RECOMENDAÇÃO N.º 1/B/06
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Secretário de Estado da Educação
Procº: R-2243/04
Data: 25.01.2006
Assunto: cidadãos deficientes; equivalência à escolaridade obrigatória para efeitos de emprego
Área: Unidade Projecto (UP)


I.
A reclamação


Uma organização de solidariedade social que desenvolve a sua acção como cooperativa mista de educação, de reabilitação e de integração, e que dispõe de um centro que promove cursos de formação profissional (1), apresentou uma reclamação na Provedoria de Justiça sobre a questão da validação do percurso escolar e formativo dos cidadãos portadores de deficiência, designadamente no que toca à equivalência à escolaridade obrigatória para efeitos de emprego.


Em concreto, as situações que motivaram a apresentação da queixa reconduzem-se a casos de exclusão de pessoas portadores de deficiência de inúmeros concursos de  ingresso de pessoal na Administração Pública, não obstante eles terem logrado completar os  respectivos percursos escolares, com fundamento na circunstância de não terem conseguido fazer prova junto dos júris da conclusão da escolaridade obrigatória.


Importa notar que os casos tratados na presente instrução não são susceptíveis de resolução com recurso ao sistema de quotas de emprego para pessoas portadoras de deficiência, criado pelo Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, na medida em que aquele mecanismo apenas abrange pessoas com um grau de incapacidade igual ou superior a  60%. As situações a que me refiro são, portanto, de pessoas com grau de incapacidade inferior a 60% que, como tal, não estão abrangidas por aquele sistema de quotas.


Segundo era referido no texto da reclamação, durante largos anos foi sendo solicitado à Direcção Regional de Educação de Lisboa que – depois de verificar os certificados escolares dos interessados, as declarações das horas de frequência dos cursos de formação profissional, as declarações médicas e os próprios requerimentos – emitisse documentos atestando os respectivos percursos escolares; e a Direcção Regional de Educação de Lisboa foi passando os certificados pedidos que, depois de emitidos, configuravam verdadeiros atestados de equivalência à escolaridade obrigatória, ainda que somente para efeitos de emprego.


Acontece, porém, que, desde Março de 2004, as mesmas solicitações deixaram de ter igual  desenlace, na medida em que começou a ser negada a emissão das declarações atestando os percursos escolares para efeitos de acesso ao emprego, com fundamento na alegada incompetência da Direcção Regional de Educação de Lisboa para passar o pretendido documento.


Esta recusa da Direcção Regional de Educação de Lisboa não foi acompanhada de uma nova “atribuição” de competências a outra entidade ou serviço e resultou, tão somente, numa omissão de certificação do percurso escolar, em prejuízo dos cidadãos com necessidades educativas especiais cujo interesse motivou a apresentação da queixa.


É contra esta negação de certificação que a cooperativa reclamante se insurge, na medida em que, ao mesmo tempo que configura a inaplicação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto (2), impede o acesso aos concursos de ingresso na Administração Pública por falta de habilitação mínima exigida (a escolaridade obrigatória), ou, melhor, por falta da possibilidade da comprovação daquele requisito habilitacional prefixado.


O resultado prático da omissão reclamada é sempre o mesmo: a exclusão dos candidatos dos concursos nos quais são opositores.


Importa deixar claro, desde já, que a presente Recomendação apenas se refere aos casos em que os alunos com necessidades educativas especiais não obtêm aproveitamento no regime educativo comum (e não passam a dispor de diploma de aproveitamento), mas carecem de certificado  especificando as competências alcançadas, ao abrigo do já mencionado artigo 20.º



II.
A instrução


Visando o cabal esclarecimento do problema, e a perspectivação de eventuais soluções, foram estabelecidos contactos com a Direcção Regional de Educação de Lisboa, primeiro, e com o Gabinete do anterior Secretário de Estado da Educação, depois e em resultado do encaminhamento dado ao assunto pelo Gabinete da anterior Ministra da Educação.


Finalmente, foi ouvido o que, sobre esta matéria, entendia o Gabinete de Vossa Excelência, por duas vezes.


Permito-me rememorar o essencial das posições assumidas nas etapas instrutórias já percorridas, por forma a facilitar a compreensão do problema, e da solução propugnada pela Provedoria de Justiça.


§1.
A audição da Direcção Regional de Educação de Lisboa


Instada a pronunciar-se, a Direcção Regional de Educação de Lisboa veio assumir a posição que, contida no ofício n.º 45563, de 08.OUT.2005, me permito abreviar nos seguintes termos:



“(…) não existe actualmente certificação de equivalência à escolaridade obrigatória, a qual inclui os cidadãos portadores de deficiência que, integrados nos regimes de educação especial, matriculam-se aos 6 anos e terminam a escolaridade obrigatória aos 15 anos.
Nesse percurso, que passa por seguirem currículos escolares próprios ou currículos alternativos, existem uma série de medidas alternativas que variam em função do grau e tipo de deficiência, e que podem  conduzir a obtenção de diploma (aproveitamento no regime educativo comum) ou, no caso dos currículos alternativos, à emissão de certificado obtido no termo da escolaridade.
Este certificado tem de especificar as competências alcançadas no quadro dos conteúdos específicos objecto de aprendizagem, conforme estabelece o art. 20º do (….) Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto. (…)
(…) (A) certificação de cumprimento da escolaridade obrigatória, mediante certificado ou diploma e certificado no quadro da legislação citada, deverá obter a sua emissão perante a entidade detentora do processo do aluno e que esteja em condições de certificar o percurso trilhado.
(…) (S)endo os estabelecimentos de ensino quem, normalmente, possui os instrumentos de registo (processo individual, registo biográfico e caderneta escolar) e atento o quadro legal em vigor, mormente quanto às certificações (…), faz sentido que sejam esses estabelecimentos, obedecendo às especificidades existentes, de que são plenos conhecedores, quem incumbe atestar e certificar a sua conclusão ou cumprimento”
.


§2.
A informação da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular


Pelo ofício n.º 797, de 14.JAN.2005, este órgão do Estado solicitou ao Gabinete do anterior Secretário de Estado da Educação esclarecimentos sobre a intenção de, por via legislativa ou regulamentar, vir a ser claramente definida uma entidade especialmente competente para reunir os elementos do percurso escolar e formativo dos alunos com necessidades educativas especiais, e para certificar a respectiva equiparação à escolaridade obrigatória, para efeitos de emprego.


Em alternativa, questionou-se a possibilidade de vir a ser criada legislação autorizando o acesso ao trabalho a pessoas, designadamente com percurso educativo especial (maxime portadores de deficiência), sem a escolaridade obrigatória.


Em resposta, e a coberto do ofício n.º 451, de 05.FEV.2005, o Gabinete de antecessor de Vossa Excelência  transmitiu uma informação da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, que me permito sintetizar a seguir:



“Cumpre-me  informar V.Ex.ª que, no quadro legal vigente, não existe resposta para as questões colocadas pela Provedoria de Justiça.
Cientes das implicações resultantes da falta de enquadramento legal, a situação em apreço foi contemplada no Anteprojecto de Decreto-Lei da Reforma da Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo, o qual prevê:



Entretanto, e enquanto a situação não encontrar resposta por via legislativa, os alunos com necessidades educativas especiais vêem-se impedidos de aceder ao mercado de trabalho por falta de certificação”.


§3.
A posição contida nos ofícios n.s 4391 e 341, de 05.JUL.05 e 06.JAN.2006, respectivamente


A circunstância de, entretanto, ter ocorrido mudança de Governo, motivou a Provedoria de Justiça a ouvir, novamente, a Secretaria de Estado da Educação, agora que Vossa Excelência passou a ser o titular da respectiva pasta.


Escusando-me, naturalmente, a transcrever as respostas que me foram prestadas a coberto dos ofícios identificados em epígrafe, permito-me destacar – para além da informação de que não se perspectiva a retoma de qualquer iniciativa legislativa neste domínio – que, no ponto 8. do ofício n.º 4391, foi explicado que «poderá, naturalmente, vir a ser ponderada a criação de condições de adaptação dos instrumentos de certificação do nível de competências e de aptidões adquiridas pelo aluno com necessidades educativas especiais no contexto do seu projecto educativo próprio, para efeitos de formação profissional ou admissão ao mercado de trabalho  –  cfr artigo 20º do Decreto-Lei nº 319/91.».


E saliento, também, que no ofício n.º 341 é afirmado que segundo «(…) informação prestada pela Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (…) o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto é omisso quanto á entidade a quem compete emitir o certificado especificando as competências alcançadas pelo aluno».



III.
O regime educativo especial aplicável aos alunos com necessidades educativas especiais e a certificação para efeitos de emprego


A Lei de Bases do Sistema Educativo (3) determina que o ensino básico obrigatório tem a duração de nove anos (artigo 6.º, n.º 1), e que a obrigatoriedade de frequência do ensino básico apenas termina aos 15 anos de idade (n.º 4).


E, como dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do regime de matrícula e de frequência no ensino básico para as crianças e jovens em idade escolar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 301/93, de 31 de Agosto (4), «(o)s alunos com necessidades educativas especiais estão sujeitos ao cumprimento do dever de frequência da escolaridade obrigatória».


O mesmo princípio resulta, igualmente, do n.º 2 do artigo 2.º do diploma que regulamenta a gratuitidade da escolaridade obrigatória e os apoios e complementos educativos (o Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro), na medida em que nele se estatui que «(o)s alunos com necessidades educativas específicas, resultantes de deficiências físicas ou mentais, estão sujeitos ao cumprimento da escolaridade obrigatória, não podendo ser isentos da sua frequência».


Esta aplicação integradora das  medidas de adaptação (5) do ensino-aprendizagem das pessoas com necessidades educativas especiais – a que se dá o nome de regime educativo especial – pressupõe, logicamente, a adaptação das condições de frequência escolar dos «alunos com necessidades educativas especiais que frequentam os estabelecimentos públicos de ensino dos níveis básico e secundário», como é expressamente consignado no n.º 1 do artigo 2.º  do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto.


Entre as diversas medidas de adaptação, o artigo 11.º prevê a existência de currículos escolares próprios e de currículos alternativos como procedimentos pedagógicos susceptíveis de permitir «o reforço da autonomia individual do aluno com necessidades educativas especiais devidas a deficiências físicas e mentais e o desenvolvimento pleno do seu projecto educativo próprio» (n.º 1). No primeiro caso, «os currículos (…) têm como padrão os currículos do regime educativo comum, devendo ser adaptados ao grau e tipo de deficiência» (n.º 2 do artigo 11.º). Já «(o)s currículos alternativos substituem os currículos do regime educativo comum e destinam-se a proporcionar a aprendizagem de conteúdos específicos» (n.º 3).


Como resulta, tanto do ofício n.º 451, de 05.FEV.2005, do Gabinete do anterior Secretário de Estado da Educação (em particular, da informação da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular) como, também, dos ofícios n.ºs 4391, de 05.JUL.2005, e 341, de 06.JAN.2006, ambos do Gabinete de Vossa Excelência, a Secretaria de Estado da Educação reconhece que não está assegurada a aplicabilidade do já mencionado artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto.


Com efeito, das posições assumidas por essa Secretaria de Estado no decurso da instrução resulta claro que não está garantido que «(p)ara efeitos de formação profissional e emprego o[s] aluno[s] cujo programa educativo se traduza num currículo alternativo [obtenham], no termo da sua escolaridade, um certificado que especifique as competências alcançadas».


Faço notar que, se no ofício n.º 451 do Gabinete do anterior Secretário de Estado se afirmava que, enquanto a situação não encontrasse resposta por via legislativa, os alunos com necessidades educativas especiais estariam impedidos de aceder ao mercado de trabalho por falta de certificação, já o Gabinete de Vossa Excelência  – tendo começado por dar conta de estar a ser ponderada a criação de condições de adaptação dos instrumentos de certificação do nível de competências e de aptidões adquiridas pelos alunos com necessidades educativas especiais, designadamente para efeitos de admissão ao mercado de trabalho (n.º 4391, de 05.JUL.2005)   -, acabou reconhecendo expressamente a existência de uma omissão legislativa sobre a matéria da emissão dos certificado (n.º 341, de 06.JAN.2006).


Ou seja: nas três ocasiões em que foi chamada a pronunciar-se, a Secretaria de Estado da Educação admitiu a procedência da queixa que me foi apresentada, e a pertinência do pedido que me foi feito, na medida em que reconheceu que  os alunos com necessidades educativas especiais que tenham completado os respectivos percursos escolares especiais estão impedidos de aceder aos concursos de ingresso de pessoal na Administração Pública, por não conseguirem fazer prova da conclusão da escolaridade obrigatória.


De facto, nos termos do regime jurídico de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, são  requisitos gerais de admissão a concurso e provimento em funções públicas, entre outros, possuir as habilitações literárias ou profissionais legalmente exigidas para o desempenho do cargo (artigo 29.º, n.º 2).


Nos termos do n.º 1 do artigo 30.º, a apresentação a concurso é efectuada por requerimento acompanhado dos documentos exigidos no aviso e, adianta o n.º 1 do artigo 31.º, «(o)s candidatos devem apresentar os documentos comprovativos da titularidade dos requisitos especiais legalmente exigidos para o provimento dos lugares a preencher», acrescentando o n.º 3 que, «(n)os concursos externos as habilitações literárias ou profissionais são comprovadas pelo respectivo certificado ou outro documento idóneo».


Comina o n.º 7 do artigo 31.º que «(a) não apresentação dos documentos comprovativos dos requisitos de admissão exigíveis (…) e constantes do aviso de abertura determina a exclusão do concurso».


Pese embora o natural enfoque dado aos concursos de selecção de pessoal para a Administração Pública, deve notar-se que no âmbito de aplicação do Código do Trabalho (6) pode também ocorrer prejuízo similar para os alunos com necessidades educativas especiais, designadamente nas situações de menoridade (7).


Para além de constituir uma não aplicação do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, a não certificação das competências alcançadas pelos alunos com necessidades educativas especiais que não obtêm aproveitamento no regime educativo comum tem como consequência prática o impedimento do seu acesso à função pública.


Assim, a acrescer às demais dificuldades – que, por serem sobejamente conhecidas,  me escuso de repetir -, estes alunos com necessidades educativas especiais ficam, ainda e inapelavelmente, impossibilitados de aceder  aos lugares postos a concurso pela  Administração Pública, desde logo porque não podem fazer prova de que satisfazem o requisito geral de admissão e provimento em funções públicas – i.e., terem concluído a escolaridade obrigatória – para a qual foram compulsivamente encaminhados desde os seis anos de idade, a título de um repetidamente invocado direito à inclusão.


Contudo, os alunos com necessidades educativas especiais no interesse dos quais decorre a presente instrução concluíram, efectivamente, a escolaridade obrigatória, ainda que a circunstância de o terem feito com currículo próprio ou alternativo os remeta para a situação paradoxal – e inadmissível – do Estado se negar a certificar o seu percurso escolar.


No essencial, a situação que me motiva na formulação da presente Recomendação vai muito para além do desrespeito – que, ainda assim, é notório – do princípio da integração dos cidadãos portadores de deficiência (artigo 71.º da Constituição), e desloca-se para uma das bases essenciais da subsistência de forma independente, e com autonomia de vida: o direito ao trabalho, consagrado como fundamental no artigo 58.º, n.º 1, da Constituição.


Ainda que pareça dispensável, por tudo o que já ficou exposto, trazer à colação a questão da liberdade de escolha da profissão e do acesso à função pública, tratada no artigo 47.º da Constituição que, por sua vez, vem inserido no capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias pessoais, permito-me extrair de um recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Julho de 2005 (processo n.º 876/03) uma síntese sobre a aplicação prática daquela disposição da Lei Fundamental. Refere aquele Tribunal, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira (8), que «(e)nquanto no n.º 1 está consagrado o direito de livre escolha de profissão ou género de trabalho, já  o n.º 2 consagra o direito de natureza pessoal de acesso à função pública. A livre escolha de profissão ou género de trabalho implica, por um lado, não ser obrigado a escolher e exercer uma determinada profissão ou não ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se tenham os necessários requisitos, bem como de obter estes mesmos requisitos e, por outro, o direito à obtenção dos requisitos legalmente exigidos para o exercício de determinada profissão, nomeadamente as habilitações escolares e profissionais e o direito às condições de acesso em condições de igualdade a cada profissão».


Também à luz do que ficou agora citado compreende-se a estranheza da situação que motivou a reclamação, na medida em que a limitação da escolha de profissão resulta, unicamente, de não ser possível obter a comprovação do preenchimento de um requisito que está reconhecidamente preenchido.


Ciente de que me refiro a cidadãos portadores de deficiência, impõe-se-me aludir, também, às diversas dimensões do princípio da igualdade inscrito no artigo 13.º da Constituição. Desde logo, a proibição do arbítrio que torna inadmissíveis quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável quer, do mesmo passo, a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais, como é o caso.  De facto, a obtenção de competências e de aptidões pelos alunos com necessidades educativas especiais carece de instrumentos de certificação próprios, devidamente adaptados.


E, enquanto aqueles instrumentos de certificação não forem criados, as dificuldades impostas aos cidadãos com necessidades educativas especiais a que me tenho vindo a referir acaba por reconduzir-se, a final, a um caso de discriminação em razão da deficiência, mais grave ainda pelo facto de atingir, concomitantemente, a possibilidade de aceder a um trabalho na Administração Pública.



IV.
CONCLUSÕES


Devo frisar que não vislumbro especiais dificuldades na resolução do assunto versado na presente Recomendação, na medida em, não parece haver discordância nas premissas:


– por um lado, o termo da escolaridade obrigatória é conditio sine qua non para o ingresso na função pública;
– por outro, existe omissão de certificação das  competências alcançadas pelas  pessoas com necessidades educativas especiais que não obtêm aproveitamento no regime educativo comum no fim dos respectivos percursos escolares; e
– finalmente, é pacífica a necessidade de dar resposta ao problema da não  certificação do percurso escolar daqueles alunos, até porque a omissão  em causa tem reflexos no exercício do direito ao trabalho e, por aquela via, também atinge as possibilidades, já de si remotas, daqueles cidadãos alcançarem a independência de vida e a autodeterminação pessoal.


Na medida em que foi reconhecida a insusceptibilidade do quadro legal vigente dar resposta ao problema abordado na presente instrução, julgo ser pacífica a conclusão da necessidade de produção de disposição normativa prevendo a entidade competente para o passar o certificado das competências alcançadas e, também, definindo o modelo daquele documento.


Permito-me exortar Vossa Excelência para a necessidade da  ponderação, e da adopção, da solução normativa sugerida ser feita com a celeridade que exige o interesse, individual e colectivo, das pessoas que, por força das deficiências de que são portadoras, seguiram  percursos escolares com especificidades próprias, e que continuam impossibilitados de aceder aos concursos de ingresso na Administração Pública.



V.
Recomendação


Em face do que deixei exposto, e no uso do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência  que:







Seja produzida, com urgência, norma legal regulando o modelo da certificação das competências alcançadas pelos alunos com necessidades educativas especiais, e definindo a entidade competente para as atestar, dando exequibilidade ao  disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto.



O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues


 


Notas de rodapé:


(1) Actualmente, através de uma medida específica dirigida a jovens e adultos com deficiência.
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(2) […]
Artigo 20.º
Certificado
Para efeitos de formação profissional e emprego o aluno cujo programa educativo se traduza num currículo alternativo obtém, no termo da sua escolaridade, um certificado que especifique as competências alcançadas.
[…]
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(3) Aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada pelas Leis n.º 115/97, de 19 de Setembro, e n.º 49/2005, de 30 de Agosto.
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(4) Parcialmente revogado (artigos 15.º a 25.º) pela Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro.
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(5) Que, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35/90, podem traduzir-se em equipamentos especiais de compensação; em adaptações materiais ou curriculares; em condições especiais de matrícula, de frequência ou de avaliação; em adequação na organização de classes ou turmas; em apoio pedagógico acrescido; ou, finalmente, em ensino especial [vide alíneas a) a i)].
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(6) Aprovado  pela Lei n.º  99/2003, de 27 de Agosto.
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(7) Com relevância para este assunto, o Código do Trabalho dispõe o seguinte:
[…]
Artigo 55.º
Admissão ao trabalho
1. Só pode ser admitido a prestar trabalho (…) o menor que tenha completado a idade mínima de admissão, tenha concluído a escolaridade obrigatória (…)
2. (…)
3. O menor com idade inferior a 16 anos que tenha concluído a escolaridade obrigatória pode prestar trabalhos leves (…).
[…]
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(8) in CRP anotada, 3.ª edição, pág. 261.
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