Secretário-Geral do Ministério de Educação
Número: 7/A/97
Processo: 1609/96
Data: 21.01.1997
Àrea: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – AUXILIAR DE EDUCADOR DE INFÂNCIA – EXERCÍCIO EFECTIVO DE CATEGORIA SUPERIOR – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – PAGAMENTO DE DIFERENÇAS RETRIBUTIVAS – JUROS DE MORA

Sequência: Parcialmente Acatada

1. A Sra…, apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça, alegando que exerce, efectivamente, funções de educadora de infância, desde … de 1991, no Centro de … de Oeiras, mas que continua a ser remunerada como auxiliar de educadora de infância e que vem aguardando, há alguns anos, a abertura de concurso de ingresso na carreira,com o argumento de que o mesmo depende da aprovação do quadro de pessoal do Ministério de Educação.

2. Ouvida, através do ofício … , de … de 1996, sobre os termos em que vem sendo remunerada a queixosa, atendendo ao reconhecimento expresso por parte dessa Secretaria-Geral(ponto 7 do ofício … , de … de 1994) e pela Direcção Regional de Educação de Lisboa (Declaração de … de 1994), de que a mesma funcionária vem desempenhando, desde … de 1991, funções de educadora de infância e não de auxiliar de educadora de infância, e acerca da data provável da aprovação do quadro do pessoal desse Ministério da qual depende a abertura do concurso para educadora de infância, veio essa Secretaria-Geral informar, a coberto do ofício … , de … de 1996, o seguinte:

a) a queixosa é “detentora de categoria de auxiliar de educação e encontra-se a exercer as funções de educadora de infância, desde 1991, em virtude de haver concluído curso superior adequado”;

b) “aufere, contudo, a remuneração correspondente a sua categoria, dado que o ingresso na carreira de educador de infância se opera por concurso de recrutamento e selecção normal e obrigatório”;

c) está em fase de aprovação uma portaria que visa o alargamento do quadro do pessoal do Ministério e que permitirá a abertura de concurso e a integração da queixosa, que se encontra requisitada ao Quadro de Efectivos Interdepartamentais há mais de um ano.

3. Respondendo ao pedido de esclarecimento formulado por este Órgão de Estado a respeito da viabilidade de ser corrigido o processo de regularização da queixosa, face às alterações introduzidas aos artigos 37º e 38º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 8 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, essa Secretaria-Geral informou, a coberto do ofício n.º … , de … de 1996, que “não vê qualquer impedimento em atribuir à … funcionária funções inerentes à categoria de Auxiliar de Educação e se tem acedido a que desempenhe outras funções para além daquelas que lhe estão cometidas por inerência da sua categoria, é por seu manifesto interesse profissional e não por necessidade dos serviços.”

4. Perante a posição assumida, foi essa Secretaria-Geral questionada, pelo ofício … , de … de 1996, desta Provedoria de Justiça relativamente a:

a) perspectivas de serem pagas à queixosa as diferenças remuneratórias pelo exercício efectivo de funções de educadora de infância, desde … de 1991,considerando que de tal desempenho consentido também beneficiou a Administração;

b) data da abertura do concurso para educador de infância, que vem sendo noticiada, desde 1993.

5. Através do ofício … , de … de 1996, essa Secretaria-Geral informou:

a) não poder atribuir à queixosa “remuneração diferente da que está fixada para a sua categoria no estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, por ausência de suporte legal”;

b) que, por estar em curso a reestruturação de alguns serviços do Ministério e por não se fazer sentir a necessidade de pessoal na área em questão, não é possível prever a data da abertura de concurso.

6. A situação vinda de descrever é bem elucidativa quanto ao consentimento dado pela Administração ao exercício de funções de categoria superior (educadora de infância) pela queixosa, detentora de categoria de auxiliar de educação, depois de esta haver concluído, em 12 de Julho de 1991, curso superior adequado.

Tal consenso mais não representa do que uma autêntica manifestação do “jus variandi” reconhecido à entidade patronal (no caso a Administração representada pela Secretaria-Geral do Ministério de Educação), o qual se traduz na faculdade de determinar a execução temporária, pelo trabalhador, de actividades não inseridas no conteúdo funcional da respectiva categoria, mas sempre com o pagamento da correspondente retribuição.

Só que, no caso em apreço, a Administração se recusa a pagar à queixosa a diferença entre o vencimento correspondente à respectiva categoria pessoal (auxiliar de educação) e aquela que equivale às funções que efectivamente exerce (educadora de infância) por incumbência dos Serviços e com vantagens para estes.

7. É, por outro lado, reveladora do inegável aproveitamento, pela Administração, das maiores qualificações profissionais, entretanto, adquiridas pela queixosa, ao cometer-lhe o exercício de funções de categoria melhor remunerada (educadora de infância), situação da qual, aliás, também vêm beneficiando, desde … de 1991, todos os utentes do … de Oeiras. Mas de aproveitamento injustificado, dir-se-ia mesmo leonino, uma vez que só a Administração arrecada os benefícios da situação porque rejeita compensar remuneratoriamente a funcionária,pelo trabalho mais qualificado e responsabilizador que presta. Está-se, pois, perante um caso nítido de locuplemento à custa alheia que importa, por isso, solucionar.

8. E também da falta de boa fé da Administração, que, embora consentindo e aproveitando-se do exercício pela queixosa de funções de maior exigência, vem-se recusando a remunerar adequadamente a funcionária, ou seja, de acordo com as funções, por ela, realmente, asseguradas, argumentando que é necessário concurso para ingresso na carreira de educador de infância e que o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes a tanto se opõe.

9. Convirá realçar, a propósito, que o instituto da boa fé, comum a vários ramos de direito, visa primordialmente a correcção de leis injustas ou inconvenientes e também impedir a Administração de adoptar comportamentos contraditórios.

No presente caso, está sobejamente comprovado que a funcionária vem desempenhando, com o completo consenso da Administração, as funções de educadora de infância, a partir de … de 1991, data em que terminou o curso superior adequado. E que de tal desempenho vem beneficiando quer a Administração, quer os utentes do … de Oeiras. Assim sendo, não pode essa Secretaria-Geral, sob pena de exceder manifestamente os limites de boa fé, impôr à queixosa o exercício gratuito de funções de maior categoria e responsabilidade.

10. E de nada adiantará invocar a necessidade (inquestionável) de abertura de concurso para o ingresso na carreira, considerando que está, neste caso, em causa tão somente o desempenho transitório das funções de educadora de infância, que não o provimento neste cargo para o qual sempre será necessário o concurso, cuja abertura vem sendo noticiada desde 1993.

11. Como também não procederá a invocação genérica do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes, tendo em conta que, embora exercendo funções transitoriamente em regime de requisição no QEI, a funcionária não está inibida de perceber remuneração superior à da respectiva categoria, quando lhe for cometido pela Administração o desempenho de funções de categoria mais elevada.

No parecer n.º 47/92, de 14 de Julho de 1993 (D.R.II Série, n.º 76, de 31 de Março de 1994) o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República extraiu, entre outras, a ilação que os funcionários que exercem transitoriamente funções, nos regimes de destacamento, requisição e comissão de serviço, nomeadamente, em lugar ou cargo diferente daquele em que se encontram providos com estabilidade e que por opção ou por aplicação dos ditames legais de mobilidade respectivos, vencem pelo estatuto remuneratório de origem, podem, em princípio, acumular esta remuneração com a remuneração acessória, porventura vinculada ao cargo efectivamente exercido, destinada a retribuir trabalho ou especificidade de trabalho inerentes a este cargo.

A tal conclusão parece estar subjacente o entendimento de que o funcionário deve ser sempre remunerado pelas funções efectivamente desempenhadas, porque só assim será possível retribuir, justamente, o trabalho ou a especificidade de trabalho correspondente, a essas funções, que não aqueles que equivalem a categoria pessoal que não está a ser, ainda que transitoriamente, exercida.

Daí que se não mostre aceitável o argumento contra o pagamento das diferenças remuneratórias devidas pelo exercício de funções de maior categoria.

12. Estando, pois, a queixosa a exercer transitoriamente as funções de educadora de infância, com a anuência e com benefício para a Administração, não pode a mesma invocar validamente a indispensabilidade de concurso nem exigências, aliás não concretizadas, do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes para recusar o pagamento das diferenças remuneratórias às quais a funcionária se mostra com direito.

Com tal posição contraditória a Administração incorre, outrossim, num intolerável “venire contra factum proprium”. E também num enriquecimento sem causa, porquanto envolveria o aproveitamento de todas as vantagens decorrentes da prestação efectiva, pela queixosa, das funções remuneratórias, desde … de 1991.

13. Nestes termos,

RECOMENDO

A V.ª Ex.ª a reapreciação do caso, à luz dos princípios da boa fé e do não locupletamento a custa alheia, por forma a que sejam pagas à queixosa as diferenças remuneratórias a que se mostra com direito pelo exercício efectivo, desde … de 1991, das funções de educadora de infância e não das correspondentes à categoria de que é titular (auxiliar de educadora de infância), com os correspondentes juros legais.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL