RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2002
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Presidente do Instituto das Estradas de Portugal
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-1793/02
Data: 2002/12/03
Área: A6


Assunto: Construção do IP3 – Régua/Reconcos. Expropriação da parcela n.º X.




1. Reporto-me à comunicação do então ICOR referenciada em epígrafe, que antes de mais agradeço.


A parcela acima identificada foi objecto de processo de expropriação amigável entre aquele Instituto (a negociação foi iniciada pela JAE) e o respectivo proprietário, o Sr. A.


Em 14 de Maio de 1996, foi assinado entre as partes o contrato-promessa de transferência do direito de propriedade, tendo sido, nessa mesma data, pago ao expropriado 60% do valor indemnizatório acordado.


Só em 26 de Abril de 2000 se celebrou o auto de expropriação amigável, com a entrega ao Sr. A., do remanescente do montante devido nos termos daquele contrato.


2. Inquirido sobre as razões que terão motivado o decurso de um período de praticamente 4 anos entre a assinatura daquele contrato-promessa e a celebração do auto de expropriação amigável, respondeu o ICOR através do envio a este Órgão do Estado de um conjunto de documentos que permite a reconstituição cronológica do processo expropriativo em causa.


Deste modo, a partir da assinatura do já referido contrato-promessa, demorou a então JAE, primeiramente, cerca de 21 meses para solicitar ao expropriado a informação sobre se a hipoteca existente sobre o imóvel expropriado se mantinha ou não. Fê-lo através de carta datada de 18 de Fevereiro de 1998.


Diga-se que a JAE sabia, desde Dezembro de 1994, que o imóvel em causa se encontrava onerado com uma hipoteca, já que foi naquela data, mais precisamente no dia 21 de Dezembro de 1994, que requereu à Conservatória do Registo Predial de Lamego a certidão das inscrições existentes (a cópia do pedido consta da documentação que me foi facultada pelo próprio ICOR).


A resposta do reclamante à mencionada solicitação da JAE terá sido dada em 13 de Outubro seguinte. De facto, na referida carta de 18 de Fevereiro de 1998, encontra-se escrito à mão e assinado, ao que parece pela mesma pessoa que subscreve aquela, o seguinte despacho: “Oficiar à CGD e perguntar se autoriza a expropriação, dado que o interessado, presente nesta data na DE, diz que a hipoteca ainda está em vigor. 98/10/13(sublinhados meus).


No dia imediato – 14 de Outubro de 1998 –, a JAE solicita por escrito à Caixa Geral de Depósitos a autorização pretendida, que lhe é prestada em 25 de Novembro seguinte, isto é, volvido pouco mais de um mês.


Por outro lado, após o envio à JAE pela Caixa Geral de Depósitos da mencionada declaração, o ICOR demorou quase ano e meio para proceder à marcação do auto de expropriação amigável e ao pagamento dos 40% da quantia indemnizatória acordada.


Torna-se assim possível concluir que a autorização solicitada à Caixa Geral de Depósitos para a efectivação do auto de expropriação amigável, invocada, explícita ou implicitamente, em diversos documentos, designadamente do ICERR, como causa para a demora na marcação da referida diligência, foi prestada por aquela instituição bancária à JAE no prazo de 1 mês desde a data em que lhe foi peticionada por esta entidade.


Contabilizando o tempo que o expropriado terá demorado a responder à carta da JAE – cerca de 8 meses, conforme mencionado –, conclui-se que a resolução da questão da hipoteca que onerava o prédio em causa representou um atraso no desenrolar do processo de aproximadamente 9 meses. Este período baliza-se entre 18 de Fevereiro de 1998, data em que a JAE solicitou informação ao expropriado sobre a garantia em apreço, e 25 de Novembro de 1998, data da comunicação da Caixa Geral de Depósitos à JAE a declarar não se opôr à expropriação, nem pretender exercer qualquer direito no âmbito da mesma.


3. O ICOR não consegue explicar as razões da delonga. Aliás, em vários momentos registados na documentação enviada, o próprio ICERR reconhece que os processos de pagamento das expropriações para construção do IP3 – Régua/Reconcos demoraram, na realidade, mais tempo do que seria normal, mas isso deveu-se ao grande número de processos que na altura decorriam na Direcção de Estradas, em face das inúmeras obras que estavam a decorrer, às dificuldades financeiras que se faziam sentir e também ao prazo de tempo que, por fim, coincidiu com a transição da JAE para os Institutos que foram criados com a sua extinção” (citação da parte final da carta enviada pelo Sr. Eng.º M., do ICERR, em 26 de Julho de 2002, ao ICOR, a propósito do caso concreto em discussão, com sublinhado meu).


Sendo certo que o contrato-promessa de transferência do direito de propriedade estabelecia que o auto de expropriação amigável seria celebrado em data, local e hora a indicar pela JAE, V.ª Ex.ª reconhecerá que os 4 anos que mediaram os dois actos foram manifestamente excessivos.


Aliás, foi na sequência de uma “interpelação” do expropriado, constante de uma carta que este enviou à JAE em 09 de Fevereiro de 1998, que esta entidade resolveu dar seguimento ao processo. Foi então que remeteu, ao ora reclamante, o já mencionado ofício com pedido de informação sobre a garantia prestada à Caixa Geral de Depósitos.


Face ao que fica acima dito, não é decididamente justo invocar a necessidade de obtenção de autorização da Caixa Geral de Depósitos para a marcação do auto de expropriação amigável, já que essa situação representou uma dilação pequena no período de tempo em discussão.


Por outro lado, não obstante não duvidar da circunstância de a construção do IP3 poder ter conhecido designadamente as dificuldades expressas na carta do ICERR atrás referida, a verdade é que ao particular serão decididamente alheias as razões que terão atrasado a resolução das expropriações necessárias à concretização daquela obra.


4. O art.º 1.º do Código das Expropriações diz que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização” (redacção actual e sublinhado meu).


Por outro lado, quando define o conceito de “justa indemnização”, no seu art.º 23.º, n.º 1, adianta que a mesma visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (redacção actual e sublinhados meus).


A indemnização paga no âmbito do processo em análise não correspondeu de forma alguma às exigências de contemporaneidade e de justiça previstas na lei (de resto, decorrentes de normas e princípios constitucionais). Por outro lado, a actuação, primeiramente da JAE e depois do ICOR, foi manifestamente pouco diligente, com o arrastamento, por um período excessivo e injustificável, da resolução do processo expropriativo e do pagamento da totalidade do valor em dívida.


5. Fará assim sentido que o expropriado da parcela em causa seja de alguma forma compensado pela demora do então ICOR na marcação do auto de expropriação, nos termos acima explicitados, através do pagamento, pelo IEP, enquanto entidade sucessora, de juros sobre o valor de 40% do montante indemnizatório, desde a data em que, razoavelmente e perante os dados descritos, poderia e deveria o então ICOR ter encerrado definitivamente o processo, e até à data da realização do auto de expropriação.


Importa saber, pois, qual a data em que razoavelmente o ICOR deveria ter procedido à marcação do auto de expropriação.


A este propósito refere-se que a presente queixa não é de forma alguma original neste Órgão do Estado. Em várias das reclamações recebidas no âmbito das expropriações levadas a cabo pela JAE ou pelos Institutos que lhe viriam a suceder, a questão do protelamento da marcação de escrituras ou autos relativamente aos imóveis expropriados é uma constante.


Entendo, assim, que o IEP deverá diligenciar para que, de futuro, os contratos-promessa que venham a celebrar-se no âmbito das expropriações levadas a cabo por essa entidade contenham uma cláusula que defina um prazo para a realização da escritura ou auto de expropriação amigável ou da escritura de compra e venda, em regra nunca superior a 6 meses.


Repare V.ª Ex.ª que o expropriado que assina um contrato-promessa de transferência do direito de propriedade ou de compra e venda com o IEP estará à partida convicto que o mesmo diligenciará para que a concretização definitiva da negociação ocorra num espaço de tempo razoável. Isto será tanto mais assim quanto tenha ocorrido já transferência da posse do imóvel, estando este já afecto aos fins de utilidade pública prosseguidos pelo IEP.


Acresce que a entidade expropriante estará inevitavelmente, no âmbito de uma negociação deste tipo, numa posição de força perante o expropriado, ciente que estará este das incertezas e delongas associadas à via contenciosa.


6. Neste termos, coloco à consideração de V.ª Ex.ª, antes de mais, e numa perspectiva que extravasa o caso concreto, a inclusão, nos contratos-promessa que o IEP venha a celebrar no âmbito dos processos expropriativos, de uma cláusula que preveja um prazo limite para a celebração dos correspondentes autos ou escrituras de expropriação, ou escrituras de compra e venda, nunca superior a 6 meses.


Tomando como referência o que acima fica dito, agora já me reportando ao caso concreto que motivou a abertura do presente processo, será adequado o pagamento ao Sr. A. de juros compensatórios sobre o montante correspondente a 40% do total da quantia indemnizatória, acordada a propósito da expropriação da parcela n.º 193, para construção do IP3 – Régua/Reconcos, desde um prazo de 6 meses após a celebração do contrato-promessa de transferência do direito de propriedade, que aconteceu em 14 de Maio de 1996, até à data de realização do auto de expropriação amigável, em 26 de Abril de 2000.


Do lapso de tempo em referência deverá ser descontado o período em que terá ficado pendente de resolução a questão que envolvia a hipoteca sobre o imóvel, balizado, conforme decorre do acima exposto, entre 18 de Fevereiro de 1998, data aposta na carta enviada ao ora reclamante na qual era solicitada informação sobre a hipoteca, e 30 de Novembro de 1998, data em que presumivelmente o ofício da Caixa Geral de Depósitos a conceder a autorização pretendida teria já chegado às mãos da JAE.


7. Face ao exposto, e perante o que fica dito, recomendo a V.ª Ex.ª, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril,








a) O pagamento, pelo IEP ao Sr. A., de juros compensatórios sobre o montante correspondente a 40% do total da quantia indemnizatória acordada a propósito da expropriação da parcela n.º X, para construção do IP3 – Régua/Reconcos, desde um prazo de 6 meses após a celebração do contrato-promessa de transferência do direito de propriedade, que aconteceu em 14 de Maio de 1996, até à data de realização do auto de expropriação, em 26 de Abril de 2000, descontado o período de tempo em que ficou pendente a resolução da questão que envolvia a hipoteca sobre o imóvel – compreendido entre 18 de Fevereiro de 1998, data da carta enviada ao ora reclamante na qual era solicitada informação sobre essa garantia, e 30 de Novembro de 1998, data em que presumivelmente a JAE terá tido conhecimento da concessão, pela Caixa Geral de Depósitos (através de carta de 25 daquele mês), da autorização pretendida.


b) A inclusão, nos contratos-promessa relativos aos acordos sobre os montantes indemnizatórios que o IEP venha a celebrar no âmbito dos processos expropriativos (incluída naturalmente a fase de aquisição por via do direito privado), de uma cláusula que preveja um prazo limite para a celebração dos correspondentes autos e escrituras de expropriação, ou das escrituras de compra e venda, nunca superior a 6 meses.




O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues