Número: 3/A/2009
Data: 20-03-2009
Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Fafe
Assunto: qualificação – direcção técnica de obras
Processo: R-358/07 (A1)


RECOMENDAÇÃO N.º 3/A/2009
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]

I
exposição de motivos

§ 1.º

1.    Em queixa que me foi dirigida, reclama-se do entendimento dispensado pelos serviços de urbanismo relativamente às exigências de qualificação dos técnicos que se proponham assumir a direcção técnica de obras de construção civil.

2.    Segundo é reclamado, os serviços municipais recusam a direcção técnica de obras por arquitectos, opondo a falta de habilitação dos mesmos.

3.    O processo administrativo n.º 88/PC/06 não apresentará registo da questão reclamada, porquanto o entendimento sustentado terá sido transmitido apenas informalmente ao queixoso, tendo este providenciado por que a direcção técnica de obras fosse assumida por um engenheiro.

4.    Verifiquei ainda, nas averiguações empreendidas, que os serviços do órgão municipal a que V. Ex.a superiormente preside louvam-se no Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho. No entanto, em momento algum se objectou a que, por força do artigo 5.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, a direcção técnica de obras que envolvam estruturas de betão armado ou de betão pré-esforçado deva ser assegurada em conformidade com esse diploma – o qual deve ser conjugado com o Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, cujo artigo 4.º reconhece aos arquitectos competência para elaborar projectos de estruturas simples, de fácil dimensionamento e de execução corrente.

5.    No entanto, não vejo motivo para chamar à colação o Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho, na medida em que, até à presente data, não foi demonstrado que o projecto em questão tivesse implicações ao nível de estruturas que se encontrassem à margem da competência dos arquitectos. Faço notar que se tratava de obras de alteração no interior de uma fracção autónoma, de modo a adaptá-la a uma nova utilização (consultório dentário).

6.    Em suma, o reclamante alega que, no âmbito do processo indicado supra, lhe foi negada a inscrição como director técnico da obra, em virtude da sua condição de arquitecto, apesar de se tratar de operação urbanística sem implicações ao nível da estrutura do edifício (e que não utilizava betão armado nem pré-esforçado).

§ 2.º

7.    O Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, regula a qualificação oficial a exigir aos técnicos responsáveis pelos projectos de operações urbanísticas sujeitas a licenciamento municipal (vide o prêambulo daquele diploma), e não aos técnicos responsáveis pela direcção de obras, pelo que não existe disposição normativa que associe genericamente a qualificação para ambas as funções; a articulação criada, a propósito de estruturas de betão armado ou de betão pré-esforçado, entre a qualificação para elaborar projectos e a qualificação para assumir a direcção técnica da obra, não se transmite à generalidade dos casos.

8.    Em síntese, concluo que os serviços de urbanismo da Câmara Municipal de Fafe atribuem ao Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, uma função que aquele não tem nem pretende exercer, num esforço de interpretação extensiva que parece configurar uma aplicação praeter legem da lei pela Administração.

9.    Esta ideia é reforçada pela análise dos antecedentes normativos neste domínio: o  artigo 26.º, n.º 4, do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (actualmente revogado) previa que «[o] requerimento previsto no n.º 1 [emissão de licença e respectivo alvará] é acompanhado de declaração do técnico responsável pela direcção técnica da obra, desde que este possua formação e habilitação legal para assinar projectos (…).».

10.    Perante essa disposição legal, havia que recorrer ao Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, de maneira a determinar as exigências que se colocavam aos técnicos responsáveis pela direcção de obras. O Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, porém, veio a ser revogado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), diploma este que não consagra qualquer norma no sentido do artigo supracitado, sendo omisso quanto à matéria em apreço.

11.    Não pode, por isso, argumentar-se com o disposto no Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, contra o direito, que legitimamente assiste aos arquitectos, de assumir a direcção de obras de construção civil, uma vez que o referido diploma apenas estabelece a qualificação exigida aos técnicos responsáveis pelos projectos; não se encontra, hoje, entre as disposições legais e regulamentares em vigor, norma alguma que identifique sequer, de forma genérica, os técnicos habilitados para se encarregarem da direcção de obras de construção civil.

12.    Acresce que o Estatuto da Ordem dos Arquitectos, aprovado sob forma de lei (Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho), no exercício de autorização legislativa conferida ao Governo (ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1, al. s), da Constituição da República Portuguesa) estabelece, no artigo 42.º, n.º 3 que «[o]s actos próprios da profissão de arquitecto consubstanciam-se em estudos, projectos, planos e actividades de consultadoria, gestão e direcção de obras, planificação, coordenação e avaliação, reportadas ao domínio da arquitectura (…).» (sublinhado meu).

13.    Com efeito, à omissão presente no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, soma-se a previsão expressa constante do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, através do qual, o legislador entendeu conveniente qualificar a direcção de obras como um acto próprio da profissão de arquitecto (facto que, estou certo, merecerá a devida atenção por parte desse órgão municipal).

14.    Por último, importa sublinhar que a recente entrada em vigor da Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que alterou o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, não acarreta consequências nesta sede, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 6, do respectivo diploma preambular. Ali se estipula que, em matéria de qualificações quer do director técnico quer do coordenado dos projectos se continuará a aplicar o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação na sua anterior versão.

II
conclusões
1.    O queixoso reitera que os serviços municipais de urbanismo não permitem a direcção técnica de obras por arquitectos, obrigando estes profissionais a recorrer a expedientes diversos para salvaguardar o interesse dos donos de obra, nomeadamente, procurando assegurar a assunção da direcção por engenheiros.

2.    No decurso da instrução do processo organizado por este órgão do Estado, não foi demonstrada a relevância do Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho, para a pretensão urbanística apreciada no âmbito do processo n.º 88/PC/06, sem o que se presume, em conformidade com o teor da queixa, que a operação urbanística submetida a controlo prévio (relativa a obras de alteração de uma fracção destinada a consultório dentário) não se relacionava com estruturas de betão reservadas às especialidades de engenharia.

3.    O Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Arquitectos, reconheceu a habilitação destes profissionais para dirigir obras de construção civil, em face do que se revestem de natureza especial as disposições que excluem essa possibilidade, designadamente, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho (perante o qual o artigo 4.º do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, assume natureza excepcional).

4.    Atendendo a que o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, não regula a qualificação exigível para a direcção técnica de obras – ao contrário do que sucedia na vigência do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de Novembro – deve aplicar-se o disposto no Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, conjugado com o Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, e com as restantes normas em vigor, até à alteração do regime que estabelece a qualificação dos técnicos responsáveis por operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio e ou fiscalização municipal.

Assim, nos termos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente apresentadas, recomendo à câmara municipal presidida por V. Ex.a que se digne instruir os serviços autárquicos competentes no sentido de ser admitida a assunção da direcção técnica de obras, excepto naqueles casos em que essa possibilidade é expressamente aplicável por norma especial, como sucede, nomeadamente, a respeito do Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho, sempre que a estrutura em questão não se enquadre na previsão do artigo 4.º do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro.

Dignar-se-á V. Ex.a comunicar-me, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, em conformidade com o disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), a sequência que a presente Recomendação vier a merecer, tendo presente que o dever estabelecido pela norma legal supracitada não depende da colaboração de outras entidades administrativas, nomeadamente, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente.

O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues