S.Exa.


O Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento


Av. Infante D. Henrique


1149-009 LISBOA


 


 


 


Sua referência Sua comunicação Nossa referência







Proc. R – 5485/08 (A4)


Assunto: Reclamação apresentada por ……….. Actualização extraordinária de pensões ao abrigo do art. 7.º da Lei n.º 30-C/2000.





 


RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2010


[Artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



 


I – Introdução



 



1. Dirijo-me a V.Exa., Senhor Secretário de Estado, na sequência da queixa do aposentado supra identificado, motivada pelo facto de lhe ter sido negada a actualização da sua pensão de aposentação, nos termos do regime previsto no art. 7º da Lei n.º 30-C/2000, de 29.12 (Lei do Orçamento do Estado para 2001).


2. Considerando as intervenções antecedentes por parte deste órgão do Estado, de que V.Exa. tem conhecimento, não creio que se justifique a enunciação exaustiva do caso e das razões em que se sustentaram tais intervenções. Assim, sem prejuízo do necessário e sucinto enquadramento, centrar-me-ei essencialmente na ponderação dos fundamentos do despacho que, em 7.5.2010, V.Exa. proferiu sobre o caso.


3. Relembro sumariamente os contornos da situação a que me reporto:



3.1 Tendo sido aposentado em 26.4.1986, como conservador dos registos, o reclamante não viu a sua pensão de aposentação ser alterada ao abrigo do regime previsto no art. 7º da Lei n.º 30-C/2000, uma vez que, efectuado o recálculo da pensão com base na remuneração base correspondente ao índice 380, verificou-se que o montante apurado era inferior ao que aquele já auferia em 1.1.2001.


3.2 Tal índice remuneratório foi transmitido pela Direcção-Geral de Administração Pública (DGAEP) à Caixa Geral de Aposentações (CGA), por se ter entendido corresponder à remuneração que o mesmo auferiria caso estivesse no activo no momento da entrada em vigor do novo sistema retributivo. Na verdade, a norma em causa dispõe que as pensões de aposentação, reforma e invalidez dos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações, calculadas com base em remunerações em vigor até 30 de Setembro de 1989 e que, no momento da aposentação, se encontravam abrangidos pelo regime jurídico da função pública seriam actualizadas, “extraordinariamente e a título excepcional“, mediante o seu recálculo, para o que seriam tidas em conta as remunerações fixadas para vigorar em 1 de Outubro de 1989 para idênticas categorias do pessoal no activo.


3.3 Inconformado com tal resultado, e por considerar não ser esse o índice aplicável, o reclamante dirigiu-se, quer à CGA, quer à DGAEP, solicitando a revisão da actualização efectuada.


3.4 Em resposta, a CGA informou o interessado que, consultada a DGAEP a propósito do seu caso, esta havia comunicado que o preceito não lhe era aplicável, dado que a actualização das pensões aqui prevista teve por base o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16.10, que excluiu do seu âmbito o pessoal das conservatórias e cartórios notariais, o qual, aliás, só passou a ter um novo sistema retributivo em momento posterior a 1.10.1989, data considerada no mencionado art. 7º.


3.5 Na mesma ocasião, a CGA remeteu ao interessado cópia da comunicação que, sobre o assunto, havia sido enviada pela DGAEP àquela Caixa em 17.7.2002, na qual se informava, em síntese, que havia sido “indevidamente comunicado” àquela Caixa o valor dos índices e remunerações-base daquele pessoal, em virtude de “não ter sido levado em conta o referido no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril, que apenas produz efeitos a partir de Janeiro de 1990 (artigo 1º e 14º), relativamente a escalões indiciários, tendo as outras componentes retributivas específicas entrado em vigor em Abril de 1991“. Esta comunicação remete ainda para o parecer n.º 31/DRT/2002, de 25.3.2002, referindo que o mesmo aguardava aprovação superior.


3.6 Posteriormente não foi prestada qualquer outra informação pela DGAEP à CGA, designadamente o conteúdo de eventual decisão que tivesse recaído sobre o aludido parecer, não tendo a CGA, do mesmo passo, tomado qualquer outra medida sobre o assunto, quer quanto à actualização da pensão do reclamante, quer quanto à actualização das pensões do demais pessoal dos registos e do notariado.


3.7 O reclamante dirigiu-se à DGAEP, em 21.2.2003 e 20.8.2003, e à Secretária de Estado da Administração Pública, em 21.4.2003 e 20.8.2003, solicitando a reapreciação do assunto, não tendo recebido resposta a qualquer uma das aludidas exposições.


3.8 Apreciada a questão neste órgão do Estado, entendeu-se que assistia razão ao reclamante, na medida em que:




a) a anterior posição da DGAEP deveria ter-se por ultrapassada em face do despacho de 31.07.2006 do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, proferido relativamente a situações similares, após intervenção do meu antecessor;


b) a actualização da pensão do reclamante ao abrigo da Lei n.º 30-C/2000 deveria ter tomado por base o índice 500 e não o 380 – o interessado, não obstante deter, antes da aposentação, a categoria de conservador de 2ª classe, exercia funções numa conservatória de 1ª classe, pelo que, nos termos do art. 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril, teria direito à remuneração correspondente à classe do lugar.


3.9 Comunicada tal apreciação à DGAEP, esta transmitiu-nos a sua adesão à mesma e que, não obstante, havia submetido a questão, em face da sua “delicadeza“, à consideração do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública, o qual, por sua vez, o encaminhou para V.Exa..


3.10 Consultou V.Exa. a CGA, a qual, ancorada em parecer do Gabinete Jurídico, formulou, no essencial, duas conclusões:




a) a aplicação do regime de actualização previsto no art. 7.º da Lei n.º 30-C/2000 ao pessoal dos registos e do notariado carece de medida legislativa que o consagre ou orientação expressa da tutela semelhante à adoptada para os pensionistas das entidades públicas empresariais;


b) inexiste qualquer situação de injustiça relativa na apreciação do processo do interessado, “já que todos os processos de actualização do pessoal dos registos e do notariado que foram enviados pela DGAEP à CGA posicionaram os interessados no escalão e vencimento a que aqueles teriam direito em 1989-10-01, o que levou à inoperatividade do disposto” na norma referida.


3.11 Com base em tal parecer, proferiu V.Exa., em 7.5.2010, despacho com o seguinte teor: “Inexistindo quaisquer indícios de injustiça relativamente a esta situação e a situações semelhantes (ponto 5.), não se afigura adequada qualquer alteração legislativa“.



 


II – Apreciação



 



4. A convicção de que a decisão de V.Exa. assenta sobre pressuposto erróneo não permite que me conforme com a mesma e leva-me a reclamar de V.Exa. nova ponderação do caso.


5. Na verdade, a afirmação, constante do parecer da CGA, de que não haverá situações de injustiça relativa porque, em todos os processos de actualização de pensões relativos ao pessoal dos registos e do notariado, a DGAEP comunicou à CGA “o escalão e vencimento a que aqueles teriam direito em 1989-10-01” encerra uma contradição fácil de demonstrar: é que, naquela data, as remunerações daquele pessoal estruturavam-se em letras de vencimento e diuturnidades e não em escalões e índices, que apenas foram introduzidos com o Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril, com efeitos a 1.1.90. Assim, se o recálculo das pensões, para efeitos de actualização, foi feito com base em escalões e índices – como sucedeu no caso do reclamante –, estes só poderiam ser, naturalmente, os que constavam deste diploma, o qual consubstanciou a adaptação àquele pessoal do (então) novo sistema retributivo introduzido pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e legislação subsequente.


6. Foi por essa razão que a Provedoria de Justiça alertou a DGAEP para a injustiça que resultava, no caso, da actuação daquela Direcção-Geral. Na verdade, após a entrada em vigor do regime de recuperação extraordinária das pensões de aposentação, foram fornecidos à CGA os dados necessários à actualização extraordinária das pensões relativamente a todos os aposentados dos registos e do notariado que se haviam desligado do serviço antes da entrada em vigor do respectivo regime remuneratório, tendo a CGA procedido em conformidade. O certo é que a mesma Direcção-Geral, mais de um ano após a aplicação de tal regime, recusou-se a apreciar o pedido formulado pelo interessado, invocando que o regime não lhe seria aplicável e esteando-se em parecer que aguardava aprovação superior, após o que se entregou a um total silêncio, não comunicando à CGA a decisão final sobre o assunto, nem respondendo aos posteriores pedidos de reapreciação da questão formulados pelo interessado.


7. Aliás, a DGAEP, na posição recentemente tomada (cfr. supra ponto 3.9) não contrariou esta apreciação. Ao invés, e como afirma a CGA no parecer que remeteu a V.Exa., “aceitou e aderiu, sem reservas, às conclusões” formuladas por este órgão do Estado e procedeu à correcção do escalão e índice do interessado“.


8. Sou, pois, levado a concluir, Senhor Secretário de Estado, que, se verificou, de facto, uma situação de injustiça relativa, na medida em que o regime de actualização extraordinária das pensões foi aplicado ao pessoal dos registos e do notariado tendo por base as remunerações que aufeririam se se tivessem aposentado após a produção de efeitos do novo regime remuneratório que lhe era aplicável, ou seja, o introduzido pelo Decreto-Lei n.º 131/91. No caso do reclamante, porém, foi efectuado de modo que não respeitou o regime vigente, porque tomou por base escalão e índice não aplicáveis.


9. Também não acompanho V.Exa. na ponderação que leva a cabo da necessidade de medida legislativa de modo a poder considerar, no âmbito pessoal do regime de actualização extraordinária de pensões, o interessado e demais aposentados em igualdade de circunstâncias, pois creio que a questão se dirime, tão só, no domínio da hermenêutica do preceito.


10. E o certo é que, como se demonstrou já, o sentido e alcance do âmbito pessoal de aplicação da norma foram já objecto do despacho do Senhor Ministro de Estado e das Finanças de 31.07.2006 que, acolhendo a sugestão do meu antecessor, definiu, como critério relevante para esse efeito, o de os aposentados se encontrarem, no momento da aposentação, abrangidos pelo regime jurídico da função pública, como expressamente estatui o corpo do art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30-C/2000, sendo deste modo irrelevante a especialidade de regimes remuneratórios, distinção que a Lei não contempla e que, portanto, não é admitida ao intérprete.


11. Por outro lado, nenhuma razão de mérito justifica a exclusão do pessoal dos registos e do notariado da aplicação do regime de actualização das pensões, na medida em que:




a. A ratio legis da norma de actualização das pensões foi a de compensar os pensionistas que se aposentaram antes da introdução do novo sistema retributivo, mediante a aproximação das suas pensões relativamente ao valor das remunerações vigentes para os funcionários e agentes no activo;


b. Este objectivo tem plena aplicação no caso do pessoal dos registos e do notariado, já que o respectivo regime remuneratório foi objecto de profunda reforma, por invocação, no que à remuneração base diz respeito, dos princípios gerais do novo sistema retributivo, o qual, aliás, passou a ser subsidiariamente aplicável àquele pessoal (art. 13.º do Decreto-Lei n.º 131/91).


c. Deste modo, as pensões fixadas antes da entrada em vigor do novo regime remuneratório do pessoal dos registos e do notariado sofreram exactamente de degradação similar à que se verificou relativamente às demais pensões de regime público fixadas antes de produzidos os efeitos do novo sistema retributivo, justificando-se, assim, a aplicação do mecanismo de compensação de tal degradação que, na Lei do Orçamento do Estado para 2001, se veio expressamente consagrar.


12. Valendo, pois, para o pessoal dos registos e do notariado as mesmas razões que presidiram à adopção do regime de actualização extraordinária das pensões, a respectiva aplicação àquele pessoal exige, apenas, que se tenha por relevante a data em que a adaptação legislativa do novo sistema retributivo produziu, quanto ao mesmo, os respectivos efeitos.


13. Para tanto, não se transpõem, pois, os limites da interpretação jurídica. Como explica Baptista Machado, “a interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma. Os argumentos usados pelo jurista para fundamentar a interpretação extensiva são o argumento de identidade de razão (arg. a pari) e o argumento de maioria de razão (arg. a fortiori). Segundo o primeiro, onde a razão de decidir seja a mesma, a mesma deve ser a decisão. De acordo com o segundo, se a lei explicitamente contempla certas situações, para que estabelece dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime“.



 


 


 


 


III – Recomendação



 


São estas as razões, Senhor Secretário de Estado que, no exercício do poder que me é conferido pela al. a), do n.º 1, do art.º 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, me levam a recomendar a V. Exa. que revogue o despacho de 7.5.2010, de modo a serem transmitidas à Caixa Geral de Aposentações orientações no sentido de:






a) considerar que o pessoal dos registos e do notariado está incluído no âmbito subjectivo de aplicação do regime de actualização extraordinária das pensões, previsto no art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30-C/2000;


b) em consequência, ser revista a pensão do aposentado …….., mediante o seu recálculo com base na remuneração correspondente ao índice 500 da tabela aprovada pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril.



Solicito, ainda, a V. Exa. que, em cumprimento do dever consagrado no art. 38.º, n.º 2, do mesmo Estatuto, se digne informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.



Queira aceitar, Senhor Secretário de Estado, os meus melhores cumprimentos.



O PROVEDOR DE JUSTIÇA,



 


 


(Alfredo José de Sousa)