Exmo. Senhor


Presidente da Câmara Municipal


de Ponta do Sol


Rua de Santo António, 5


9360-219 Ponta do Sol



Nossa Referência


Proc. R-1621/10 (Mad.)


RECOMENDAÇÃO N.º 5/A/11


Formulada de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91,


de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça)


I


Exposição de Motivos


1. Veio requerida a minha intervenção junto do município de Ponta do Sol, suscitando-se a aparente ausência de adopção de mecanismos destinados a conter os incómodos causados pela exploração de uma unidade pecuária localizada ao Sítio do Miradouro.


2. Aduzia-se, do ponto de vista ambiental, a imputação de agravados prejuízos para a saúde pública dos moradores residentes naquela localidade.


3. Invocava-se, igualmente, a laboração indevida do sobredito estabelecimento, uma vez desprovida do necessário licenciamento administrativo.


4. Ouvida a Direcção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (D.R.A.D.R.) foi veiculado o teor de parecer exarado pela então Direcção Regional de Veterinária, após realização de visita técnica à exploração em causa, em 19 de Outubro de 2007.


5. Aí se reportava que a exploração apresentava uma deficiente gestão do tratamento de resíduos, situação que estaria na origem o foco de insalubridade detectado.


6. Foi então emitido parecer no sentido do produtor proceder à “Construção de uma nitreira e à implementação de técnicas de tratamento de estrumes destinados a serem utilizados na agricultura, tendo sido aconselhado a recorrer ao apoio técnico da Direcção de Serviços de Desenvolvimento Pecuário”.


7. Conclui, ainda, a D.R.A.D.R. que a exploração em apreço não se encontrava licenciada nem existiria registo de pedido de licenciamento da mesma no que concerne ao exercício da actividade pecuária.


8. Tão pouco foram accionados os procedimentos de regularização da actividade reclamada, previstos pelo legislador.


9. Por parte do município da Ponta do Sol foi veiculado tratar-se de infra-estrutura rudimentar, sita à Estrada Nova da Lombada, salientando-se a proliferação de “Maus cheiros e de insectos (…)” , em virtude da total ausência de implementação de técnicas de tratamento e gestão dos respectivos resíduos.


10. Referia a edilidade, por ofício datado de 8 de Abril de 2010, que “Ao longo de algum tempo, a Câmara Municipal de Ponta do Sol tem vindo a notificar o munícipe para que o mesmo adopte as medidas necessárias de modo a que tal situação não venha a prejudicar a saúde pública do meio envolvente”.


11. Acrescentava, ainda, que “Apesar das diversas notificações, o Sr. Manuel Rodrigues Camacho continuou a colocar os excrementos de vaca no muro à beira do caminho municipal.(…) A 18 de Maio de 2006, perante tal desobediência, foi apresentada queixa ao Ministério Público de Ponta do Sol.(…) Em Março de 2007 (…) a Autarquia foi informada do arquivamento dos autos respeitantes ao Inquérito. Apesar de todo o exposto, em Abril de 2007 foi constatado que o munícipe tinha voltado a depositar excrementos de vaca à beira da estrada municipal.”


12. Reconhecia, por último, o município que “(…) a situação de insalubridade ainda perdura, tendo o infractor sido notificado pessoalmente, de modo a que lhe fosse explicado o teor da ordem emanada pela Autarquia, ordem essa que continua a desobedecer”.


13. Desta forma, afirmava a edilidade de Ponta do Sol ter formalizado, aos 4 de Março de 2010, pela terceira vez, queixa aos órgãos jurisdicionais competentes, pela prática de crime de desobediência, p.p. pelo artigo 348.º do Código Penal, aguardando-se, então, a competente decisão.


14. Na sequência de reunião mantida pelo meu Assessor na Região Autónoma da Madeira com V. Exa., aos 3 de Novembro de 2010, e após realização de vistoria conjunta ao local, confirmou-se a inexistência de qualquer processo de licenciamento municipal desencadeado pelo infractor.


15. Comunicou-se, paralelamente, a pretérita instauração de procedimento de natureza contra-ordenacional contra o particular, em virtude do inadimplemento das ordens administrativas entretanto prescritas pela autarquia.


16. Na sequência de contactos formal e informalmente conduzidos por este órgão do Estado, a Câmara Municipal de Ponta do Sol veio informar, aos 18 de Julho de 2011, que, atendendo à natureza da questão, pondera determinar a atribuição da jurisdição sobre a matéria em apreço ao Tribunal Judicial da respectiva Comarca suspendendo-se, assim, qualquer intervenção administrativa ali pendente.


17. Concluo, pois, que não chegaram a ser conhecidos, até ao momento presente, quaisquer desenvolvimentos efectivos tendentes à reposição da legalidade suscitada


 


II


Apreciação


Apreciado o teor dos esclarecimentos prestados e cumprido, assim, o dever de prévia audição da entidade visada, nos termos do disposto pelo art. 34º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), pondero o seguinte:


18. Nos termos do disposto no artigo 115.º do Regulamento Geral de Edificações Urbanas (R.G.E.U.) , integrado no Capítulo VII do Título III com a epígrafe “Condições Especiais relativas à Salubridade das Edificações e dos Terrenos de Construção”, “As instalações para alojamento de animais somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, directa ou indirectamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações “.


19. Dispõe, paralelamente, o artigo 119.º do R.G.E.U. que “Os estrumes produzidos nas cavalariças, vacarias, currais e instalações semelhantes serão tirados com frequência e prontamente conduzidos para longe das áreas habitadas, dos arruamentos e logradouros públicos, e bem assim, das nascentes, poços, cisternas ou outras origens ou depósitos de águas potáveis e das respectivas condutas”.


20. Aduz o parágrafo único deste normativo que “As estrumeiras ou nitreiras devem ficar afastadas das habitações ou locais públicos e serão construídas de modo a que (…) fiquem asseguradas, em condições inofensivas, a evacuação e eliminação dos líquidos exsudados ou a recolha deles em fossas que satisfaçam às condições especificadas no § único do artigo anterior”.


21. Estabelece, paralelamente o n.º 1 do artigo 109.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (R.J.U.E.) , que “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 281/99, de 26 de Julho, o presidente da câmara municipal é competente para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afectos a fim diverso do previsto no respectivo alvará”.


22. Nos termos do n.º 2 daquele preceito, poderá, ainda, a autarquia vir a determinar o despejo administrativo dos ocupantes dos edifícios ou suas fracções que não cessem a utilização indevida em prazo fixado para este efeito, podendo executá-lo imediatamente no caso de existir grave perigo para a saúde pública.


23. Não obstante a reiteração do circunstancialismo factual em apreço, por parte dos impetrantes, pelo menos desde o ano de 2006, não obstou, até ao momento, a Câmara Municipal de Ponta do Sol à proliferação de uma situação de ilegalidade agravada em contexto de insalubridade, concedendo sucessivos prazos ao infractor sem providenciar com prontidão pela reintegração da normalidade urbanística e ambiental.


24. A falta de cumprimento voluntário das medidas administrativas entretanto adoptadas, imporá, em última instância, ao órgão presidido por V. Exa., a determinação coerciva da imediata cessação da utilização indevida do prédio identificado, dando por terminada a actividade ali indevidamente praticada.


25. Assim, a deliberação camarária que determine o despejo administrativo do imóvel, prevista pelo artigo 92.º do citado Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, inserir-se-á, integralmente, no âmbito da execução desta ordem, não consubstanciando, em si mesma, uma definição exorbitante .


26. Comunicou, paralelamente, a edilidade de Ponta do Sol, a participação de desobediência do particular aos órgãos criminalmente competentes, v.g. o Ministério Público.


27. Não obstante esta tomada de posição, reconhecerá V. Exa. que não basta a sanção criminal para repor os parâmetros urbanísticos definidos pelo legislador e pela autarquia de Ponta do Sol, neste âmbito, os quais importam um correcto ordenamento das edificações urbanas.


28. Afigura-se, assim, excessiva a dilação que vem sendo concedida ao infractor, tendo ainda em conta que não foram, até ao momento, desencadeados quaisquer procedimentos de regularização da actividade pecuária previstos pelo artigo 67.º do respectivo regime jurídico , cujo limite temporal decorre até 30 de Setembro de 2011.


29. Acresce que deverão ser ponderados os direitos dos moradores vizinhos, tendo presente a correcta prossecução do interesse público inerente à tutela da saúde pública e ambiental, bem como a necessidade de preservação de princípios de equidade e adequação administrativa, no tratamento de situações idênticas.


30. Os custos para a qualidade de vida dos habitantes, bem como os encargos patrimoniais daí decorrentes para o município – designadamente, em sede de eventual responsabilidade extra-contratual por prejuízos decorrentes de um acto de gestão pública, não devem deixar de ser tidos em conta quando se equaciona a viabilidade das medidas de tutela da legalidade aqui elencadas .


31. Neste sentido, a implementação imediata de mecanismos tendentes à reposição da legalidade consubstanciará, igualmente, um imperativo de justiça, o qual não deixará de ser tomado em linha de conta por V. Exa.


III


Conclusões


32. Compete às autarquias locais, no quadro das suas atribuições e das prerrogativas dos respectivos órgãos, promover as medidas de carácter administrativo e técnico adequadas à salvaguarda da saúde pública e ambiental, bem como à preservação de princípios de equidade no tratamento de situações idênticas.


33. Ponderadas as explicações fornecidas pela autarquia e tendo em consideração o circunstancialismo inerente à exposição formulada por moradores vizinhos, aduzindo o seu protesto à utilização do sobredito prédio nos moldes acima descritos, concluiu este órgão do Estado que a edilidade de Ponta do Sol não acautelou ainda, devidamente, o direito ao ambiente, segurança e qualidade de vida dos seus munícipes.


 


IV


Recomendações


 


De acordo com as motivações expostas, e exercendo o poder que me é conferido pelo art. 20º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V. Exa:


 


1. Que seja notificado, com carácter de urgência, o proprietário do prédio reclamado, tendo em vista a imediata cessação da utilização indevida das instalações supra identificadas, a coberto disposto no artigo 109.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;


2. Que seja ponderada a transferência da estrutura em apreço para espaço alternativo devidamente autorizado, mediante eventual aplicação de medidas cautelares previstas pelo Regime do Exercício da Actividade Pecuária e, se necessário, com a colaboração dos serviços competentes da Direcção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural.


 


 


 


 


 


Solicito a V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no artigo 38º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril), que se digne mandar informar-me sobre a sequência que este assunto venha a merecer, no prazo de 60 dias.


 


 


 


Apresento a V. Exa. os meus melhores cumprimentos,


 


 


O PROVEDOR DE JUSTIÇA,


Alfredo José de Sousa