RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente da Direcção do Instituto do Desporto de Portugal
Procº: R-1496/02(A4)
Data: 2004/11/24
Assunto: Reclamação apresentada por XXX – Abertura de concurso de acesso para a categoria de técnico de diagnóstico e terapêutica principal do quadro de pessoal de extinto Instituto Nacional do Desporto
Área: A4


1. Como V. Exa. decerto se recordará, a funcionária do quadro de pessoal do extinto Instituto Nacional do Desporto acima identificada, colocada no Laboratório de Análises e Dopagem desse instituto com a categoria de técnica de diagnóstico e terapêutica de 1ª classe, da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, suscitou junto da Provedoria de Justiça a apreciação da regularidade do comportamento omissivo desse organismo por não lhe ser facultada a abertura de concurso de acesso para promoção a categoria superior da respectiva carreira, nos termos do regime jurídico constante do artigo 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 121/96, de 9 de Agosto.



1.1. A referida pretensão tinha por base a verificação de condições específicas para a dinamização da candidatura a lugar de acesso da respectiva carreira, em virtude de a funcionária se encontrar posicionada no último escalão da respectiva categoria e reunir os demais requisitos de tempo de permanência e classificação de serviço na mesma categoria a que aludia o invocado normativo legal.


2. Cumprirá relembrar, antes de mais, que a apreciação da situação concreta suscitada pela mesma impetrante tem motivado, ao longo dos dois últimos anos, extensa troca de correspondência entre esse órgão de gestão e a Provedoria de Justiça que culminou, mais recentemente, e em face das explicações fornecidas por V. Exa., na emissão de uma chamada de atenção que em 31/05/2004 (cfr. ofício nº 9509) lhe foi dirigida por este órgão do Estado tendente à resolução célere desta problemática.


3. Na verdade, apesar das inúmeras diligências realizadas ao longo do tempo neste sentido e a despeito do reconhecimento formal por esse organismo público do direito que assiste à aludida funcionária ao abrigo do Decreto-Lei nº 121/96, de 9/08, como também do disposto no artigo 15º, nº2, do Decreto-Lei nº 564/99, de 21/12, o certo que a situação apurada não conheceu desenvolvimento concludente até à actualidade, tendo V. Exa limitado a apontar as razões formais ou materiais que, no seu entender, obstariam, e ainda obstam, à abertura do procedimento concursivo reclamado.


4. Recordo que, numa primeira fase, V. Exa. terá invocado como impedimento a tal promoção a existência de constrangimentos financeiros decorrentes da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 97/2002, de 18/05, e a alegada impossibilidade de, no imediato, assegurar as disponibilidades orçamentais adequadas à assunção dos encargos decorrentes (cfr. ofício nº 9586, de 29/10/2002), a que, ulteriormente acrescentou, após insistência destes Serviços, novos condicionalismos derivados das alterações orgânico-institucionais entretanto operadas, ao fazer depender o cumprimento “in casu” do regime constante do citado Decreto-Lei nº 121/96 da aprovação e publicação oficial do novo quadro de pessoal do Instituto do Desporto de Portugal, organismo criado pelo Decreto-Lei nº 96/2003, de 7/05 (cfr. ofícios nºs 1977, de 17/07/2003, 2742 de 4/08/2003 e 9044, de 25/05/2004).


5. Apesar das perspectivas de resolução deste caso que terão ditado o arquivamento do processo em Agosto de 2002, a verdade é que a situação persiste, desde então, inalterada por não ter sido ainda aprovado o novo quadro de pessoal desse organismo público e não haver notícia de qualquer outra providência administrativa que tivesse sido tomada para superar o impasse subjacente – cfr. o vosso ofício nº 15134, de 23/09/2004. E isto por razões que entendo não serem suficientemente válidas ou procedentes para perpetuar a situação de inércia demonstrada pela Administração ou servir de impedimento insuperável à imediata abertura do concurso de acesso pretendido pela reclamante.


6. Para a presente tomada de posição não posso deixar de retomar e desenvolver o argumentário justificativo que a Provedoria de Justiça tem vindo a explanar nas sucessivas comunicações dirigidas a V. Exa. Na verdade, as especificidades do tratamento legislativo aplicável devem ditar uma análise especial da situação no contexto próprio do Decreto-Lei nº 121/96, de 9/08 .


7. Nesse sentido, o artigo 2º do aludido diploma veio impôr a abertura obrigatória de concurso para provimento de lugar de acesso disponível e orçamentado, sob a forma de concurso interno limitado, sempre que existirem funcionários posicionados no último escalão da respectiva categoria e com mais de seis anos de permanência na mesma, com classificação não inferior a Bom – cfr. nº1.


8. Não é demais enfatizar que deste decreto-lei decorre para a Administração a obrigatoriedade de facultar a abertura de concurso de acesso aos destinatários das suas normas a partir do momento em que exista lugar vago no quadro do respectivo serviço, sendo a exequibilidade da disposição em apreço condicionada à existência de cobertura ou confirmação de cabimento orçamental do correspondente encargo a conferir pela Direcção-Geral do Orçamento – cfr. a previsão legal do sobredito artigo 2º, nº1.


9. Note-se, porém, que a decisão de abertura deste concurso, conquanto submetida aos pertinentes formalismos procedimentais, não pode ficar suspensa sine die da verificação incerta dos factores de ordem administrativa ou financeira que condicionam a generalidade da abertura dos concursos no âmbito da função pública, ou seja, à eventual disponibilidade do órgão administrativo competente para ajuizar da oportunidade ou imprescindibilidade do pretendido concurso.


10. Pretendendo o legislador do Decreto-Lei nº 121/96 garantir, no nº3 do seu artigo 2º, que seja assegurada a orçamentação das vagas a concursar no quadro da previsão orçamental das necessidades dos serviços e organismos, o sentido útil desta norma não pode deixar de implicar para a Administração uma verdadeira obrigação de providenciar, em tempo razoável, as condições administrativas adequadas à abertura do concurso de acesso previsto, maxime a correspondente inscrição e cabimento orçamental. Ou seja, a abertura de concurso de acesso configura neste contexto legal um verdadeiro imperativo que vincula a Administração de forma predeterminada quanto à sua oportunidade e conteúdo, cabendo-lhe o dever de ultrapassar os condicionalismos de natureza administrativa que se coloquem perante situações que se subsumam na correspondente previsão legal.


11. Quer isto dizer que ao assegurar a possibilidade de os destinatários desta norma se candidatarem a concurso para categoria superior, a intenção do legislador não foi apenas a de proporcionar uma mera oportunidade para apresentação a concurso, mas antes a de reforçar, de forma objectiva, a tutela genericamente conferida em matéria de direito de acesso na carreira em que se encontrem integrados, permitindo que aspirem ao seu desenvolvimento harmónico em função do largo tempo de permanência na categoria imediatamente anterior. Consagra, assim, um verdadeiro direito subjectivo a ver aberto o concurso de acesso nas condições descritas que se sobrepõe a qualquer aferição casuística do interesse público deste processo, na perspectiva gestionária ou financeira habitualmente prevalente.


12. E assim será, no caso vertente, estando V. Exa., Senhor Presidente, vinculado a dinamizar a abertura do concurso de acesso reclamado pela funcionária em causa, uma vez que a situação funcional desta preenche todos os requisitos enunciados no artigo 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 121/96.


13. Tão pouco releva invocar as alterações orgânicas supervenientes e a pendência do processo de aprovação do novo quadro de pessoal desse instituto público como impeditivo da aplicação das disposições do aludido Decreto-Lei nº 121/96.


14. Com efeito, o Decreto-Lei nº 96/2003, de 7/05, criou o novel Instituto do Desporto de Portugal (IDP) em resultado da fusão dos ex- Instituto Nacional do Desporto, Centro de Estudos e Formação Desportiva e Complexo de Apoio às Actividades Desportivas, prevista ab initio no artigo 2º, nº2, alínea b), da Lei nº 16-A/2002, de 31/05 (Primeira alteração ao Orçamento de Estado para 2002, aprovado pela Lei nº 109-B/2001, de 27/12) e, do mesmo passo, determinou a reafectação ao novo instituto público do pessoal e do património dos serviços extintos, com a assunção dos correspondentes direitos e obrigações – cfr. artigos 3º, nºs 1 e 3, e 4º.


15. É certo que no âmbito do regime de transição delineado para os funcionários dos quadros de pessoal dos serviços extintos (artigo 4º, nº1), o referido diploma orgânico previu ainda a aprovação do quadro de pessoal do novo IDP sujeito ao regime da função pública, a processar nos termos do artigo 28º, nº2, do Estatuto anexo; formalidade esta que se torna necessária à colocação e reafectação deste efectivo no âmbito do novo Instituto. Contudo, também é seguro que o mesmo diploma salvaguardou a vigência dos quadros de pessoal dos organismos extintos pelo mesmo diploma (artigos 3º, nº1, e 4º, nº3) até à concretização deste formalismo.


16. Neste contexto e ao invés do que V. Exa. sustenta, não creio que se possa retirar da norma de salvaguarda da validade dos concursos pendentes à data do início da vigência da nova lei orgânica (cfr. artigo 7º, nº5) o afloramento de um critério normativo genérico que impeça a abertura dos concursos de acesso em causa por não estarem abrangidos pela previsão deste preceito. Na realidade, esta disposição transitória limitou-se a esclarecer e a enquadrar para futuro posições juridicamente relevantes até então regidas pela lei anterior no momento em que entrou em vigor a nova lei orgânica, não podendo servir de obstáculo legal ao exercício do direito outorgado pelo Decreto-Lei nº 121/96 enquanto vigorar o quadro de pessoal do ex-Instituto Nacional do Desporto.


17. A despeito do eventual desfecho do processo de aprovação do quadro de pessoal desse instituto, não estará V.Exa. impedido de prover os lugares de acesso existentes no quadro do extinto IND, cumprindo-lhe, antes, arredar os constrangimentos administrativos ou burocráticos que obstem ao indispensável cumprimento da lei aplicável.


18. Diga-se, em abono da verdade, que tão pouco subjaz ao caso concreto a conveniência em estabilizar o crescimento do efectivo pertencente aos organismos extintos como condição para a fixação do quadro de pessoal do novo IDP, tratando-se como se trata, de um processo de recrutamento para categoria de acesso que obedece ao procedimento de concurso limitado. Nem pode, ademais, reconhecer-se a proeminência de eventuais orientações administrativas que tenham sido emanadas da Direcção-Geral da Administração Pública a este respeito quando a abertura do concurso em causa se revê plenamente na conformidade com o direito para o qual se acha vinculado.


19. Não valerá a pena controverter mais a questão de saber se o regime transitório do Decreto-Lei nº 96/2003 prejudica a ocupação dos lugares disponíveis no quadro de pessoal do ex-IND e a consequente aplicação do Decreto-Lei nº 121/96, quando este aparente obstáculo se revela incompatível ou incongruente com a actuação superveniente de V..Exa., a partir do momento em que se dispôs a preencher os lugares do mesmo quadro através do mecanismo de transferência interdepartamental – situação que V. Exa. confirma (cfr. ofício nº 15134, de 23/09/2004) e é reiterada em recente oferta de emprego anunciada nos principais órgãos de comunicação social escrita.


20. A verdade é que os argumentos sucessivamente esgrimidos para minimizar o exercício do direito que inegavelmente assiste à reclamante se revelam obstáculos meramente artificiais e até contraditórios com o comportamento superveniente desse organismo, sendo absolutamente transponíveis por vontade da própria Administração que a tanto está obrigada.


21. Verifica-se, pois, no caso presente, que a conduta desse órgão, ao abster-se de dar cumprimento ao dever legal a que se encontrava adstrito nos termos do artigo 2º do citado Decreto-Lei nº 121/96, é ilegal por violação das normas jurídicas invocadas, além de ser contrária aos princípios da transparência, da equidade e da protecção da confiança que devem orientar a actividade da Administração em geral.


Assim, à luz das considerações de direito precedentemente expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei nº 9/91, RECOMENDO a V. Exa., Senhor Presidente:







que sejam desencadeadas, no mais curto prazo de tempo, as necessárias providências e medidas administrativas conducentes à abertura de concurso de acesso para a categoria de técnico de diagnóstico e terapêutica principal da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica do quadro de pessoal do ex-Instituto Nacional do Desporto, aplicando-se o procedimento do concurso limitado a que se refere o artigo 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 121/96, de 9/08, de molde a permitir dar satisfação integral à pretensão formulada pela reclamante e assegurar o direito que legalmente lhe assiste nos termos do aludido diploma.


Queira V. Exa., em cumprimento do dever consignado no artigo 38º, nº2, da Lei nº 9/91, de 9/04, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues