RECOMENDAÇÃO N.º 5/A/03
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Director de Finanças do Porto


Nossa Ref.ª – Proc.º: R-6052/99 (A2)
Data: 2003/03/27


Assunto: IRS/98. Srª D. …


 


I
– Delimitação da questão objecto de queixa –


1. Conforme é do conhecimento de V. Exª, a Provedoria de Justiça tem vindo a acompanhar a definição da situação tributária da cidadã identificada em epígrafe relativamente ao seu IRS do ano de 1998.


2. Para facilidade de exposição, começarei por efectuar uma breve cronologia das principais vicissitudes desse processo: 







– 12.03.1999 – A Reclamante entrega a declaração de IRS/98 e no respectivo preenchimento inclui 532.440$00 de contribuições para a segurança social pagas em 1998 mas referentes a anos anteriores;


– 08.06.1999 – Na sequência de acção de fiscalização, a Reclamante foi chamada ao seu Serviço de Finanças que então lhe terá comunicado que as contribuições retroactivas para a segurança social não poderiam ser aceites como dedução específica daquele ano, pelo que o referido valor de 532.440$00 deveria ser expurgado da sua declaração de rendimentos. Consequentemente, a Reclamante entrega, nesta data, uma declaração de substituição preenchida em conformidade com aquelas informações, pagando a coima respectiva.


– 17.11.1999 – É efectuada a liquidação de IRS/98 resultante do tratamento da referida declaração de substituição, não tendo sido apurado imposto a pagar nem a receber.


– 31.01.2000 – A pedido da Provedoria de Justiça, a Direcção de Serviços do IRS (DSIRS) analisa a questão e conclui que o Serviço de Finanças não se deveria ter limitado a aconselhar a Reclamante a apenas retirar o valor das contribuições retroactivas do campo referente à dedução específica de 1998, antes devendo, simultaneamente, “ter promovido a inclusão da importância despendida no quadro de abatimentos em que efectivamente se integram, pelo que se poderá considerar o lapso cometido como erro imputável aos serviços”. Consequentemente, foi “ordenada à 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, que promova a correspondente correcção oficiosa” (cfr. doc. nº 1, anexo).


– 02.09.2002 – É pago à contribuinte o reembolso apurado na sequência da liquidação efectuada em cumprimento das instruções da DSIRS.


– 07.10.2002 – Questionada pela Provedoria de Justiça quanto ao direito da Reclamante a ver este seu reembolso acompanhado do pagamento de juros indemnizatórios, a Direcção de Finanças do Porto informou nos termos do ofício em referência e documentos que o acompanharam, isto é, e em suma: “toda esta questão teve origem num erro praticado pelo sujeito passivo, não tendo o mesmo procedido a qualquer indevido pagamento” e “a situação em apreço (…) não se encontra abrangida pelo âmbito do art. 43º da LGT”.


3. É por discordar destes pressupostos que concluo em sentido diverso quanto ao direito da contribuinte a juros indemnizatórios. Procurarei evidenciar de seguida os motivos pelos quais estou convicto de que, no presente caso, o reembolso pago em 2 de Setembro do passado ano de 2002 a esta contribuinte deveria ter sido acompanhado do pagamento de juros indemnizatórios.



II
– Os erros imputáveis à contribuinte e os erros imputáveis aos serviços –


1. É indubitável que, num primeiro momento, foi a contribuinte que cometeu o erro de inscrever no campo correspondente à dedução específica dos rendimentos de 1998, o montante que pagara, nesse ano, a título de contribuições retroactivas para a segurança social: pelo menos desde 1992 que a Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) assumira posição expressa sobre a impossibilidade de tal dedução (1), em termos que, face à letra e ao espírito da lei, não são merecedores de crítica.


2. Porém, antes de este erro da contribuinte ter dado origem a qualquer benefício indevido, isto é, antes de ter sido efectuada qualquer liquidação com base nos elementos erradamente declarados, foi a interessada chamada a comparecer no seu Serviço de Finanças e aí, em sede de fiscalização, foi detectado o erro e a contribuinte informada de como corrigi-lo.


3. É nesta ocasião que o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2 se limita a indicar à Reclamante que as contribuições retroactivas não cabem na previsão do artigo 25º do Código do IRS e que, por isso, não são aceites como dedução específica dos rendimentos de 1998, abstendo-se de lhe facultar a informação complementar de que, apesar desta circunstância, tais contribuições eram susceptíveis de abatimento ao seu rendimento líquido desse mesmo ano, por se subsumirem na previsão do então artigo 55º, nº 1, alínea f), do CIRS.


4. Evidentemente que a omissão desta informação complementar não pode deixar de consubstanciar um erro dos serviços, pois estes acabaram por induzir a contribuinte a preencher uma declaração de substituição de modo que não reflectia a posição da DGCI sobre o assunto.


5. Com efeito, já no início de 1998 fora pela DGCI divulgado o entendimento de que as importâncias pagas retroactivamente para a segurança social, embora não pudessem ser consideradas em sede de dedução específica, eram susceptíveis de abatimento ao rendimento líquido total do ano em que fossem pagas (cfr. doc. nº 2, anexo).


6. Este é, aliás, um assunto relativamente ao qual o Provedor de Justiça tomou oportunamente posição, tendo formulado a Recomendação nº 54/A/97, de 8 de Julho (2), na qual foi precisamente defendida a relevância de tais contribuições para efeitos de abatimento ao rendimento líquido total do sujeito passivo. Foi na sequência da decisão de acatamento desta Recomendação que surgiram, precisamente, as instruções divulgadas através do documento nº 2, anexo à presente.


7. Daí que a posição assumida pela DSIRS a respeito do caso concreto desta contribuinte (sumariada no doc. nº 1, anexo) tenha apenas vindo confirmar a sintonia de posições entre este órgão do Estado e a administração tributária acerca da questão de fundo. Ao omitir perante a contribuinte parte relevante da informação que lhe era devida sobre a melhor forma de dar cumprimento às suas obrigações declarativas, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2 incorreu no erro de não enquadrar a situação em apreço de forma consentânea com as instruções que a DGCI oportunamente divulgara a este respeito e cujo conhecimento pelos serviços era evidentemente exigível.


8. Contrariamente ao que ocorreu com o erro cometido pela interessada, que não chegou a produzir efeitos, o lapso/omissão do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2 deu origem à realização de uma liquidação efectuada em 17.11.1999, de que não resultou imposto a pagar nem a receber.


9. Ora, uma correcta actuação do Serviço de Finanças e um rigoroso cumprimento do seu dever de informar a contribuinte em termos que lhe permitissem ficar devidamente esclarecida sobre “a interpretação das leis tributárias e o modo mais cómodo e seguro de lhes dar cumprimento” (cfr. artigo 20º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Tributário, em vigor à data dos factos, sobre o direito dos contribuintes à informação), teria levado ao preenchimento da declaração de substituição de modo a que o montante de contribuições retroactivas para a segurança social fosse, desde logo, inscrito no quadro e campo relativos aos abatimentos.


10. Constatado o erro cometido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2, a DSIRS mais não fez do que extrair daí as inevitáveis consequências: havia que anular a liquidação efectuada em 17.11.1999 e substituí-la por outra que reflectisse a real situação tributária da interessada. Daí a ordem enviada ao referido Serviço de Finanças, em 31.01.2000, no sentido de promover a correspondente correcção oficiosa (cfr. ponto 4. do doc. nº 1, anexo).



III
– O direito a juros indemnizatórios –


1. Na informação anexa ao vosso ofício em referência defende-se não haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, quer porque a situação em apreço teria tido origem num erro inicialmente cometido pelo sujeito passivo, quer porque este não teria procedido a qualquer pagamento indevido.


2. Quanto ao erro cometido pela Reclamante, do que acima ficou dito quanto às respectivas consequências (3) resulta que o mesmo não releva na definição do seu direito a juros: com efeito, nem as incorrecções que levaram à anulação da liquidação de IRS/98 da Reclamante foram motivadas pelo seu erro, nem este deixou de ser punido em sede própria, pois quando apresentou a declaração de substituição destinada a corrigir o seu erro de preenchimento inicial, a Reclamante não deixou de pagar a coima respectiva.


3. Quanto ao argumento de que o sujeito passivo não teria procedido a um indevido pagamento de imposto e que, por tal motivo, não lhe seriam devidos juros indemnizatórios, também creio que não poderá colher, desde logo porque tal requisito é apenas expressamente exigido nos casos previstos no nº 1 do artigo 43º da LGT, norma que não está aqui em apreço pois, manifestamente, não se verificam os seus requisitos de aplicação (dos quais se salienta o de o erro dos serviços ter sido identificado e comprovado no âmbito de processo de reclamação ou de impugnação judicial que, como se sabe, não foi o caso: o erro dos serviços foi, neste caso, oficiosamente reconhecido).


4. Nos restantes pontos e alíneas do mesmo artigo 43º da LGT a exigência de um indevido pagamento de imposto desaparece da previsão legal como requisito do direito a juros indemnizatórios. O exemplo mais flagrante de que o artigo 43º não erige aquele requisito em condição geral do pagamento de juros indemnizatórios é a norma constante do seu nº 3, alínea a) que estipula ser devido o pagamento de juros indemnizatórios quando não for cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos impostos. Ou seja, mesmo não tendo havido imposto indevidamente pago (4) mas sim apuramento de imposto a reembolsar no âmbito de uma liquidação regular, pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, desde que outros requisitos legalmente previstos se verifiquem.


5. Perguntar-se-á, então, qual a norma que, no caso em apreço, pode fundamentar o pagamento dos juros indemnizatórios que venho defendendo serem devidos. Esta situação deve, a meu ver, subsumir-se na previsão do artigo 43º, nº 3, alínea b), da LGT que dispõe:






«3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;»


 


 



6. As instruções da DSIRS, no sentido da correcção oficiosa da liquidação efectuada em 17.11.1999, mais não visaram do que promover a anulação desse acto tributário e a sua subsequente substituição por um outro (a nova liquidação, efectuada com base na declaração oficiosa de correcção entretanto elaborada) que revelasse a real situação tributária da interessada.


7. Não pode, pois, deixar de concluir-se que, passados 30 dias sobre a decisão da DSIRS de promover a anulação da primeira liquidação, sem que a nova liquidação tivesse sido efectuada e o respectivo reembolso pago, nasce o direito da Reclamante a ver tal reembolso acompanhado do pagamento de juros indemnizatórios contados precisamente desde o 30º dia posterior à decisão da DSIRS (que, se não for anterior, data pelo menos de 31.01.2000 – cfr. ponto 4. do doc. nº 1, anexo) até à data da emissão do reembolso que veio a ser pago em 02.09.2002.


De acordo com as motivações expostas, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, e, como tal, Recomendar a V. Exª: 







Que ordene o pagamento, à contribuinte identificada em epígrafe, de juros indemnizatórios calculados sobre o valor do reembolso de IRS/98 que lhe foi pago em 02.09.2002, contados desde 01.03.2000 – por ser este o 30º dia posterior à decisão da DSIRS de promover a correcção oficiosa da liquidação de IRS efectuada em 17.11.1999 (cfr. artigo 43º, nº 3, alínea b), da Lei Geral Tributária) – até à data da emissão do referido reembolso de IRS/98.


 Queira V. Exª, em cumprimento do dever consagrado no art. 38º, nº 2, do Estatuto aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues


 


 


 


 


 


Notas de rodapé:


(1) E divulgou então instruções nesse sentido pelos seus serviços – cfr. Ofício-circular nº X-4/92.
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(2) In Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República 1997, págs. 452 a 456.
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(3) V., nomeadamente, o ponto 2. da parte II da presente Recomendação.
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(4) A não ser que nesta expressão se inclua também o imposto que, na liquidação final, se conclua ter sido retido na fonte em excesso ao longo do ano e que por isso há que restituir oficiosamente. Neste caso, porém, também o caso vertente seria um caso em que houve “imposto indevidamente pago” pois a liquidação final de IRS/98 da Reclamante, como se viu, deu origem a um reembolso pago em Setembro de 2002, revelador de que, ao longo de 1998, foi retido na fonte imposto superior ao que veio a verificar-se ser efectivamente devido.
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