RECOMENDAÇÃO N.º 9/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente do Governo Regional dos Açores
Procº: R-3694/03 (Aç)
Data: 2004/10/25
Assunto: Suplemento de função inspectiva. Destacamento.
Área: A4 – Açores


I – INTRODUÇÃO


Em Fevereiro de 2002, a Inspecção Regional das Pescas (IRP) solicitou ao Instituto de Alimentação e Mercados Agrícolas (IAMA) o destacamento do veterinário A…, técnico superior principal do quadro deste instituto.


Fundamentava o destacamento requerido a necessidade de possibilitar à IRP o exercício das competências próprias com recurso a pessoal detentor das qualificações necessárias à verificação, designadamente, do cumprimento e da adequação das regras higiossanitárias e técnico-funcionais dos estabelecimentos da indústria transformadora da pesca e das estruturas de primeira venda de pescado fresco e congelado, bem como da adequação às normas higiossanitárias e do respeito das condições de conservação do pescado e seus subprodutos, frescos e refrigerados, nomeadamente os destinados à exportação, na área dos portos de pesca (v. alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 11/2000/A, de 29 de Março).


Em 18 de Março do mesmo ano, foi autorizado o destacamento.


O funcionário destacado reclamou o direito à percepção do suplemento de função inspectiva.


A pretensão foi-lhe negada com os fundamentos seguintes:







a) É ilegal o destacamento de funcionário da carreira técnica superior do regime geral para exercício de funções em carreira inspectiva.


b) O suplemento de função inspectiva só é devido ao Inspector Regional das Pescas, ao pessoal dirigente e ao pessoal das carreiras de inspecção das pescas em exercício de funções na IRP.


c) O exercício de funções inspectivas por funcionário não integrado em tal carreira não pode justificar a percepção do referido abono, podendo o mesmo ser ressarcido por eventuais prejuízos através dos mecanismos legais apropriados.


O objecto da queixa, tal como delimitado pelo reclamante é, pois, o de saber se este, funcionário em exercício de funções inspectivas na IRP mas não integrado na carreira de inspecção, tem direito a suplemento remuneratório previsto no âmbito de tal exercício.



II 
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
A

A IRP foi instituída pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 11/2000/A, de 29 de Março, exercendo as suas competências em coordenação com a Inspecção-Geral das Pescas (IGP) —v. artigo 3.º —.


A versão original do artigo 15.º deste decreto regulamentar previa que os grupos de pessoal técnico superior e de pessoal técnico integravam as carreiras do regime especial de inspecção, aplicando-se-lhes o regime previsto na orgânica da IGP (então o Decreto-Lei n.º 92/97, de 23 de Abril) para o pessoal de inspecção daquele organismo.


A orgânica da IRP foi alterada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 25/2002/A, de 31 de Agosto, conforme determinara o Decreto Legislativo Regional n.º 22/2001, de 13 de Novembro (v. artigo 2.º). Este diploma aplicou à Região Autónoma o Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril, que estabelece o enquadramento e define a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública.


Com tal alteração, por força do novo n.º 1 do artigo 14.º, as carreiras de regime especial de inspecção de pescas integram a de inspector superior de pesca, a de inspector técnico de pesca e a de inspector-adjunto de pesca.


O regime de modificação da relação jurídica de emprego está regulado no capítulo IV do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.


Quanto à transferência, dispõe-se no artigo 25.º que “consiste na nomeação do funcionário sem prévia aprovação em concurso para lugar vago do quadro de outro serviço ou organismo, da mesma categoria e carreira ou de carreira diferente (…)”.


Já o destacamento é o “exercício de funções a título transitório em serviço ou organismo diferente daquele a que pertence o funcionário ou agente, sem ocupação de lugar do quadro, sendo os encargos suportados (…) pelo serviço de origem, (…)”. O n.º 2 do artigo 27.º acrescenta que o destacamento faz-se para a categoria que o funcionário já detém.


O artigo 23.º da orgânica da IRP (na redacção anterior às alterações produzidas pelo Decreto Regulamentar Regional nº 25/2002/A, de 31 de Agosto) previa a atribuição de um suplemento de risco. Tal norma, nunca foi, contudo, regulamentada.


É com o Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril, que é criado o suplemento de função inspectiva, fixando o artigo 12.º os termos da sua atribuição.


Na redacção resultante do Decreto Regulamentar nº 25/2002/A, de 31 de Agosto, o artigo 21.º da orgânica da IRP dispõe que “o inspector regional das Pescas, o pessoal dirigente e o pessoal das carreiras de inspecção de pesca, em exercício de funções na IRP, têm direito (…) a um suplemento remuneratório, correspondente a 22,5% da respectiva remuneração base.”


Por força do artigo 19.º do diploma nacional, o abono do suplemento da função inspectiva produz efeitos a 1 de Julho de 2000.



B

Na análise da questão controvertida parece-me que não é possível deixar de discriminar dois momentos na modificação ocorrida na relação jurídica de emprego em que o reclamante é parte.


É certo que o funcionário só pode ser destacado para categoria que já detém — o que aliás se justifica porque o vencimento continua a ser assegurado pelo serviço de origem. Mas, isso “não impede a possibilidade do desempenho de funções inerentes a categoria superior à detida, desde que para tanto preencha os necessários requisitos de habilitação” (Adalberto Macedo, “O Destacamento na Função Pública Portuguesa”, in Revista da Administração Pública, ano I (1978), n.º 2, pp. 235). Ou, dito de outra forma “(N)o destacamento não se exige identidade ou afinidade de funções, mas apenas que o destacado mantenha a categoria que já detém” (Ac. STA, de 13 de Fevereiro de 1992).


Mutatis mutandis, o mesmo se diga do exercício de funções compreendidas em categoria de diferente carreira. No caso concreto com este sentido: é certo que a carreira de inspecção de pescas é uma carreira de regime especial, mas a respectiva estrutura indiciária contém-se dentro do limite máximo do índice 900, comum às carreiras do regime geral; a distinção relativamente às últimas faz-se apenas por via da diferente designação e pelo regime especial de trabalho.


Assim, o destacamento far-se-á para igual categoria. Mas, as funções irão ser desempenhadas de acordo com as habilitações do funcionário e as necessidades do serviço de destino, sendo certo que a um veterinário que integra a carreira técnica superior das carreiras do regime geral não pode deixar de reconhecer-se as habilitações necessárias ao exercício de funções inspectivas na Inspecção Regional das Pescas.


E que o exercício de funções inspectivas apenas pode caber a funcionários integrados de iure em carreiras de inspecção é o que falta demonstrar.


Veja-se por exemplo o já citado Decreto-Lei n.º 92/97, de 23 de Abril, (mantido temporariamente em vigor pelo Decreto-Lei n.º 246/2002, de 8 de Novembro, mas revogado pelo Decreto-Lei nº 14/2004, de 13 de Janeiro); aí se prevê expressamente que “o pessoal que, em regime de destacamento ou requisição, desempenhe funções inspectivas na IGP gozará dos mesmos direitos, benefícios e regalias do pessoal da carreira de inspecção de pesca, designadamente o suplemento de risco (…)” – cfr. artigo 32º.


E quando o Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril, no n.º 3 do artigo 14.º, e o Decreto Regulamentar Regional n.º 25/2002/A, de 31 de Agosto, na redacção que dá ao artigo 27.º da orgânica da IRP, prevêem a possibilidade de “integração nas carreiras de inspecção de funcionários integrados noutras carreiras, desde que desempenhem funções de natureza inspectiva e reúnam os requisitos legais necessários”, não estarão, também, a caucionar a possibilidade de exercício de funções inspectivas por recurso às figuras de mobilidade legalmente previstas?


Veja-se ainda a lei de organização e funcionamento da Polícia de Segurança Pública (Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro) que no n.º 1 do artigo 95.º prevê que “(A) PSP poderá manter pessoal com funções policiais em regime de requisição ou de destacamento para prestar serviço em instituições judiciárias e em órgãos da administração central, regional e local”. E não resulta problemático que esse destacamento seja efectuado para o desempenho de funções de motorista, como se constata no Parecer n.º 47/1992, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (v., em especial, o ponto 15.1. das respectivas conclusões).


Ou seja, a análise da possibilidade do destacamento é de fazer por via da afinidade das funções desempenhadas, sem prejuízo de o destacado manter a categoria de origem no serviço de destino.


E não custa a aceitar que assim seja. Ao carácter permanente ou definitivo da transferência contrapõe-se a índole temporária do destacamento; num caso há lugar a uma “verdadeira nomeação na medida em que o funcionário passa a preencher um lugar do quadro e a exercer de um modo profissionalizado, funções próprias e permanentes do serviço ou organismo público de destino” (P. V. Cunha, Função Pública, 1.º vol., pp. 403, Coimbra Editora, Coimbra, 1999); no outro há um “simples exercício de funções”; o funcionário é, “simplesmente, investido no exercício de uma tarefa”.


São as virtualidades do destacamento enquanto instrumento de mobilidade dos recursos humanos da Administração que impõem a maior flexibilidade do mesmo.



C

Os suplementos remuneratórios, uma das componentes do sistema retributivo, destinam-se a “remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado ou as particularidades que envolvem a sua execução” (Cunha, loc. cit., pp. 312)


Verificados os elementos caracterizadores definidos, foi criado o suplemento de função inspectiva para as carreiras de inspecção da Administração Pública, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril. Criou-se, assim, “um novo regime e condições de atribuição com a criação de um suplemento de função inspectiva para compensação dos ónus específicos inerentes ao acréscimo de incompatibilidades, a exigência de disponibilidade e a irregularidade de trabalho diário e semanal, bem como a prestação de trabalho em ambiente externo com carácter de regularidade (…).


No n.º 1 do respectivo artigo 12.º prevê-se que o pessoal abrangido pelo diploma “tem direito a um suplemento de função inspectiva, para compensação dos ónus específicos inerentes ao seu exercício”.


O Decreto Regulamentar Regional n.º 25/2002/A, de 31 de Agosto, como já se disse, veio prever a atribuição do suplemento de função inspectiva “ao inspector regional das Pescas, ao pessoal dirigente e ao pessoal das carreiras de inspecção de pesca “em exercício de funções na IRP”.


Questão é portanto a de saber se, por força da delimitação pelo legislador do âmbito pessoal de aplicação da norma, se há-de excluir à partida a possibilidade de o queixoso ser por ela abrangido.


Entendo que a resposta há-de ser dada pela indagação dos objectivos perseguidos pela concessão de tal suplemento.


Destinando-se o suplemento de função inspectiva, aliás em conformidade com o respectivo regime de criação, a compensar o maior sacrifício exigido pelo desempenho das funções de inspecção, é o efectivo exercício de tais funções que há-de determinar a atribuição do mesmo.


O que, aliás, resulta dos casos em que o não exercício de funções inspectivas por inspectores determina a perda do dito suplemento, sempre que a situação concreta que o determinou não seja equiparada a serviço efectivo.


E nem o facto de o Decreto Regulamentar Regional n.º 11/2000/A, de 29 de Março, mandar aplicar o capítulo IV do Decreto-Lei n.º 92/97, de 23 de Abril, mas não o artigo 32.º deste último diploma (que previa, de modo expresso, a atribuição do então suplemento de risco ao pessoal destacado ou requisitado) obstava a semelhante entendimento. Nem tanto porque o mencionado capítulo IV considerava as situações decorrentes da existência de um quadro de pessoal na IGP, não se incluindo aí, como é óbvio, as situações de destacamento e de requisição; mas, sobretudo, porque à norma desse artigo 32.º não pode atribuir-se mais do que um valor declarativo, no sentido de confirmar que não seria sustentável uma interpretação que autorizasse o Estado (ou a Região Autónoma) a deixar de remunerar de modo igual trabalho prestado em idênticas condições.


O que há por conseguinte a saber é se o técnico superior em causa exerceu funções inspectivas em termos que se reconduzam à prestação de trabalho efectuada por inspectores da carreira inspectiva.


De acordo com documentos da IRP, o funcionário em causa substituiu o Inspector Regional das Pescas no período 28 de Julho a 18 de Agosto de 2002 (v. ordem de serviço n.º 1/2002, de 18 de Julho de 2002); foram-lhe atribuídas as prerrogativas dos inspectores por credencial de 27 de Janeiro de 2003; a circular n.º 4/2003, de 11 de Março, atribuiu ao mesmo funcionário a gestão e superintendência das actividades realizadas na Delegação de São Miguel, designadamente a nível inspectivo. Em 31 de Dezembro de 2003, o Inspector Regional das Pescas, confirma que o referido assessor desempenhou, de 18 de Março de 2002 a 31 de Dezembro de 2003, entre muitas outras de índole inspectiva, as seguintes actividades: fiscalização da actividade de pesca em todos os tipos de embarcações; inspecção do cumprimento das regras higiossanitárias e técnico-funcionais das indústrias de pescado e estruturas de primeira venda ou, ainda, fiscalização de documentação necessária ao exercício da actividade de pesca.


Destes dados não podem deixar de retirar-se duas conclusões: tanto o funcionário em causa pôde formar a convicção de que desempenhava funções inerentes à carreira inspectiva quanto a IRP actuou no pressuposto de que tais funções eram efectivamente desempenháveis pelo funcionário em causa.


Conclusões que impõem uma terceira: ao funcionário em causa é devido o suplemento da função inspectiva, como decorre da interpretação das normas aplicáveis àquela actividade e ao organismo em causa.



D

Ficam por isso por resolver as questões atinentes à remuneração base a considerar para efeito de atribuição de tal suplemento e da data a partir da qual o mesmo é devido.


O suplemento de função inspectiva é função de particularidades específicas da prestação do trabalho; “é um subsídio funcional, destinado a retribuir desvantagens inerentes ao exercício do cargo” (João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, vol. II, Coimbra, 1988, pág. 739), a entender conformado como remuneração acessória referida ao cargo, independentemente da pessoa do seu titular, ou seja, no caso concreto, referindo-se ao exercício de funções inspectivas e não à categoria detida pelo reclamante.


E sendo o vencimento vector essencial na conformação do cargo, a gratificação é necessariamente calculada por incidência da percentagem em que se exprime sobre os vencimentos dos específicos cargos a que se encontra vinculada”, na carreira inspectiva. E — acrescenta o Parecer 47/1992, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que tenho vindo acompanhar — de outro modo “como seria possível respeitar o parâmetro da “equidade interna” enformador do sistema remuneratório da função pública, e salvaguardar por isso a relação de proporcionalidade entre as responsabilidades desses cargos e as correspondentes remunerações acessórias?” Só assim se evita a aleatoriedade da base de incidência e as situações de desigualdade que se lhe seguiriam.


Já a questão da data a partir da qual é devido o suplemento se afigura resolvida pelo Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril. Determina o artigo 19.º: “(A) transição para as novas carreiras criadas pelo presente diploma, bem como o correspondente abono do suplemento da função inspectiva produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2000”. É, por conseguinte, a partir do início do destacamento que é devido o abono do suplemento.



V – CONCLUSÕES

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,








Que ao veterinário A…, técnico superior principal do quadro do Instituto de Alimentação e Mercados Agrícolas (IAMA) destacado junto da Inspecção Regional das Pescas (IRP) seja reconhecido o direito à percepção do suplemento de função inspectiva, desde a data de início do destacamento (18 de Março de 2002) até à data em que o mesmo tenha cessado ou venha a cessar.


O pagamento do suplemento de função inspectiva deverá ficar a cargo da IRP, serviço que assumiu oportunamente tal encargo – pontos 24. a 32. da sua Informação nº 56/2002, de 11.10.2002.


Permito-me lembrar a Vossa Excelência a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues