A Sua Excelência
O Ministro da Economia
e do Emprego
Rua da Horta Seca, 15
1200-221 LISBOA

Vª Ref.ª

Vª Comunicação

Nossa Ref.ª
Proc. R-2846/11 (A1)
Assunto: jogo de fortuna ou azar – casinos – ingresso – jogadores excluídos

RECOMENDAÇÃO N.º 10/A-8/B/2012

(artigos 8.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)

I
PRELIMINARES

1. Dirijo-me a Vossa Excelência, no termo de uma ponderada e criteriosa análise suscitada por queixas que me têm sido apresentadas contra o deficitário controlo do ingresso nas salas de máquinas e de outros jogos nos casinos, ao ponto de ser franqueado o acesso, sem restrições, mesmo por quem tenha requerido e obtido a interdição de entrada, junto do Serviço de Inspeção de Jogos, nos termos e para os efeitos do Lei do Jogo, constante do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro.

2. Trata-se de queixas apresentadas, todas elas, por cônjuges de jogadores aditivos, em diversos pontos do País e que nos revelaram não só a fragilidade do sistema, como também a indevida confiança no mecanismo de obter a interdição de ingresso. Com efeito, muitos dos jogadores patológicos continuam a jogar nos casinos durante o período de vigência da proibição de frequência destes estabelecimentos.

3. As investigações levadas a cabo compreenderam a audição da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CASINOS, do CENTRO HOSPITALAR PSIQUIÁTRICO DE LISBOA, do SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS e da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA, incluindo a realização de reuniões com responsáveis destes dois últimos organismos. Recolhemos informação técnica, junto de diversas fontes, nomeadamente, da Divisão de Dependências, da Cambridge Health Alliance e em sessão de informação pública do Grupo de Interajuda – Jogadores Anónimos. Tomou-se ainda em consideração a recente queixa apresentada, neste órgão do Estado, pelo Sindicato dos Trabalhadores das Salas de Jogos que reclama a reposição de serviços eficazes de identificação no acesso às salas de jogo. Foram visitados alguns casinos para confirmar a prática que surgia descrita nas queixas.

4. De acordo com o que dispõe o artigo 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto do Provedor de Justiça, com vista a contribuir para o aperfeiçoamento da legislação e correção de procedimentos administrativos, é meu dever levar à consideração de Vossa Excelência os resultados da nossa análise, por ter identificado vulnerabilidades, deficiências e outros factores de constrangimento ao nível legislativo e administrativo, justificando-se a ponderação de algumas modificações em ordem à proteção das famílias atingidas.

II
A SITUAÇÃO DOS JOGADORES PATOLÓGICOS

5. A Lei do Jogo considera que o jogo é uma atividade de interesse e de ordem pública, conforme consagrado no preâmbulo e no artigo 95.º, bem como no preâmbulo e no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março (Lei do Bingo), reconhecendo-se-lhe múltiplas incidências, não apenas económicas mas também sociais, penais e tributárias.

6. Na tradição nacional, a exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada ao Estado e só pode ser exercida por empresas a quem o Governo adjudique a concessão, mediante contrato administrativo.

7. Desde cedo se reconheceu que os jogos de fortuna ou azar comportam riscos muito significativos, dos quais, o menor não é certamente o da dependência progressiva que arrasta o património do jogador inveterado, como também o da sua família.

8. Com os casinos tradicionais e com os jogos institucionais de apostas mútuas concorre crescentemente o jogo virtual, praticado por meios eletrónicos, e que vem constituindo objeto de preocupação à escala europeia.

9. No “Livro Verde sobre o jogo on line no mercado interno”, de 2011, a Comissão Europeia concluiu que, de acordo com os elementos disponíveis, há indícios de que a maioria dos jogadores não manifesta estados patológicos de dependência.

10. No entanto, todos reconheceremos que os demais, aqueles que, de modo irresistível consomem os seus rendimentos em jogo, devem beneficiar de uma proteção contra si próprios, não apenas para defesa da dignidade individual, como em razão dos custos sociais, para a família e para a sociedade em geral.

11. Trata-se de um estado, reconhecido, desde 1992, pela ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE como doença – ludopatia – e assumido, ao nível dos cuidados de saúde, por vários países.

12. Não no Serviço Nacional de Saúde, apesar de várias recomendações nesse sentido (v.g. as conclusões de um Grupo de Trabalho, constituído por Despacho Conjunto, de 23 de dezembro de 2003, sob a coordenação da Dr.ª Paula Teixeira da Cruz, tendo por objeto “o estudo da situação atual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adotar na sua concretização”).

13. O Serviço Nacional de Saúde ainda não conhece medidas ou programas específicos para este problema, ao contrário do que sucede com a toxicodependência, o alcoolismo ou os distúrbios alimentares: desde as políticas de tratamento e dissuasão das toxicodependências, à proibição de venda de bebidas alcoólicas a embriagados ou ao tratamento hospitalar destes últimos distúrbios.

14. O alheamento do nosso sistema de saúde poderá ser explicado pela forma negativa com que é encarado o jogo, ao qual são atribuídos comummente “efeitos moralmente condenáveis e socialmente perniciosos” , o que contribui para subestimar a necessidade de cuidados de saúde específicos e o acompanhamento das famílias.

15. Segundo a referida publicação da COMISSÃO EUROPEIA, os estudos mais recentes acentuam fortes semelhanças entre dependência do jogo e a toxicodependência.

16. Reconhece-se, por outro lado, que há uma linha ténue entre a liberdade individual e a responsabilidade pessoal, por um lado, e a intervenção social ou estadual, por outro, perante os riscos que estas pessoas correm. Os jogadores patológicos, as mais das vezes, não estão aptos a reconhecer, aceitar ou modificar o seu problemático comportamento quanto ao jogo, apesar das inúmeras consequências negativas.

17. A crise económica e social pode reduzir a procura generalizada de casinos, mas não é de excluir, antes pelo contrário, que favoreça em alguns indivíduos uma apetência por formas expeditas de multiplicar os rendimentos, ora para fazer face ao sobre-endividamento, ora para compensar a perda de liquidez imposta por situações de desemprego ou, no extremo, para satisfazer necessidades primárias como as despesas com alimentação.

18. No mesmo estudo da COMISSÃO EUROPEIA, dá-se conta de que o nível do jogo patológico, nos oito Estados-Membros que realizaram estudos de prevalência à escala nacional – jogo presencial ou on line, varia entre 0,5% da população do Reino Unido e 6,5%, na Estónia.

19. Entre nós, o problema tem vindo a ser, recentemente, objeto de algumas investigações interdisciplinares. De acordo com um estudo levado a cabo pela UNIVERSIDADE CATÓLICA – “Epidemiologia de Dependência de Jogo a Dinheiro em Portugal” (HENRIQUE LOPES, PhD, CEA, 2005) podem-se estimar em cerca de 160.000 os jogadores excessivos e de 80.000 os dependentes.

20. De acordo com este estudo, grande parte dos viciados em jogo divorciou-se e teve problemas no emprego ou com a família.

21. Segundo vários estudos, nomeadamente o acima citado, o novo jogador patológico já não é tanto o homem de meia-idade e com hábitos de vida noturna mas, cada vez mais, o jovem adulto habituado, desde cedo, a lidar com as novas tecnologias.

22. Trata-se um comportamento aditivo que, ao contrário de outros, se caracteriza pela ausência de sintomatologias exteriores da dependência, não gerando, senão episodicamente, fenómenos de repreensão social, o que permite ao jogador inveterado permanecer fora do olhar de terceiros, mesmo da família e dos círculos sociais mais próximos.

23. Por seu turno, os ciclos de ganhos e perdas podem ocultar o fenómeno, durante períodos extensos, até a situação financeira se tornar completamente depauperada, alimentando agentes usurários e arrastando a família e os amigos que tentam minorar a situação, muitas das vezes, ludibriados acerca do real destino das quantias que lhes são solicitadas, a título de empréstimo.

III
DO ACESSO AOS CASINOS

24. Em Portugal, os casinos eram obrigados a exigir, desde 1927, a exibição do bilhete de identidade aos seus clientes, situação que veio a ser modificada por via das alterações à Lei do Jogo, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/1995, de 19 de janeiro e pelo Decreto-lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro. Só nas salas de jogos tradicionais se manteve o regime obrigatório de identificação prévia.

25. Este último diploma determinou que a “entrada e permanência nas salas mistas, de máquinas e de bingo, e nas salas de jogo do keno é condicionada à posse de um dos documentos de identificação previstos no artigo 39.º, devendo os porteiros de tais salas solicitar a exibição do mesmo, quando a aparência do frequentador for de molde a suscitar dúvidas sobre o cumprimento do requisito” da maioridade.

26. Como se vê, o dever de os porteiros solicitarem a exibição do documento de identificação pressupõe a suspeita de os clientes serem menores de 18 anos ou não emancipados.

27. Perante esta abertura das condições de acesso aos casinos, seríamos levados a pensar que fora revogado o regime jurídico especialmente aplicável aos denominados jogadores patológicos, cujo acesso aos casinos deve ser impedido na sequência de pedido seu ou de iniciativa oficiosa do Serviço de Inspeção de Jogos.

28. Pois, se na verdade, o controlo nas entradas apenas incide sobre indivíduos que indiciem ser menores de 18 anos, o referido impedimento ficaria condenado a uma simples declaração de princípios.

29. Contudo, conservaram-se, tal qual, as disposições que visam impedir o acesso às salas de jogo de todos os casinos do território português por parte de indivíduos excluídos por iniciativa própria, por decisão do Serviço de Inspeção de Jogos ou mesmo na sequência de providência cautelar decretada ou de sentença judicial transitada em julgado.

30. O legislador português, à semelhança do que sucede em outros países, previu no artigo 38.º, n.º 1, da Lei do Jogo, que o Diretor do Serviço de Inspeção de Jogos, por “sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados…pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos”, de acordo com modelo de requerimento oficialmente disponibilizado.

31. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, fixa a interdição de acesso às salas de jogo do bingo. Neste caso, o prazo da duração da proibição é de dois anos.

32. Por facilidade de exposição, e até por não dispormos de queixas relativas ao jogo do bingo, referiremos sobretudo o acesso às salas de jogos dos casinos, embora algumas considerações sejam válidas para o acesso às salas de jogo do bingo.

33. Em Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 29/3/2012 , entendeu-se que a apresentação do pedido de auto-proibição de acesso às salas de jogos “configura uma providência que visa salvaguardar um direito subjetivo de personalidade do autor em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 70.º do Código Civil” (…) ”que merece a tutela do direito”.

34. Entendeu ainda aquele Tribunal que a lei visa proteger os indivíduos “de si mesmos, procurando contê-los da adição, do vício a que estão sujeitos, e assim evitando a sua degradação, tanto como pessoas individualmente consideradas ou em sociedade, como financeiramente. Protege-se no artigo 38.º da Lei do Jogo, a integridade moral, integridade moral essa que, nos termos do art. 25.º, n.º 1, da Constituição é inviolável e que, como tal impõe uma exigência muito positiva de atuação dos poderes públicos no sentido de assegurar a sua tutela, adotando medidas legislativas correspondentes. Dúvidas não subsistem, por isso, que o âmbito de proteção da norma que permite a proibição de acesso a salas de jogo abrange a proteção do indivíduo de um estado de sujeição gerado pela dependência”.

35. Existem vários estudos realizados em países europeus, nos Estados Unidos da América, no Canadá e na Austrália que sustentam o impacto positivo associado aos programas de auto-proibição, por diminuir os problemas com o jogo e aumentar a perceção do controlo.

36. Reconhecem, no entanto, que a consistência do programa de auto-proibição é condição determinante do seu sucesso, porque qualquer falha pode compromete-lo, sendo essencial um adequado sistema de deteção contra fraudes dos próprios excluídos.

37. E qual o controle que pode ou deve ser efectuado quanto a estas pessoas, de acordo com a legislação nacional? Desde a revisão da Lei do Jogo, ninguém é obrigado a identificar-se na entrada das salas de jogos e os porteiros nem são obrigados a solicitar a identificação, salvo o caso referido dos indivíduos que aparentem ser menores de idade. Ou seja, não existe, em termos gerais, qualquer tipo de controlo formal de acesso.

38. Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40/2005, já acima referenciado, explicava-se que as “condições estabelecidas para o acesso (às salas mistas), iguais às exigidas para as salas de jogos tradicionais…não têm favorecido a exploração das salas mistas” (salas estas criadas em 1995, por via do Decreto-Lei n.º 10/95, e onde se podem praticar jogos tradicionais e de máquinas).

39. Em ordem a aumentar o sucesso na exploração das salas mistas, considerou-se “necessário, reformular o regime de entradas nas salas em causa, dispensando-se a emissão de cartões”.

40. Mas, o legislador foi ainda mais longe, e para além da dispensa da emissão de cartões, dispensou também o controle de acesso mediante a exibição de documento oficial de identificação, não tendo criado qualquer controle de acesso alternativo.

41. Esta ausência de controlo é favorecida pela inexistência de barreiras físicas entre as zonas de espetáculos e as salas mistas, à semelhança do que sucede com os casinos nos Estados Unidos da América.

42. Os casinos portugueses estão hoje mais próximos do casino típico de Las Vegas do que de um casino europeu.

43. Segundo a própria ASSOCIAÇÃO DE CASINOS PORTUGUESES, a partir de 2005, os Casinos Portugueses passaram, voluntariamente, a qualificar-se, na sua totalidade como espaços de jogo , abertos ao público como centros integrados de animação e de lazer.

44. Esta alteração teve como efeito prático o desaparecimento progressivo e quase total das salas de jogos tradicionais nos casinos, as únicas onde continua a haver controlo formal de acesso.

45. Contudo, estas alterações não foram acompanhadas da tipologia e volumetria da fiscalização no acesso às salas de jogo, através, nomeadamente da criação de novos meios de controlo, com vista a impedir a entrada de pessoas proibidas de aí acederem.

46. Isto é acentuadamente reafirmado quando se verifica que o acesso às salas mistas foi excluído do âmbito de aplicação do artigo 41.º, n.º 1, onde se determina que as “concessionárias manterão, durante todo o tempo em que estiverem abertas as salas de jogos tradicionais, um serviço, devidamente apetrechado e dotado de pessoal competente, destinado à identificação dos indivíduos que as pretendam frequentar e à fiscalização das respectivas entradas”.

47. E apenas se prevê no n.º 3, da mesma disposição, que a “entrada e permanência nas salas mistas (…) é condicionada à posse de um documento de identificação”. Posse, mas não exibição.

48. Assim, o único possível controlo é o que permitir a memória visual dos funcionários dos casinos.

49. Nem, ao menos, existe a obrigatoriedade de se efetuar a identificação de um certo número de frequentadores, de forma aleatória, por forma a demover as entradas irregulares.

50. E, note-se, o problema do livre acesso a casinos, sem obrigatoriedade de apresentação de documento de identificação à entrada e sem qualquer outro meio alternativo e fidedigno de controlo no acesso, abrange outras situações, para além dos que tenham requerido a auto-proibição de acesso.

51. Recorde-se haver situações em que os frequentadores são proibidos de aceder às salas de jogo por razões de interesse público, como sejam:
i. Os indivíduos proibidos de aceder a salas de jogos por decisão do diretor dos serviços de inspeção de jogos, na sequência de procedimento de iniciativa oficiosa ou iniciado a pedido da concessionária (cfr. artigo 38.º, n.º 1);

ii. Os menores de 18 anos (artigo 36.º, n.º 2) ;

iii. Os interditos (cfr. artigo 36.º, n.º 2);

iv. Os inabilitados (cfr. artigo 36.º, n.º 2);

v. Os condenados por falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados (cfr. artigo 36.º, n.º 2);

vi. Os indivíduos proibidos de entrar nas salas de jogos como sanção acessória aplicável em sede de processo contraordenacional (cfr. artigo 149.º, n.º 1), instaurado em virtude de, por exemplo, concederem empréstimos nos casinos, perturbarem o desenrolar normal da partida ou não respeitarem as regras do jogo.

52. Vê-se assim, que o sistema de acesso não permite sequer o controle da entrada de pessoas cuja proibição decorre de decisão do Serviço de Inspeção de Jogos, tomada na sequência de processo iniciado oficiosamente, ou a pedido da concessionária.

53. Mais grave, o sistema de controlo de acesso aos casinos deixa à sua sorte pessoas cuja formação da vontade e da decisão é legal e judicialmente reconhecida como estando comprometida, como é o caso dos interditos e dos inabilitados.

54. Resta saber o que sucede quando no interior dos casinos sejam encontrados indivíduos dos que, por alguma razão, se encontrem impedidos de aceder ao jogo:

a. De acordo com o artigo 125.º da Lei do Jogo, sob a epígrafe “Responsabilidade por acessos irregulares”, determina-se que as entradas irregulares nas salas de jogo dos casinos fazem incorrer a concessionária em multa até €1250,00 por cada entrada;

b. Na Lei do Bingo, estranhamente, não existe a mesma previsão, o que deveria ser ponderado por forma a harmonizar-se o regime. Com efeito, nas salas de bingo, o concessionário e os seus funcionários apenas são sancionados quando permitam o acesso a menores de 18 anos ou a frequentadores cuja presença seja considerada inconveniente ou que de algum modo perturbe a ordem e tranquilidade das salas e o normal funcionamento do jogo. Fica por prever a responsabilidade da concessionária quando permita a entrada de quem se encontre proibido de aceder às salas de bingo.

55. Quanto aos frequentadores das salas de jogo que violem a proibição de entrada:

a. Nos termos do artigo 42.º, n.º 2, alínea d), da Lei do Bingo prevê-se que quem entre nas salas de jogo, violando a proibição de entrada, fique sujeito a uma coima de €200,00 a €2500,00;

b. Nas salas de jogos tradicionais dos casinos, as únicas onde é necessária a identificação prévia dos frequentadores, são sancionados com coima entre €300,00 a €1300,00;

c. Nas salas de jogo não tradicionais dos casinos, que constituem a maioria, eliminou-se, desde 2005, a possibilidade de instauração de procedimento contra-ordenacional aos frequentadores pela irregularidade da entrada;

d. Nestas últimas salas dos casinos, apenas se prevê, no artigo 146.º, n.º 1 e 2, sob a epígrafe “Irregularidades nos acessos às salas de jogos” que, quem “entrar nas salas mistas, de máquinas ou do jogo do bingo sem estar munido de um dos documentos de identificação previstos no artigo 39.º será punido com coima mínima de €150,00 e máxima de €650,00 e proibição de entrada nas salas de jogos até um ano”;

e. Já na Lei do Bingo prevê-se que os indivíduos que não estejam na posse de documento de identificação legalmente válido sejam sancionados com coima (cfr. artigo 42.º, n.º 3). Neste caso, a coima varia de €30,00 a €200,00. A divergência no valor das coimas, em relação às entradas irregulares nos casinos, também deveria ser repensada.

56. Não se antevendo as razões porque, no caso das salas de jogos dos casinos seja sancionada a concessionária e no caso das salas de jogo do bingo sejam sancionados os frequentadores, quando se viola a proibição de entrada, urge ponderar a uniformização das soluções, optando pela que se entender mais adequada às finalidades que se visam prosseguir.

57. Com efeito, há uma diferença concetual entre as sanções às concessionárias e/ou as sanções aplicadas aos frequentadores que violem a proibição da entrada. Esta situação tem sido igualmente objeto de estudos internacionais, havendo sistemas que optam diferentemente por uma ou outra solução, outros optam por ambas cumulativamente.

58. Independentemente da opção adotada pelo legislador, impõe-se tratar situações idênticas de forma idêntica, sob pena de violação do princípio da igualdade.

59. Fácil é constatar, em face de tudo quanto foi exposto neste capítulo, que o controle de entrada nos casinos pelos indivíduos a quem tenha sido proibido o acesso, a pedido do próprio, por iniciativa da concessionária ou do Serviço de Inspeção de Jogos é uma ficção.

60. Por melhores fisionomistas que sejam, não é possível aos funcionários do casino, todos os anos, memorizarem as feições de várias centenas de pessoas, a maioria das quais só conhecem por fotografia. Ou seja, nunca as visualizaram pessoalmente, bastando para tanto que sejam frequentadores de um qualquer outro casino. Sendo que, para mais, todos os anos, existem novas identidades a fixar e outras tantas a remover da memória.

61. De acordo com relatório do serviço de inspeção de jogos, em 2010, estavam em vigor 659 proibições de entrada a pedido do próprio e 138 proibições na sequência de procedimento sancionatório.

62. A apresentação de documento de identificação à entrada do casino, conforme sucede na generalidade dos casinos europeus, permite, nestes casinos, compatibilizar a elevada frequência das salas, em certos dias e horas, com a necessidade de tornar eficaz o sistema de exclusões ou proibições.

63. Em Portugal, singularmente, afirma-se não ser possível compatibilizar o controlo prévio com a elevada afluência do casino em certas horas do dia.

64. Mais se afirma que tal controlo frustraria a faceta cultural e turística dos casinos. O Casino de Monte Carlo, no Principado do Mónaco também dispõe de vários restaurantes e de um centro de eventos culturais, à semelhança dos casinos portugueses. Não obstante, a identificação é condição de ingresso, pelo menos às zonas com oferta de jogo. O mesmo se diga quanto aos casinos na Holanda que até ganharam em 2008, 2009 e 2011 o prémio “Socially Responsible Operator of the Year Land Based”.

65. Parece ainda ter todo o interesse recorrer-se a sistemas eletrónicos de controlo de identificação, nomeadamente de reconhecimento facial. Tem-se presente que decorreu concurso público, lançado pelo Serviço de Inspeção de Jogos (TURISMO DE PORTUGAL, IP), para fornecimento de novos sistemas de vigilância “CCTV – Circuito Interno de Televisão” destinados a casinos e salas de jogos, prevendo-se que poderão estar instalados em todos os casinos do país, no prazo de três anos.

66. Contudo, durante este hiato de tempo, que pode ser mais longo, o sistema de controlo do acesso de frequentadores proibidos de aceder a casinos, permanecerá extremamente débil, com prejuízo para a fidedignidade do sistema de proibição.

67. Entretanto, a jurisprudência começou a reagir em favor da garantia de confiança depositada no sistema de exclusão de certos jogadores.

68. Muito recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão já referido, veio confirmar a condenação da concessionária do Casino de Espinho no pagamento de indemnização a um jogador patológico porque “não cumpriu a obrigação que lhe foi imposta pelo Serviço de Inspeção de Jogos, adotando uma atitude omissiva, permissiva, não proibindo o autor de aceder à sala das máquinas, o que vale dizer que incumpriu uma obrigação imposta ao abrigo da Lei”.

69. Reconhece perentoriamente que “declarada a proibição do autor aceder às salas de jogo dos casinos e notificada a ré (concessionária) dessa proibição, passou a impender sobre esta o ónus de acionar os mecanismos específicos de controlo de acesso de modo a vedar a sua entrada naquelas salas, pelo que o comportamento omissivo e permissivo por parte da ré viola o disposto no art. 38.º da Lei do Jogo, dando lugar a obrigação de reparar os danos que dessas omissões ocorrerem, nos termos do artigo 486.º do Código Civil”.

70. Se as concessionárias continuarem a ser judicialmente condenadas, o que se prevê que possa vir a suceder em maior escala devido à sentença do Supremo Tribunal de Justiça, pergunto-me se não faria sentido permitir que cada uma das concessionárias adotasse regimes mais aprofundados de jogo responsável, nomeadamente, através do incremento de métodos mais adequados de controlo de acesso, mediante prévia autorização do membro do Governo responsável e com respeito pelos direitos fundamentais dos frequentadores .

71. Note-se, por fim, que a proteção dos incapazes e dos interditos cuja proibição de acesso às salas de jogos dos casinos no ordenamento jurídico português se encontra prevista na Lei do Jogo, ganharia mais eficácia se a publicidade das sentenças judiciais de inabilitação e de interdição fosse mais ampla que o simples registo nas Conservatórias de Registo Civil.

72. Com efeito, as sentenças judiciais de declaração de inabilitação e de incapacidade deveriam ser comunicadas ao Serviço de Inspeção de Jogos de modo a ser operacionalizada a proibição constante do artigo 36.º, n.º 2, da Lei do Jogo .

73. Esta medida é tão mais importante quanto a declaração de inabilitação e de interdição tem como fator determinante a reconhecida incapacidade dos indivíduos regerem ou governarem o seu próprio património.

74. Tanto mais que estes indivíduos podem não ter características claramente reconhecíveis e, mesmo que as possuam, o ordenamento jurídico determina que a sua condição tem de ser previamente declarada em processo judicial.

75. Mas ainda que seja declarada judicialmente a sua interdição ou inabilitação, os funcionários dos casinos nem sequer têm a faculdade de os conhecer por não lhes ser enviada fotografia. Supondo-se que assumam um comportamento insuspeito nas salas de jogo poderão entrar, sair e jogar sempre que quiserem.

76. A proteção destas pessoas é tão mais importante quanto existem estudos que comprovam uma elevadíssima percentagem de jogadores patológicos entre os indivíduos com distúrbios psicológicos cumulativos mas pré-existentes.

IV
DO REQUERIMENTO DE AUTO-PROIBIÇÃO DE ACESSO ÀS SALAS DE JOGO

77. Há ainda outras questões pertinentes recenseadas na nossa investigação, para lá daquela que acabámos de identificar como determinante: a mera ficção acerca da eficácia das listas de jogadores excluídos.

78. Assim outro aspeto ressalta do confronto entre o formulário do pedido de auto-proibição de acesso às salas de jogo, em anexo, com a legislação aplicável: os termos da sua redação induzem o requerente a solicitar a proibição, apenas por dois anos.

79. A própria ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CASINOS informou a COMISSÃO EUROPEIA, no comentário ao citado Livro Verde, que a proibição a pedido do próprio só tem a duração de dois anos. Tudo leva a crer que é esse o entendimento corrente no setor.

80. Com efeito, em lado algum do requerimento se informa que o artigo 38.º, n.º 1, da Lei do Jogo, permite que o interessado possa requerer a proibição de entrada até cinco anos.

81. De forma incongruente, o requerimento explicita que “os efeitos (da interdição de entrada nas salas de jogos) cessam automaticamente decorrido o prazo de dois anos”.

82. É certo que no artigo 38.º, n.º 2, se determina que, quando “a proibição for meramente preventiva ou cautelar, não excederá dois anos e fundamentar-se-á em indícios reputados suficientes de ser inconveniente a presença dos frequentadores nas salas de jogos”.

83. Ora, em muitos casos, o pedido de exclusão de ingresso nos casinos não é meramente cautelar ou preventivo, com vista a prevenir o vício do jogo ou o seu agravamento.

84. Conforme relatam variadíssimos estudos sobre o assunto, o pedido é apresentado numa fase tardia em que os jogadores já têm a sua situação financeira em rutura. Não parece ser preventivo, e será até tardiamente reativo, pois, regra geral, a ajuda é procurada pelos jogadores apenas numa fase em que a sua vida pessoal, profissional e familiar já se encontra deveras comprometida.

85. Assim, o modelo de requerimento deveria ser alterado por forma a transmitir aos interessados que há uma maior latitude no período de exclusão de acesso aos casinos, podendo atingir até cinco anos, conforme o requerente assim entenda.

86. Confrontado com esta contradição, o SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS informou-nos de que o fato de apenas se informar no requerimento da possibilidade de solicitar a proibição de acesso por dois anos decorre da necessidade de limitar temporalmente as entradas irregulares dos jogadores que, muitas das vezes, pedem, sem sucesso a revogação da proibição autorizada.

87. E adianta que “se o período for muito dilatado, da mesma forma os jogadores tentarão a irregularidade”.

88. Estamos em crer que as tentativas de fraude ou de obter a entrada irregular por qualquer meio deve ser combatida através do controle no acesso e não através da rendição da lei pela sua desaplicação.

89. É típico dos jogadores patológicos, não obstante terem solicitado a proibição, procurarem, ainda assim, ingressar nos casinos. Se, com efeito, a sua vontade não sofresse destas condicionantes patológicas, o próprio sistema de exclusão não faria sentido.

90. Mas, trata-se, no mais, de garantir que a legislação é cumprida. Não podem ser algumas contrariedades práticas de cumprimento da legislação, quanto ao controle dos acessos irregulares, a justificar a alteração, na prática, da intenção do legislador. Tanto mais que, durante décadas, a admissão aos locais de jogo era sujeita a uma verificação da identidade dos jogadores.

91. Tão-pouco será legítimo afirmar que a limitação do período de proibição de dois anos se justifica com o facto de:

i. “O jogo ser uma atividade concessionada pelo Estado que envolve receita pública;

ii. Os concessionários invocarem também o volume de contrapartidas pagas para justificar a ausência de medidas restritivas do jogo por parte do Estado”.

92. A suposta perda de receitas de jogo, quer para o Estado, quer para as concessionárias não pode constituir justificação para a diminuir a tutela dos direitos de personalidade que a lei concede a quem solicita a proibição de entrada e a proteção de tantas famílias arrastadas para situações económicas e sociais absolutamente indignas.

93. Se a lei permite que o requerente solicite a vigência do período de proibição durante cinco anos, deve ser essa a informação a constar do requerimento e não outra com um período temporal menos dilatado.

94. Se não se concorda com o estipulado legalmente, então que se proponha a sua alteração, ao invés de se conceder uma informação errónea aos requerentes, induzindo-os a requerer apenas dois anos de proibição de acesso.

95. Ademais, cada caso é um caso e poderá ser redutor limitar a interdição de todo e qualquer jogador patológico a um mesmo período de tempo.

96. Até porque há estudos credenciados a concluir que um período mais curto de interdição não é mais eficiente do que um período mais longo. Antes pelo contrário.

97. Por outro lado, parece justificar-se que o legislador preveja o convite à assinatura do pedido de proibição de entrada, por parte do diretor da sala de jogos ou dos inspetores, quando existam alguns indícios, nomeadamente uma assiduidade e permanência fora do comum nas salas de jogo, bem como a duração anormal das mesmas ou algum comportamento inusitado.

98. Veja-se o caso do jogador descrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já citado, que chegava a jogar em sete máquinas ininterruptamente e em simultâneo, desde o meio da tarde até às três ou quatro horas do dia seguinte, e em dias consecutivos, aí tendo despendido, em dois anos, montante não inferior a €124.000,00. Diariamente, o jogador despendia um valor entre €500,00 a €8.000,00, ao ponto de ter cessado a atividade profissional.

99. É certo que os montantes despendidos nos casinos dependem da capacidade económica de cada um e este fator não pode ser considerado isoladamente. Pode, no entanto, constituir um indício tomado em consideração cumulativamente com comportamentos fora do comum para a generalidade das pessoas e mesmo para os hábitos daquele cliente em concreto.

100. Aliás, refira-se que a própria arquitetura interior das salas de jogos, sem janelas para o exterior, ignorando-se o dia e a noite, bem como a ausência de relógios, contribui para alheamento das horas que passam.

101. Julgo ainda que faria sentido ponderar a legitimidade das próprias famílias (cônjuge e filhos, pelo menos), em certas circunstâncias, apresentarem, judicial ou extra-judicialmente, o pedido de proibição de acesso e facilitar, de alguma forma, o acesso à separação de judicial de bens nestes casos, soluções já adotadas em alguns países .

102. A nossa ordem constitucional protege a liberdade individual, mas protege certamente mais a família (artigo 67.º) do que o jogo, apenas reflexamente protegido pela livre iniciativa económica, contanto que satisfaça às exigências da Constituição, da lei e do interesse geral (artigo 61.º, n.º 1).

103. Igual avaliação haveria de ser efetuada quanto aos termos em que opera a cessação do período de auto-proibição, ou seja, se o período de auto-proibição haverá de cessar de forma automática, como atualmente sucede, ou se deveria caducar apenas mediante pedido expresso do próprio, cuja omissão permitiria a renovação automática da proibição por igual período.

104. Por outro lado, os termos em que se encontra instituído o pedido de proibição de acesso às salas de jogos, bem como o modelo de requerimento a entregar pelo próprio ao SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS, facilmente criará nos seus subscritores a convicção de que a responsabilidade pelo controle de acesso recairá sobre o promotor do jogo ou sobre aquele organismo público, mesmo que ceda ao vício e procure entrar nas zonas de jogo.

105. Será de ponderar a possibilidade de constar na declaração de auto-proibição a indicação expressa de que também cabe ao próprio respeitar a proibição de entrada. Há quem defenda que este é um importante passo para terminar a denegação do problema pessoal, sob pena de se tentar endossar inteiramente a responsabilidade total do problema para o casino ou para o Estado .

106. A verdade é que nos termos atuais há uma clara discrepância entre a perceção do jogador que assina o pedido de proibição de acesso aos casinos e aquilo que o sistema pode proporcionar.

107. De um lado, o jogador espera que a sua entrada seja impedida, mesmo que vacile, reconhecendo o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão já citado, a existência de uma verdadeira expetativa jurídica.

108. Do outro lado, os concessionários do jogo e o Serviço de Inspeção de Jogos esperam que o jogador não viole essa proibição.

109. E, reconhece-se que possa haver um conflito de interesses, porque o sucesso do programa terá um maior ou menor impacto nas receitas do casino.

110. Quanto ao jogador, a auto-proibição, nos termos legalmente previstos, implica:

a) O dever de não ingressar nos casinos;

b) A atribuição, aos funcionários do casino, do poder/dever de o impedirem de entrar e de não lhe facultar o acesso ao jogo;

c) A atribuição, aos inspetores do serviço de jogos e ao diretor do serviço de jogos, do poder de o expulsar do casino, caso viole a proibição de entrada;

d) A eventual comissão de um crime de desobediência qualificada em caso de recusa de saída, se a ordem de expulsão for dada legitimamente ou confirmada pelos inspetores;

e) A autorização para divulgação dos seus dados pessoais e fotografia em todos os casinos do território nacional;

f) A aplicação de coima, para o ingresso, mesmo na forma tentada, em salas de jogos tradicionais ou em salas de bingo depois de determinada a proibição de acesso.

111. E parece que nada invalida que o próprio Estado possa vir a ser acionado judicialmente pelo incumprimento de controlo da proibição de acesso, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

112. Diferentemente de outros países, em que o sistema de auto-proibição é voluntariamente adotado pelos casinos, o legislador português optou por um sistema administrado e facultado pelo Estado, embora o controle de entrada incumba também ao promotor do jogo.

113. O sistema de controlo de acesso aos casinos é definido e incrementado pelo Estado, determinando-se no artigo 52.º que compete ao SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS autorizar a utilização de equipamentos eletrónicos de vigilância e controlo nas salas de jogos dos casinos, como medida de proteção e segurança de pessoas e bens.

114. O pedido de proibição de acesso ao casino é entregue ao Diretor do SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS, um serviço inspetivo do Estado que tem especial incumbência no controle de acesso aos casinos e onde o requerente solicita “a proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do País”, cabendo ao Diretor deste serviço a decisão de “proibir o acesso às salas de jogos” (cfr. artigo 38.º).

115. E, de acordo com o disposto no artigo 95.º, n.º 4, a competência inspetiva e fiscalizadora do SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS abrange a apreciação e o sancionamento das infrações administrativas das concessionárias, bem como a aplicação das medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo, nos termos da lei geral, nomeadamente deste diploma.

116. O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA acolhe, no acórdão acima referenciado, o entendimento de JANUÁRIO PINHEIRO ao afirmar que, “a todos aqueles que sejam conhecidos dos empregados da concessionária, ou dos inspetores de jogos, deve ser impedida a sua entrada, e caso já se encontrem já dentro das salas, devem ser expulsos, seguindo-se os trâmites processuais normais”.

117. Com efeito, no artigo 37.º, n.º 1 da Lei do Jogo, sob a epígrafe – «Expulsão das salas de jogos» – determina que “todo aquele que for encontrado numa sala de jogos em infração às disposições legais ou quando seja inconveniente a sua presença, será mandado retirar pelos inspetores ou pelo diretor do serviço de jogos”.

118. Note-se que, à data, o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA deu como provado que o serviço de inspeção de jogos tinha uma equipa de sete inspetores no local, com gabinetes nas instalações do casino, que dispunham de liberdade de atuação no desempenho da sua atividade inspetiva, circulando por todas as áreas e salas de jogos do casino.

119. Também a PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, no parecer já citado, reconheceu a existência de uma tutela administrativa do Governo, através do responsável pelo sector do turismo, nas suas formas correctivas, substitutiva e inspectiva, relativamente às concessionárias de exploração do jogo de fortuna, em especial quanto ao acesso aos casinos e à permanência e proibição da entrada nas salas de jogo.

V
DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DO JOGO

120. A dependência do jogo é social e financeiramente muito grave. A possibilidade de se perderem montantes muitíssimo elevados, em curto lapso de tempo, o agravamento da situação económico-financeira do jogador, com graves implicações junto do seu círculo social e familiar, tudo isto vem a ser encarado como um elemento decisivo para uma abordagem mais intensa da responsabilidade social do jogo ou, noutra terminologia, o denominado jogo responsável.

121. Ou seja, a necessidade de serem adotadas medidas com vista a prevenir e a minorar os problemas que afetam os jogadores.

122. Esta conclusão vem sendo reiteradamente alcançada em várias conferências internacionais e em vários estudos, nomeadamente no sempre citado Livro Verde da Comissão Europeia, quer para o jogo on line, quer para o jogo presencial.

123. E há soluções que têm vindo a ser adotadas por outros países, algumas sem encargos.

124. Por exemplo, em muitos países tem-se vindo a exigir que o envio, por parte das concessionárias de jogo, de mensagens de marketing, convites para eventos culturais ou qualquer outro material promocional, como seja desconto em hotéis ou restaurantes, fique vedado aos auto-proíbidos, retirando-os automaticamente das listas personalizadas.

125. O facto de esta proibição não estar consagrada na nossa legislação permitiu e permite que estas situações ocorram. Mas, nem essa lacuna legislativa impediu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no acórdão acima referenciado, de censurar e responsabilizar a concessionária, por ter continuado a enviar essas mensagens, mercê dos deveres de garantia e proteção que lhe incumbe cumprir e fazer cumprir.

126. Trata-se uma medida simples, sem custos e que reduz a sugestão do excluído regressar ao casino, ainda que sem intenção de jogar e apenas para participar nos eventos culturais. Uma vez nas instalações do casino, e tendo presente que não existem quaisquer barreiras físicas entre o acesso às actividades culturais e o acesso à sala de jogos, mais irresistivelmente é tentado a aceder clandestinamente ao jogo.

127. Ao jogador auto-proíbido deverá igualmente ser retirado todo e qualquer privilégio concedido pelo casino, como sejam cartões de fidelização que acumulam pontos ou concedem descontos, na utilização dos restaurantes ou bares aí situados, ou na prestação de quaisquer outros serviços.

128. Outra medida, que creio simples, seria a previsão expressa, na lei, de que o jogador patológico não possa reter os prémios auferidos, se detetada a violação da proibição do acesso às salas de jogo. Este impedimento poderá constituir um desincentivo à vontade de jogar, na medida em que o prémio constitui umas das motivações para continuar a jogar.

129. Estas medidas pouco onerosas e pouco controversas parecem ser de aplicação simples, bastando para tanto algumas alterações legislativas ou meramente regulamentares.

130. Tendo ainda em consideração que se trata de uma dependência na qual os doentes não têm uma efetiva consciência da sua condição, faria sentido proceder a uma maior divulgação dos sintomas e do sistema de auto-proibição, nomeadamente, através da obrigatoriedade de afixação de um aviso legível à entrada de cada uma das salas dos casinos, em locais perfeitamente visíveis. Aliás, por força do disposto no artigo 33.º, já deverá ser transcrito, à entrada das salas de jogos, o teor do disposto nos artigos 36.º (restrições de acesso), 37.º (expulsão e restrição de acesso às salas de jogo), 39.º (documentos de identificação) e 41.º (controlo de acesso às salas de jogo).

131. Bastaria, assim, acrescentar a transcrição do teor do artigo 38.º, relativo ao regime jurídico da auto-proibição de acesso.

132. Justificar-se-ia, ainda, impor a distribuição de suportes escritos informativos que esclareçam, não só as características da doença, como também os meios a que poderá recorrer para tratar o seu problema, como seja a necessidade de procurar acompanhamento médico, indicando-se os centros de tratamento, os grupos de jogadores anónimos e as linhas de apoio existentes.

133. Na Bélgica é obrigatória a existência deste material informativo em todos os casinos em local bem visível.

134. Em Portugal, a Lei do Bingo inovou nesta matéria determinando, no artigo 5.º, que os “concessionários das salas de bingo devem disponibilizar aos jogadores informação sobre o problema de dependência associada ao jogo e, nomeadamente, sobre as entidades que garantam apoio e acolhimento terapêuticos e fornecer os respetivos elementos para contato”.

135. Contudo, o legislador não previu se esta informação deve ser fornecida por escrito, oralmente ou na página eletrónica da concessionária.

136. A inobservância daquela obrigação constitui apenas uma infração administrativa considerada leve, sancionada com coima de €250,00 a €2000,00.

137. Dever-se-ia prever disposição normativa idêntica na Lei do Jogo por forma a abarcar também os casinos onde, naturalmente, para além das salas do bingo existem outras salas de jogos. Esclarecendo-se, claro está, as diversas formas pelas quais a informação deve ser difundida.

138. O GRUPO ESTORIL SOL (concessionário de três casinos) e a SOLVERDE (concessionária de cinco) já dispõem de folhetos informativos nos respectivos casinos e, embora pareça que pode haver melhorias na distribuição e visibilidade destes panfletos, conforme se pode constatar em visitas informais aos casinos explorados por aqueles concessionários, não é retirado, de todo, o mérito da iniciativa.

139. Contudo, neste folheto não se presta qualquer informação sobre as entidades que garantem apoio e acolhimento terapêuticos e sobre os seus contatos.

140. Poderia, por isso, ser o legislador a determinar a obrigatoriedade de distribuição deste tipo de folhetos, bem como o conteúdo mínimo que devem conter, independentemente dos concessionários poderem, individual ou concertadamente, facultar desde já essa mesma informação.

141. Também seria importante a divulgação do requerimento de auto-proibição, bem como dos sintomas e meios de tratamento do jogador patológico, na página eletrónica do SERVIÇO DE INSPEÇÃO DE JOGOS, do SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) e mesmo na página dos concessionários do jogo.

142. Nestas páginas eletrónicas podem ainda ser incluídos os auto-testes existentes, já reconhecidos internacionalmente, para que as pessoas possam avaliar o seu problema.

143. Na Bélgica, por exemplo, na página electrónica da Lotaria Nacional, qualquer pessoa pode fazer um auto-teste e obter conselhos e informações sobre as consequências e características da doença, bem como sobre os centros de tratamento disponíveis.

144. O GRUPO ESTORIL-SOL, bem como a SOLVERDE, já dispõem de alguma informação, na página eletrónica dos casinos que exploram quanto a certos sinais de alerta para identificação do vício do jogo mas que poderia ser desenvolvida incluindo-se nomeadamente os grupos e linhas de apoio existentes.

145. A disponibilidade generalizada desta informação na internet, complementada com informação quanto aos meios de diagnóstico e de tratamento disponíveis, nomeadamente linhas telefónicas e de grupos de apoio, bem como de centros de tratamento especializados, aumentaria as probabilidades da sua divulgação, a custo zero.

146. Veja-se, na sociedade civil, as estruturas solidárias que já prestam apoio nesta área como sejam os grupos de jogadores anónimos http://www.janonimos.org/ a funcionar em Carcavelos, Paredes, Lisboa e Porto e a página eletrónica http://www.jogoresponsavel.pt/ que, em conjugação com o Instituto de Apoio ao Jogador, disporá de uma linha de apoio.

147. Reputados especialistas nesta área entendem, aliás, que os grupos de interajuda serão essenciais para um processo de cura contínuo e duradouro, com a vantagem de não ser necessário pagar taxas de admissão nem quotas.

148. A própria linha de apoio ao toxicodependente e correspondente correio eletrónico – Linha Vida SOS Droga – poderia prestar apoio aos jogadores patológicos desde que os técnicos tivessem também formação neste tipo de dependência.

149. Importaria ainda fomentar as sinergias decorrentes da existência de vários centros de tratamento privados, ao menos, através da informação concedida aos utentes, criando-se a referenciação da assistência disponível.

150. Mostra-se importante aconselhar as pessoas a procurarem auxílio médico, no próprio requerimento de auto-proibição de acesso aos casinos, aí facultando informação sobre os recursos existentes na sociedade civil e sobre a possibilidade de recorrer ao médico de família.

151. A este nível deveria ser definido um protocolo médico para que os profissionais de saúde pudessem encaminhar quem procura ajuda médica.

152. Segundo os estudiosos, só através de processos terapêuticos é possível promover a recuperação do doente. Com efeito, não basta que a pessoa reconheça o seu problema e solicite a auto-proibição, é necessário também que se disponha a tratá-lo por forma a evitar as reincidências.

153. É certo que também não é o momento para se criarem estruturas administrativas novas, em fase de atual contenção orçamental, mas seria conveniente que o sistema nacional de saúde e a comunidade médica vissem definidas e clarificadas as estratégias para melhor abordar o problema, dentro dos recursos existentes, como seja o SICAD.

154. A ampliação do objeto de trabalho do SICAD, por contraposição com o extinto Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 17/2012, de 26 de janeiro, aparentemente, para abranger tipos de dependências sem substância, como o jogo. Compete-lhe, nomeadamente, definir normas, metodologias e requisitos para planear programas de prevenção, de minimização dos danos e de intervenção no âmbito dos comportamentos aditivos através de uma rede de referencia&cce