Ex.mo Senhor
Presidente do Conselho de Administração da EDA – Electricidade dos Açores, S.A.
Rua Eng. José Cordeiro, 6
9504-535 PONTA DELGADA


 


Vossa Ref.ª Vossa Comunicação Nossa Ref.ª
 Of. s/n, de 21.03.2010 Proc.  R-130/10 (Aç)



Assunto: Dirigentes Sindicais. Subsídio de refeição


 


RECOMENDAÇÃO N.º 6-A/2011
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


I
INTRODUÇÃO


Tem estado em instrução neste órgão do Estado um processo aberto no interesse do Senhor Alberto Moreira Gomes, dirigente do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas (SIESI). Reclama o sindicalista contra a recusa da EDA, Electricidade dos Açores, S. A., concessionária do Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma dos Açores, em reconhecer-lhe o direito à percepção de valores relativos aos subsídios de refeição devidos pelo crédito sindical de 4 dias por mês.


Em verdade, de acordo com informação do reclamante, a empresa confrontada com a questão, reconheceu que o subsídio de refeição era devido naquelas circunstâncias e satisfez os créditos correspondentes aos anos de 2004 a 2009. Mas recusa reconhecer o direito à percepção dos montantes auferidos no período compreendido entre 18 de Abril de 1997 e 31 de Dezembro de 2003, alegando que o subsídio de refeição não é qualificado como retribuição pelo Código de Trabalho de 2003 (artigo 260.º, n.º 2) — norma que tem correspondência no Código actual (artigo 260.º, n.º 2) — .


Isto porque, «o pagamento de tal subsídio a dirigentes sindicais, aquando do exercício das suas funções, durante o seu horário de trabalho, apenas resulta de uma ficção legal estabelecida no Acordo de Empresa em vigor».


Acrescenta que, ainda que assim não fosse, e sem conceder, (a) porque o direito ao subsídio de refeição dos dirigentes sindicais emerge de Instrumento de Regulamentação Colectiva; e (b) porque não é aplicável à situação em apreço o prazo prescricional previsto na legislação laboral, recorrer-se-ia ao prazo prescricional (cinco anos) do artigo 310.º, alínea g) do Código Civil, razões pelas quais entende a EDA nada dever àquele trabalhador.


 


II
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


A


Questões prévias



1. Como referido as verbas ora reclamadas, relativas ao subsídio de refeição, referem-se ao período compreendido entre 17 de Abril de 1997 e 31 de Dezembro de 2003.


Ora, o Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, entrou em vigor a 1 de Dezembro do mesmo ano.


No seu artigo 8.º, estabelece que:


«Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.» (sublinhado meu; v. tb., no mesmo sentido, artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Código vigente).


Por conseguinte, os Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 não são aplicáveis a questões emergentes de subsídios de refeição vencidos antes da sua entrada em vigor, pelo que, in casu, trata-se, maioritariamente, de situações abrangidas pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (adiante LCT).


2. Quanto aos direitos reconhecidos às organizações sindicais, e tendo em conta o estatuto de dirigente sindical do reclamante — v. para o Código de 2003, os artigos 504.º e 505.º; para o Código de 2009, v. os artigos 408.º e 409.º —, no período maioritariamente relevante, rege o disposto no Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30  de Abril, sendo que para o caso em apreço dispõe o respectivo artigo 22.º:


1. As faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração como tempo de serviço efectivo.
2. Para o exercício das suas funções cada membro da direcção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração. (Sublinhado meu).


 


B
A questão na vigência da LCT


1. Para efeitos do reconhecimento do crédito em causa, como adiante se verá, é irrelevante a caracterização da natureza retributiva do subsídio de refeição. Mas sempre se dirá que a LCT (artigo 82.º) definia os princípios gerais sobre retribuição nos seguintes termos:


1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.


1.1. Por força dos artigos 87.º, 88.º e 89.º da LCT não eram consideradas retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedessem as respectivas despesas normais, tivessem sido previstas no contrato ou se devessem considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração ao trabalhador; nem as gratificações, nem a participação nos lucros da empresa desde que ao trabalhador estivesse assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.


Nada se dizendo quanto ao subsídio de refeição.


2. Do que se tratava, pois, era de saber se à luz da legislação aplicável o subsídio de refeição deveria ou não ter-se por retribuição, ou seja se:


(a) era uma prestação em dinheiro ou espécie (v. 91.º da LCT);
(b) tinha correlação directa com a situação de disponibilidade do  trabalhador (com a actividade por ele prestada); 
(c) era uma prestação regular e periódica,
(d)  era uma prestação obrigatória efectuada pelo empregador a titulo contratual e normativo (lei, instrumento de regulamentação colectiva, contrato e usos da profissão e da empresa) (v. Figueiredo, Guilherme (1988), «Da Retribuição». Revista do Ministério Público, 33 e 34, 143-153. V. tb. Fernandes, António Monteiro. Direito do Trabalho. 12.ª ed., pp 455 e seg.s. Coimbra: Almedina, 2004).


3. Ora, em face do padrão retributivo definido no artigo 82.º da LCT, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu uniformemente que,


«as prestações recebidas pelo trabalhador a título de trabalho suplementar, de trabalho nocturno e prémio de assiduidade devem integrar o conceito de retribuição contido no art.º 82 da LCT, se percebidas com regularidade (na sequência do desempenho de trabalho suplementar e nocturno regular).


Igual raciocínio tem sido feito quanto a outras atribuições patrimoniais regulares e periódicas, v.g. de subsídio de refeição ou especial de refeição, subsídio de pequeno almoço, (…).


Não se questiona pois que o subsídio de alimentação integra a retribuição do trabalhador, v.g. quando prescrita a sua obrigatoriedade em instrumento de regulamentação colectiva.»


(V. Acórdão de 17 de Janeiro de 2007, do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bf4c3d50c5ce6dea8025726f0051bb35?OpenDocument&Highlight=0,RETRIBUI%C3%87%C3%83O,MODULAR)


4. Assim, no pressuposto de que a EDA, Electricidade dos Açores, no período em análise, pagou regular e periodicamente o subsídio de refeição, como contrapartida da actividade por ele prestada, aquele integra a retribuição ao trabalhador, sindicalista ou não.


Aliás, importa ter presente neste contexto o conceito de retribuição consensualizado pelas partes no Acordo de Empresa (AE) de 1982 (cláusula 52.º) e no AE de 2002 (Cláusula 36.º):


«Por retribuição entende-se a remuneração normal acrescida de todos os outros valores percebidos regular e periodicamente pelo trabalhador como contrapartida do seu trabalho.»


E igualmente as condições de atribuição do subsídio de refeição (cláusula 120.º do AE de 1982, reproduzida com alterações quanto ao modo de determinação do respectivo valor no AE de 2002):


«Aos trabalhadores a tempo inteiro que não utilizam ou não tenham serviço de refeições posto à sua disposição pela empresa e que compareçam ao serviço nos dois períodos normais de trabalho diário, será concedido um subsídio cujo valor por dia e para refeição será definido no estatuto de pessoal.»


(v. Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, IV série, n.º 10, de 12 de Agosto de 1982, e n.º 21 de 3 de Outubro de 2002).


4.1. Em face do que antecede, nem seria necessário rebater a afirmação de que o pagamento de subsídio de refeição aos dirigentes sindicais aquando do exercício das suas funções resulta de uma «ficção legal» (certamente no sentido de que se trata de mera liberalidade da empresa). Ainda assim, importa precisar que, por um lado, o pagamento do dito subsídio é imposto pelas normas relativas à actividade sindical. O crédito de horas tem uma natureza salarial e «abrange todas as prestações (…) a que o trabalhador teria normalmente direito, (…) tudo se passando, pois, como se, durante ele, o trabalhador tivesse estado a trabalhar» (v. Leite, Jorge (1994), «Crédito remunerado para desempenho de funções sindicais». Questões Laborais, 1, 3-15).


Por outro lado, a menção da obrigatoriedade do respectivo pagamento no Acordo de Empresa vincula-a na exacta medida em que este é fonte de direito aplicável aos contratos de trabalho (v. artigo 12.º da LCT; v. tb. Xavier, Bernardo G. L. Curso de Direito do Trabalho. 3.ª ed., pp.578, Lisboa/São Paulo: Verbo, 2004).


5. Ainda que assim não fosse, ao subsídio de refeição, prestação obrigatória consignada em instrumento de regulamentação colectiva, hão-de aplicar-se as regras prescricionais previstas no n.º 1 do artigo 38.º da LCT (v. n.º 5 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou ao Código do Trabalho e, no mesmo sentido, o artigo 337.º do mesmo):


Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais (sublinhados meus).


Não se põe, assim, a questão de não poder haver «créditos que perdurem ad eternum» (sic), até porque o fundamento da solução legal se encontra na pressuposição de que «durante a vigência do contrato, a situação de dependência do trabalhador não lhe permite, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos. Assim, o que importa (para o início da contagem) é o momento da ruptura da relação de dependência (…)» (v. Monteiro, ob. cit., pp. 480, seg.s).


Não pode a EDA, manifestamente, invocar nem a natureza não retributiva, nem a prescrição daqueles créditos, para fundamentar a recusa de pagamento das verbas em falta.



C
Na vigência do Código de Trabalho de 2003


6. O Código de Trabalho de 2003 veio efectivamente alterar o enquadramento legal do conceito de retribuição. Assim, por força do artigo 260.º, não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de subsídio de refeição, salvo quando essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalho.


Mas tal distinção releva para o cumprimento do princípio da irredutibilidade da retribuição — v. artigo 122.º, alínea d) — não certamente para o reconhecimento da existência de um crédito sobre a empresa resultante, repete-se, de norma consignada em instrumento de regulamentação do trabalho.


Assim sendo, o reclamante é credor das verbas reclamadas, sendo certo que se aplicam aqui as regras do Código Civil quando à mora do devedor (v. artigos 804.º e 805, n.º 2, alínea a).


 


III
CONCLUSÕES



Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex.ª:


Que a EDA, Electricidade dos Açores, S. A., pague ao Senhor Alberto Moreira Gomes os subsídios de refeição devidos no período compreendido entre 17 de Abril de 1997 e 31 de Dezembro de 2003, acrescidos dos respectivos juros de mora desde a data do vencimento das prestações, devidos relativamente ao crédito de quatro dias de que o mesmo era titular na qualidade de dirigente sindical.


Permito-me lembrar a V. Ex.ª a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


Com os melhores cumprimentos,


O Provedor de Justiça


 


(Alfredo José de Sousa)