RECOMENDAÇÃO N.º 6/B/05
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)














Entidade visada:  O Presidente da Assembleia da República
Procº:  434/05 (A6)
Data:  2005/06/22
Assunto:  Artigos 161.º, alínea n), e 164.º, alínea p), da Constituição da República Portuguesa.
Área: A6


 


 


 


 


1. Ao abrigo do disposto no art.º 161.º, alínea n), da Constituição da República Portuguesa, compete à Assembleia da República “pronunciar-se, nos termos da lei , sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada” (sublinhado meu).


Não obstante a referida disposição ter sido introduzida, no texto constitucional, na revisão levada a efeito em 1997, não foi ainda aprovada a legislação necessária para lhe conferir exequibilidade.


Estando a Assembleia da República impedida de exercer a referida competência, pelo facto de o comando constitucional que a consagra impor a mediação da lei, e esta não se ter verificado até ao momento, o silêncio do legislador consubstanciará, na situação em análise, uma verdadeira omissão legislativa inconstitucional.


Na verdade, está-se perante uma norma constitucional cujo carácter imperativo não merece dúvida, independente que é de qualquer reserva do possível e não carecendo de quaisquer requisitos de ordem material para a sua efectividade. Apesar desse carácter imperativo, a incompletude da norma também parece evidente, ao remeter-se expressamente para a lei a concretização do modo e demais circunstâncias de exercício desta competência da Assembleia da República.


É esta, assim, uma norma constitucional não exequível por si mesma, assim contendo ímplícito um comando ao órgão legislativo competente para que supra tal défice de exequibilidade, editando as normas que esclareçam e tornem operativo o exercício dessa competência.


Como é sabido, a omissão pelo órgão legislativo do cumprimento de tal dever constitucional gera uma inconstitucionalidade por omissão, verificável pelo Tribunal Constitucional, neste caso a requerimento do Presidente da República ou do Provedor de Justiça.


Sendo certo que oito anos passaram já sobre a introdução desta norma no texto constitucional, não tenho dúvidas na existência de tal omissão inconstitucional. Contudo, antes de se suscitar a apreciação e, creio eu, a certa declaração solene de tal facto por parte do Tribunal Constitucional, não posso deixar de ser sensível ao recente início da X Legislatura.


Assim sendo, ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo à Assembleia da República, na pessoa de Vossa Excelência,







que sejam encetadas as diligências adequadas e necessárias ao suprimento desta omissão, pela tramitação de procedimento legislativo conducente à aprovação das normas legislativas aptas a tornar exequível a norma constante do artigo 161.º, alínea n), da Constituição, assim permitindo o exercício da competência que aí está prevista.


2. Decorre, por outro lado, do art.º 164.º, alínea p), da Constituição, constituir matéria da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República o regime de designação dos membros de órgãos da União Europeia, com excepção da Comissão.


À semelhança da disposição constitucional a que se alude acima, também este preceito foi aditado à Lei Fundamental na revisão constitucional de 1997, sem que, desde então, tenha conhecido qualquer tipo de concretização, designadamente pela emissão de diploma que concretize o modo como o Estado português deve adequadamente expressar a sua vontade quanto ao preenchimento dos lugares nos órgãos comunitários que, por força dos Tratados da União Europeia, lhe cabe designar.


Excluindo-se deste âmbito os titulares portugueses na Comissão, bem como no Parlamento Europeu (cfr. art.º 164.º, l), in fine ), restam ainda, para além dos chamados órgãos consultivos, órgãos de importância tão primordial como sejam os jurisdicionais. Na verdade, apesar de se estabelecer ao nível do direito comunitário que a designação dos titulares destes últimos órgãos cabe, em conjunto, aos Governos, nada parece impedir que, a nível interno, se esclareça o processo através do qual se alcança uma posição governamental a respeito dos titulares portugueses de tais órgãos.


A importância decisiva que tem o modo de participação de Portugal na União Europeia parece aconselhar que, embora não impostos no sentido do imperativo constitucional acima mencionado a propósito do art.º 161.º, n), sejam todavia encetados todos os esforços, no caso legislativos, para a consagração de um regime constitucionalmente adequado, em termos de sistema de governo como de garantia dos direitos, de participação e de oposição democrática (cfr. art.ºs 109.º e 114.º, n.ºs 2 e 3), à correcta formação e exteriorização da vontade do Estado neste particular.


Assim, recomendo à Assembleia da República, nos termos da disposição legal do Estatuto do Provedor de Justiça acima já citada,







o exercício da competência legislativa que pelo art.º 164.º, p), da Constituição, lhe está reservada, de modo absoluto.


3. Agradecendo, desde já, a Vossa Excelência, a atenção que queira dispensar aos assuntos acima expostos, permito-me ainda solicitar que o teor do presente documento seja dado a conhecer aos diversos Grupos Parlamentares.



O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues