Secretário de Estado da Administração Educativa
Número: 13/A/97
Processo: 551/94
Data: 06.03.1997
Área: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – DOCENTE – CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO – FALTAS JUSTIFICADAS – DOENÇA

Sequência: Acatada

1. Num processo instaurado neste Órgão de Estado, com base em queixa apresentada, apurou-se, em síntese, o seguinte:

1.1. Uma professora do 1º ciclo do ensino básico viu-se obrigada, por motivo de doença grave, a faltar, justificadamente, ao serviço, no ano de 1986, durante 45 dias.

1.2. E, pelos mesmos motivos, faltou também justificadamente ao serviço, durante 63 dias, no ano de 1987.

1.3. A Direcção Regoional de Educação do Norte informou a aludida docente que as faltas dadas no ano lectivo de 1986/1987, deram lugar ao desconto de 78 dias de efectividade, pelo que a contagem de tempo, para efeitos da atribuição da 4ª fase, tinha sido correcta (vid. cópia do ofício n.º … de … .1993, em anexo), não havendo lugar a qualquer rectificação, tendo em conta que as faltas cometidas se reportaram ao mencionado ano escolar.

1.4. E deste modo, se a contagem tivesse sido feita em relação a anos civis, os trinta dias a que a docente se julgava com direito, ter-lhe-iam permitido atingir a 4ª fase em Dezembro de 1988, e consequentemente, ascender ao 5º escalão em 1.01.92, e não em 01.01.93, como ocorreu, efectivamente.

2. Instruído o processo, e solicitada informação pertinente ao Departamento de Gestão dos Recursos Educativos, veio o mesmo a expressar o entendimento de que o …”critério adoptado por todos os estabelecimentos de ensino tem sido o cômputo das faltas se fazer por anos escolares”… posição que posteriormente reiterou, sem que houvesse indicado o fundamento legal para tal procedimento, que lhe havia sido solicitado, por este Órgão de Estado. (vid. cópias dos ofícios respectivos, em anexo).

3. Colheu-se, outrossim, dos elementos informativos enviados pelo Departamento de Gestão dos Recursos Educativos, que a posição adoptada, conquanto venha a ser seguida, por forma generalizada e continuada, nos vários Estabelecimentos de Ensino, tem suscitado conflitualidade interna, atestada por numerosas reclamações graciosas, subscritas por docentes, pondo em causa a prática seguida, não apoiada na lei, e que se revela lesiva dos seus interesses.

4. Finalmente, veio a ser emitida, a solicitação deste Órgão de Estado, a circunstanciada informação n.º … /96 elaborada pelo Gabinete de Vossa Excelência, na qual se pondera, devidamente, que na vigência do Decreto-Lei n.º 90/72, de 18 de Março, o desconto das faltas se deveria fazer com referência a anos civis, embora ao longo de uma década, a prática seguida nos estabelecimentos de ensino, fosse a de considerar como relevante o ano escolar, posição corroborada com a emissão da Circular n.º 28/78/GDG e, posteriormente, com a publicação da Portaria n.º 379/80 de 8 de Julho, que aprovou os novos modelos de registo biográfico, e recolha de dados sobre a efectividade do pessoal, a qual se reportou a “anos escolares”. (pontos 28, 30, 31 e 32 da citada Informação).

5. No entanto, a mencionada Informação, cingida no seu efeito prático-jurídico à matéria objecto da queixa e ao entendimento, juridicamente apoiado, de que a impugnação da contagem de tempo relevante no caso fora intempestiva e por isso veio a ser desatendida, não retira as consequências apropriadas quanto à prática que vem sendo seguida ao longo dos anos nos estabelecimentos de ensino quanto ao desconto das faltas justificadas por motivo de doença, tendo em vista a sua correcção e uniformização de procedimentos em conformidade com a lei aplicável.

6. Com efeito, e tal como foi fundadamente reconhecido na mencionada Informação, a actuação da Administração evidencia uma prática ilegal, porque não ancorada no quadro normativo existente à data dos factos, objecto da queixa, (Decreto-Lei n.º 90/72 de 18 de Março artigo 1º, n.º 1, alínea b), artigo 8º, §4º do Decreto n.º 19478 de 18 de Março de 1931, Decreto-Lei n.º 49.031 de 27 de Maio de 1969 (art.º 6º, n.º 2, alínea c), e Declaração do Secretariado da Reforma Administrativa de 4 de Agosto de 1969, publicada no Diário do Governo, I Série de 12.08.1969, nem na lei actualmente em vigor (Decreto-Lei n.º 497/88 de 30 de Dezembro, art.º 27º, n.º 3), que revogou, expressamente, o citado Decreto-Lei n.º 90/72 de 18 de Março (art.º 108º).

7. Com efeito, já emanava do disposto no artigo 26º do Decreto 19.478, de 28 de Março de 1931, e do artigo 6º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 49031 de 27 de Maio de 1969, que só deviam ser descontados na antiguidade do pessoal, as faltas justificadas que excedessem 30 dias em cada ano, prescrição corroborada, posteriormente, no artigo 1º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 90/72 de 18 de Março, parecendo seguro que o sistema jurídico então vigente, considerava como serviço efectivo – ou equiparado – o período de faltas justificadas por doença, quando não excedente a 30 dias.

8. Neste sentido preciso, foi doutrinado nos Pareceres da Procuradoria-Geral da República n.º 266/78 de 1 de Março de 1979, publicado no D.R., II Série de 19.09.1979, e Parecer n.º 165/82 de 13.01.83, publicado no D.R., II Série de 29.06.1983, homologado por despacho do Primeiro Ministro de 16.02.1984.

9. Todos os diplomas legais citados, genericamente aplicáveis aos funcionários e agentes da Administração Pública, se reportaram, no domínio das férias, faltas e licenças, a anos civis, não cabendo a distinção, no que ao Ministério da Educação diz respeito, entre estes e os anos escolares e lectivos, agora rigorosamente definidos nas alíneas q) e r) do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril (Estatuto da Carreira Docente), para os efeitos tidos especialmente em vista neste Diploma.

10. E sem lei habilitante neste domínio, quer a Circular n.º 28/78/GDG sobre fases, quer a Portaria n.º 379/90, de 8 de Julho, já atrás mencionadas, foram emitidas “contra legem” e como tal são ilegais, como aliás foi reconhecido na Informação n.º 147/SEAE/96 de 1 de Julho de 1996 de modo explícito.

11. Por outro lado, na legislação especial aplicável aos docentes não se encontra normativo que proveja em sentido diverso ao regulado na lei geral, não sendo invocável o argumento tirado com base no disposto no n.º 3 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 35/88, de 4 de Fevereiro, que tem sido brandido, por forma reiterada, pelo Departamento de Gestão de Recursos Educativos, uma vez que a mencionada disposição se circunscreve à contagem de tempo de serviço para efeitos dos concursos previstos no mencionado diploma, não sendo lícito interpretá-la extensivamente uma vez que o sentido literal coincide com o pensamento do legislador e a finalidade normativa cabendo antes fazer, no caso, uma interpretação meramente declarativa.

12. Por outro lado, se a base de referência normativa fosse, por via de regra, “o ano escolar”, não seria necessário o legislador dizê-lo, no caso particular dos concursos visados no Decreto-Lei n.º 35/88 de 4 de Fevereiro, pelo que o argumento invocado não tem consistência material e jurídica.

13. Actualmente, no artigo 27º (n.ºs 1 e 3) do Decreto-Lei n.º 497/88 de 30 de Dezembro, prescreve-se, que “as faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira, quando ultrapassam 30 dias seguidos ou interpolados, em cada ano civil…”, estatuição que não foi afastada pelo Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90 de 28 de Abril, sendo aplicável ao pessoal docente a legislação em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes do mencionado Estatuto, que não incluem qualquer referência normativa ao ano escolar, para efeito de desconto das faltas justificadas por motivo de doença (v. art.ºs 86º e seguintes, e 98º e seguintes do citado Decreto-Lei n.º 139-A/90 de 28 de Abril).

14. Resta concluir, atento o precedente quadro normativo de referências, que o procedimento posto em crise – cômputo das faltas justificadas por doença, com referência a anos escolares – não tem apoio legal, resultando da sua aplicação efeitos desfavoráveis para os docentes quando em cotejo com os demais trabalhadores da Administração Pública, vulnerando, por esse lado, os princípios de igualdade e da imparcialidade, constitucionalmente consagrados.

15. Em sede procedimental, o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado (art.º 3º da Constituição) impõe que a Administração deva actuar em conformidade com os trâmites e regras fixadas na lei para a prossecução dos fins que lhe sejam atribuídos. (v. art.º 3º do Código de Procedimento Administrativo, e a respectiva anotação dos Drs. Mário Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in “Código de Procedimento Administrativo” – Comentado, vol. I, págs. 138 e seguintes), parâmetros que não foram observados no caso em apreço.

16. Nestes termos,

RECOMENDO

a) Que à luz do entendimento expresso, seja emanada directiva interna adequada, dirigida aos vários departamentos de direcção e coordenação e estabelecimentos de ensino do Ministério da Educação, na qual, para além dos devidos esclarecimentos preambulares, seja determinado que, para o futuro, o cômputo das faltas justificadas por motivo de doença, e o desconto na antiguidade, quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados, se deve fazer com referência a anos civis, nos termos do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 497/88 de 30 de Dezembro.

b) Que a mesma directiva entre imediatamente em vigor após a sua publicitação, por forma a ser tomado em consideração o que nela seja determinado, nas próximas listas de antiguidade do pessoal docente, a organizar nos termos das disposições, conjugadas, dos artigos 93º, 94º e 95º do Decreto-Lei n.º 497/88 de 30 de Dezembro, e artigo 147º (n.º 1) do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90 de 28 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL