RECOMENDAÇÃO N.º 8/A/2002
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-1493/01
Data: 2002/09/16
Área: A2


Assunto: Certificados de aforro. Prazo de prescrição. Salvaguarda do direito à informação dos aforristas.


I – Exposição de motivos


1. Na sequência de queixas apresentadas na Provedoria de Justiça relativas a problemas ocorridos com o resgate de certificados de aforro, série B, determinei a instauração de processos que foram objecto de diversas medidas instrutórias.


2. Excepto num destes processos, em que o reclamante era o próprio subscritor dos títulos, em todos os outros a minha intervenção foi solicitada pelos herdeiros dos aforristas, que não se conformaram com as decisões do Instituto de Gestão do Crédito Público que indeferiu os pedidos de liquidação ou de transferência de titularidade dos certificados de aforro, fundamentando estas suas decisões no disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho,


3. Ou seja , na ocorrência da prescrição dos títulos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, pelo facto de os queixosos não terem dado início ao processo de habilitação de herdeiros junto do IGCP, no prazo de cinco anos após a morte do subscritor dos certificados.


II – Os factos


4. Em todos os casos apresentados à Provedoria de Justiça verificamos que os queixosos reclamam:



a) da omissão do dever de prestação de informação relativa à existência da regra de prescrição dos títulos, estabelecida no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho;


b) da prestação de informações incorrectas sobre a prescrição dos títulos; e


c) de o prazo de prescrição dos títulos – 5 anos – ser demasiado curto.


5. Efectivamente, num dos casos, a interessada só deixou de requerer a amortização do título dentro do prazo legalmente fixado porque quer os chefes das estações dos CTT de Poutena e da Anadia, quer o Superintendente Geral dos Correios da Zona de Anadia, quer uma funcionária dos Serviços Financeiros Postais de Lisboa, a terão informado que “deixasse estar o dinheiro” que “o certificado não caducava”.


6. Segundo o relato de um outro queixoso, ao ser confrontado com a decisão do IGCP que lhe comunicava a verificação da prescrição dos títulos, contactou as Estações dos CTT, tendo constatado que até os funcionários das lojas financeiras daquela instituição, nas cidades do Porto e do Funchal, desconheciam a norma legal em causa.


7. Na sequência de esclarecimentos solicitados no âmbito do nosso Processo R-1493/01, o IGCP veio defender – ofício n.º 2641, de 23 de Abril de 2001, do qual junto cópia – que:



a) compete aos subscritores de um determinado produto financeiro informarem-se sobre as características desse produto e conformarem a sua decisão de investir com base na informação prestada;


b) não compete ao IGCP descrever pormenorizadamente qualquer produto sem ser a pedido de eventuais interessados e, muito menos, assegurar-se que os herdeiros do aforrista tomaram conhecimento do respectivo regime jurídico.


8. Consultados os folhetos informativos sobre os certificados de aforro, disponíveis aos balcões dos CTT, verifica-se que os mesmos se limitam a chamar à atenção dos potenciais interessados para as características positivas do produto como sejam, entre outras, a segurança do investimento garantido pelo Estado e a isenção de imposto sucessório.


9. Contudo, nem nos referidos folhetos, nem nos impressos de subscrição, encontramos qualquer chamada de atenção para o regime específico de prescrição do produto financeiro.


III – Análise da situação


10. A posição defendida pelo Senhor Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público merecendo, em princípio, a minha adesão, afigura-se-me não esgotar o problema em apreço: é que ao dever de se informar dos cidadãos contrapõe-se, do lado do ente público, a obrigação de informar, com a imprescindível clareza, objectividade e exactidão, fornecendo aos interessados toda a informação, isto é, esclarecimentos que se devem qualificar como completos e correctos.


11. E esta obrigação de informar afigura-se tanto mais relevante quando exista um provável desnivelamento das partes na possibilidade e no efectivo acesso à informação.


12. Ora, no caso em apreço, considerando que uma das atribuições do IGCP consiste em gerir a dívida pública directa, julgo inquestionável a posição privilegiada desse Instituto quanto ao domínio, acesso e disponibilização da informação relativa aos diversos instrumentos da dívida pública e, em particular, a que se refere aos certificados de aforro.


13. O referido desnivelamento é tanto mais evidente se considerarmos que, do outro lado, como subscritores de certificados de aforro, o público alvo será, no essencial, constituído por indivíduos com reduzida ou média capacidade económica que não dominarão os mecanismos de mercados financeiros porventura mais rentáveis, nem dispõem de meios ou conhecimentos para arriscar em produtos de características mais voláteis.


14. Isto é, o Estado, reconhecendo a importância do volume global das poupanças das famílias, as quais individualmente não são atractivas para outro tipo de investimento, entendeu criar um instrumento susceptível de captar a sua aplicação que, na actualidade, representará cerca de 20% da dívida directa do Estado.


15. Nestes termos, e em face da referida maior fragilidade dos aforristas, entendo que sobre a entidade gestora e emissora dos títulos deve recair uma obrigação acrescida de prestar todos os esclarecimentos sobre o produto financeiro, não só a pedido dos interessados, mas também de motu proprio, sob pena de, não o fazendo, poder vir a defraudar as expectativas criadas com o teor incompleto dos panfletos informativos.


16. Por outro lado, tendo em conta que a subscrição de certificados de aforro pode ser efectuada através de um serviço estranho ao IGCP, como os CTT, a obrigação de informar que recai sobre o Instituto, deverá incluir, ainda, o dever de este veicular, de forma regular, para os CTT, toda a informação sobre aqueles instrumentos da dívida pública,


17. bem como o dever de controlar o uso que esta entidade faz da informação, nomeadamente controlando o conteúdo dos folhetos informativos por esta emitidos e promovendo as acções de formação sobre o assunto que se mostrem adequadas e necessárias, a fim de garantir a aptidão dos trabalhadores das lojas financeiras dos CTT para prestarem os esclarecimentos que lhe forem solicitados.


18. Pese embora as alterações introduzidas na página do IGCP, na Internet, as quais vieram facilitar substancialmente o acesso à informação relativa aos títulos da dívida pública e nomeadamente ao respectivo regime de prescrição e trâmites para a habilitação de herdeiros, não nos podemos esquecer que o uso e acesso a redes digitais de informação não está ainda ao alcance nem da generalidade, nem da maioria das pessoas.


19. O terceiro aspecto objecto de contestação por parte dos reclamantes prendia-se, como referi supra, com o facto de o prazo de prescrição ser considerado demasiado curto, incompatível tantas vezes, com o conhecimento e a regularização de situações sucessórias. Esta questão foi entretanto resolvida com a publicação do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de Maio, que alargou de 5 para 10 anos o prazo para a habilitação de herdeiros do titular de certificados de aforro.


IV – Conclusões


20. Embora a recente alteração do regime legal da prescrição dos certificados de aforro, em caso de falecimento do seu titular, tenha dado resposta satisfatória a algumas das preocupações que me foram manifestadas pelos reclamantes, entendo que a minha intervenção junto de V. Exa. continua a justificar-se.


21. Efectivamente, e reconhecendo como muito positivas as alterações introduzidas na home page desse Instituto, afigura-se-me, no entanto, que aquelas alterações são insuficientes para dar cumprimento à obrigação de informar que recai sobre o IGCP, considerando o ainda limitado universo de indivíduos que lhe poderão aceder.


Assim, na certeza de que o Senhor Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público, não deixará de ponderar devidamente o que ficou exposto, recomendo, ao abrigo do disposto nas alíneas a) do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que:  







A) O IGCP fiscalize previamente o conteúdo de todos e quaisquer folhetos informativos relativos a certificados de aforro, impedindo a emissão e divulgação daqueles que possam conter informação incorrecta ou incompleta, que não sejam claros e objectivos, ou que sejam omissos quanto a aspectos essenciais do respectivo regime jurídico;


B) O IGCP organize acções de formação para todo o pessoal, inclusive dos CTT, incumbido do atendimento dos aforristas, seus herdeiros ou de interessados no produto;


C) Sejam emitidas e divulgadas pelo IGCP, junto do pessoal das lojas financeiras dos CTT, e do próprio pessoal do Instituto que efectua atendimento de público, instruções explicitando de forma clara, completa e correcta o enquadramento jurídico do produto financeiro em causa, designadamente no que se refere à verificação da prescrição, a fim de garantir uma adequada prestação de esclarecimentos;


D) As instruções referidas em C) sejam actualizadas sempre que ocorram alterações do regime legal vigente;


E) Todos os impressos, inclusive os extractos trimestrais enviados pelo IGCP aos aforristas, passem a conter a menção expressa do diploma legal que regulamenta os certificados de aforro, devendo o documento que comprova a titularidade dos certificados conter, ainda, uma nota mencionando o prazo de prescrição, o que poderá ser feito pela transcrição da norma do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de Maio.


Nos termos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V. Exa. comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento do seu não acatamento, no prazo máximo de sessenta dias.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues