Número: 6/A/2009
Data: 01-06-2009
Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova
Assunto:    oposição – indeferimento – informação prévia – operação de loteamento – plano florestal
Processo: R-5392/08 (A1)


RECOMENDAÇÃO N.º 6/A/2009
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]

I

exposição de motivos

§ 1.º
1.    Em reclamação que me foi dirigida, contestou-se o sentido desfavorável de uma informação prévia respeitante a uma operação de loteamento projectada, com fundamento na aplicação conjugada do artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 124/06, de 28 de Junho, e do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (adiante, PMDFCI) do Concelho de Condeixa-a-Nova.

2.    Pedidas explicações à Senhora Chefe da Divisão de Planeamento e Urbanismo, veio V. Ex.a transmitir a este órgão do Estado o teor da informação notificada, no âmbito do processo n.º 05/2007/7, ao requerente.

3.    Analisado o seu teor, verifico que a Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova mantém o entendimento sufragado a respeito da oponibilidade do PMDFCI aos pedidos de particulares, respaldando-se na posição assumida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR-Centro) em dois pareceres (n.º 191, de 01.09.2006, e n.º 243, de 28.11.2006).

§ 2.º

4.    Compulsados os pareceres da CCDR-Centro, verifica-se ser sustentado que os PMDFCI não revestem a natureza de instrumentos de gestão territorial – desde logo, para efeitos do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de Fevereiro.

5.    Segue o raciocínio expendido pela CCDR-Centro – e sufragado por V. Ex.a – no sentido da oponibilidade directa e imediata dos PMDFCI aos particulares, visto que a sua exclusão do elenco taxativo definido pelo RJIGT isentaria os planos florestais da sujeição ao disposto no artigo 3.º deste diploma.

6.    Em suma, avança-se que, não havendo o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho – entretanto alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de Janeiro – evidenciado explicitamente a natureza jurídica dos PMDFCI, estes planos municipais existiriam à margem do quadro gizado, pelo legislador ordinário, em desenvolvimento da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território – LBPOTU), aprovada ao abrigo do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea z), da Constituição.

7.    Eis por que os PMDFCI vinculariam directa e imediatamente os particulares, não carecendo de transposição para os planos municipais de ordenamento do território: a sua criação pelo Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, viera criar um tipo de plano alheio ao sistema de instrumentos de gestão territorial detalhadamente regulado pelo RJIGT, que não lhes seria aplicável.


§ 3.º

8.    Sintetizada a interpretação implícita na deliberação do órgão autárquico a que V. Ex.a superiormente preside, cumpre analisar a natureza jurídica dos planos municipais em apreço.

9.    Em primeiro lugar, o artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, esclarece, desde a sua versão original, que «[o]s planos municipais de defesa da floresta contra incêndios (…) contêm as acções necessárias à defesa da floresta contra incêndios e, para além das acções de prevenção, incluem a previsão e a programação integrada das diferentes entidades envolvidas perante a eventual ocorrência de incêndios».

10.    Trata-se, como não pode deixar de concluir-se, de instrumentos de planeamento de nível municipal, com a particularidade de se destinarem à defesa da floresta contra o risco de incêndio.

11.    Concretizada a aprovação dos PMDFCI, prevê o artigo 10.º, n.º 5, do diploma legal supramencionado que a cartografia da rede regional de defesa da floresta contra incêndios e de risco de incêndio seja delimitada e regulamentada nos planos municipais de ordenamento do território. Isto, por terem os PMDFCI sido concebidos como um instrumento executivo orientado para assegurar a programação operacional, de acordo com as orientações e prioridades distritais e locais (vide artigo 7.º, n.º 4, do diploma em apreço).

12.    Os planos municipais de ordenamento do território, exaustivamente regulados pelos artigos 69.º e seguintes do RJIGT, devem reflectir, conforme evidenciei anteriormente, parte substancial dos PMDFCI. E não só. Devem regulamentar a cartografia da rede regional de defesa da floresta contra incêndios e de risco de incêndio. Outra solução redundaria em ineficácia, pois os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor (cf. artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do RJIGT) vinculam directa e imediatamente os particulares, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 2, do RJIGT.

13.    Ou seja, as especificações dos PMDFCI destinam-se a fixar os parâmetros que deverão orientar as entidades públicas e privadas a quem compete executar as políticas de defesa da floresta contra incêndios e, particularmente, os índices, de eficácia diferida, que os órgãos autárquicos deverão transpor e regulamentar nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (maxime, os planos directores municipais), a fim de dar execução ao disposto nos artigos 10.º, n.º 5, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho.

14.    Entre os instrumentos de gestão territorial directa e imediatamente vinculativos dos particulares contam-se, nomeadamente, os planos da responsabilidade dos municípios, os quais devem, sob pena de omissão ilegal, reflectir determinados elementos dos PMDFCI.

15.    Concluo, pelos motivos que acabo de evidenciar, que os PMDFCI se referem a aspectos essenciais da gestão do território, impondo, nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, condicionalismos à edificação que colidem frontalmente com a função e o objecto de instrumentos de gestão territorial válidos, eficazes e conformes ao RJIGT.

16.    Atendendo ao propósito da minha intervenção junto do órgão autárquico a que V. Ex.a preside, abster-me-ei de tecer considerações sobre a conformidade do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de Janeiro, com o sistema instituído pela LBPOTU, em conjugação com o RJIGT, embora se me afigure evidente que o cumprimento destes diplomas estruturantes resulta gravemente comprometido.

17.    Não se trata, apenas, da violação da taxatividade (cf. artigo 34.º da LBPOTU e artigo 154.º do RJIGT) que o legislador quis instituir nesta sede, reforçando a certeza e a segurança jurídicas e o rigor sistemático impostos pela diversidade e relevância dos interesses em confronto.

18.    Na verdade, a oponibilidade de condicionalismos urbanísticos ausentes dos planos especiais, dos planos directores municipais, dos planos de urbanização e dos planos de pormenor (isto é, dos instrumentos de gestão territorial previstos no artigo 3.º, n.º 2 do RJIGT) produz a subversão dos princípios que norteiam a LBPOTU e o RJIGT, na medida em que se pretende levar a cabo a alteração (lato sensu) daqueles planos sem observar o procedimento instituído para esse efeito (vide artigos 93.º e seguintes do RJIGT).

19.    Em suma, os planos municipais de defesa da floresta contra incêndios não se prestam à interpretação confessada por V. Ex.a, na medida em que o regime de uso e os parâmetros de aproveitamento do solo se encontram, ao nível local, sob reserva dos planos municipais de ordenamento do território. Os PMDFCI constituem, porém, repositórios de standards urbanísticos que se dirigem às entidades envolvidas na execução das políticas de defesa da floresta, devendo ser vertidos para os instrumentos de gestão territorial pertinentes, sob pena de ineficácia perante os particulares.


§ 4.º

20.    Esclarecida a natureza jurídica dos PMDFCI, pondero dever ser considerada a sua relação com o Plano Director Municipal de Condeixa-a-Nova, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/94, de 25 de Fevereiro, visto que este instrumento de gestão territorial qualifica o prédio do queixoso como solo urbano ou urbanizável.

21.    Aceitando-se a oponibilidade do PMDFCI aos particulares, sem necessidade de alteração ou revisão dos planos municipais de ordenamento do território, a referida qualificação perderia efeito, considerando-se tacitamente substituída pela carta de risco de incêndio pertinente, com as consequências estatuídas no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho – o que não me parece legítimo, face às exigências de segurança jurídica e aos interesses em presença.

22.    A essa conclusão não é, de todo, alheia a circunstância de os PMDFCI serem, por natureza, desprovidos de eficácia intrínseca, porque alheios a exigências de publicidade. Outra solução não poderia ser aceite, face ao artigo 119.º, n.º 2, da Constituição. Tratando-se de uma forma de planeamento destinada a enunciar acções necessárias à defesa da floresta contra incêndios, a figura do PMDFCI deve ser reconduzida à previsão da referida disposição constitucional, na parte em que se refere a «qualquer acto de conteúdo genérico (…) do poder local».

23.    A falta de publicação dos PMDFCI determina inexoravelmente a sua ineficácia contra os particulares titulares de direitos e interesses legalmente protegidos,  restringindo o seu campo de aplicação às entidades directamente envolvidas na sua elaboração e execução. Nem se poderia entender coisa diversa, por força das exigências constitucionais de cognoscibilidade e de protecção da confiança.

24.    Perde, pois, todo o interesse prático a discussão em torno da vinculatividade das prescrições dos PMDFCI e do motivo pelo qual o legislador não previu a sua publicação; o legislador ordinário não poderia pretender derrogar o artigo 119.º, n.º 2, da Constituição, assim como o não podem desejar os municípios.

25.    Omisso a respeito da publicação dos PMDFCI, o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho – tanto na sua redacção original como na que resultou do Decreto-
-Lei n.º 17/2009, de 14 de Janeiro – determinou a transposição desses planos (rectius, de parte do seu conteúdo) para os instrumentos de gestão territorial directa e imediatamente vinculativos dos particulares. Essa tarefa cometida aos municípios não configura uma mera formalidade, mas, isso sim, pelas razões que acabo de enunciar, um requisito imprescindível para a oponibilidade dos PMDFCI a pretensões edificatórias concretas.


§ 5.º

26.    Acresce que, não obstante a importância da eficácia da prevenção e controlo dos incêndios florestais e, bem assim, a multidisciplinariedade das comissões municipais (cf. artigo 3.º-D do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho), não pode desconsiderar-se o valor inestimável da participação directa dos cidadãos na definição de parâmetros com incidência territorial – o que seria justamente assegurado pela observância das normas legais que regem a alteração dos instrumentos de gestão territorial, a que se parece querer subtrair os PMDFCI.

27.    Refiro-me, designadamente, ao artigo 77.º do RJIGT, que deve ser interpretado à luz do artigo 65.º, n.º 5, da Constituição, enquanto manifestação do princípio democrático, consagrado no artigo 2.º da Lei Fundamental.



II
conclusões

1.    Os planos municipais de defesa da floresta contra incêndios não se enquadram no elenco fechado de instrumentos de gestão territorial criado pela Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo e desenvolvido pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, embora a instituição de condicionalismos à edificação não possa ocorrer à margem destes diplomas.

2.    A cartografia da rede regional de defesa da floresta contra incêndios e de risco de incêndio, constante dos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios, deve ser delimitada e regulamentada nos planos municipais de ordenamento do território, sob pena de omissão ilegal, por violação dos artigos 10.º, n.º 5, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, na sua redacção actual.

3.    A referida obrigação de transposição do conteúdo dos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios evidencia a sua função instrumental, visto que apenas através da adaptação dos instrumentos de gestão territorial directa e imediatamente vinculativos dos particulares se pode condicionar as pretensões edificatórias concretamente apresentadas. Essa adaptação, porém, obedece ao procedimento exaustivamente regulado pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.

4.    Encontrando-se devidamente ratificado e publicado o Plano Director Municipal de Condeixa-a-Nova, não pode aceitar-se que o regime de uso e os parâmetros de aproveitamento do solo estabelecidos por esse instrumento de planeamento sejam modificados por um plano alheio a quaisquer exigências de publicidade, sem o que não se encontram garantidas a cognoscibilidade e a segurança jurídica constitucionalmente exigíveis em sede de gestão territorial.

5.    A dinâmica dos planos municipais de ordenamento do território rege-se, entre outros aspectos nucleares, pelo princípio da participação democrática, que não se encontra salvaguardado perante a alteração implícita dos instrumentos de gestão territorial válidos e eficazes.

Assim, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente apresentadas, recomendo à câmara municipal presidida por V. Ex.a que se digne:

A)    prover para que seja dado cumprimento aos artigos 10.º, n.º 5, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho, na sua redacção actual; e
B)    determinar a revisão oficiosa do processo n.º 05/2007/7, tomando em consideração a eficácia restrita dos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios.

Dignar-se-á V. Ex.a comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.

O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues