RECOMENDAÇÃO n.º 3/B/2006
(art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)



Entidade visada: Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
Proc.º: R-4303/05
Data: 2006/05/15
Área: A6



Assunto: Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário. Medida disciplinar de suspensão da escola. Efeitos.



1. O Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 22/2005/A, de 5 de Agosto, prevê, no respectivo art.º 40.º, n.º 1, alínea d), que as faltas do aluno às aulas, ou a outras actividades da escola de frequência obrigatória, são consideradas injustificadas quando designadamente o aluno tenha sido alvo da aplicação de uma medida disciplinar de suspensão do estabelecimento de ensino.



Por seu turno, no art.º 42.º, n.º 2, do mesmo diploma, são elencados os efeitos da ultrapassagem do limite de faltas injustificadas, designadamente prevendo-se que a mesma leve à exclusão da frequência da escola do aluno do ensino básico que, à data de início do ano escolar, tenha ultrapassado a idade da escolaridade obrigatória [(alínea a)], e à retenção na disciplina ou disciplinas em que seja ultrapassado o limite de faltas, ao aluno que frequente o ensino secundário [(alínea b)].



Antes de entrar propriamente na análise das questões que a conjugação e a aplicação, na prática, de tais normativos, poderão suscitar, e que me levaram a dirigir a Vossa Excelência a presente iniciativa, importa desde já deixar claros três aspectos.



2. Em primeiro lugar, tem naturalmente a Região Autónoma dos Açores legitimidade para legislar no âmbito da matéria de que nos ocupamos, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos designadamente pelos art.ºs 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), regulando a matéria em causa de forma inovadora face, por exemplo, à regulação que à mesma é dada pela Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, que aprova o Estatuto do Aluno do Ensino não Superior, com a interpretação que lhe foi conferida, quanto aos aspectos de que nos ocupamos na presente análise, pelo Despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa de 22 de Dezembro de 2004 (1).



Em segundo lugar, parece-me também importante sublinhar que a determinação dos efeitos das faltas dadas em virtude do cumprimento de uma medida disciplinar de suspensão da escola, previstos no Decreto Legislativo Regional n.º 22/2005/A, é de alguma forma compensada pela concepção, no âmbito do mesmo diploma, de um regime legal menos gravoso, considerado naturalmente em termos globais e abstractos, face àquele que decorre da Lei n.º 30/2002, não só ao nível do enquadramento da medida disciplinar em si, como dos efeitos decorrentes da ultrapassagem, em geral, do limite de faltas injustificadas.



Basta referir que a medida disciplinar de suspensão da escola, nos termos do Decreto Legislativo Regional em referência, concretamente do seu art.º 55.º, só pode ser aplicada a aluno com idade igual ou superior a 12 anos, sendo que este limite cai para os 10 anos no âmbito da Lei n.º 30/2002 (2).



Por outro lado, a ultrapassagem do limite de faltas injustificadas, no âmbito do diploma regional, não tem os efeitos que decorrem, para a mesma situação, do art.º 22.º da Lei n.º 30/2002 – de retenção, do aluno abrangido pela escolaridade obrigatória, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade, e de exclusão do aluno não abrangido pela escolaridade obrigatória, impossibilitando-o de continuar a frequentar o ensino até final do ano lectivo –, antes está enquadrada por um regime com efeitos de alguma forma graduados em função da idade do aluno e do nível de ensino que frequenta, não permitindo, por exemplo, ao contrário do que acontece com a Lei n.º 30/2002, que a ultrapassagem do limite de faltas injustificadas leve à exclusão, ou sequer retenção, de um aluno que frequente um nível de ensino abrangido pela escolaridade obrigatória e que, à data do início do ano escolar, não tenha ultrapassado a idade dessa escolaridade obrigatória (cf. art.º 42.º, n.º 2, alínea c),do DLR em apreço).



Em terceiro lugar, de alguma forma compreendo o intuito pedagógico, de responsabilização e, em certo sentido, dissuasor, para o próprio aluno alvo de uma medida disciplinar grave, como é a suspensão da escola, e para os demais alunos, que está por detrás da associação da aplicação daquela medida às faltas injustificadas.



3. Apesar do que fica dito, não parece no entanto aceitável que a aplicação de uma medida disciplinar de suspensão da escola, independentemente de as faltas dadas pelo aluno em cumprimento dessa medida serem consideradas faltas justificadas ou injustificadas, possa levar, por si, à aplicação acessória da sanção de retenção, no caso do DLR de que nos ocupamos, na disciplina ou disciplinas em que seja ultrapassado esse limite, ou de exclusão da frequência da escola.



E, de facto, é isso mesmo que acontece quando, no momento em que a entidade competente para decidir da aplicação daquela medida disciplinar decide aplicá-la, sabendo que essa decisão, pelo número de faltas injustificadas com que o aluno já conta, implicará inevitavelmente a sua posterior retenção ou exclusão nos termos referidos.



Da mesma forma, será de ponderar que, por exemplo, a entidade competente para aplicar aquela medida, não a venha a aplicar efectivamente a determinado aluno, só e precisamente apenas pelo facto de essa aplicação inevitavelmente fazer incorrer o aluno numa posterior retenção ou exclusão. Ou seja, pelo facto de a aplicação da medida de suspensão extravasar, na prática, os efeitos pretendidos com a mesma, já que implica, por si, a aplicação automática de uma outra sanção, que não deixa de se revelar, nesta perspectiva, acessória da primeira, com um conteúdo mais gravoso do que esta.



Isto é, independentemente da questão de se saber se as faltas dadas por um aluno em cumprimento de uma medida disciplinar de suspensão devem ser consideradas justificadas ou injustificadas, e mesmo que entenda o legislador, dentro dos poderes de conformação legislativa de que dispõe, que tais faltas devem ser consideradas injustificadas, considero que a aplicação de uma medida de suspensão da escola não pode implicar, por si mesma, a aplicação automática de uma medida acessória, de conteúdo mais gravoso do que aquela, como é o caso da retenção ou da expulsão.



Para a concretização de tal desiderato, pelo menos duas vias se revelam possíveis:



· ou a consideração, pura e simples, de que tais faltas são justificadas, como é feito no âmbito da aplicação das disposições pertinentes da Lei n.º 30/2002, com a interpretação que lhes foi conferida pelo Despacho a que acima se faz referência,


· ou a introdução da possibilidade legal de o aluno colocado naquelas circunstâncias – alvo da aplicação de uma medida disciplinar de suspensão da escola e, por via disso, retido ou excluído por ultrapassagem do limite de faltas injustificadas – dar, ainda, pelo menos, mais uma falta injustificada para poder ser retido ou excluído.


Estou em crer que a segunda alternativa corresponderá inteiramente ao sentido querido por essa Assembleia em 2005, com relevante melhoramento ao se evitar o efeito automático das sanções disciplinares que descrevi.



4. Assim sendo, pelas razões que ficam acima expostas, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo à Assembleia Legislativa dos Açores,




 a introdução, no âmbito do Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 22/2005/A, de 5 de Agosto, de uma solução que impossibilite que a aplicação da medida disciplinar de suspensão da escola conduza, por si, à retenção em disciplinas ou à exclusão da frequência da escola, do aluno a quem aquela medida foi aplicada, por exemplo através da introdução da possibilidade legal de o aluno colocado naquelas circunstâncias – alvo da aplicação da medida disciplinar de suspensão da escola e, por via disso, consequentemente retido ou excluído por ultrapassagem do limite de faltas injustificadas –, dar, ainda, pelo menos, mais uma falta injustificada para poder ser retido ou excluído.


Na expectativa de que o que acima fica exposto mereça a melhor atenção de Vossa Excelência, permito-me ainda solicitar que o teor do presente documento seja dado a conhecer aos Grupos Parlamentares, aguardando naturalmente por uma resposta ao mesmo.



O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues


 


 





Notas de rodapé:


(1) Este Despacho veio definir que as faltas dos alunos dadas por motivo da medida disciplinar de suspensão da frequência da escola não podem ser consideradas faltas injustificadas, não contando, portanto, para a expulsão da escola por efeito da ultrapassagem do limite das faltas injustificadas.
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(2) Art.º 35.º, n.º 1.
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