RECOMENDAÇÃO N.º 18/A/2003
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


 
Entidade visada: Presidente do Governo Regional dos Açores
Procº: R-1003/03 (Açores)
Data: 2003/11/05
Assunto: Bolsa de estudo. Reembolso.


 


I – INTRODUÇÃO


A queixa que, no dia 10 de Fevereiro p.p. e no interesse da Senhora Prof.ª A…, motivou a abertura do presente processo na Extensão dos Açores da Provedoria de Justiça suscitava a questão do desmando dos montantes dos reembolsos impostos pelo regulamento de regime de concessão de bolsa de estudo para a frequência de cursos de licenciatura que confiram habilitação para a docência (adiante, apenas Regulamento), aprovado em anexo à Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho (in J.O., I série, nº 24, de 15/06/2000, pág.601 e ss.).


Na verdade, o nº 12 daquele Regulamento dispõe que: 







12. Os alunos bolseiros ficam ainda obrigados a reembolsar a Região Autónoma dos Açores, através do Fundo Regional de Acção Social Escolar, no dobro da totalidade dos valores entretanto recebidos a título de bolsa, incluindo as despesas com passagens, quando:



a) Não cumpram qualquer das condições constantes do nº 8 do presente regulamento;
b) Desistam da frequência do curso em que estejam matriculados;
c) Reprovem por falta de aproveitamento mais do que um ano ao longo do seu curso;
d) Reprovem por falta de assiduidade ou outros motivos a eles directamente imputáveis;
e) Reprovem por razões disciplinares ou por qualquer razão sejam excluídos da frequência do estabelecimento de ensino onde estejam inscritos.


Antecipando, direi que o Provedor de Justiça entende inexistir justificação suficiente para sancionar com o pagamento do dobro do montante da bolsa recebida o incumprimento das condições previstas no nº 8 do Regulamento, ou a desistência da frequência do curso ou, ainda, a reprovação por falta de aproveitamento ou assiduidade ou por razões disciplinares.

Como chegou a ser referido à Senhora Directora Regional da Educação (cf. ofício nº 178, de 2003-02-14, cuja cópia segue em anexo), não está em causa e nem sequer foi reclamado o facto do Regulamento aprovado em anexo à Portaria nº 38/2000 autorizar a Direcção Regional da Educação a pedir o supra mencionado reembolso. Do mesmo passo, considerou a Provedoria de Justiça ser totalmente desajustado alegar o desconhecimento das obrigações inerentes à aceitação da bolsa de estudo, porquanto, desde logo:




i. o modelo de declaração de compromisso de honra que é exigido a todos os beneficiários presta, em excesso, todas as informações relevantes;


ii. incumbe aos interessados a consulta dos termos da Portaria nº 38/2000 ;


iii. vigora no ordenamento jurídico português o princípio da irrelevância da ignorantia iuris , como proclama o artigo 6º do Código Civil.


A questão central que foi suscitada por este órgão do Estado perante a Administração Educativa Regional prendia-se com a circunstância do Regulamento em causa não só prever a obrigação dos beneficiários incumpridores reporem as quantias que houvessem sido atribuídas com o intuito de incentivar a frequência de cursos de licenciatura que conferissem habilitação para a docência mas, igualmente, vindicar esses bolseiros com o ónus do pagamento acrescido – aparentemente a título de sanção – de um outro valor de igual montante.


Acrescidamente, a Provedoria de Justiça notou, criticamente, que, mesmo nas situações em que ocorre reprovação por motivo de doença clinicamente atestada (como, então, parecia ser o caso e como, agora, está indubitavelmente comprovado ter acontecido) não fica afastada, sequer, a obrigação da devolução do dobro das quantias. Relativamente a este aspecto particular, a Extensão dos Açores da Provedoria de Justiça também evidenciou perante a Direcção Regional da Educação, ainda em Fevereiro, o desacerto do facto da devolução do dobro do valor da bolsa ser imposta, igualmente: 



– em situações resultantes de motivos imputáveis aos beneficiários (v.g., quando sem justificação idónea prescindiam do estatuto de bolseiro; ou incumpriam as obrigações previstas no nº 8; ou desistiam da frequência do curso; ou reprovavam por falta de aproveitamento ou por falta de assiduidade por motivos a eles directamente imputáveis); e


– em casos provenientes de razões não imputáveis aos beneficiários (como as reprovações por motivo de doença que originavam a não conclusão do curso).


No já mencionado ofício nº 178, de 2003-02-14, a Provedoria de Justiça também sustentou que o disposto na alínea e) do nº 12 do Regulamento poderia indiciar a possibilidade de ser alcançada decisão contrária àquela tomada relativamente à bolseira A…, na medida em que aquela norma refere, como causa do reembolso do dobro da totalidade dos valores recebidos a título de bolsa, a reprovação por motivos directamente imputáveis aos beneficiários. Assim sendo, por um raciocínio a contrario, a solução poderia (e deveria) ser diferente nos casos de reprovação por motivos não imputáveis aos beneficiários e, designadamente, deixar de impor a dúplice sanção pecuniária (devolução do montante recebido acrescido de igual valor).


Por outro lado e em face da redacção do Regulamento e, em especial, do disposto no respectivo nº 18 (1), ponderou a Provedoria de Justiça a possibilidade da Direcção Regional da Educação avaliar as situações particulares que não podiam, ou não deviam, ser resolvidas por aplicação directa dos procedimentos gerais. Para sustentar a sugestão apresentada, este órgão do Estado chegou a exemplificar com o caso de um beneficiário que, por sofrer um acidente definitivamente incapacitante ou por padecer de doença grave prolongada, não deveria ser obrigado a repor, sequer, as quantias recebidas – e, muito menos, em dobro.


Registe-se que tendo o mencionado ofício deste órgão do Estado sido concluído com duas questões – se ficasse comprovado, por declaração médica aceite pela Direcção Regional da Educação, que era clinicamente desaconselhada a continuação do curso, poder-se-ia dar a aplicação do procedimento previsto no nº 18 da Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho? E, naquela eventualidade, poderia ser revista a imposição da devolução da quantia recebida (ou, pelo menos, do dobro da mesma)? – a Senhora Directora Regional da Educação respondeu que “(…) após revisão do processo, poder-se-á considerar este um caso não previsto no regulamento de concessão de bolsa de estudo. Para tal dever-se-á solicitar à Sra. A… um comprovativo médico de como está clinicamente incapacitada de continuar a frequentar o ensino superior, para posterior decisão da aplicação do previsto no ponto 18 da Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho” (cf. ofício nº 4253, de 10-03-03).


Julgando que o assunto estava em vias de resolução, a Extensão dos Açores da Provedoria contactou a interessada e pediu-lhe que, com urgência, diligenciasse no sentido de ser obtida a necessária declaração médica; em resposta, foi remetido à Provedoria de Justiça um atestado médico o qual, acto contínuo, foi encaminhado para a Direcção Regional da Educação.


Espantosamente, porém, a coberto do ofício nº 7476, de 07-05-03, a Direcção Regional da Educação veio comunicar a este órgão do Estado que “por despacho da Sra. Directora Regional da Educação de 30.04.03, foi indeferida a anulação do pedido de reembolso do dobro do montante recebido a título de bolsa de estudo pela Sra. A…, uma vez que a presente situação é interpretada como prevista nos pontos 11, 12 (alínea b) e c)), 13 e 14 do Regulamento anexo à Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho“.


Estou em crer que a mera sucessão cronológica de decisões contraditórias e desencontradas tomadas pela Direcção Regional da Educação constituiria motivo para a intervenção do Provedor de Justiça, uma vez que é expectável, e exigível, que a Administração actue de forma lógica e coerente na manifestação da sua vontade.


Ao mesmo tempo e como foi já aflorado, revela-se importante questionar o próprio entendimento subjacente ao modelo sancionatório encontrado no Regulamento, parecendo absolutamente despropositado castigar os beneficiários que não puderam concluir os respectivos estudos superiores, apenas porque foram auxiliados pela Região Autónoma através de uma bolsa de estudo.


Finalmente, deve referir-se que estou na posse de elementos documentais – obtidos em acção de inspecção levada a cabo já na fase final da presente instrução – que revelam o carácter algo arbitrário (no sentido de desvinculado das prescrições regulamentares) das decisões relativas à devolução, ou não, imposta aos bolseiros faltosos, notando-se que a Direcção Regional faz uso casuístico de uma pretensa faculdade de autorizar “excepcionalmente” (e injustificadamente) a uns o que proíbe a outros.



II – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


§1. A sanção pecuniária


Conforme ficou dito, não encontro qualquer justificação que possa estar subjacente à obrigação da restitutio ou do ressarcimento através do pagamento do dobro do valor da bolsa. Aliás, atendendo ao facto da Administração “não estar (…) obrigada apenas a prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador -, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares(2), vejo nesta disposição do Regulamento uma violação clara das garantias dos particulares conferidas pelo princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso (artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, ou CPA).


De facto e seguindo o mesmo Autor(3), sempre que colida com as posições jurídicas dos administrados, a decisão da Administração deve conformar-se com o princípio da adequação, com o princípio da necessidade e, finalmente, com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Ora, do que ficou dito – e mesmo descontando a evidente arbitrariedade das decisões que, no mesmo processo ou em processos similares, a Senhora Directora Regional da Educação sustentou – resulta que, em abstracto, a norma posta em crise:



– lesa as posições jurídicas dos administrados de forma inadequada e inapta à prossecução do interesse público visado (porque é totalmente desajustado impor um pagamento adicional à vantagem patrimonial auferida);


– afecta aquelas mesmas posições jurídicas através de um meio desnecessário, (porque a mera imposição da devolução dos valores recebidos cumpriria o desígnio de não permitir o prejuízo do erário público);


– ofende o próprio interesse público (porque não invoca, nem alcança, nenhuma correspondência entre o custo e o benefício).


Impor a um bolseiro – só porque, por alguma razão, incumpriu o compromisso assumido com a Administração Regional dos Açores – a devolução do valor da bolsa acrescido de montante igual (a título de sanção, continua a presumir-se) é, desde logo, injusto. Deste modo, a norma que permite uma tal injustiça deve ser desaplicada. Contudo, até em proveito da certeza e segurança jurídicas, recomendo a pura e simples eliminação de um tal mecanismo sancionatório.


Ademais, não posso evitar lembrar que o procedimento de devolução que vem previsto no Regulamento e que tem vindo a ser seguido pela Direcção Regional da Educação é, patentemente, ilegal, uma vez que não se compagina com as disposições do Código do Procedimento Administrativo [maxime com as relativas ao direito dos interessados a serem ouvidos (artigo 100º, CPA)]. Na realidade, mesmo que se aceitasse (o que não acontece) a validade daquela penalidade pecuniária, a respectiva aplicação teria que estar dependente do cumprimento das disposições do CPA (ou, pelo menos, daquelas referentes à fase do saneamento do procedimento, na expressão de ESTEVES DE OLIVEIRA)(4).


§2. O caso do bolseiro B…


Já mencionei que determinei que a Extensão dos Açores da Provedoria de Justiça verificasse todos os processos de atribuição de bolsa ao abrigo do Regulamento, exactamente com o intuito de garantir que a tomada de posição do Provedor de Justiça sobre a matéria reclamada atendesse à globalidade das situações dos bolseiros e, também, levasse em conta a experiência dos Serviços e técnicos envolvidos.


A visita de inspecção aconteceu no dia 17 de Setembro p.p., depois de previamente concertada com a Senhora Directora Regional da Educação, e contou com a empenhada e diligente colaboração da Directora de Serviços Técnico-Pedagógicos e Formação, Senhora Dra. Cristina Silva (pela qual, reconhecido, manifesto sincero agradecimento). Depois de consultados 33 processos individuais(5) concluiu-se que as decisões de reembolso dos montantes recebidos (e, bem assim, de devolução desses valores em dobro) foram tomadas com base em critérios de apreciação pessoal, sem qualquer enquadramento nas disposições legais aplicáveis, em clara violação do princípio da legalidade e, também, sem qualquer fundamentação.


Registe-se o exemplo do bolseiro B…. cuja situação factual vem sucintamente descrita na informação nº 02, de 07/01/2003 (vide cópia em anexo) e que não pode deixar de suscitar algumas perplexidades. Desde logo, porque a Direcção Regional da Educação constatou que o interessado reprovou duas vezes no respectivo curso, sendo que o nº 12 do Regulamento dispõe que os bolseiros ficam obrigados a reembolsar a Região caso reprovem mais do que um ano [alínea c)]. Depois, porque a informação em causa apurou a verificação das condições inerentes à aplicação da sanção prevista no Regulamento e referia as consequências previstas; contudo, sem qualquer justificação(6), foi proposto superiormente o incumprimento do Regulamento na medida em que foi ‘perdoada’ ao bolseiro a obrigação de devolver o dobro do montante recebido. Finalmente, porque a proposta veio a merecer a aceitação da Senhora Chefe de Divisão e da própria Senhora Directora Regional da Educação que despacha, em 09/01/2003, nos seguintes termos: “considerando os fundamentos da presente informação autorizo conforme proposto na mesma, a título excepcional(7).


Anote-se que os fundamentos da informação nunca autorizariam a ‘dispensa’ do pagamento, simplesmente porque a informação não contém nenhuma motivação, sendo totalmente omissa relativamente às razões que levaram à omissão do pedido de reembolso. Como Vossa Excelência poderá verificar na cópia do documento, a informação em causa apenas contém algumas considerações factuais – de entre as quais permito-me destacar a afirmação “o candidato não transitou para o 3º ano apenas por 0,5 u.c.” (destaque nosso).


Como é bom de ver, não pretende a Provedoria de Justiça obter a revogação da decisão relativa ao bolseiro B… nem, tão pouco, a produção de outra onde lhe seja imposta a obrigação do pagamento do dobro das quantias que tenha recebido. Contudo, não pode o Provedor de Justiça deixar de manifestar grande estranheza pelo facto da Direcção Regional de Educação, motu proprio, ter desaplicado, ali, o nº 12 do Regulamento e, relativamente à ex-bolseira A…. e mesmo após pedido da Provedoria de Justiça baseado em atestado médico, ter negado a possibilidade de uma decisão ‘socialmente preocupada’ (mesmo depois de, primeiramente, a ter viabilizado).


§3. O caso da bolseira A…


Deve dizer-se que a interessada incumpriu a obrigação de comunicar à Direcção Regional da Educação as vicissitudes académicas em que incidiu.


Por outro lado, aceitar-se-ia – se uma tal preocupação houvesse sido invocada – que a elaboração do regulamento de regime de concessão de bolsa de estudo para a frequência de cursos de licenciatura que confiram habilitação para a docência tivesse visado afastar, ou desmotivar, a possibilidade dos beneficiários usarem, indevidamente, as facilidades e os apoios financeiros que a Região criara para colmatar necessidades do sistema de ensino. Contudo, é bom de ver que uma tal ‘antecipação preventiva’ não poderia justificar, jamais, um excesso punitivo; para mais, estou em crer que a mera previsão da obrigação de devolução do valor percebido seria suficiente para alcançar suficientemente esse desígnio desmotivador da fraude.


Já ficou visto, contudo, que nem duas reprovações nem, tão pouco, a redacção do Regulamento impediu que a Direcção Regional da Educação atendesse à situação particular de um bolseiro, não só não lhe exigindo o pagamento da sanção pecuniária como desobrigando-o, até, da devolução dos apoios que recebera.


É neste contexto que importa retornar à situação da Senhora Dra. A… para, naturalmente, confrontá-la com o caso do bolseiro B… e perguntar: 



a) que motivos tão gravosos tornaram irrelevante a declaração médica que comprova ser clinicamente desaconselhada a continuação do curso? E que razões tão ponderosas justificaram a ‘excepcionalidade’ da decisão relativa ao bolseiro B…?


b) que factos impediram que se desse o assunto por encerrado com a devolução das verbas recebidas por aquela bolseira? E que justificação permitiu que o bolseiro nem sequer tivesse que repor os montantes percebidos?


c) por que motivos a Direcção Regional da Educação começou por dizer que “(…) após revisão do processo, poder-se-á considerar este um caso não previsto no regulamento de concessão de bolsa de estudo. Para tal dever-se-á solicitar à Sra. A… um comprovativo médico de como está clinicamente incapacitada de continuar a frequentar o ensino superior, para posterior decisão da aplicação do previsto no ponto 18 da Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho” (cf. ofício nº 4253, de 10-03-03) e acabou concluindo, em sentido oposto, que “por despacho da Sra. Directora Regional da Educação de 30.04.03, foi indeferida a anulação do pedido de reembolso do dobro do montante recebido a título de bolsa de estudo pela Sra. A…, uma vez que a presente situação é interpretada como prevista nos pontos 11, 12 (alínea b) e c)), 13 e 14 do Regulamento anexo à Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho” (ofício nº 7476, de 07-05-03)? E como foi possível que, mesmo sem existir nenhum pedido do interessado e sem qualquer explicação, a Administração tenha desaplicado os nºs 11, 12, 13 e 14 do Regulamento?


Uma última nota: é plausível considerar que, de todos os casos de atribuição de bolsa ao abrigo da Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho, a situação da ex-bolseira A… é a que mais longe se situa da possibilidade de aproveitamento ilícito das facilidades especiais previstas no Regulamento. Na verdade, à data da solicitação da bolsa de estudo a interessada era já docente em um estabelecimento de ensino dos Açores, tendo o pedido visado apenas a obtenção de mais completas habilitações para a docência, ocupação profissional que é exercida há mais de 14 anos.


III – CONCLUSÕES


Ainda que não se ponha em dúvida a legítima vontade da Administração Educativa dos Açores de melhorar o sistema educativo regional, designadamente através do incremento do número de docentes profissionalizados e mesmo não questionando o animus do mecanismo sancionatório previsto no Regulamento, tanto no sentido de desmotivar irreflectidas decisões como, também, de persuadir o esforço e a persistência que são devidas na frequência de estabelecimentos do ensino superior, deve reconhecer-se que o assunto da Senhora Prof.ª A… constituiu um caso de ineficiência administrativa, antes de resultar das apontadas limitações do Regulamento.


Para mais e como foi já destacado, a Direcção Regional da Educação dispunha do mecanismo previsto no nº 18 para, atendendo às particularidades da situação concreta, responder em sentido diverso.


Ainda assim, é também forçoso constatar que o Regulamento não previu – nem regulou devidamente – diversas situações de impressiva relevância social e ética cuja ponderação o Legislador não pode olvidar. Sem pretender perscrutar as ínfimas, e raras, hipóteses teóricas, não pode deixar de referir-se, a título meramente exemplicativo, que uma pessoa com doença oncológica persistente que implique um internamento superior a dois anos não estará, automática e expressamente, isenta da obrigação de devolver o dobro do montante da bolsa, uma vez que mesmo por motivo justificado ou doença clinicamente comprovada apenas é permitida a reprovação, no máximo, em dois anos e na condição de ser concluído o respectivo curso. Como se não bastasse, acresce, ainda, que a penalização que foi efectivamente consagrada revela-se indubitavelmente excessiva, desajustada e – por estas razões – injusta.


E é por este último motivo, com toda a certeza, que mesmo aqueles cuja primeira incumbência é a aplicação das disposições do Regulamento chegam a decidir desaplicar a sanção pecuniária.


Finalmente, a sanção prevista também não leva em conta os diversos graus de incumprimento, sendo susceptível de criar desigualdades por tratar de forma idêntica situações profundamente distintas. Note-se, uma vez mais a título de exemplo, que o Regulamento não distingue na aplicação da sanção (devolução do dobro do valor da bolsa) as situações de dois docentes ex-bolseiros que tenham assumido o compromisso de leccionar na Região durante oito anos, mesmo que um deles tenha ensinado durante sete anos e, o outro, tenha leccionado apenas um mês.


Por tudo isto, melhor será, então, ajustar os preceitos à experiência já percorrida e iniciar o procedimento de alteração do Regulamento, uma vez que não é aceitável permitir que sejam as decisões arbitrárias (e ilegais) dos funcionários dos Serviços a conferir justiça às disposições normativas aprovadas pelo Senhor Secretário Regional e, já agora, poder-se-á aproveitar aquela ocasião para compaginar o procedimento de devolução de verbas previsto no Regulamento com as disposições do Código do Procedimento Administrativo e, designadamente, com o direito de audiência dos interessados (artigo 100º).


IV – RECOMENDAÇÕES


Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, Recomendo a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores: 







A. Que, com urgência, sejam alteradas as disposições que no Regulamento dispõem sobre a obrigação de pagamento do dobro do montante recebido a título de bolsa de estudo, passando a sancionar-se o incumprimento com a mera devolução dos valores recebidos e diferenciando-se as sanções em função da gravidade das prevaricações;


B. Que, especialmente em situações de doença e mesmo prevendo-se mecanismos acrescidos de controlo para evitar a possibilidade de fraude, seja consagrada a possibilidade do reajustamento das contrapartidas assumidas pelos bolseiros em conformidade com a respectiva situação clínica, sob pena de se estar a incorrer em verdadeira violência administrativa;


C. Que sejam dadas instruções aos Serviços sobre a imperiosa necessidade de fundamentar as decisões, também como forma de assegurar a harmonização dos entendimentos seguidos;


D. Que seja reapreciado o pedido da bolseira, Senhora Prof.ª A…, atendendo-se à incapacidade clínica para continuar a frequentar o ensino superior que está medicamente comprovada e fazendo uso do disposto no nº 18 do Regulamento anexo à Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho.


Permito-me lembrar a Vossa Excelência a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38º, nºs 2 e 3, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


 





Notas de rodapé:


(1) Que é do seguinte teor: “Os casos não previstos no presente Regulamento e as dúvidas surgidas na sua aplicação são resolvidos por despacho do Director Regional da Educação” .
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(2) ESTEVES DE OLIVEIRA, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p.103.
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(3) Ibidem, p.104.
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(4) Ob. Cit., Nota II ao art. 100º, p.453.
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(5) A Senhora Directora de Serviços explicou que outros processos estavam em arquivo diferente mas a Provedoria considerou desnecessária a consulta dos restantes. Daí a verificação de que não foram vistos todos os 39 processos de pedido de bolsa ao abrigo da Portaria nº 38/2000 referidos no ofício nº 13177, de 28/08/03, da Senhora Directora Regional.
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(6) A não ser que se entenda, por absurdo, que constitui justificação suficiente a afirmação segunda a qual “(…) o candidato não transitou para o 3º ano apenas por 0,5 u.c.“.
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(7) Uma vez que a Senhora Directora de Serviços mencionou a existência de razões socialmente relevantes para a decisão que foi tomada aceita-se, naturalmente, a existência daqueles motivos atendíveis e não se pretende pô-los em causa. A questão é, obviamente, outra e prende-se com a igualdade de tratamento dos diferentes bolseiros e com a arbitrariedade de algumas decisões.
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