RECOMENDAÇÃO N.º 5/B/2008
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Ministro dos Assuntos Parlamentares
Proc.º: R-5737/06
Área: A6
Data: 02-06-2008





Assunto: Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho. Taxa de regulação e supervisão.



1. A questão do financiamento da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), criada pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, e muito concretamente os moldes em que se encontra prevista, no Regime de Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, a denominada taxa de regulação e supervisão, tem sido objecto de contestação pública, designadamente por parte de algumas das entidades que, nos termos legais, estão sujeitas ao respectivo pagamento. Ao Provedor de Justiça chegaram também, como acontece naturalmente nestas situações, manifestações dessa contestação.



Analisado o conjunto de questões que me foi colocado, entendi como oportuno o momento – atento o disposto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 103/2006, onde, sob a epígrafe “avaliação intercalar”, se determina que “passados dois anos da entrada em vigor do presente decreto-lei, o Governo aprecia a necessidade de rever o Regime de Taxas aprovado em anexo, em função de alterações entretanto ocorridas, designadamente, quanto ao número de operadores, ao volume de trabalho desenvolvido pela ERC (…), à diversificação de meios de difusão de conteúdos de comunicação social e à evolução das fontes de financiamento e à complexidade técnica da actividade reguladora” – para transmitir a Vossa Excelência as preocupações que a matéria me suscita, na forma de contributo para essa reflexão a que o Governo se comprometeu à data da aprovação daquele regime.



2. Assim, resultando a criação de uma entidade administrativa independente reguladora da comunicação social de imposição expressa da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos que decorrem do respectivo art.º 39.º, a conformação concreta dessa entidade, incluindo o respectivo modelo de financiamento, são remetidos, pelo legislador constituinte, para a lei ordinária, sendo actualmente definidos pelas disposições conjugadas da Lei n.º 53/2005 e Estatutos pela mesma aprovados, pelo Decreto-Lei n.º 103/2006 e respectivo Regime de Taxas, e pela Portaria n.º 136/2007, de 29 de Janeiro.



Não obstante o enquadramento legal da ERC, e concretamente o modelo de financiamento que lhe está associado, estarem constitucionalmente remetidos para o domínio de livre conformação do legislador ordinário, a verdade é que o regime legal da ERC não poderá deixar de constituir um instrumento para a prossecução daqueles que foram os objectivos que presidiram à concepção, pelo legislador constituinte, de uma entidade deste tipo, expressos, em termos genéricos, nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 39.º da CRP (1).



Tais objectivos encontram tradução na natureza jurídica da ERC expressamente afirmada pela legislação constitucional e infra-constitucional que a enquadra: a ERC é uma entidade administrativa independente, não sujeita a quaisquer orientações ou directrizes por parte do poder político, sendo os membros do respectivo Conselho Regulador designados pela Assembleia da República e por cooptação daqueles, e necessitando a lei que define a sua composição, competência, organização e funcionamento de ser aprovada por uma maioria qualificada.



O referido estatuto de independência tem também naturais reflexos ao nível da gestão financeira da entidade, tendo o legislador dotado a ERC de autonomia financeira e de património próprio. Para o efeito, previu o legislador um leque de receitas, elencadas no art.º 50.º dos respectivos Estatutos, tendo em vista assegurar o exercício, com efectiva independência, pela entidade em causa, das funções que lhe estão atribuídas constitucionalmente.



No rol das referidas receitas encontram-se as verbas provenientes de três categorias de taxas, a saber, a taxa de regulação e supervisão, a taxa por serviços prestados, e a taxa por emissão de títulos habilitadores (cf. art.º 50.º, alíneas a) a c), dos Estatutos da ERC, e art.ºs 3.º e segs. do Regime de Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006).



Deixando de lado a taxa por serviços prestados e a taxa por emissão de títulos habilitadores, em relação às quais não me foram suscitadas objecções, centremo-nos no regime legal da denominada taxa de regulação e supervisão, que, aliás, constitui o objecto nuclear de contestação por parte das entidades sujeitas ao âmbito de intervenção da ERC.



A qualificação jurídica do tributo reconduzido à denominada taxa de regulação e supervisão da ERC terá interesse para se aferir da constitucionalidade do conjunto de normas que enquadram a sua criação, face designadamente aos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição. De acordo com estes normativos constitucionais, a criação de impostos – ou, nos termos mais à frente explicitados, de outras figuras tributárias que devam, em termos jurídico-constitucionais, ser tratadas como impostos –, bem como a definição dos seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos sujeitos passivos) são matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo os mesmos ser estabelecidos por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo por aquela autorizado.



3. Como é sabido, a doutrina e a jurisprudência recentes têm afastado este tipo tributário da qualificação de taxa, em alguns casos aproximando-o da figura das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, a que se refere designadamente o art.º 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, que estabelece uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República quanto à “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.



A propósito deste preceito constitucional (embora no âmbito da anotação ao art.º 103.º da CRP), afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2) o seguinte:




“A mesma norma constitucional também menciona, inovadoramente, a par dos impostos e das taxas, outras “contribuições financeiras a favor das entidades públicas”. Com esta referência – que claramente aponta para uma terceira categoria tributária, ao lado dos impostos e das taxas stricto sensu –, a Constituição parece ter dado guarida ao controverso conceito de parafiscalidade, que comporta certas figuras híbridas, que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por certa instituição pública, ou dotada de poderes públicos, a um certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades, que beneficiam colectivamente da actividade daquela). É nesta categoria que entram tradicionalmente as contribuições para a segurança social, as quotas das ordens profissionais e outros organismos públicos de autodisciplina profissional, as “taxas” dos organismos reguladores, etc.” (sublinhado meu).


Também J. J. Gomes Canotilho, em parecer a que tive acesso, se pronuncia, a propósito dos instrumentos de financiamento das entidades reguladoras, desta forma:




“O que se questiona é a possibilidade ou não de alargar este critério da bilateralidade [das taxas] a contraprestações que não sendo individualizáveis são “imputáveis” e “repartíveis” pelo grupo dos destinatários da actividade pública. É no fundo esta a problemática suscitada pelas “taxas de supervisão” ou “taxas de gestão” exigidas pelas entidades reguladoras aos regulados que operam no mercado. Trata-se de saber se aquelas entidades podem ou não, de acordo com a Constituição, repercutir sobre os regulados os custos da actividade reguladora, uma vez que, por um lado, a actividade reguladora resulta da indispensabilidade de dar satisfação às necessidades geradas pela introdução recente de regimes de mercado em vários sectores antes vedados à actividade privada e, por outro, os regulados acabam por ser os beneficiários directos e imediatos da regulação. Sublinhe-se que o que está aqui em apreço são os tributos que visam financiar os custos gerais da actividade reguladora e não os tributos devidos como contraprestação de actos ou serviços concretos prestados individualmente aos regulados (ex. emissão de licenças, autorizações ou realização de exames e vistorias). Neste último caso, tratar-se-á indubitavelmente de uma taxa, devida como correspectivo de um serviço individualizado.
(…)
O que o legislador e a Administração reguladora pretendem com a criação das “taxas” que visam financiar as entidades reguladoras independentes é precisamente fazer incidir sobre os regulados (principais beneficiados com a regulação) os custos dessa actividade. Vale por dizer que todas essas taxas são afinal “contribuições especiais” (…)”.


A identificação, designadamente pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, do tratamento jurídico-constitucional a conferir a figuras tributárias com determinadas características específicas, como o serão, por exemplo, as denominadas taxas de regulação, tem sido feita através de um método que parte do recorte da figura da taxa, normalmente por confronto com as características próprias do imposto, para se concluir pela exclusão das referidas figuras do regime jurídico-constitucional das taxas e pela sua consequente inclusão, nos termos mais à frente explicitados, no regime jurídico-constitucional dos impostos, designadamente sujeitando-as à aplicação do princípio da legalidade tributária (3).



No seu Acórdão n.º 68/2007 (4), o Tribunal Constitucional faz, com grande utilidade, uma resenha da doutrina e da jurisprudência daquele Tribunal sobre a matéria. Aí pode ler-se, apelando-se à fundamentação de vários arestos anteriores àquele:




“Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a distinção entre imposto e taxa (…). Para extremar a noção de ‘imposto’ constitucionalmente relevante da de ‘taxa’, o Tribunal tem-se socorrido essencialmente de um critério que pode qualificar-se como ‘estrutural’, porque assente na ‘unilateralidade’ dos impostos (…), admitindo ainda, porém, como factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a ‘razão de ser ou objectivo das receitas em causa’, quer para recusar a certas receitas o carácter de imposto, quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa de uma dada prestação pecuniária coactiva (…).
(…)
Tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime da doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e necessariamente, verificar-se, para que determinado tributo se possa qualificar como uma ‘taxa’, qual seja o da sua ‘bilateralidade’: traduz-se esta no facto de ao seu pagamento corresponder uma certa ‘contraprestação’ específica, por parte do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um ‘imposto’ (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, pelo menos, ser tratada como tal). (…) Se se não divisarem características de onde decorra a ‘bilateralidade’ da imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como ‘taxa’”. (5)


4. Concretamente a taxa de regulação e supervisão da ERC, aqui em discussão, foi também já objecto de análise, na perspectiva em causa, por parte da doutrina e da jurisprudência.



Assim, em parecer sobre o assunto de que tive igualmente conhecimento, e concluindo no sentido de que a taxa em causa está sujeita ao princípio da legalidade fiscal decorrente dos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, argumenta José Casalta Nabais da forma que segue:




“A “taxa de regulação e supervisão” não responde cabalmente ao teste da bilateralidade, pois a sua instituição não se deve à necessidade de dar resposta a uma necessidade gerada directa ou indirectamente pelos operadores do sector, mas antes à satisfação de interesses gerais. (…) Com efeito, o legislador prevê como fundamento da taxa os “custos específicos incorridos pela ERC” no exercício da sua actividade de regulação e supervisão, sem concretizar devidamente o conteúdo da expressão. (…) A circunstância de resultar do próprio diploma o valor das taxas a pagar por cada operador é indício de que os custos específicos não dependem da actividade que a ERC efectivamente venha a prestar a cada operador. Pois não se identificam os custos especiais ocasionados à entidade reguladora, para além do “custo zero do serviço”. (…) Também não poderemos reconduzir a bilateralidade da taxa ao critério dos custos imputáveis como juízo subsidiário de determinação do valor a exigir. É que o legislador afasta expressamente essa possibilidade, definindo essa taxa como a distribuição pelos regulados de encargos especiais de regulação segundo critérios do volume de trabalho, complexidade técnica, características técnicas do meio utilizado, alcance geográfico e impacte da actividade dos regulados.
(…)
A referida taxa também não responde adequadamente ao teste da proporcionalidade, pois fica a ideia de que o critério da proporcionalidade pretendido pelo legislador corresponde, afinal, a uma forma de agravar a tributação das entidades que revelam maior capacidade contributiva.
(…)
Em suma, o tributo designado por taxa de regulação e supervisão não responde cabalmente aos testes da bilateralidade e da proporcionalidade, devendo ser reconduzido à categoria dos tributos unilaterais e ao regime jurídico-constitucional dos impostos”.


No mesmo sentido vai uma sentença recente, de 9 de Janeiro p.p. (processo de impugnação n.º 1233/06), do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou inconstitucionais as normas relativas à taxa de regulação da ERC por violação do disposto nos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP:




“É hoje em dia pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência mais abalizada que a circunstância do legislador ter qualificado determinada figura jurídica como taxa não é relevante, devendo antes verificar se substancialmente ele se reconduz a essa figura, se se trata de um imposto, ou como defendem certos autores como um “tertius genus”. Ora, dificilmente se poderá considerar o tributo em causa como uma taxa atenta a falta de uma contrapartida específica e individualizada em relação ao seu sujeito passivo e em concreto, na pessoa do respectivo operador da área da comunicação social sua beneficiária. Efectivamente, aquela não tem por fundamento a prestação concreta de um serviço público, antes visa assegurar os interesses públicos postos a seu cargo pelo Estado, não se concretizando numa utilização individualizada pelo sujeito passivo de bens públicos ou semi-públicos, com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo – cfr. art.ºs 7.º e 8.º dos Estatutos da ERC. A questão então põe-se na possibilidade, ainda assim, de considerar as mesmas como uma contribuição financeira a favor de entidade pública genericamente admitida pelo art.º 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP. – Cfr. nesse sentido parecer do Prof. Gomes Canotilho junto aos autos (…). Não descurando essa possibilidade legal, o que releva nessa sede é, no entender deste tribunal, o de saber se, ainda assim, estará a mesma estritamente subordinada ao princípio da legalidade fiscal (no sentido da exigência de lei em sentido formal), ou ao invés, só se encontra sujeita àquela reserva da lei quanto ao seu regime geral – cfr. referida alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP.
(…)
Pode afirmar-se que, embora prevista na Lei-Quadro que criou a ERC (cfr. art.º 51.º da Lei n.º 53/05, de 08.11.), as taxas a cobrar junto das entidades que prosseguem actividades sujeitas à supervisão e intervenção do conselho regulador definidas no art.º 6.º do respectivo estatuto e nas matérias que não se traduzam em taxas específicas por serviços prestados ou por emissão de títulos habilitadores, igualmente previstos naquela lei-quadro, ainda que se refiram a uma contribuição financeira em favor de outras entidades públicas, se hão-de submeter àquele princípio de reserva de competência parlamentar quanto à determinação da sua taxa e da sua incidência, bem como dos respectivos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes (…). Em conclusão pode-se afirmar que também nas assim designadas receitas parafiscais se impõe o princípio da legalidade tributária em termos idênticos aos dos impostos, atento para mais à primazia, em matéria tributária, do princípio constitucional da segurança jurídica (…), o que não obsta a que tais contribuições se venham a enquadrar num regime geral, cuja definição legal cabe à Assembleia da República (…). E enquanto não forem objecto de regulação nos termos aí previstos (…) não é legítimo a sua determinação e incidência, fora dos quadros específicos aplicáveis aos impostos (…)”
.


Na esteira deste entendimento surge também J. J. Gomes Canotilho, no parecer acima referido, no qual defende que a ausência, até ao momento, de um regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas que, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da Constituição integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, faz com que um tributo desta natureza que não possa ser reconduzido ao conceito de taxa, constituindo antes uma contribuição especial com natureza unilateral ou contributiva, deva ser criado nos moldes constitucionais previstos para os impostos, isto é, com obediência ao princípio da legalidade fiscal.



Adianta o autor naquele parecer:




“Entendemos que poderá admitir-se a conformidade constitucional das normas que instituem estes tributos, mesmo na ausência da lei da Assembleia da República, nos casos em que, em concreto, os mesmos possam ser reconduzidos ao regime jurídico das taxas. Referimo-nos à possibilidade de recortar, na relação jurídico-tributária em causa, uma “bilateralidade concretizável”, isto é, demonstrar a natureza retributiva do tributo suportado pelo sujeito passivo, através da verificação em concreto de uma relação de equivalência entre o valor pago e a contraprestação recebida. Referimo-nos, claro está, a situações em que a liquidação do tributo assente em regras que permitam diferenciar o montante a pagar por cada regulado, quer com base num critério de benefício auferido, quer, subsidiariamente, num critério de maior despesa provocada”.


5. No caso da ERC, é o legislador que assumidamente qualifica o tributo em causa como taxa de regulação, desta forma incluindo-a no tipo tributário objecto das preocupações da doutrina e jurisprudência acima assinaladas.



De facto, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, do Regime de Taxas da ERC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, a taxa de regulação e supervisão visa remunerar os custos específicos incorridos pela ERC no exercício da sua actividade de regulação e supervisão contínua e prudencial. De acordo com o preâmbulo do diploma, “a taxa de regulação e supervisão visa remunerar os custos específicos incorridos pela actividade da ERC (…). (…) Esta actividade implica um diferente dispêndio de tempo no desenvolvimento da actividade permanente de regulação e supervisão (…). Desta forma, para que ocorra uma correcta redistribuição dos custos efectivamente incorridos na realização desta actividade pelas diversas entidades (…), criou-se um sistema de categorias que distingue diversas intensidades da função regulatória requerida (…)”.



A regulação do sector, neste caso da comunicação social, dá resposta a verdadeiros interesses colectivos, gerando benefícios não apenas para os operadores, isto é, para as entidades reguladas sujeitas ao âmbito de intervenção da ERC e ao pagamento da taxa em causa, mas para toda a colectividade, ou seja, para todos os cidadãos enquanto utentes dos serviços prestados por esses operadores. Uns e outros beneficiam indiscutivelmente da regulação do sector, os primeiros beneficiando desde logo da garantia de que as normas reguladoras da actividade, às quais eles próprios estão vinculados, são igualmente cumpridas pelos operadores concorrentes, aos segundos sendo garantidos, entre outros, o direito à informação, a independência dos meios de comunicação social perante os poderes político e económico, e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais.



Deste modo, a actividade de regulação propriamente dita da ERC será tendencialmente paga por dois tipos de receitas: as verbas provenientes do Orçamento do Estado (art.º 50.º, alínea a), dos Estatutos da ERC), que constituirão as contribuições dos cidadãos, e a taxa de regulação, paga pelos operadores, de acordo com os critérios previstos nas diversas alíneas do art.º 7.º, n.º 1, do Regime de Taxas da ERC. Estes critérios – volume de trabalho repercutido na actividade reguladora, complexidade técnica da actividade reguladora, características técnicas e alcance geográfico do meio de comunicação utilizado, impacto da actividade desenvolvida pelo operador –, podendo traduzir alguma proporcionalidade com o trabalho efectivamente dispendido com a ERC na sua actividade de regulação e supervisão com cada um dos tipos de operadores enunciados pela lei, não deixarão também de revelar tendencialmente a maior ou menor capacidade contributiva desses mesmos operadores, nesse sentido permitindo uma repartição dos encargos com a regulação do sector igualmente em função da capacidade contributiva dos regulados.



6. O conjunto de razões apontado faz-me comungar das preocupações da doutrina e da jurisprudência acima expressas, no sentido de considerar que a taxa de regulação e supervisão, independentemente da qualificação jurídica que lhe possa ser imputada, não pode deixar de ser tratada, em termos jurídico-constitucionais, como um imposto, sendo-lhe então aplicável o princípio da legalidade fiscal, decorrente dos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.



Ora, no caso concreto, a incidência, montante, isenções e garantias dos sujeitos passivos da denominada taxa de regulação encontram-se definidos por diploma governamental – Decreto-Lei n.º 103/2006 – sem o suporte de uma lei parlamentar que habilitasse o Executivo a aprovar essa legislação. De facto, não podem as normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 51.º dos Estatutos da ERC ser encaradas como uma autorização legislativa para o efeito, na medida em que o legislador se refere aí expressamente a “taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC” e, conforme visto, a figura tributária a que se deu o nome de taxa de regulação não pode ser incluída nesse tipo tributário.



A ser assim, a inexistência de autorização da Assembleia da República ao Governo para que este definisse, como o fez no âmbito do Regime das Taxas da ERC, a incidência, montante, isenções e garantias dos sujeitos passivos do tributo aqui em análise fere de inconstitucionalidade as referidas normas do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, por violação do princípio da legalidade tributária expresso designadamente nos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição.



7. Perante tudo o que fica exposto, permito-me, ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendar a Vossa Excelência, Senhor Ministro, que no âmbito de uma revisão do Regime das Taxas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por exemplo, aproveitando o Governo o compromisso do legislador consignado no art.º 5.º deste diploma:







a) Seja promovida a adequação do procedimento orgânico de aprovação das normas que estabelecem a incidência, montante, isenções e garantias dos sujeitos passivos da denominada taxa de regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ao princípio da legalidade fiscal, decorrente dos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, no sentido de permitir que as normas que criam e estabelecem os elementos essenciais daquele tributo venham a ser aprovadas nos moldes constitucionalmente previstos para a criação dos impostos, isto é, por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo por aquela devidamente autorizado;



b) Sejam debatidos com as partes interessadas – Entidade Reguladora para a Comunicação Social e representantes dos operadores do sector da comunicação social (alguns dos quais terão provavelmente assento no respectivo Conselho Consultivo) – os resultados da aplicação, na prática, durante o tempo decorrido desde a entrada em vigor do actual sistema de regulação, da taxa de regulação e supervisão, incluindo no que toca ao montante actualmente estabelecido na lei, para, atenta a experiência entretanto recolhida, se aferir da sua adequação ou desadequação às efectivas necessidades financeiras da Entidade da Regulação para a Comunicação Social para fazer face às despesas com a actividade de regulação propriamente dita;



c) Seja aplicado o sentido do recomendado em a) e b) a outras eventuais situações associadas a taxas de organismos de regulação relativamente às quais possa verificar-se o tipo de preocupação que fica expressa.



O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues


 


 


 


Notas de rodapé:


(1) Algumas destas competências são inovadoras face designadamente às competências atribuídas aos anteriores órgãos de regulação da comunicação social, como as associadas à não concentração da titularidade dos meios de comunicação social e ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais.


(2) In “CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 1095.


(3) Foi através deste método que o Tribunal Constitucional concluiu no sentido de que as imposições tributárias a favor de organismos de coordenação económica são equiparáveis aos impostos (por exemplo, Acórdão n.º 1239/96), aplicando-se-lhes o princípio da legalidade fiscal.


(4) Publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 5 de Março de 2007.


(5) De acordo com o que se pode ler no Acórdão n.º 616/2003 do Tribunal Constitucional, no qual estava em causa o pagamento, no momento da venda ao público de fotocópias, electrocópias e demais suportes, de uma prestação pecuniária coactiva, “é indiferente, na perspectiva do Tribunal, a qualificação precisa da figura (…) como imposto ou como realidade situada no domínio da “parafiscalidade”, tratando-se, de qualquer modo, de um tributo que deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos”.


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