Exmo. Senhor
Director-Geral dos
Recursos Humanos da Educação
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1399-024 Lisboa



Vossa Referência  Vossa Comunicação  Nossa Referência
B11011049J 13/09/2011 Proc. R – 5125/10 (A4)


Assunto: Compensação por caducidade de contrato a termo certo.
Recomendação nº 8/A/2011
[Artigo 20º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


 Objecto



1 – A Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE) divulgou através da Circular nº B11075804B, de 08/06/2011, o entendimento de que a caducidade dos contratos a termo celebrados ao abrigo dos regimes especiais de contratação de docentes consagrados no Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, e no Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de Fevereiro, não confere o direito à compensação previsto no nº 3 do artigo 252º e no nº 4 do artigo 253º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) .
Em concreto, aí se afirma que “os regimes especiais de contratação de docentes consagrados no Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, e no Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de Fevereiro, não admitem a figura da renovação contratual, uma vez que os contratos celebrados se destinam à satisfação de necessidades de natureza transitória traduzidas em horários a preencher, que não sobrevivem ao termo do ano escolar a que respeitam. Nos casos de contratos celebrados ao longo do ano escolar, a sua caducidade ocorre por força da lei, quando a causa que lhes deu origem se extingue, afastando qualquer possibilidade de renovação, uma vez que o preenchimento de necessidades está sempre subordinado a um processo de concurso para selecção. E assim, não estando legalmente prevista a possibilidade de renovação dos contratos celebrados, a caducidade dos mesmos não decorre da não comunicação da entidade empregadora pública da vontade de o renovar, o que exclui a aplicação do artigo 252º do RCTF.” .


2 – Recebidas várias queixas em que este entendimento é contestado, foi solicitado a V. Exa. que o reapreciasse à luz das considerações que nessa ocasião lhe foram transmitidas  e que me comunicasse a posição que sobre o assunto viesse a ser assumida.


3 – Em resposta, V. Exa., descrevendo os traços característicos dos regimes de contratação em causa, reitera a posição anteriormente adoptada fundamentando-a, em suma, na conjugação de duas circunstâncias: i) a compensação por caducidade do contrato a termo certo prescrita no nº 3 do artigo 252º do RCTFP “tem como pressuposto fundamental a verificação do elemento volitivo negativo que determina a concreta actuação da entidade empregadora pública e que obsta ao prosseguimento do vínculo contratual. Por outras palavras, apenas haverá lugar à compensação ao trabalhador nas situações em que a renovação do contrato estiver, efectivamente, na disponibilidade da entidade empregadora pública, e esta escolhe não o fazer”; ii) nos regimes de contratação de docentes constantes dos Decretos-Leis n.ºs 20/2006 e 35/2007 não é legalmente admissível a renovação contratual.


E assim, conclui que como a caducidade do contrato não decorre da não comunicação da entidade empregadora pública da vontade de o renovar mas sim do regime legal concretamente aplicável, fica afastada “a aplicação das normas gerais constantes do artigo 252º, e consequentemente, do nº 4 do artigo 253º do RCTFP.”


II
Apreciação


A – Dos contratos a termo certo.


1 – Dispõe o nº 3 do artigo 252º do RCTFP: “A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses.”.


Por seu turno, estipulando que “o contrato a termo certo dura pelo período acordado, não podendo exceder três anos, incluindo renovações, nem ser renovado mais de duas vezes, sem prejuízo do disposto em legislação especial”, o diploma citado determina que “o contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no presente Regime ou, tratando-se de contrato a termo incerto, quando deixe de se verificar a situação que justificou a sua celebração.” (cfr. artigos 103º e 92º nº 2, respectivamente).


Cabe então averiguar da correcção de uma interpretação do nº 3 do artigo 252º do RCTFP que restringe o dever de compensar o trabalhador aos casos em que a caducidade do seu contrato se funda na vontade da entidade empregadora de não o renovar.


2 – Desde logo, importa ter presente que, atentos os preceitos legais transcritos, a inadmissibilidade legal de renovação contratual não é exclusiva dos regimes de contratação de docentes; pelo contrário, em todos os casos em que a Administração celebre um contrato a termo certo pelo período de três anos ou o renove por duas vezes, este caducará obrigatoriamente no seu termo, por imposição legal e independentemente da vontade da entidade empregadora.


E assim, a argumentação aduzida por V. Exa., não podendo deixar de ser extensível a toda a Administração Pública, verificado o condicionalismo acabado de referir, não só reduz a uma expressão residual o direito à compensação legalmente consagrado, como isenta o empregador público do encargo compensatório, justamente nas situações em que prolonga até ao limite legalmente permitido uma relação laboral  cuja existência o legislador – como se verá – claramente quis que fosse excepcional.  


3 – Ora, se é certo, como afirma V. Exa., que de acordo com o nº 2 do artigo 9º do Código Civil o intérprete não pode dar a uma norma uma interpretação “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, não menos verdade é que a primeira regra de interpretação, prescrita no n.º 1 do mesmo artigo, é a de que esta “não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.


Deste modo, é à luz desta dupla exigência hermenêutica – que enquadra ou baliza toda a interpretação legal – que ao intérprete se impõe a presunção de que “na fixação do sentido e alcance da lei, (…) o legislador consagrou as soluções mais acertadas (…)”, constante do n.º 3 do citado artigo 9º; e assim, justamente por presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas é que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei quando de uma interpretação estritamente literal resulte um desvirtuamento do pensamento legislativo e uma distorção da unidade do sistema jurídico.


4 – A esta luz, ao interpretarmos o nº 3 do artigo 252º não podemos ignorar, por um lado, que a compensação aí prevista se insere no contexto do regime da contratação a termo e, por outro, que a matriz do RCTFP é o direito laboral privado, em concreto o Código do Trabalho (CT) de 2003, então em vigor, – diploma que, na verdade, o RCTFP reproduz, limitando-se a adaptar algumas das suas disposições às especificidades decorrentes da natureza pública do empregador .


5 – Todo o regime da contratação a termo  foi gizado tendo em atenção que esta modalidade contratual confere ao trabalhador um vínculo laboral precário, o que determina o seu carácter excepcional , em consonância, desde logo, com o princípio constitucional da segurança no emprego .


6 – Quanto à compensação pela caducidade do contrato, dispensando-me de proceder a uma descrição histórica exaustiva, cabe assinalar que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 64 A/89, de 27 de Fevereiro (conhecido como LCCT), diploma que aprovou, em anexo, o “regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo”. Determinava o nº 3 do artigo 46º desse Regime que “a caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a (…) ”.


Resultando de uma interpretação literal do preceito haver direito à compensação pela mera caducidade do contrato, independentemente da parte que lhe desse origem, já à luz desta disposição alguns autores entendiam que tal compensação não era devida nas situações de caducidade decorrente da vontade do trabalhador, uma vez que nessa circunstância deixava de se verificar a razão que justificava a sua atribuição.  


E assim era uma vez que esta compensação é comummente entendida como correspectiva à própria natureza precária do vínculo de emprego  e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual; e assim, perderia o seu fundamento quando era o próprio trabalhador a pôr cobro à relação laboral, deixando assim de haver motivo para o compensar pela perda de emprego quando esta perda não ocorreria se não fosse o concurso da sua própria vontade  .


7 – O CT de 2003 veio entretanto clarificar a questão no sentido apontado, passando a determinar, no nº 2 do artigo 388º, que “a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses.”.


Daqui resulta ser inequívoco que no regime laboral comum quando a caducidade do contrato não decorrer da sua vontade o trabalhador tem sempre direito à respectiva compensação .


À luz da norma acabada de transcrever, Júlio Gomes, questionando-se sobre “qual é, no fim de contas, a razão de ser desta compensação?”, afirma que “ela poderá ser pensada como um mero instrumento de política legislativa para encarecer o contrato a termo e, deste modo, desencorajá-lo. Mas parece que se trata de algo mais, variando, como varia, em função da antiguidade: parece que o que se pretende é compensar o trabalhador pela precariedade do contrato a termo.”; e fundamenta: “Com efeito, a contratação a termo tem custos sociais elevados: a programação da vida das pessoas, pelo menos do comum dos mortais que ganha o pão com o suor do seu rosto, é feita em torno do seu trabalho ou é, em grande medida, feita em função deste. A instabilidade no trabalho que a contratação a termo obviamente gera (…) repercute-se em muitas outras facetas da vida, mormente na vida familiar e até em aspectos patrimoniais (maior ou menor facilidade em obter crédito, etc.).” .


Do mesmo modo, João Leal Amado afirma tratar-se de um direito cuja ratio consiste em compensar o trabalhador pela situação de precariedade contratual, destinando-se ainda a desincentivar a contratação a prazo. 


No mesmo sentido, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, considera que a atribuição pecuniária prevista se trata de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalhador celebrou, através da qual se visa tornar mais onerosa para o empregador a contratação a termo .


Em suma, parece-me pacífico que “a compensação assume uma função especial de tutela face a uma situação que a lei quis que fosse excepcional – a contratação a termo.” .


8 – Aqui chegados, importa então verificar se a transposição da disposição plasmada no nº 2 do artigo 388º do CT de 2003 para o nº 3 do artigo 252º do RCTFP traduziu uma alteração substancial de regime quanto aos efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato e se uma redução da tutela compensatória ali prevista poderia encontrar alguma justificação na natureza pública do empregador e no interesse público que este visa prosseguir.


9 – Ora, nesta questão não se afigura difícil reconstituir o pensamento legislativo.  


Com efeito, na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 209/X, que viria a dar origem ao RCTFP, é claramente anunciado:


“A presente proposta de lei pretende aprovar o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), seguindo de muito perto o regime fixado no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e na sua regulamentação, constante da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o que decorre do objectivo de aproximação do regime de trabalho na Administração Pública ao regime laboral comum. Todavia, e como não podia deixar de ser, a aplicação daqueles textos legais aos contratos de trabalho em funções públicas é feita com as adaptações impostas pela natureza destes contratos e, em especial, pela sua subordinação ao interesse público, bem como pelas especificidades que decorrem da entidade empregadora ser um órgão ou serviço da Administração Pública”.


E concretiza:


“O RCTFP que agora se apresenta inspira-se nas seguintes preocupações fundamentais:
 – Aproximação ao regime laboral comum;
 – Combate às situações de precariedade no domínio do emprego público;
 – Manutenção e reforço dos direitos dos trabalhadores;
 – Criação de condições para o desenvolvimento da contratação colectiva na Administração Pública;
 – Consagração de um quadro jurídico claro da intervenção das associações sindicais e da acção dos seus dirigentes.”


Especificando, mais adiante é dito ainda:


“Como já estabelece a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o contrato de trabalho é, por regra, celebrado por tempo indeterminado. O contrato a termo resolutivo é a excepção. Assim mantêm-se as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que visam, no essencial, adequar o regime de contratação a termo no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conformar aquele regime com o direito constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso». Assim, o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo só pode ser utilizado nas situações expressamente previstas no RCTFP, tem exigências qualificadas de forma, não está sujeito a renovação automática, caducando no termo do prazo estipulado, e não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.”  .


10 – Como expressamente assumido, na verdade mantiveram-se no RCTFP as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.


11 – Ora, já na vigência deste diploma, a questão que nos ocupa foi objecto de exaustiva análise pela Procuradoria-Geral da República, no parecer nº 79/2004 , em termos que não merecem reparo.


A Lei n.º 23/2004 – que definia o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas – determinava, no nº 1 do artigo 2º, que “aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei”.


E, de entre essas especificidades, constavam justamente as Regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo, constantes do artigo 10º, no qual se determinava:


“1 – O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática.
2 – O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.


3 – A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho.”


Na inexistência de qualquer disposição nesta lei sobre a compensação pela caducidade do contrato, nesta matéria havia lugar à aplicação do CT, atenta a expressa remissão que para este diploma era feita no nº 1 do artigo 2º, acima transcrito.


E assim, uma vez que nos termos do nº 2 do artigo 388º do CT o direito à compensação apenas existia quando a caducidade do contrato a termo certo decorresse de declaração do empregador, já então se colocava a questão de saber se na Administração Pública tal compensação era devida, já que – exactamente como agora -, não estando o contrato sujeito a renovação automática e caducando no termo do prazo máximo de duração legalmente previsto – a caducidade nunca decorria de declaração do empregador, operando ope legis.


A colher o método interpretativo defendido por V. Exa. seríamos forçados a concluir que à luz daquela lei a compensação se encontrava excluída, visto esta depender de um requisito que nunca se verificava – a declaração do empregador geradora da caducidade do contrato.


Não foi este, contudo, o entendimento a que se chegou.


Na verdade, traçando, por um lado, a evolução histórica do regime de compensação pela caducidade do contrato no direito laboral comum e da contratação a termo na Administração Pública e, por outro, assinalando o fundamento subjacente à compensação apontado por inúmeros autores – e a que aqui já fiz referência -, no parecer aludido a Procuradoria-Geral da República conclui:


“O regime jurídico do Código do Trabalho será, assim, de aplicação subsidiária, «excepto naqueles pontos em que não se afigura adequada ou viável a aplicação directa das suas normas, por uma de duas razões: porque as normas têm um substrato impossível de transpor, sem mais, para o âmbito das pessoas colectivas públicas; porque as normas não ponderam ou acautelam suficientemente o interesse público subjacente à actividade das pessoas colectivas públicas».
Perante a assinalada subsidiariedade, consideramos ser de manter o entendimento que se sedimentou no regime anterior da contratação a termo na Administração Pública, quanto à atribuição da compensação em consequência da extinção, por caducidade, do contrato .
Ou seja, em nosso entender, não existem razões válidas que obstem à aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados por pessoas colectivas públicas do regime consagrado no artigo 388º do Código do Trabalho quanto à atribuição da compensação.  Assim, a caducidade desses contratos, desde que tal causa extintiva não decorra de declaração do trabalhador, confere a este o direito a uma compensação, calculada nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 388º do Código do Trabalho.”.


E concretiza:
“As razões que se apontam como fundamento dessa atribuição pecuniária compensatória, oportunamente indicadas, podem ser, sem qualquer dificuldade, objecto de transposição para o âmbito dos contratos a termo resolutivo celebrados no seio da Administração Pública. Configurando-se, sem dúvida, como uma indemnização/compensação por intervenções lícitas, essa atribuição patrimonial não pode deixar de ser também associada à natureza precária do vínculo contratual sujeito a termo resolutivo. Ora, a situação de precariedade que emerge do contrato a termo é, no essencial, idêntica, seja ele celebrado com uma pessoa colectiva pública, seja ele outorgado com um empregador privado.”  .


12 – O entendimento transcrito é inteiramente válido à luz do RCTFP.


Com efeito, como salientei e é expressamente referido na respectiva exposição de motivos, o actual regime da contratação a termo é, em substância, o que já se encontrava previsto na Lei nº 23/2004.


A única diferença é que enquanto este último diploma remetia para o CT a regulação de todos os aspectos que nele não se encontrassem especificamente previstos, o RCTFP incorporou o que no CT se dispunha, limitando-se, no que respeita à contratação a termo, a “adequar o regime no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conform[á-lo] com o direito constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».”.


Ora, nem as exigências de interesse público nem a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública colidem com o regime legal da compensação pela caducidade do contrato consagrado no CT e à data aplicável à Administração Pública, nos termos da Lei nº 23/2004.


Aliás, dir-se-á que bem pelo contrário: são essas mesmas exigências de interesse público que concorrem para fundamentar o direito à compensação existente, na medida em que tal direito visa igualmente “ em conjugação com outros aspectos de regime do contrato a termo certo , garantir a harmonização da situação precária de trabalho emergente com o princípio da estabilidade e segurança do emprego plasmado no art.º 53º da Constituição”, como bem assinalou a Procuradoria-Geral da República no Parecer n.º 23/1997, a que foi feita referência na anterior comunicação dirigida a V. Exa.


O que as exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública ditaram, isso sim, foi a impossibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, daí resultando a necessidade de adaptar a essa circunstância as regras de renovação e de caducidade do contrato, previstas no CT.


E daí que o disposto no nº 3 do artigo 252º do RCTFP mais não seja do que uma transposição mutatis mutandis do que estava prescrito no nº 2 do artigo 388º do CT; ou seja, para que os efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato não deixassem de ser iguais – e os mesmos que à data já vigoravam na Administração Pública – houve que reformular os termos da respectiva previsão normativa de forma a tornar exequível a sua estatuição.


E assim, onde o Código do Trabalho – por prever a renovação automática dos contratos (e subsequente conversão, ultrapassados os limites legais) – dispôs que “a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação (…), o RCTFP determinou que “a caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação (…)”; deste modo, reformulando o preceito do CT em termos correspondentes, o RCTFP compatibilizou-o com o seu específico regime de caducidade, decorrente da inexistência de renovação automática e de conversão contratual.


13 – Deste percurso hermenêutico, resulta que a interpretação que faço do nº 3 do artigo 252º do RCTFP não só é a única que traduz o pensamento legislativo, como respeita o princípio vertido no nº 2 do artigo 9º do Código Civil; na verdade, no caso em apreço aquele pensamento encontra na letra da lei bem mais que um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, como naquele preceito é exigido.


Com efeito, defendendo que, à semelhança do regime laboral comum, quando a caducidade do contrato não decorrer da sua vontade o trabalhador tem sempre direito à respectiva compensação, entendo que numa interpretação correcta a previsão do nº 3 do artigo 252º só pode ser lida no sentido de que a verificação do requisito da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de renovar o contrato se afere formalmente; ou seja, não havendo a comunicação que a lei refere, o trabalhador terá direito à compensação pela caducidade do respectivo contrato, independentemente da causa que motiva o silêncio do empregador.


Note-se que, no fundo, é o que se passa em todos os casos em que a renovação do contrato ainda seria permitida – por não se ter esgotado a sua duração máxima ou atingido o limite de renovações permitido – mas já não se verifiquem no momento dessa renovação as exigências materiais que ditaram a sua celebração.


A aceitar-se a interpretação de V. Exa. (o que não se concede), teríamos de concluir que também nestes casos, como a caducidade do contrato decorre de imperativo legal, estaria excluído o direito à compensação; isto porque, determinando o nº 3 do artigo 104º do RCTFP que a renovação do contrato – sob pena de nulidade  – está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, sempre se poderia afirmar que na inexistência deste requisito a caducidade do contrato opera forçosamente, independentemente da vontade do empregador .   


14 – De todo o exposto resulta que o entendimento de V. Exa., ao reduzir o direito à compensação pela caducidade do contrato a uma expressão residual, transforma em excepção o que no nº 3 do artigo 252º do RCTFP claramente se pretendeu estabelecer como regra; e assim, chega a um resultado que, de todo, não posso subscrever: o de que o Estado enquanto entidade empregadora permitiu-se, sem razão plausível, isentar-se do encargo compensatório que, ditado em razões de interesse público a que já aludi, impôs à generalidade dos empregadores.


15 – E esta posição é tanto mais contestável se atentarmos na realidade concreta dos regimes de contratação de docentes.


Desde logo, haverá que reiterar que as singularidades deste regime, invocadas por V. Exa., também se verificam na Administração Pública em geral. 


O que se afigura verdadeiramente distinto é que, mercê das especificidades dos regimes de contratação dos docentes, situações existem em que trabalhadores se encontram há largos anos – em muitos casos há bem mais de dez – a exercer ininterruptamente funções em regime de contrato a termo certo, prolongando-se indefinidamente uma situação laboral precária, mantida com o mesmo empregador  e para o exercício das mesmas funções.


Aliás, foi esta reconhecida precarização reiterada e prolongada do trabalho que justificou uma resolução da Assembleia da República  na qual se recomenda ao Governo “a integração excepcional na estrutura da carreira docente dos educadores e professores profissionalizados contratados, em funções de docência há mais de 10 anos lectivos (…)”.


Na verdade, ainda que nestes casos V. Exa invoque que a cada novo contrato subjaz um novo objecto  e a ocupação de um novo posto de trabalho, certo é que, quanto aos seus efeitos práticos, tudo se passa como se de um mesmo contrato a termo ou de contratos sucessivos se tratasse.


A este respeito, poder-se-á afirmar que se é transitória a necessidade concreta anualmente apurada por cada escola, é permanente a necessidade por parte do Ministério da Educação de anualmente colmatar a ausência de docentes.


Daí que, no que respeita à contratação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 20/2006 e como assinala V. Exa., os concursos sejam anuais e centralizados, sendo todo o processo conduzido pela DGRHE. 


Aliás, a este propósito, registo que V. Exa., embora transcrevendo-a, faz tábua rasa do disposto na alínea d) do nº 5 do artigo 54º do Decreto-Lei n.º 20/2006, que exige expressamente como requisito da renovação da colocação “a concordância expressa da escola e do candidato relativamente à renovação do contrato”. Ora, não só o facto de ser precedida de concurso e poder concretizar-se num novo horário para satisfação da necessidade transitória naquele ano concretamente aferida não obsta a que a renovação da colocação se opere mediante renovação do contrato já existente, como não deixa de ser incongruente que, tendo presente a necessária correspondência – que V. Exa. invoca – entre o pensamento legislativo e a letra da lei, sustente aqui, à luz desse princípio interpretativo, nunca existir nestas situações uma renovação contratual quando a lei a ela expressamente se refere.


16 – Por último, no que à jurisprudência respeita, registe-se que exactamente sobre esta mesma questão foram já proferidas, no corrente ano, duas sentenças que condenaram o Ministério da Educação ao pagamento da compensação pela caducidade de contratos de trabalho a termo certo celebrados com docentes.
 
17 – Por tudo o que agora expus, reitero que, ao defender que no âmbito dos regimes de contratação dos docentes a entidade empregadora pública está isenta do pagamento de uma compensação pela caducidade do contrato, V. Exa. faz uma interpretação do nº 3 do artigo 252º do RCTFP que, conduzindo a uma total desprotecção do trabalhador, ignora o fim subjacente à consagração daquela norma e subverte a intenção do legislador ao deixar sem tutela situações que este claramente quis acautelar.


 
B – Dos contratos a termo incerto.


1 – Para além de na contratação a termo resolutivo incerto se manter inteiramente válido o fundamento subjacente à compensação pela caducidade do contrato, a verdade é que neste âmbito a interpretação da lei não oferece a menor ambiguidade, sendo inequívoco o regime legalmente consagrado.


2 – Nos termos do artigo 107º do RCTFP “o contrato a termo incerto dura por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da tarefa ou serviço cuja execução justifica a celebração” e, de acordo com o nº 1 do artigo 253º, “caduca quando, prevendo-se a ocorrência do termo incerto, a entidade empregadora pública comunique ao trabalhador a cessação do mesmo, com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até seis meses, de seis meses até dois anos ou por período superior.”.


3 – O contrato a termo incerto é, assim, pela sua própria natureza, insusceptível de renovação; perdura enquanto se mantiver a circunstância que motivou a sua celebração e cessa obrigatoriamente quando a mesma deixa de se verificar, ou seja, ocorrendo o termo que lhe foi aposto .


Ora, sendo a impossibilidade de renovação inerente à própria natureza do contrato, seria uma paradoxo fazer depender a compensação pela sua cessação da não comunicação da vontade de o renovar por parte da entidade empregadora, como parece entender V. Exa. quando considera afastada a aplicação das normas gerais constantes do artigo 252º, e consequentemente, do nº 4 do artigo 253º do RCTFP.


Na verdade, a secundar tal entendimento a compensação legalmente prescrita seria sempre inexequível. Não é, todavia, o que sucede. 


4 – Determinam os nºs 3 e 4 do artigo 253º do RCTFP:


“3 – A falta da comunicação a que se refere o n.º 1 implica para a entidade empregadora pública o pagamento da remuneração correspondente ao período de aviso prévio em falta.
4 – A cessação do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação calculada nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo anterior.”


Atentas estas disposições é inequívoco que o direito à compensação prescrita no nº 4 do artigo 253º advém da mera cessação do contrato e não da inexistência da comunicação a que se refere o nº 3 do artigo 252º; a remissão que para este artigo é feita restringe-se – expressamente – à forma de cálculo da compensação .


Outrossim, nos termos do nº 3 do artigo 253º acima transcrito, na ausência de comunicação da cessação do contrato por parte da entidade empregadora, àquela compensação acresce o pagamento da remuneração correspondente ao período de aviso prévio em falta.


5 – Face ao exposto, é incontroverso haver lugar ao pagamento da compensação pela cessação de um contrato de trabalho a termo incerto, quando esta não resulte de denúncia do trabalhador .


 


III – Recomendação



São estas as razões que, no exercício do poder que me é conferido pela al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, me levam a recomendar a V. Exa.:


a) A alteração do entendimento divulgado na Circular nº B11075804B, de 08/06/201, no sentido de que o direito à compensação, a que se referem os artigos 252º, nº 3 e 253º, nº 4 do RCTFP, se verifica sempre que a caducidade do contrato a termo não decorra da vontade do trabalhador e este não obtenha uma nova colocação que lhe assegure a manutenção de uma relação jurídica de emprego público; e,


b) Em consequência, que promova a revisão das decisões que, com os fundamentos constantes daquela circular, recusaram o pagamento da compensação aos docentes cujos contratos caducaram sem que lograssem obter nova colocação.



Atento o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 38º da Lei nº 9/91, chamo a atenção de V. Exa. para o facto da presente recomendação não dispensar que, no prazo de 60 dias a contar da sua recepção, me seja comunicada a posição que vier a ser assumida.


Informo, ainda, que, nesta data, darei conhecimento do teor da presente recomendação a Sua Excelência o Ministro da Educação.


Com os melhores cumprimentos



 O PROVEDOR DE JUSTIÇA



 (Alfredo José de Sousa)