RECOMENDAÇÃO N.º 2/B/2002
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal do Porto
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-105/99
Data: 2002/03/12
Área:
A1
Assunto:
Domínio público; publicidade; via pública; regulamento; profissões liberais; deontologia profissional.


 


I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


§1º – Da Recomendação nº 8/B/00 e da resposta da Câmara Municipal do Porto


1. Em 8 de Março do ano findo, foi recomendado à Câmara Municipal do Porto (1), no âmbito da instrução do processo acima indicado, que fosse desencadeada iniciativa camarária junto da Assembleia Municipal desse concelho, com vista à revisão da norma contida no art. 191º do Código de Posturas do Concelho do Porto, por forma a definir o âmbito de aplicação da regra do licenciamento prévio da afixação e inscrição de mensagens publicitárias por remissão para o conceito legal de publicidade e de actividade publicitária, contidos no Código da Publicidade (arts. 3º e 4º).


2. Isto, uma vez que a mencionada norma regulamentar sujeita a licença municipal “a colocação ou utilização de anúncios e reclamos, visíveis da via pública, com ou sem carácter comercial”.


3. Esta norma tem por efeito alargar o conceito legal de actividade publicitária – nele se incluindo a afixação de mensagens relativas ao exercício de qualquer actividade económica, ainda que destituídas de carácter promocional -, o que se afigura ilegal por exceder o âmbito da previsão normativa que visava desenvolver.


4. Em resposta à mencionada Recomendação, foi retorquido encontrar-se para revisão a disposição regulamentar em causa, com o sentido de excluir a exigibilidade do licenciamento das mensagens que não revistam carácter comercial.


5. Acatada a primeira das medidas recomendadas, o que me aprouve registar, justifica-se a presente iniciativa por se manter o entendimento da Câmara Municipal do Porto quanto ao carácter publicitário de placas e tabuletas identificadoras das profissões liberais, ainda quando exibem simples indicações informativas: nome, local, horas de expediente, serviços e especialidades dos profissionais.


6. Com efeito, no que se refere à preconizada abstenção de procedimento de contra-ordenação por motivo da afixação de tais placas e tabuletas, por não se encontrarem sujeitas a licenciamento municipal prévio, nos termos da Lei nº 98/88, de 17 de Agosto, pretende-se que a mensagem nelas exibida integra o conceito genérico de publicidade definido no Código da Publicidade (2).


7. Assim, a sua afixação no exterior de edifícios, careceria de licença municipal, constituindo contra-ordenação a sua não obtenção prévia, pelo que não pretende a Câmara Municipal do Porto orientar a Polícia Municipal no sentido de se abster de instaurar tais procedimentos sancionatórios, como havia sido oportunamente recomendado.


8. Para fundamentar tal posição, invocou-se que a afixação de uma placa por parte de um profissional liberal visa, não só, informar sobre o local onde exerce a sua actividade, como divulgá-la a todos os potenciais clientes, o que não deixará de consubstanciar uma forma de publicidade, por se destinar a promover a prestação de serviços por certo e determinado profissional liberal.


9. Mais se opunha não proceder o argumento da proibição legal de exercício de publicidade profissional por parte de médicos, advogados ou outros profissionais, uma vez que as normas dos respectivos códigos deontológicos “não permitem é que nessas actividades se utilizem os veículos habituais por onde é canalizada toda a publicidade”, o que não significa que as placas identificadoras destes profissionais não constituam veículos de transmissão de publicidade.


10. Com base nesta ideia, refere-se, ainda, que está em causa, não o conceito de publicidade, mas as diferentes formas do exercício dessa actividade, distinguidas pela natureza e tipo da mensagem, e pelos meios utilizados.


11. Para justificação, invocam-se diferentes “taxas de publicidade” – dir-se-á, antes, montantes devidos a título de taxa pela emissão de licença para afixação de mensagens publicitárias -, consoante os meios utilizados (3), os quais visariam reflectir o impacto da mensagem publicitária no meio urbano e ambiental e ainda o benefício que o particular obtém da mesma.


2º – Da posição do Conselho Nacional das Profissões Liberais


12. Por não me parecer ser de sufragar o entendimento exposto, auscultei o Conselho Nacional das Profissões Liberais sobre a qualificação conferida por aquela instituição às placas e tabuletas identificativas das profissões liberais.


13. Do mesmo passo, fiz remeter tal comunicação para conhecimento, às diversas associações públicas profissionais (4), tendo esta vindo a merecer, também, resposta por parte da Ordem dos Advogados, através de parecer aprovado pelo seu Conselho Geral.


14. Ambas as entidades exprimem posições de teor idêntico ao sufragado na Recomendação nº 8/B/00: a afixação de placas identificadoras de actividades profissionais, desde que contendo meras indicações informativas, não constitui publicidade, não estando, por isso, abrangida pelo regime da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, pelo que não carece de prévio licenciamento municipal.


15. Assim, não se afigura exigível a legalização das placas e tabuletas afixadas nem o pagamento de taxa pela emissão da correspondente licença, tal como não se justifica a punição dos profissionais mediante a aplicação de uma coima.


16. Mais refere o Conselho Nacional das Profissões Liberais, em abono de tal posição, os casos de obrigatoriedade legal de afixação de placas identificadoras da actividade profissional desenvolvida por parte de farmácias de oficina e laboratórios de análises clínicas (Decreto-lei nº 217/99, de 15 de Junho).


17. No caso das farmácias, estatui-se no art. 53º, nº 3, do Decreto-lei nº 48.547, de 27.08.1968, que a afixação das tabuletas contendo a identificação do director técnico da farmácia, bem como dos títulos universitários e profissionais, não fica sujeita ao pagamento de taxa ou licença.


18. Quer neste caso, quer no dos laboratórios de análises clínicas, o incumprimento do dever de afixação da placa identificadora dá origem à instauração de processo por contra-ordenação.


19. Ora, mais se evidencia, nestas situações, a incongruência de actuação que sancione a afixação das placas identificativas, quando as mencionadas normas estatutárias prevêem a instauração de processos contra-ordenacionais, caso as mesmas não existam.


20. Também no Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-lei nº 487/99, de 16 de Novembro, se determina que não constitui publicidade a divulgação de menções destinadas a dar conhecimento da existência, localização e serviços prestados por aqueles profissionais.


21. Com o mesmo sentido, refira-se ainda o preceituado no Estatuto dos Solicitadores (Decreto-lei nº 8/99, de 8 de Janeiro), no qual se proíbe o exercício de qualquer forma de publicidade, salvo afixação de tabuletas e a publicação de anúncios, contendo elementos de natureza informativa (nome, endereço, e horas de funcionamento do escritório).


§3º – Apreciação


22. Sendo possível, não julgo, porém, necessário proceder a uma enumeração ainda mais exaustiva das situações em que nos códigos deontológicos do exercício de profissões liberais o legislador distingue, de forma clara, as mensagens publicitárias de outras que, pelo seu conteúdo, possuem natureza meramente informativa.


23. Por seu turno, resulta do exposto que a posição que defendo é pacífica no seio da instituição representativa das profissões liberais e da Ordem dos Advogados, não se evidenciando, por outro lado, que a prática dessa Câmara Municipal mereça acolhimento por parte de outros municípios.


24. Opõe-se que a afixação de elementos informativos relativos à actividade exercida por profissionais liberais implica a sua difusão pública e por essa via integraria o conceito legal de publicidade, uma vez que se destina a promover a actividade que esses profissionais desempenham.


25. E em abono deste argumento, cita-se o teor do estudo realizado pelo Dr. Carlos Ferreira de Almeida, relativamente ao conceito de publicidade (5), pretendendo que ali apenas se exclui do campo publicitário a informação científica, política, didáctica, lúdica ou humanitária.


26. Perde-se de vista, contudo, no parecer dos serviços municipais, o âmbito em que o citado autor procede à delimitação do conceito. Aquela distinção pretende excluir do âmbito da publicidade todas as formas de comunicação e divulgação pública de ideias que nada tenham que ver com a actividade económica.


27. Ora, num primeiro momento procedeu o autor à identificação do elemento volitivo presente no conceito legal, qual seja, o da intencionalidade, restringindo a informação publicitária “àquela que se apresente com natureza retórica e implicativa, de tom imperativo, de exortação ou de conselho“, pelo que se excluirá do conceito de publicidade “a simples informação descritiva ou estatística“.


28. Assim, não se vê como em tal forma de comunicação persuasiva se possam incluir as mensagens contidas em meras placas identificativas, sem prejuízo de se ter por demais evidente que, tanto a informação descritiva em locais públicos ou visíveis pelo público, como também a publicidade, são formas de comunicação pública. Certo é, porém, que o legislador apenas sujeitou a licenciamento camarário a publicidade.


29. E prosseguindo na análise dos argumentos deduzidos pela Câmara Municipal do Porto para fundamentar o inacatamento da Recomendação nº 8/B/00, dir-se-á não colher, à semelhança do anterior, o argumento de que a proibição de publicitação dos serviços prestados pelos profissionais liberais, decorrente das normas deontológicas respectivas, apenas significa que o legislador não permite que nessas actividades se utilizem os veículos habituais por onde é canalizada toda a publicidade.


30. Ora, como V. Exa., por certo não deixará de reconhecer, tal interpretação não encontra qualquer apoio nos diversos textos legais mencionados, apresentando-se por isso interdita ao intérprete (6).


31. E a este propósito, não posso deixar de acompanhar o teor da posição do Conselho Nacional das Profissões Liberal ao considerar que as normas deontológicas que disciplinam o exercício das profissões liberais devem ser entendidas como regras especiais relativamente ao regime constante do Código da Publicidade.


32. Assim, e mesmo que deste último derivasse uma tal distinção entre actividade publicitária em geral e interdição de utilização por parte de determinados profissionais dos canais e veículos publicitários usuais (o que, repita-se, não se concede) sempre se teria de entender que o preceituado naquelas regras prevaleceria sobre o Código da Publicidade.


33. E menos razoável, e até ilegal, se apresenta a distinção que em função do canal publicitário e do benefício que o particular obtém da mensagem publicitária, a Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais desse concelho estabelece quanto aos montantes a cobrar a título de taxa pela emissão da licença de publicidade.


34. Com efeito, a Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, e o Código da Publicidade, não admitem qualquer distinção em função do canal utilizado para difusão da mensagem publicitária, pelo que se afiguram ilegais as normas da mencionada tabela de taxas e outras receitas municipais, que excedendo o âmbito material das disposições legais que visam regulamentar, estabelecem distinções nos encargos a suportar pelos particulares pelo mesmo acto de licenciamento administrativo.


35. E acrescente-se que tal proibição radica, não só no carácter secundário e executivo dos regulamentos municipais em face da lei (7), como também nos limites constitucionais à fixação dos quantitativos das taxas.


36. O fundamento da taxa é a utilidade concreta proporcionada ao particular por um ente público, pelo que também o quantitativo da taxa deve respeitar esse princípio.


37. O princípio do benefício ou da equivalência económica é o princípio nuclear no que concerne à fixação do montante das taxas, porque justamente estas são pagas em face de uma contrapartida prestada pela Administração Pública. A taxa refere-se, necessariamente, à actividade ou ao bem público que o particular recebe, no seu interesse ou por sua causa, e esta ideia de compensação é, aliás, mais facilmente apreensível no caso em que a Administração Pública presta um serviço.


38. Ora, no caso da emissão da licença de publicidade, o fundamento da taxa reside na necessidade de compensação pelo particular da prestação de um serviço administrativo de remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da actividade de afixação de mensagens publicitárias, pelo que não é diferente tal serviço em função do canal ou do suporte publicitário que se pretende utilizar.


39. Qualquer que seja o veículo utilizado para difusão da mensagem publicitária, as câmaras municipais limitam-se a apreciar se se encontram reunidas as condições indispensáveis para remoção do limite jurídico à actividade dos particulares e se estão a ser respeitados os princípios que regem a publicidade (8), pelo que violam o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido estrito (9), as normas regulamentares que graduam os quantitativos das taxas em função dos veículos publicitários utilizados e do consequente benefício que o utente retira.


40. Tais distinções apenas seriam admissíveis se acaso se fundamentassem numa diferente natureza da actividade levada a cabo pelos serviços municipais, em função da incidência ambiental e urbanística da estrutura a licenciar ou de outras distinções previstas no Código da Publicidade ou, ainda, em legislação especial (10), uma vez que são estes os interesses públicos que justificam o sistema de licenciamento em questão.


41. E não será irrelevante considerar, para efeitos da presente análise, que em sede de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de acto legislativo, de normas de regulamentos municipais que sujeitavam ao pagamento de uma taxa a afixação de publicidade em bens móveis ou imóveis privados (11).


42. Considerou o Tribunal Constitucional tratar-se de encargos devidos pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular, sem que houvesse lugar pela sua parte à utilização de um bem semipúblico ou colectivo, pelo que comungariam da natureza de impostos ou de contribuições especiais. Desde modo, as respectivas normas impositivas seriam inconstitucionais por violação do princípio de reserva de lei parlamentar ou do Governo, mediante autorização.


43. Assim, e quanto aos aspectos mencionados, sempre poderá este Órgão do Estado lançar mão do poder que se lhe encontra legalmente cometido e requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da constitucionalidade das pertinentes normas do Código de Posturas e da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais desse Município (art. 281º, nºs 1 e 2, alínea d), da Constituição, e art. 20º, nº 3, do Estatuto do Provedor de Justiça).


44. Não obstante, por que entendo que V. Exa. não deixará de reponderar o assunto, julgo mais adequado dirigir-lhe a presente comunicação, certo de que não deixarão de ser tidos em consideração os argumentos expostos e as contribuições trazidas pelas entidades consultadas pela Provedoria de Justiça.


II – CONCLUSÕES


De acordo com o exposto, entendo, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, Recomendar:







 a) Que se abstenha a Câmara Municipal do Porto de intimar os proprietários de placas e tabuletas próprias das profissões liberais, quando exibam simples indicações informativas, com vista a promoverem a sua legalização;


b) Que a Câmara Municipal do Porto oriente a Polícia Municipal do concelho no sentido de se abster de instaurar processos de contra-ordenação com fundamento na ausência de licenciamento municipal prévio da afixação de tais placas e tabuletas.


Recordo, por fim, a V. Exª o dever contido no art. 38º, nº 2, do referido Estatuto do Provedor de Justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


Notas de rodapé:


(1) Recomendação nº 8/B/00, remetida em 08.03.2000, através do ofício nº 4185.
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(2) Aprovado pelo Decreto-lei nº 330/90, de 23 de Outubro, com a redacção conferida pelo Decreto-lei nº 275/98, de 9 de Setembro, pelo Decreto-lei nº 51/01, de 15 de Fevereiro e pelo Decreto-lei nº 332/01, de 24 de Setembro.
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(3) Art. 56º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, aprovada pela Assembleia Municipal em 26.07.1999.
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(4) Em anexo, segue cópia da referida comunicação, na qual se elencam as associações públicas profissionais às quais foi remetida para conhecimento.
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(5) In Boletim do Ministério da Justiça, nº 349, pp.115 e segs.
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(6) Art. 9º, nº 2, do Código Civil
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(7) Art. 112º, nº 5, da C.R.P.
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(8) Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 558/98, de 29 de Setembro de 1998, in BMJ, nº 479, p.p.225 e segs., e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Maio de 1999, in BMJ, nº 487, p.p. 201 e segs.
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(9) Art. 266º, nº 2, da C.R.P.
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(10) Cfr., v.g., as restrições impostas à publicidade dos medicamentos, dos produtos farmacêuticos e produtos homeopáticos para uso humano, dos géneros alimentícios, do tabaco, dos brinquedos, ou da publicidade exterior junto a vias de comunicação.
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(11) Cfr. os Acórdão do Tribunal Constitucional nº 558/98 (já citado), e nº 63/99, de 2 de Fevereiro de 1999, in Diário da República, II Série, nº 76, de 31 de Março de 1999.
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