RECOMENDAÇÃO Nº 4/B/2006
[art. 20.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento
Proc.º: R-1381/06
Data: 22-05-2006


Assunto: Composição das juntas médicas da ADSE e da Caixa Geral de Aposentações.


– Enunciado –


1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça uma reclamação que se prende com a composição propriamente dita das juntas médicas, nomeadamente, da ADSE e da CGA. Em causa está a legislação vigente que prevê que as juntas médicas sejam constituídas não só por médicos, mas também por outras pessoas não qualificadas como tal. 


2. Na verdade, relativamente às juntas médicas da ADSE, o art. 3º, nºs 3 e 4, do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29/11, em cumprimento do art. 46º, nº 2, do D.L. nº 497/88, de 30/12, veio estabelecer que tais juntas são constituídas “por um representante da ADSE, que presidirá, e por dois médicos”. Tal representante “será um dos médicos do respectivo quadro, a designar pelo director-geral, ou o funcionário mais categorizado dos serviços dependentes do representante do Governo


O mesmo se passa quanto às juntas médicas a que se refere o art. 46º, nº 3, do D.L. nº 100/99, de 31/03, isto é, quanto àquelas que se encontram sediadas nos serviços desconcentrados dos Ministérios e das Autarquias Locais.


3. No que respeita às juntas médicas da CGA verifica-se precisamente a mesma situação. Na realidade, a junta médica (ordinária e extraordinária) da CGA é constituída, nos termos do art. 90º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo D.L. nº 498/72, de 9/12), por dois médicos e presidida por um director de serviços (ou por outra chefia em quem aquele, para o efeito, delegar). 


Faz-se notar que, actualmente, a junta médica de revisão da CGA a que poderá ser submetida a generalidade dos funcionários ou agentes da Administração Pública (1), prevista no art. 95º, nº 3, do E. A., é integralmente constituída por médicos. Contudo, tal resultou de uma alteração introduzida pelo D.L. nº 101/83, de 18/2, uma vez que a redacção inicial previa o mesmo sistema de composição mista que ainda hoje, como se referiu, se verifica nas restantes juntas médicas daquela instituição. Na oportunidade, o legislador não procedeu à reforma integral do sistema de juntas médicas daquela entidade, com vista a conferir-lhe a necessária coerência, transparência e independência técnico-científica


– Apreciação –


4. As atribuições de uma qualquer junta médica são, ou deverão ser, sempre, de natureza exclusivamente técnico-científica. Afinal, o que se exige a uma junta médica é a realização de actos médicos: a avaliação de incapacidades, permanentes ou temporárias, bem como a determinação do respectivo grau de desvalorização, pressupondo a realização de um diagnóstico rigoroso, mediante, nomeadamente, a interpretação científica dos resultados dos exames complementares de diagnóstico. 


Tratando-se de actos médicos, os mesmos deverão ser exercidos por profissionais do respectivo foro, ou seja, por médicos, sob pena de grave violação do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo D.L. nº 282/77, de 5/7, o qual, da conjugação dos seus arts. 8º e 9º, prevê expressa e inequivocamente que a medicina só pode ser exercida por licenciados em medicina inscritos na Ordem dos Médicos. 


5. Considerando que a actual composição das juntas médicas integra profissionais não licenciados em medicina, difícil não será concluir que o próprio Estado se tem colocado, assim, numa posição um tanto ambígua, ao fomentar uma prática que a lei, muito razoável e justamente, proíbe.


Acresce que estão em causa direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão, nomeadamente o direito à segurança social e à protecção na doença e na velhice [cfr. arts. 63º e 64, nºs 2, al. b) e nº 3 da C.R.P.]. 


Efectivamente, o exercício por um não médico de um acto de exame para o qual não está qualificado e em que a ponderação da sua decisão se orientará somente por aquilo de que está convencido sem conhecimentos científicos ou técnicos para o efeito ou até por qualquer outro tipo de critério, necessariamente alheio ao restrito campo da avaliação médica exigível, retira ou desvirtua o carácter médico ao próprio acto. 


Facto tanto mais notório e grave quando é certo que, nos termos do art. 8º, nºs 2 e 3, do D.R. nº 41/90, os pareceres da junta médica são tomados por unanimidade ou maioria, tendo o presidente (que poderá não ser médico) voto de qualidade em caso de empate na votação (o que eventualmente se verificará nos casos em que a junta médica solicite a intervenção de especialista). 


Neste contexto, parece efectivamente justificar-se uma intervenção legislativa do Governo no sentido de acautelar este tipo de situações, procedendo para o efeito à revisão do Decreto-Lei nº 41/90, de 29 de Novembro, e do Estatuto da Aposentação. 


6. Importa, não obstante, acrescentar que o assunto ora suscitado não é novo e já, em 1997, havia sido colocado à consideração do Gabinete do então Secretário de Estado do Orçamento, que na ocasião demonstrou abertura e disponibilidade para acolher a sugestão deste órgão do Estado, conforme resulta do teor do ofício cuja cópia se junta em anexo, sugestão essa que fora exactamente na mesma linha das considerações ora expendidas. Certo é, porém, que as alterações entretanto introduzidas, até à presente data, ficaram bastante aquém daquilo que seria desejável.


Com efeito, remeteu-se a resolução do assunto para o momento em que fosse revista, articuladamente, toda a legislação que regulava esta matéria, nomeadamente o diploma que rege a composição das Juntas Médicas da ADSE, o Estatuto da Aposentação, bem assim como o regime jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública. 


7. Ora, com a publicação do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, veio efectivamente introduzir-se um novo regime para os acidentes em serviço e doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública, tendo-se estabelecido uma diferente constituição das juntas médicas para verificação das incapacidades temporárias ou permanentes com origem naquelas eventualidades. 


Assim, e no que concerne às incapacidades temporárias, estabelece o nº 1, do artigo 21º daquele diploma, que “A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição de alta e a sua revisão (…) competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado”


Quanto às incapacidades permanentes, dispõe o nº1, do artigo 38º do mesmo diploma legal, que “A confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações , que terá a seguinte composição:

a) No caso de acidente em serviço, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado; b) No caso de doença profissional, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um médico do Centro Nacional e um médico da escolha do utente”.  


 


Assegurou-se, deste modo, que o juízo de natureza médica a formular nestas situações ficasse exclusivamente a cargo de médicos, ou seja, de pessoas licenciadas em medicina e, nessa medida, habilitadas à pratica de actos médicos.


Verifica-se, não obstante, que as alterações introduzidas na composição das juntas médicas ficaram tão só circunscritas às situações de acidentes em serviço e de doenças profissionais. Com efeito, por via do mesmo diploma operou-se a revogação do artigo 8º do Decreto-Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro, cuja epígrafe é “acidentes em serviço”, bem assim como de algumas normas do Estatuto da Aposentação que se prendem com a aposentação em casos de incapacidade resultante de acidente em serviço ou doença contraída pelo subscritor no exercício de funções e por motivo do seu desempenho. 


Nada de novo, porém, foi estabelecido quanto à composição das Juntas Médicas da ADSE e da Caixa Geral de Aposentações destinadas à avaliação de situações de incapacidades temporárias e permanentes, respectivamente, sem conexão com o serviço. 


8. Em face de todo o exposto, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR a V. Exa. que se digne reapreciar a questão da composição das juntas médicas à luz das considerações supra expendidas e, eventualmente, adoptar medidas legislativas adequadas à sua resolução, independentemente de outras alterações mais abrangentes que porventura se pretendam introduzir no Estatuto da Aposentação, aliás, recentemente já alterado.


Queira V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no artº 38º, nº 2, da Lei nº 9/91, de 9/04 (Estatuto do Provedor de Justiça), dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


 


O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues


 


 


Notas de rodapé:


(1) Desde que as propostas/requerimentos apresentados para o efeito se achem devidamente fundamentados ou justificados, em conformidade com disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do Art. 95º do Estatuto da Aposentação.
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