Director-Geral dos Impostos
Número:54/A/97
Processo:R-3630/91
Data:8.07.1997
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – SEGURANÇA SOCIAL – CONTRIBUIÇÃO RETROACTIVA – DEDUÇÃO DE IMPOSTO.

Sequência: Acatada

Foi recentemente reapreciada na Provedoria de Justiça uma questão para estudo da qual havia já sido solicitada a colaboração da Direcção de Serviços do IRS, tendo por essa ocasião sido remetida a este órgão do Estado, a coberto do ofício n.º …, a informação n.º …, processo n.º …, da mencionada Direcção de Serviços. Acerca do assunto, já a mesma Direcção de Serviços se havia pronunciado, na sequência de pedido de esclarecimentos do interessado, a quem foi remetido o ofício n.º …, no âmbito do processo n.º …, da DSIRS. Pretende o Reclamante, que seja levado em consideração no cálculo do seu IRS referente ao ano de 1991, o montante de 680.000$00 por ele pago nesse ano a título de contribuições retroactivas para a segurança social, em referência a anos anteriores em que exercera a sua actividade profissional em Moçambique. O pagamento daquelas contribuições foi efectuado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro, o qual permitiu, com efeito, o pagamento retroactivo de contribuições para a segurança social relativas a períodos em que os interessados houvessem exercido uma actividade profissional (por conta de outrém ou por conta própria), sem que, porém, apresentassem carreira contributiva, como é o caso do Reclamante. Considerou a Direcção de Serviços do IRS que o montante em causa não seria de deduzir (artigos 25.º e 26.º do CIRS, respectivamente quanto ao trabalho dependente e independente) nem de abater (artigo 55.º do CIRS) aos rendimentos auferidos pelo interessado. No que concerne à impossibilidade de dedução ao abrigo dos artigos 25.º ou 26.º do Código do IRS, foi a mesma fundamentada, por um lado, na natureza não obrigatória das contribuições em apreço, as quais são consideradas “… pagamentos com carácter facultativo…”, sendo que as deduções específicas em causa pressupõem o carácter obrigatório das contribuições. Por outro lado, considerou a administração fiscal que tais pagamentos, por terem sido “feitos em 1991 e referentes a anos anteriores”, não poderão constituir deduções aos rendimentos do trabalho auferidos naquele ano, dada a exigência – não expressamente consagrada mas subjacente ao espírito da lei – de uma conexão temporal entre o ano em que foram auferidos os rendimentos e aquele que se reportam as contribuições para a segurança social enquanto deduções específicas (artigos 25.º e 26.º do CIRS). A possibilidade de enquadramento da verba em causa nos abatimentos ao rendimento líquido total foi também negada ao contribuinte, mediante a invocação da redacção, então em vigor, do artigo 55.º, n.º 1, alínea f), do CIRS (e não artigo 25.º, n.º 1, alínea f), como certamente por lapso refere o despacho de 92.02.14, do então Director de Serviços do IRS, exarado sobre a informação n.º …), por na referida disposição legal estarem apenas contempladas “as contribuições para sistemas facultativos de segurança social, o que não é o caso.” (cfr. despacho supra citado). O contribuinte encontra-se, pois, numa situação em que, por um lado, lhe é recusada a possibilidade de deduzir a verba em causa ao abrigo dos artigos 25.º ou 26.º do CIRS, nomeadamente por não estarem em causa contribuições obrigatórias para a segurança social, sendo-lhe, por outro lado, recusada a inclusão da mesma verba nos abatimentos previstos no artigo 55.º, n.º 1, alínea f), do CIRS, por não se tratar de contribuições para sistemas facultativos de segurança social. Desta construção resulta, pois, um vazio inexplicavelmente penalizador de todos os que, como o Reclamante, mais não fizeram do que aproveitar o regime excepcional constante do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro, com a única intenção de reforçar a sua protecção na velhice, na doença ou na invalidez. A diferença de comportamento entre aqueles que contribuem voluntariamente para um sistema facultativo de segurança social tradicional e os que se encontram na situação do Reclamante é nula: em ambos os casos se pretendem alcançar benefícios de protecção social futuros em troca de contribuições periódicas, às quais os aderentes não estão obrigados. O regime previsto no Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro é excepcional apenas na medida da sua retroactividade e da sua aplicação delimitada no tempo (v. respectivos artigos 1.º, 2.º e 24.º) mas nada no seu conteúdo essencial permite distingui-lo de um qualquer regime facultativo de segurança social, não podendo, por isso, aqueles que aderem a este regime, ser sujeitos a tratamento diferente daquele de que são merecedores todos os que optam por outro regime facultativo de segurança social.

Conforme se diz no preâmbulo do Decreto-Lei em apreço acerca dos seus objectivos e da sua natureza: “Trata-se, afinal, de estabelecer, embora reportada ao passado, uma faculdade idêntica, nos seus objectivos e nas suas técnicas, à que determinou a criação dos regimes voluntários de segurança social…”

A excepcional aprovação de um diploma como o que está em causa revela uma clara intenção de dispensar, a todos os seus destinatários, um tratamento que lhes permita, em termos de protecção social, colocarem-se ao nível dos restantes beneficiários da segurança social. Incoerente seria que o Estado, percebendo a necessidade de criar este mecanismo excepcional de abertura e alargamento à protecção social dos cidadãos, legislasse primeiro no sentido de os beneficiar e lhes impusesse, depois, regras mais gravosas em sede de tributação, as quais acabam por contrariar o objectivo inicial do diploma em causa, no sentido de compensar uma reconhecida situação de carência no que respeita à referida protecção social. Estes os motivos pelos quais concluo que a verba em causa é susceptível de abatimento ao rendimento líquido total do ano em que foi paga, ao abrigo do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 55.º, do CIRS. A tal não deverá obstar o facto de as contribuições se reportarem a anos anteriores. Desde logo, porque esse é, precisamente, o principal elemento caracterizador do tipo de contribuições que são permitidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro e, como já se disse, a natureza do regime aprovado por este Decreto-Lei não difere, no que releva para efeitos fiscais, da natureza dos restantes regimes facultativos de segurança social. Acresce que, em relação aos abatimentos consagrados no artigo 55.º do CIRS, não se vislumbra, na letra da lei ou no seu espírito, qualquer referência a uma necessária relação entre o período em que os rendimentos foram auferidos e aquele a que se reportam as despesas a abater. Ao contrário do que acontece com as deduções específicas dos artigos 25.º e 26.º, as despesas susceptíveis de abatimento nos termos do artigo 55.º do CIRS não são justificadas por qualquer relação com a prestação de trabalho – só assim se compreende que destes abatimentos possam beneficiar todos os sujeitos passivos residentes em território português, seja qual for o tipo de rendimentos auferidos -, antes sendo despesas abatíveis pelo seu carácter personalizante (nesse sentido, veja-se a parte inicial do primeiro comentário ao artigo 55.º do Código do IRS comentado e anotado, da responsabilidade da DGCI, 2ª edição, 1990, págs 198 e 199). Significa isto que as despesas abatíveis ao abrigo da citada disposição legal são, pela sua natureza, algumas das que mais claramente espelham a situação particular de determinado agregado familiar, especialmente no que diz respeito aos respectivos encargos.
Independentemente do ano a que se reportam as contribuições em causa, é inquestionável que o agregado familiar do Reclamante suportou, no ano de 1991, uma despesa que, conforme acima se deixou provado, reveste a natureza de contribuição voluntária para um sistema de segurança social que para o Reclamante se apresenta facultativo, dada a especificidade da sua situação e do enquadramento que da mesma é feito pelo Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro. Nem se diga que o elevado montante de tais contribuições, pagas de uma só vez, favorece indevidamente o contribuinte enquanto lhe permite abater uma parcela que, não fosse o regime excepcional e retroactivo do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro, nunca assumiria tão elevada expressão: a este argumento se opõe o limite quantitativo vigente, em 1991, para o conjunto das alíneas c), d), e), f) e i) do n.º 1, do artigo 55.º, do CIRS, isto é, 120.000$00 ou 240.000$00 no total, respectivamente para sujeitos passivos não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens e para sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (redacção da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro). Perante tais limites, não poderá nunca concluir-se que a aplicação prática da posição que venho defendendo leva a um qualquer aproveitamento indevido de benefícios ou faculdades concedidas por lei pois o normal seria, pelo contrário, que as despesas reais de um agregado familiar médio se situassem, em 1991, bastante acima destes limites máximos. Realce-se, por último, que a situação é ainda susceptível de reapreciação, uma vez que a situação acima descrita pode ser revista por iniciativa da administração fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário. Com efeito, a norma constante daquele artigo permite que a revisão oficiosa dos actos tributários ocorra no prazo de cinco anos posteriores ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data da notificação do acto a rever, consoante o caso, sempre que a revisão seja a favor do contribuinte e tenha por fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação da colecta. No caso em apreço, a liquidação de IRS do Reclamante deu origem a um reembolso pago em 14 de Outubro de 1992, tendo a liquidação ocorrido em 24 de Setembro daquele mesmo ano. Não pode pois deixar de concluir-se que a liquidação de IRS/91 (ou seja, o acto a rever), foi notificada ao contribuinte em data nunca anterior a 24 de Setembro de 1992, sendo possível, pelo menos até finais de Setembro do corrente ano de 1997, proceder à revisão oficiosa de tal liquidação. Conforme já foi referido, é ainda pressuposto de aplicação do artigo 94.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, a imputabilidade, aos serviços, do apuramento de imposto superior ao devido, circunstância que, no caso, também se verifica: só porque o entendimento vigente e comunicado pelos serviços da administração fiscal ao interessado foi no sentido da impossibilidade de dedução ou abatimento dos montantes em causa é que os mesmos não foram inscritos na respectiva declaração de rendimentos.
Permito-me recordar que o interessado se dirigiu, por escrito, à administração fiscal, solicitando esclarecimentos quanto ao enquadramento fiscal das referidas verbas, tendo merecido a resposta constante do ofício n.º 10227, de 91.03.22, da Direcção de Serviços do IRS.

Pelo exposto,RECOMENDO:

1. Que seja revogada a liquidação de IRS/91 do contribuinte supra identificado e emitido o reembolso resultante da diferença entre o montante de imposto apurado naquele ano e o que teria sido apurado se as contribuições retroactivas para a segurança social por ele pagas naquele ano houvessem sido consideradas para efeitos de abatimento ao rendimento líquido total do seu agregado familiar, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRS.
2. Que o mesmo procedimento seja aplicado a casos de idêntica natureza que sejam, ou venham a ser, do conhecimento dessa Direcção-Geral.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel