RECOMENDAÇÃO N.º 3/B/2004
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)
















Entidade visada: Ministra da Justiça
Procº: P-19/94 (A6)
Data: 2004/02/05

Área: 6
Assessor(a):  Maria Eduarda Ferraz


Assunto: Regime legal da prisão preventiva.








Nota preliminar


O tema da prisão preventiva é um dos que recorrentemente agita a opinião pública, pelas razões conjunturais mais variadas. Será de crer que está o mesmo para a Justiça Penal como a morosidade para os demais ramos do Judiciário.


Se é avisado não se pretender legislar a propósito ou sobre o influxo de casos concretos, não creio também curial que a verificação de situações mais ou menos mediáticas seja suficiente para congelar o debate de ideias.


No que toca ao Provedor de Justiça, a matéria da prisão preventiva é amiúde aflorada, face às queixas recebidas de cidadãos que se encontram na situação em apreço e que, em geral, vêm contestar a sua aplicação no caso concreto.


É portanto verdade que o objecto das mencionadas reclamações se reconduzirá, no essencial, a um problema de aplicação da lei, de todo alheio a este Órgão do Estado, pelo que a maior fatia da matéria em que se inserem tais reivindicações escapará à apreciação e à iniciativa do Provedor de Justiça.


Do teor desses mesmos protestos, já numa perspectiva abstracta, torna-se de qualquer forma possível – quando não necessário e imperioso – extrair alguns aspectos que, do meu ponto de vista, deverão desencadear uma reflexão ponderada sobre o regime legal que actualmente enquadra a medida de coacção aqui em discussão.


É precisamente o que tentarei fazer no âmbito do presente ofício, para efeitos de ponderação no contexto dos trabalhos de revisão do Código de Processo Penal, que se sabe estarem em curso. Refiro ainda, a este propósito, que tenho presente as iniciativas legislativas, em discussão na Assembleia da República, respeitantes ao regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que entendo no entanto, tal como são conhecidas neste momento, não serem suficientes para dar resposta satisfatória ao leque de preocupações concretamente respeitante à prisão preventiva, que a seguir se transmite a Vossa Excelência. Assim sendo, repito, pretendo com a presente iniciativa dar um contributo para os trabalhos legislativos, já encetados, que têm em vista a alteração da lei processual penal, onde terá lugar a solução para os problemas aqui enunciados.


Esclareço, antes de mais, que não serão os requisitos legais que enformam a aplicação da prisão preventiva que estarão aqui em foco – que de todo se não põem em causa, estando já suficientemente acautelados, em termos de ditame legislativo, os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação –, mas alguns outros aspectos específicos do respectivo quadro normativo global, essencialmente quando da sua concretização ressaltam o que entendo constituírem insuficiências do regime legal em apreço.


Tais insuficiências revelam-se, na minha perspectiva, ultrapassáveis – e com isto quero dizer que a superação das mesmas, nos termos propostos no presente documento, não implicará, de forma alguma, qualquer ruptura com os elementos nucleares que caracterizam hoje em dia o instituto da prisão preventiva –, com garantia efectiva dos direitos dos cidadãos aos quais a mesma venha a ser imposta, constituindo ainda uma verdadeira mais valia para a construção de um Estado de direito mais consentâneo com os princípios constitucionais que o regem.


Finalmente, importa explicitar que o objecto desta minha iniciativa se circunscreverá essencialmente a uma das medidas de coacção, precisamente a prisão preventiva, previstas na nossa lei processual penal, sem prejuízo da nota que se fará, por razões de coerência legislativa, no ponto II da Recomendação, relativamente a duas outras medidas processuais, nos termos aí expostos.


Não obstante considerar-se que outras medidas de coacção, mormente a obrigação de permanência na habitação, poderiam igualmente justificar o mesmo tipo de iniciativa levada a cabo através do presente documento, é também inegável que a prisão preventiva é, de entre todas as mencionadas medidas permitidas pela legislação nacional, a que problemas mais específicos acarreta para os respectivos destinatários, pelo afastamento a que os obriga relativamente ao meio familiar e social em que habitualmente se inserem, e pelo esforço subsequente a que os sujeita no sentido da integração num ambiente onde se conjugam, e sentem já, todos os elementos próprios da situação de reclusão para expiação de verdadeiras penas de prisão(1). Acrescem as questões que se suscitam, mais tarde, com a necessidade da reinserção dos mesmos na família e na sociedade das quais estiveram, mesmo que temporariamente, privados.


Conforme adianta Luís Guilherme Catarino(2), “a prisão preventiva, só por si, acarreta inúmeros danos: privação da liberdade, estigmatização, privação ou diminuição de outros direitos fundamentais (inclusive de preparação da própria defesa), e um “déficit de inocência” – aumento das probabilidades de se ser condenado, ou objecto de uma pena mais dura”.


Atenho-me aqui, especialmente, à própria privação de liberdade e aos danos, pessoais e sociais, que uma situação como esta acarreta, em termos familiares e profissionais, em momento anterior ao da obtenção de uma certeza sobre a existência de responsabilidade penal cuja censura seja proporcional a essa mesma privação e efeitos correlativos.
Não entrarei na questão concreta dos prazos máximos da prisão preventiva, não deixando contudo de fazer notar que a sua redução constituiria naturalmente uma das medidas desejáveis no âmbito das alterações à lei processual penal que venham a resultar do conjunto de iniciativas em curso.


 



Recomendação


I) Indemnização por privação da liberdade no âmbito da prisão preventiva


Não valerá a pena trazer de novo à colação os números que envolvem os presos preventivos no nosso país, com influência patente na caracterização dos reclusos e na sobrelotação das cadeias, da parte deste Órgão do Estado já suficientemente ilustrados pelos sucessivos relatórios elaborados a propósito do sistema prisional.


Em contraste com o referido, temos no campo dos valores que norteiam a aplicação da matéria em causa, e para além dos princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade e precariedade associados à aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial em geral, o denominado princípio da subsidariedade especificamente reconduzido à prisão preventiva, com expressão no art.º 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, onde se pode ler que “a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”, e nos art.ºs 193.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.


Conforme escreve Maia Gonçalves(3), o carácter subsidiário da prisão preventiva “significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, além dos parâmetros fixados em outras disposições, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes. Trata-se da extrema ratio dentre as exigências cautelares do processo penal, e não da medida coercitiva por excelência”.


Não entrando obviamente na questão da aplicação concreta das normas que enformam a prisão preventiva, e independentemente de quaisquer estatísticas que envolvam o número de absolvições de presos preventivos – sendo que uma percentagem mesmo marginal dessas situações justificará sempre a apreciação que se fará de seguida –, importa analisar em que termos a legislação em vigor possibilita o ressarcimento de eventuais danos sofridos por aqueles que em determinadas circunstâncias se confrontam com a privação da liberdade, na sequência da aplicação de uma medida daquele tipo.


O princípio geral encontra-se mais uma vez consignado na Lei Fundamental, adiantando o respectivo art.º 27.º, n.º 5, que “a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”.
E a lei estabelece, no que à matéria que aqui nos ocupa importa, no art.º 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que “quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade”, explicitando por seu turno o n.º 2 do mesmo dispositivo que “o disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia”.


Numa explicitação do mencionado dispositivo legal, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 160/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Outubro de 1995), que “no n.º 1 do artigo 225.º em análise prevêem-se não só as prisões ou detenções preventivas manifestamente ilegais levadas a cabo por quaisquer entidades administrativas ou policiais como ainda por magistrados judiciais, agindo estes desprovidos da necessária competência legal ou fora do exercício do seu múnus ou, mesmo actuando investidos da autoridade própria do cargo, se hajam determinado à margem dos princípios deontológicos e estatutários que regem o exercício da função judicial ou impulsionados por motivações com relevância criminal (…). (…) Já no n.º 2 do preceito em apreço se contemplam as situações em que a prisão tenha cobertura legal quer pela qualidade e autoridade do órgão ou agente que a decretou quer pelos pressupostos abstractamente vertidos na lei para tal decretamento”.


Assim sendo, a possibilidade de ser efectuado um pedido de indemnização nos termos referidos circunscreve-se às situações de prisão preventiva manifestamente ilegal ou às que, não traduzindo ilegalidade, revelam uma aplicação da medida injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Quanto a este ponto, vertido no n.º 2 do preceito, pode ler-se no mesmo aresto do Tribunal Constitucional o seguinte: “De realçar que a lei fala em pressupostos de facto e não em pressupostos de direito; é pois claro que pretendeu afastar a respectiva previsão dos casos em que haja sido cometido qualquer erro acerca da lei a aplicar ou da qualificação jurídica dos factos em presença, ou seja, erro de direito em qualquer das suas modalidades de erro na aplicação, erro na interpretação ou erro na qualificação. E isto sem dúvida num objectivo de preservar a independência dos juízes na administração da justiça, os quais apenas se encontram, no exercício da sua competência funcional, apenas limitados pelo dever de obediência à Constituição e à lei e pelo respeito aos juízos de valor legais, não podendo porém ser responsabilizados pelos juízos técnicos emitidos nas respectivas decisões, ainda que estas possam, em via de recurso, ser alteradas por tribunais de hierarquia superior (…)”.


Não contestando o teor do mencionado dispositivo legal, delimitado que se mostra o respectivo alcance através das citações jurisprudenciais acima feitas, entende-se que o mesmo poderá ficar aquém das exigências constitucionais sobre a matéria(4), revelando-se insuficiente a protecção que tal normativo confere às situações que envolvem uma eventual aplicação da prisão preventiva, designadamente não abarcando, no n.º 2, as circunstâncias em que, não se revelando a prisão preventiva injustificada nos termos preceituados na lei, o arguido venha a ser absolvido do crime que a motivou, no processo no âmbito do qual a mesma foi decretada.


Para a análise da questão introduzida, atente-se, na decorrência aliás do que a este propósito impõe o art.º 27.º, n.º 5, da Constituição, já acima referido, em alguns dos valores estruturantes da nossa Constituição Penal que se revelam pertinentes para a sua apreciação.


O art.º 32.º da Lei Fundamental consagra, no respectivo n.º 2, o denominado princípio da presunção de inocência do arguido, adiantando que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.


Precisamente no âmbito de uma apreciação do preceito constitucional mencionado e a propósito da prisão preventiva, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 68/88 (publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Agosto de 1988) que “embora a prisão preventiva não seja incompatível com o princípio da presunção de inocência, quando assente em critérios equilibrados e realísticos (…), a verdade é que, enquanto permite a privação da liberdade antes da condenação, sempre constitui uma forte limitação à efectiva aplicação do princípio, em toda a sua extensão e plenitude (…)”. Acrescenta ser “inegável que em torno de qualquer cidadão que se encontre preso, ainda que preventivamente, se gera uma reacção social de carácter negativo, o que mais justifica a necessidade de uma célere decisão do caso”, e que “com o alongamento da prisão preventiva se corre o risco de o arguido acabar por cumprir “uma verdadeira pena”, muito embora venha a ser posteriormente absolvido”.


E, mais à frente, adianta-se que: “Sendo certo que a prisão preventiva se destina primacialmente a satisfazer exigências de ordem processual, é manifesto que a sua duração se há-de manter dentro dos limites presumivelmente necessários para a satisfação dessas exigências, sob pena de se poderem vir a confundir os objectivos próprios da prisão preventiva com os da prisão para expiação da pena, com manifesta violação do princípio da presunção de inocência do arguido”.


Como conteúdo do princípio da presunção de inocência do arguido, adiantam por seu turno J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira “a proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares”.(5)


Não obstante a jurisprudência atrás referida se reportar essencialmente à questão da duração máxima da prisão preventiva e dos diversos prazos que lhe estão subjacentes, a verdade é que a orientação aí mencionada é bem elucidativa, até por maioria de razão, do impacto, na perspectiva do princípio da presunção de inocência, que o cumprimento de uma medida de coacção como a prisão preventiva pode ter na vida de um cidadão que venha posteriormente a ser absolvido do crime que havia entretanto justificado tal medida.


O art.º 29.º, n.º 6, da Constituição consagra, por seu lado, a imperatividade de, nos termos da lei, ser o cidadão injustamente condenado ressarcido dos danos a esse propósito sofridos, reconduzida aqui a responsabilidade do Estado ao denominado erro judiciário.


Se bem que a aplicação da prisão preventiva a um arguido que venha mais tarde a ser absolvido do crime que a motivou não possa de forma alguma equiparar-se a uma condenação injusta de um cidadão, o certo é que o núcleo essencial do objectivo visado com o preceito constitucional referido revela, no âmbito da questão em análise, alguma pertinência.


Não se pretende equiparar aqui estas duas situações. O que se pretende é tão somente chamar a atenção para a necessidade que o legislador constituinte revela de compensar os prejuízos eventualmente decorrentes da circunstância de um cidadão vir a ser condenado injustamente ou, na perspectiva acima focada, colocado perante uma situação materialmente similar (o que parece indiscutível no caso da prisão preventiva), que venha mais tarde a revelar-se infundada.


A este propósito, refere Luís Guilherme Catarino que “as exigências próprias da investigação criminal impõem por vezes o sacrifício de direitos como a liberdade, mas a sua natureza similar à de uma pena de prisão levantou desde cedo o problema da fungibilidade com a pena errónea sofrida em processo crime. Se nestes casos o Estado admite que o indivíduo superiormente sacrificado na sua segurança e liberdade veja a situação reparada, por maioria de razão tal deve suceder nos casos em que tal “pena” é imposta com maiores riscos, atenta a precariedade da investigação e da prova em que se baseia” (ob. cit., p. 341).


Nas palavras sugestivas de Miguel Pedrosa Machado(6), “importa (…) dizer, para que se não seja tentado a pensar que são meras razões formais (…) a imporem a excepcionalidade, a subsidariedade e a precariedade como regras e condições da aplicação da prisão preventiva, que isso mesmo é indicado e exigido por considerações materiais subjacentes: assim, a sua influência nociva, estatisticamente comprovada, sobre os arguidos a ela sujeitos; assim, a incerteza do preso preventivamente sobre a sua situação jurídica; assim, a quebra dos laços familiares e sociais como factor que afecta de forma negativa a sua personalidade e a sua própria reinserção; tudo isto sem falarmos no facto de a prisão preventiva, cuja natureza jurídico-formal é evidentemente a de uma providência cautelar, e não a de uma verdadeira pena (…), reunir alguns aspectos de que depende a caracterização material da pena: sociológica e culturalmente, vê-se realizado o sofrimento que coloca a sanção penal numa ordem afectiva; empírica e criminologicamente, não se pode negar o paralelismo entre a defesa da excepcionalidade e da subsidariedade desta medida de coacção e da excepcionalidade e da subsidariedade da própria pena de prisão; político-criminalmente, a acentuação das finalidades preventivas da sanção penal não pode deixar de repercutir-se na observação de que a medida de coacção aqui em causa corresponde justamente ao isolamento, por antecipação, do aspecto ou efeito preventivo sobre o aspecto ou efeito repressivo da pena; formalmente, não se esquecerá que é de verdadeira antecipação da sanção que se trata, por isso que o tempo de duração da prisão preventiva será naturalmente computado no tempo da execução final e total da futura e eventual condenação”.


Finalmente, consagra o art.º 22.º do texto constitucional o princípio da responsabilidade civil do Estado, segundo a orientação mais recente da doutrina e da jurisprudência decorrente igualmente da sua função jurisdicional, plasmado de forma específica para a privação da liberdade contrária à Constituição e às leis no respectivo art.º 27.º, n.º 5, e englobando não só a responsabilidade por actos ilícitos, concretizada quanto à matéria que aqui nos ocupa no art.º 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mas também a responsabilidade por actos lícitos, que abarcará a situação prevista no n.º 2 daquela norma processual penal, assumindo aqui o Estado uma responsabilidade directa por actos da função jurisdicional lesivos do direito de liberdade.


Ao fim e ao cabo, como se refere no Acórdão n.º 160/95 do Tribunal Constitucional acima citado, o art.º 27.º, n.º 5, da Constituição “representa o alargamento da responsabilidade civil do Estado (cf. artigo 22.º) a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, não se limitando esta responsabilidade ao clássico erro judiciário (sublinhado meu).


Lembre-se, ainda, a solução legal contida nos art.ºs 461.º e 462.º do Código de Processo Penal, reportada à indemnização que possa ser devida ao arguido pelos danos sofridos no caso de sentença absolutória no juízo de revisão condenatória.


Face ao quadro constitucional e legal acima referido, entendo que a lei, designadamente a norma constante do art.º 225.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, através da qual o Estado assume a responsabilidade directa por actos da função jurisdicional que contrariam o direito de liberdade, estará a concretizar como que “por defeito”, ou como limiar mínimo, as orientações constitucionais sobre a matéria, designadamente ao não admitir a possibilidade de indemnização do cidadão a quem foi aplicada a prisão preventiva, de forma legal e justificada, mas que foi posteriormente absolvido, ou não condenado, pelo crime que a motivou. Isto é, ao não consentir na reparação da prisão preventiva “materialmente ilegítima ou injusta”, na expressão utilizada por Luís Guilherme Catarino (ob. cit., p. 341).
Recordo, a este propósito, a Recomendação n.º R (80) 11 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que definiu algumas orientações para os Estados-membros em matéria de prisão preventiva e onde se defende a previsão ou alargamento da indemnização de quem tendo estado em prisão preventiva não venha a ser condenado.(7)


Ao contrário do que se tem escrito (8), não é bastante, muito menos de modo “pleno”, a actual solução legal para cobrir o conjunto de preocupações que expresso no presente documento. Aqui, o que releva é a ausência de condenação subsequente à prisão preventiva, isto é, o facto de o Estado não ter logrado obter uma convicção tal sobre a culpabilidade do indivíduo em termos de o responsabilizar penalmente com a privação da liberdade. Não é a ilegalidade ou o erro grosseiro que se pretende fundamentarem o ressarcimento dos danos. É, sim, a noção de que um cidadão não deve arcar com o risco de se poder encontrar vários anos em prisão preventiva, com consequências pessoais, familiares, laborais e de outra ordem, sem que, concludentemente, seja estabelecida prova cabal da sua culpa.


É, naturalmente, a comunidade que, em primeira linha, beneficia do instituto da prisão preventiva, aos seus interesses acudindo os pressupostos de aplicação das medidas de coacção, em grau superlativo neste caso. É justo, assim, que seja essa mesma comunidade que suporte os custos de uma prisão preventiva, estabelecida, como se viu, em sua função, e que não é amparada, a final, por um juízo condenatório que confirme a concretização do risco em quem prevaricou.


De resto, grande parte dos países membros da União Europeia, ao contrário do que sucede com Portugal, segue já tal orientação do Conselho da Europa (9), com base em modelos distintos mas que no essencial cumprem o desiderato de reparar, através da atribuição de uma indemnização, aquele que, tendo estado preso preventivamente, vem mais tarde a ser absolvido, ou a não ser condenado pela prática do crime que motivou essa “detenção provisória”.


Razão pela qual se propõe, no âmbito da presente Recomendação, que seja expressamente consagrada, na legislação processual penal, a imperatividade de o arguido vir a ser ressarcido dos prejuízos sofridos em virtude de lhe ter sido aplicada, no âmbito do processo penal e pelo crime relativamente ao qual viria mais tarde a ser absolvido – ou a não ser condenado –, tal medida de coacção, não obstante esta se mostrar legal e justificada para os efeitos previstos no dispositivo legal em vigor, acima identificado.


Tal ressarcimento deve ser automático, ou seja, não deve estar sujeito a qualquer limitação que envolva uma prévia qualificação dos tipos de prejuízos admissíveis para a atribuição da indemnização, embora naturalmente o valor da indemnização deva atender aos prejuízos efectivamente sofridos em cada situação concreta. Nas palavras de Luís Guilherme Catarino (10), “devem-se afastar as teorias administrativistas do prejuízo, interpretando-se os requisitos exigidos pelo legislador dentro de um princípio da igualdade (é especial o sacrifício desigual e anormal o sacrifício grave), como condição de admissibilidade da reparação. Assim, se um detido se encontrar manifestamente inocente, existe um prejuízo anómalo e grave, mesmo que o montante do prejuízo patrimonial seja reduzido. (…) Tal como num outro caso de responsabilidade por acto lícito (erro judiciário clássico), devem-se afastar teorias de aceitação de “mínimo de isenção” ou de “quota de prejuízo” (reparação por prejuízo quando anómalo ou grave). A reparação baseia-se no sacrifício imposto ao particular em favor da colectividade, cuja inocência posteriormente demonstrada revela um prejuízo inexigível e grave: grave pela inocência e grave pela violação do interesse colectivo na boa administração da justiça”.


Naturalmente que da previsão da atribuição da indemnização referida deverão ser excluídos, por exemplo, os beneficiários da concessão efectiva de uma amnistia ou perdão genérico. Admito também que, acatando-se as recomendações que enuncio em II e III, possa ser ajustado o leque de situações indemnizáveis, por simetria com a maior abrangência que adiante se preconizará em matéria de desconto e de limite máximo de duração da prisão preventiva.


Face ao exposto, recomendo a Vossa Excelência que







A) o Governo promova, junto da Assembleia da República, no quadro da anunciada revisão parcial do Código de Processo Penal, iniciativa legislativa tendo em vista a modificação do art.º 225.º deste Código, estabelecendo que ao arguido que tenha cumprido, no decurso de um processo penal, um determinado tempo em prisão preventiva, e que não venha a ser condenado, nesse mesmo processo, pelo crime que a motivou, seja atribuída uma indemnização pelos prejuízos sofridos na sequência da aplicação da referida medida de coacção.


Da referida previsão deverão ser excepcionadas situações como as referentes a arguidos que venham a beneficiar efectivamente da concessão de uma amnistia ou de perdão genérico.



II) Desconto da prisão preventiva


Importa agora atentar no regime legal, estabelecido no art.º 80.º do Código Penal, que enquadra o desconto das medidas processuais no cumprimento da pena que concretamente vem a ser aplicada aos destinatários das mesmas.


Relativamente ao desconto do tempo cumprido pelo arguido em sede de prisão preventiva no tempo de cumprimento da pena concretamente aplicada (e também no que toca às duas outras medidas processuais a que se reporta a norma), tem entendido a jurisprudência que tal imposição legal só vale para as situações em que o desconto da medida processual em causa ocorre no mesmo processo em que o arguido vem a ser condenado, não considerando assim os tribunais que a prisão preventiva sofrida pelo arguido num processo no qual mais tarde vem a ser absolvido possa ser descontada na pena que ao mesmo for aplicada noutro processo em que, por sua vez, vem a ser condenado, e no âmbito do qual não lhe foi aplicada tal medida de coacção.


A título ilustrativo, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Dezembro de 1989 (in “Boletim do Ministério da Justiça” n.º 392, 1990, pp. 392 e ss.) que “só a prisão preventiva – e toda ela – que o arguido tiver sofrido no processo em que contra ele venha a ser proferida condenação lhe será descontada. O que inculca também que, por nenhuma restrição aí se fazer, esse desconto terá lugar mesmo que a prisão preventiva tenha sido imposta com referência a crime imputado diverso daquele por que venha a ser condenado. (…) O que releva é que os vários factos, embora imputados em processos diferentes, constem afinal de um só processo, unificado pela apensação (sublinhado meu).


Adianta-se no mesmo aresto ser também aquela “a opinião do Conselheiro Maia Gonçalves (…) que a exprime afirmando que “é, portanto, a unidade do processo, e não a do facto ou do crime que conta para o efeito” (in “Código Penal Português Anotado e Comentado”).
Socorre-se o Tribunal de um outro Acórdão seu, de 22 de Fevereiro de 1984 (11), no qual se diz que “o desconto da prisão preventiva, a que se refere o artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, só pode ter lugar no processo em que o réu haja sido condenado e pelos crimes por que tenha sido julgado, não compreendendo outros processos em que o réu haja sido julgado em separado e absolvido”.


A mesma orientação aparece expressa num Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Outubro de 1997 (referente ao recurso n.º 5647/97), onde se lê não caber “na letra nem no espírito da norma (…) os processos em que o réu foi separadamente julgado e condenado ou absolvido”.


Isto leva-nos à conclusão de que tal possibilidade só é passível de ser accionada no âmbito da denominada conexão de processos, estabelecida nos termos dos art.ºs 24.º e seguintes do Código de Processo Penal. Ou seja, nos casos previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do dispositivo legal, sendo que a mesma conexão “só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento” (n.º 2 da norma).


De qualquer forma, tem entendido a doutrina que a mesma solução deve ser aplicada à situação em que os processos inicialmente apensados venham a ser, nos termos do art.º 30.º do Código de Processo Penal, separados. Assim, adianta Germano Marques da Silva que, “se o agente foi acusado pelos crimes A, B e C, no mesmo processo, mas posteriormente, por razões processuais, se procedeu à separação de processos (…), e o arguido vier a ser absolvido num deles e condenado no outro, parece-nos que a razão determinante do desconto se mantém” (12). No mesmo sentido se pronuncia ainda Maia Gonçalves.(13)
Isto faz com que, no contexto do concurso de infracções, ou melhor, na situação em que se encontram reunidos os requisitos constantes dos art.ºs 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do Código Penal, tendo os crimes sido julgados em processos autónomos, e não concorrendo para a fixação da pena única ou conjunta os processos de entre aqueles em que o arguido venha a ser absolvido mas no âmbito dos quais lhe foi imposta a prisão preventiva, já não pode o tempo de privação da liberdade correspondente ao cumprimento desta ou destas prisões preventivas vir a ser-lhe descontado na pena que resultar da efectivação do eventual cúmulo jurídico.


Tal desconto já se verificará no entanto se, no âmbito de um mesmo processo em que o arguido vem indiciado pela prática de vários crimes, for absolvido daquele que motivou a aplicação da prisão preventiva e condenado pela prática de outro ou outros crimes que não desencadearam a aplicação de tal medida de coacção.


São elucidativas, a este propósito, as palavras do Professor Germano Marques da Silva, que aqui se transcrevem: “Parece-nos que a disciplina do desconto do tempo de privação da liberdade é insuficiente e injusta. Com efeito, se o arguido for acusado num mesmo processo por dois ou mais crimes e sofrer prisão preventiva nesse processo em razão de um deles (v.g. porque só relativamente a esse a lei admite a prisão preventiva), mesmo que venha a ser absolvido desse crime o tempo de prisão preventiva será descontado na pena aplicada aos restantes. Mas se forem instaurados processos autónomos e for aplicada a prisão preventiva num dos processos e o arguido vier a ser absolvido nesse processo, o tempo da prisão preventiva não será descontado na pena em que vier a ser condenado noutro ou noutros. (…) Ora, se ele viesse a ser condenado no processo em que sofreu a prisão preventiva, em função do cúmulo jurídico, o desconto iria ter influência sobre a pena única aplicada a final, mas se for absolvido já não o será. Parece-nos haver incoerência da lei”.
Acresce que a experiência demonstrará que é normal a não aplicação de medida de coacção mais gravosa a arguido que já a ela está adstrito noutro processo, assim, efectivamente, podendo supor-se a existência de uma hipotética decisão aplicativa de prisão preventiva nesse processo, a accionar se e só se fosse feita cessar idêntica medida noutro processo. (14)


Assim, propõe-se, com base no que fica dito e na fundamentação do ponto I) da Recomendação, aplicável no seu aspecto nuclear à presente questão e que aqui se dá como reproduzida, que a legislação penal passe a explicitar, na situação do concurso de infracções em que os crimes foram julgados em processos autónomos, e tendo o arguido sido absolvido em um ou em vários desses processos em que lhe tenha sido imposta a prisão preventiva, que possa esta vir a ser-lhe descontada na pena única aplicada no âmbito do cúmulo jurídico que se venha a efectivar relativamente aos crimes pelos quais, nas condições referidas, o arguido veio afinal a ser condenado.


No âmbito da matéria em análise, e perante a disposição constante do art.º 137.º do Código Penal Italiano, bastante mais ampla do que a nossa, já que impõe o desconto de toda a prisão preventiva sofrida pelo agente antes de a sentença se tornar irrevogável, entende Mario Romano, com base em princípios afinal de contas universais no âmbito de um Estado de direito democrático, e acima expendidos, que tal desconto é aplicável ainda que a prisão preventiva tenha sido aplicada em procedimento diverso daquele em que teve lugar a condenação (15).


Desta forma dar-se-á também resposta mais completa ao teor do n.º 17 da Recomendação do Conselho da Europa acima citada.


Nestes termos, recomendo a Vossa Excelência







B) que o Governo tome a iniciativa de propor à Assembleia da República, mais uma vez no âmbito da anunciada revisão da legislação penal, que esta passe a explicitar, na situação do concurso de infracções em que os crimes foram julgados em processos autónomos, que o tempo de prisão preventiva cumprido no âmbito dos processos em que o arguido veio a ser absolvido, possa ser descontado na pena única aplicada no âmbito do cúmulo jurídico que se venha a efectivar relativamente aos crimes pelos quais, nas condições referidas, o mesmo arguido veio afinal a ser condenado.


C) Idêntica solução legal se recomenda, por razões de coerência da legislação que enquadra a matéria (v. art.º 80.º do Código Penal), para as medidas processuais correspondentes à detenção e à obrigação de permanência na habitação.



III) Prazos de duração máxima da prisão preventiva no âmbito do concurso de infracções


Analise-se finalmente, no contexto também do concurso de infracções e da possibilidade de efectivação do cúmulo jurídico quanto à prática de um conjunto de crimes, a questão que a seguir vem exposta, e que decorre da circunstância de os prazos de duração máxima da prisão preventiva prescritos no art.º 215.º do Código de Processo Penal, se reportarem à prisão preventiva cumprida no âmbito de um só processo, conclusão que se retira designadamente da disposição contida no art.º 217.º, n.º 1, da mesma legislação, onde se pode ler que “o arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo”.


Suponhamos que no decurso de uma situação em que o arguido cumpre, no âmbito de um determinado processo, uma medida de coacção correspondente à prisão preventiva, vem aquele mesmo arguido a ser constituído arguido no âmbito de um outro processo, sendo-lhe, neste caso, aplicada uma medida de coacção que não a prisão preventiva, já que esta não se mostrará então necessária, atento o facto de o arguido se encontrar preso por conta do primeiro processo (16).


Receia-se que, neste caso, as autoridades judiciárias tendam, de alguma forma, a descurar o célere andamento das investigações e das averiguações sobre os factos indiciadores da prática do crime relativo ao segundo processo, já que não só têm o arguido preso como, partindo do princípio de que se mostram preenchidos os requisitos legais para o efeito, terão a possibilidade de aplicar ao mesmo arguido uma nova prisão preventiva, desta feita no âmbito deste último processo, mormente na fase final de execução da primeira prisão preventiva, garantindo assim a manutenção da detenção daquele.


Ora, a situação descrita fará com que se verifique um prolongamento da pena privativa da liberdade, através da aplicação de sucessivas prisões preventivas, levando tal mecanismo à colocação do destinatário das mencionadas medidas processuais numa situação que considero insustentável do ponto de vista constitucional, mormente por contrariar o disposto no art.º 30.º, n.º 1, da Lei Fundamental, quando vem aquele dispositivo proibir as penas privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.


A propósito do referido preceito constitucional, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que “o princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas (…) privativas ou restritivas da liberdade (…) é expressão do direito à liberdade (…), da ideia da proibição de penas cruéis, degradantes ou desumanas (…) e, finalmente, da ideia de protecção da segurança, ínsita no princípio do Estado de direito” (17).


Pretende-se obviar, com a orientação que a seguir se propõe, à possibilidade de concretamente poder um cidadão ser colocado, por aplicação sucessiva da medida de coacção correspondente à prisão preventiva, numa situação manifestamente desviante do espírito do legislador constituinte sobre a matéria, e dos fins que presidiram à inclusão de uma norma daquele tipo no texto constitucional.


As preocupações aqui presentes inserem-se no contexto em que a lei enquadra o denominado concurso de infracções, e na situação em que o arguido cumpre, no âmbito de um determinado processo, uma medida de coacção correspondente à prisão preventiva, vindo aquele mesmo arguido, no decurso de tal cumprimento, a ser constituído arguido no âmbito de um outro processo, e sendo-lhe, neste caso, aplicada uma medida de coacção que não a prisão preventiva (podendo esta ser-lhe aplicada, por se mostrarem preenchidos os requisitos legais para o efeito, mas não o sendo atenta a circunstância de o arguido se encontrar preso por conta do primeiro processo). A questão coloca-se quando a prisão preventiva vem, mais tarde, mormente quando o cumprimento da primeira prisão preventiva se mostra efectivado, a ser aplicada ao mesmo arguido no âmbito do segundo processo.


Sugere-se, então, que na situação identificada, possa o tempo decorrido desde a aplicação, neste segundo processo, da primeira medida de coacção, ser contabilizado para efeitos, e unicamente para estes, da contagem dos prazos de duração máxima da segunda medida, ou seja, da prisão preventiva, que o arguido vem igualmente a sofrer no segundo processo.


Tal solução constituiria ainda um incentivo para que as autoridades judiciárias não descurassem o andamento da investigação e da averiguação dos factos indiciadores da prática de um crime, motivados pela circunstância não só de terem já o arguido preso, como de disporem ainda da possibilidade de o conservar por mais tempo detido, na sequência da aplicação de uma eventual nova prisão preventiva, conforme acima aflorado.


Dou aqui como reproduzida a fundamentação atrás expendida nos pontos I) e II) da Recomendação, aplicável no seu aspecto essencial à presente matéria.


A situação aqui em análise insere-se no contexto em que a lei enquadra o denominado concurso de infracções, e na situação em que o arguido cumpre, no âmbito de um determinado processo, a prisão preventiva, vindo a mesma pessoa, no decurso de tal cumprimento, a ser constituída arguida no âmbito de um outro processo, e sendo-lhe, neste caso, aplicada uma medida de coacção distinta da prisão preventiva (até porque o arguido já se encontra detido por conta do primeiro processo). A questão coloca-se quando, mais tarde – e designadamente quando o cumprimento da primeira prisão preventiva se mostrar efectivado –, uma nova prisão preventiva vem a ser aplicada ao mesmo arguido no âmbito do segundo processo.


Assim, recomendo a Vossa Excelência







D) que o Governo submeta à aprovação da Assembleia da República, no contexto dos trabalhos de revisão anunciados, proposta no sentido de vir a ser incluída na lei penal a possibilidade de, na situação descrita, poder o tempo decorrido desde a aplicação, neste segundo processo, da primeira medida de coacção, ser contabilizado para efeitos, e unicamente para estes, da contagem dos prazos de duração máxima da segunda medida, ou seja, da prisão preventiva, que o arguido vem igualmente a sofrer no segundo processo, nos termos explicitados no parágrafo antecedente.


Entendo que estas propostas podem contribuir para o aperfeiçoamento da legislação que enquadra a prisão preventiva e uma melhor garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, sem prejuízo da eficácia da Justiça Penal e da prossecução dos interesses, públicos como privados, que a mesma comporta.


Na expectativa de que as recomendações acima formuladas venham a merecer o acolhimento desejável, aguardo naturalmente pela comunicação de Vossa Excelência sobre a posição que o Governo venha a tomar perante o teor das mesmas.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues


 


Notas de rodapé:


(1) É de sobejo conhecida a praticamente ausência de separação entre reclusos em situação de prisão preventiva e já condenados, num cenário de sobrelotação para o qual se não vê fim, mesmo a médio prazo.
| voltar atrás |


(2) A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, Almedina, Coimbra, 1999, p. 354.
| voltar atrás |


(3) Código de Processo Penal Anotado, 10.ª edição revista e actualizada, 1999, p. 410.
| voltar atrás |


(4) Sendo certo que a remissão constitucional para “os termos da Lei”, que lhe confira exequibilidade, não pode ser um cheque em branco, devendo, quer em termos de avaliação do limiar de censurabilidade constitucional, quer em sede de avaliação da desejabilidade para mais perfeito cumprimento do programa constitucional, ser efectuado o devido enquadramento nas normas e princípios da Lei Fundamental, no seu conjunto. Isto para esclarecer que a ausência de censura constitucional não significa a inexistência ou a irrelevância de impulsos para a melhoria, por meios normativos ou não, da actuação estadual e da sua articulação com os direitos fundamentais do cidadão.
| voltar atrás |


(5) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, 1993, p. 203.
| voltar atrás |


(6) “Revogação da prisão preventiva (…)”, in “Direito e Justiça”, V. 5 (1991), pp. 281 e ss.)
| voltar atrás |


(7) Tradução minha do conteúdo do seu n.º 18.
| voltar atrás |


(8) Cfr. João de Castro e Sousa, “Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal – o novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, pg. 163.
| voltar atrás |


(9) Cfr. a obra citada de Luís Guilherme Catarino, em especial a pgs. 350 e segs, onde se referem designadamente os casos da Itália (art.ºs 314.º e 315.º do “Codice di Procedura Penale” de 1988), França (art.ºs 149.º e 150.º do “Code de Procédure Penale” de 1970 e respectivas alterações), Espanha (art.º 294.º da Ley 6/1985, de 1 de Julio – Ley Organica del Poder Judicial), Alemanha (art.º 2.º, n.º 2, da StrEG – Gesetz über die Entschädigung für Strafverfolgungsmaßnahmen, de 8 de Março de 1971) e Bélgica (art.ºs 27.º e 28.º da Lei de 13 de Março de 1973 relativa à indemnização em caso de prisão preventiva indevida, título dado à Lei de 20 de Abril de 1874 pelo art.º 48.º, n.º 2, da Lei de 20 de Julho de 1990 respeitante à prisão preventiva).
| voltar atrás |


(10) Ob. cit., p. 380.
| voltar atrás |


(11) Sumariado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 341, p. 467.
| voltar atrás |


(12) Direito Penal Português, III, Verbo, 1999, p. 177.
| voltar atrás |


(13) Código Penal Português Anotado e Comentado, 14.ª edição, 2001, p. 273.
| voltar atrás |


(14) Ob. cit., p. 178.
| voltar atrás |


(15) Commentario Sistematico del Codice Penale, II, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1996, pp. 342 a 345, obra cuja referência se colheu em Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Lisboa, 1993, pg. 297.
| voltar atrás |


(16) De acordo com raciocínio similar ao acima exposto, o qual, como disse, se mostra empiricamente como frequente e até, por que não dizê-lo?, “natural”.
| voltar atrás |


(17) Ob. cit., p. 197.
| voltar atrás |