contrato previa-se o pagamento de 1.100 dólares mensais, actualizáveis, mais 600 dólares relativos a despesas de transportes e um montante de 15.000 dólares anuais, a aprovar pontualmente, para acções de promoção. Tendo entretanto tomado posse o Dr…como Secretário Regional da Economia, decidiu substituir este contrato por outro, a celebrar com o IIPA – Instituto de Investimento e Privatização dos Açores e, ainda, que o Senhor Engenheiro … constituísse em Ponta Delgada a empresa …, que promoveria o comércio externo em colaboração com a empresa homóloga norte-americana. Face aos custos acrescidos que esta opção implicava, o Reclamante solicitou ao Governo Regional, como contrapartida, o pagamento de 40.000 dólares anuais, a titulo de honorários e, ainda, uma participação nos custos, no valor de 20.000 dólares anuais. Esta proposta foi aceite por Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, tendo, em conformidade, sido pagos ao Senhor Engenheiro… as quantias em dívida relativas ao ano anterior, bem como ao montante dos honorários correspondentes aos meses de Março a Setembro de 1989, no valor de 30.000 dólares. A substituição do Dr… pelo Dr… à frente da Secretaria Regional da Economia, não obstante as garantias dadas ao reclamante de assunção dos compromissos assumidos no passado, acabou por determinar, face a novas orientações, a cessação da prestação de serviços.

9. Tal facto, não devidamente explicado, mas naturalmente aceite pelo Senhor Engenheiro, levou-o a solicitar, em carta dirigida em 28/6/90 a Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, o pagamento das importâncias em dívida, relativas aos serviços prestados e concomitantes despesas relativas aos meses de Outubro de 1989 a Maio de 1990, no total de 40.000 dólares, sendo 10.000 dólares de honorários e 5.000 dólares de despesas relativas ao período de Outubro e Dezembro de 1989, e 16.500 dólares de honorários e 8.500 dólares de despesas respeitantes aos meses de Janeiro a Maio de 1990, valores estes documentados nas facturas n.º… e …, enviadas a Sua Excelência o Secretário Regional da Economia.

10. Em resposta, o reclamante recebeu o oficio n.º …, do Gabinete de Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, omisso quanto ao pagamento daquelas facturas, e que considerou incompletos os documentos justificativos dos honorários e despesas, para além sublinhar que os custos deveriam ser suportados pelas Secretarias Regionais da Economia, do Comércio, da Agricultura e Pescas, e do Turismo.

11. Ou seja, e contrariando a metodologia habitualmente prosseguida pelo Reclamante na apresentação de contas ao Governo Regional dos Açores, e sem qualquer aviso prévio, a Secretaria Regional da Economia passou a exigir documentos diversos dos até então apresentados, diligência que o Reclamante, contudo, não deixou de cumprir, por carta de 11/10/90, dirigida a Sua Excelência o Secretário Regional da Economia.

12. A resposta enviada, em sequência, ao Senhor Engenheiro, e depois de este ter dado integral cumprimento à apresentação discriminada e pormenorizada dos honorários e despesas cujo pagamento se solicitava, consta do ofício n.º …., do Gabinete de Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, que passo a transcrever:
“Conforme o ponto 4 os serviços prestados pelo Senhor Eng.º… foram pagos pela … .
Assim sendo, nada mais resta do que arquivar o processo, dando conhecimento ao Eng…”

13. Este despacho de Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, de 05/02/91, foi exarado na Informação n.º …., da Direcção Regional do Comércio, onde se refere que:
– não existe qualquer contrato válido entre o Eng.º… e a Secretaria Regional da Economia;
– é reconhecida a existência de um acordo verbal entre as partes, justificativo dos serviços prestados pelo reclamante e dos honorários e despesas pagas pela Direcção Regional do Comércio;
– não pode ser esquecido o conteúdo do despacho de Sua Excelência o Secretário Regional da Economia, de 22/08/90, que manifesta o acordo em assumir os encargos passados decorrentes de compromissos verbais assumidos pela Direcção Regional da Economia;
– os únicos contactos mantidos pela Direcção Regional da Economia com o reclamante, relativos a uma prova de queijos regionais nos EUA, geradores de encargos, foram devidamente pagos;
– “tendo em conta o compromisso verbal assumido pela SRE, e ainda o Despacho do Senhor Secretário Regional da Economia referido no ponto 3 (no sentido de assumir as responsabilidades do passado), esta Direcção Regional deixa à consideração de Vossa Excelência o pagamento das facturas n.ºs … e …, no montante de 25.000 USD e 15.000 USD respectivamente, equivalente a 5.346.000$00, apresentadas pelo Eng.º…”.

14. Embora o despacho exarado nesta informação e acima citado, não se pronuncie sobre aspectos relevantes da informação, parece claro que o Governo Regional assume o compromisso de pagar ao Reclamante todas as importâncias em dívida anteriores a Junho de 1990, no cumprimento de um contrato verbal estabelecido com os responsáveis do Governo Regional.

15. Exposta a questão ao antecessor de Vossa Excelência, foi respondido, pelo Exm.º Chefe de Gabinete, através do oficio n.º …, de … que:
– o contrato de prestação de serviços celebrado entre o Reclamante e Secretaria Regional do Comércio e Indústria é ineficaz porquanto lhe foi recusado o visto, pelo Tribunal de Contas;
– é reconhecido o direito de o Reclamante ser pago pelos serviços que prestou a favor da Região, solicitados por quem de direito;
– reconhece os serviços prestados pelo Senhor Engenheiro à Região Autónoma dos Açores e, ainda, que tal actividade foi do conhecimento de entidades ligadas à Administração, designadamente membros do Governo Regional;
– afirma terem sido pagas todas as facturas apresentadas, com excepção das duas últimas – n.ºs … e …;
– estas, no valor de 40.000 USD não poderão “ser mandadas processar com base num contrato ineficaz ou em invocados compromissos, insusceptíveis de responsabilizarem quem não os tomou”;
– o seu pagamento fica dependente de o reclamante apresentar “prova satisfatória, não só do despacho ou título que o habilitaram a prestar os serviços que diz ter realizado, como dos gastos que despendeu com tal actividade”.

16. Face a estes dados, e após apreciação cuidada de todo o processo, penso que se justifica extrair algumas conclusões:
– é indubitável que, entre 1978 e 1990, o Sr.Engº… prestou vários e importantes serviços à Região Autónoma dos Açores, solicitados por responsáveis do Governo Regional;
– os serviços prestados, evidenciando os respectivos resultados, foram paulatinamente acompanhados e incentivados, ao longo de todo este tempo, não só por Sua Excelência o Presidente do Governo Regional mas, também, por diversos Secretários do Governo Regional, designadamente da Economia, da Indústria e Comércio, dos Transportes e Pescas, e do Turismo;
– ao abrigo dos contratos escritos e verbais, foram pagos ao Reclamante os honorários estipulados e, bem assim, os montantes respeitantes às despesas inerentes aos serviços prestados;
– encontra-se em dívida o pagamento das facturas … e …, no valor global de 40.000 dólares, tendo o Reclamante apresentado, nos termos solicitados, todos os documentos e relatório comprovativo daqueles valores;
– O Governo Regional assumiu publicamente o compromisso de satisfazer integralmente todas as dívidas do passado, no âmbito do cumprimento dos acordos que foram sendo estabelecidos com o Sr.Engº…;

17. Face ao exposto, parece-me que os elementos descritos no presente processo evidenciam a boa-fé do Reclamante no exercício da sua actividade, e no cumprimento, por parte do Governo Regional, dos compromissos estabelecidos ao longo de 12 anos.

18.O facto de o Tribunal de Contas não ter visado o contrato de prestação de serviços -no que constitui o principal argumento para que não seja paga a importância em dívida -não me parece poder ser invocado para que uma entidade pública deixe de proceder ao pagamento de importâncias que sabe ser devedora por serviços que lhe foram prestados e cujas contas lhe foram apresentadas. Acresce que, tal facto, nunca constituiu impedimento do pagamento de despesas e de honorários, nem a continuação de solicitações que não deixaram de ser feitas ao Reclamante por membros do Governo Regional, e que justificaram a realização de novas prestações de serviços, cujas despesas foram por si integralmente pagas, na convicção que das mesmas viria a ser ressarcido, como sempre tinha ocorrido. Ao longo do processo são várias as afirmações que demonstram ser o Governo Regional dos Açores pessoa de Bem, preocupada em concretizar o princípio da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos cidadãos que é, no fundo, o que está aqui em causa. Nesse sentido, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO:

a Vossa Excelência que o Governo Regional dos Açores determine e proceda ao pagamento ao Sr.Eng… das importâncias que lhe são devidas pelos serviços prestados à Região, na promoção de produtos e serviços regionais feita no mercado norte americano, de acordo com os princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima que devem reger a actividade das entidades públicas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel