INFORMAÇÃO


Assunto: Inclusão do anterior IA ou do actual ISV no valor tributável, para efeitos do IVA, das transmissões internas, aquisições intracomunitárias ou importações de veículos automóveis.


Data: 28.10.2010


 


1. INTRODUÇÃO


A questão que se coloca é a de saber se deve o anterior IA ou o actual ISV ser incluído no valor tributável, para efeitos do IVA, das transmissões internas, aquisições intracomunitárias ou importações de veículos automóveis.


Esta questão assumiu maior relevância porque a Comissão Europeia (“Comissão”), no seguimento do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 01.06.2006, Processo C-98/05, iniciou um processo por infracção contra Portugal (e outros Estados-membros, nomeadamente, a Polónia, conforme infra se detalhará), solicitando que Portugal alterasse a legislação respectiva (Imposto Automóvel – IA) no que respeita à inclusão do IA no valor tributável para efeitos de IVA no caso de fornecimento de veículos automóveis, como resulta do comunicado de imprensa da Comissão, de 03.07.2007.


Entretanto, uma vez que o IA foi substituído a partir de 01.07.2007 pelo Imposto sobre Veículos (ISV), a Comissão enviou, em 2009, uma notificação de incumprimento complementar às autoridades portuguesas, na qual tinha em conta as disposições do Código do ISV.


A Lei n.º 3-B/2010, de 28-4 (OE para 2010) incluiu uma autorização legislativa relativa ao regime do IVA sobre o ISV, no sentido de ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA o ISV, não utilizada até ao momento.


Contudo, no seguimento do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 20.05.2010, Processo C-228/09, proferido na acção da Comissão Europeia contra a República da Polónia, a Comissão alterou a sua posição, conforme veremos (embora ainda não tenha sido comunicado oficialmente ao Estado português o encerramento do mencionado processo de infracção).


No entanto, tem ainda a última palavra o Tribunal de Justiça, uma vez que se encontra a analisar uma pergunta enviada a título de reenvio prejudicial pelo Supremo Tribunal Administrativo.


Apesar de a decisão do Tribunal de Justiça apenas valer para o caso concreto, julgamos que Portugal poderá vir a tirar as devidas ilações, caso a decisão seja contrária ao que sustenta a Fazenda Pública (e a própria Comissão).


Refira-se, também, que esta questão já foi objecto de análise por parte da área 2, no âmbito do Proc. R-4479/06 (A2). Ainda que o processo tivesse como objecto o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, aí se concluiu que não se podiam aplicar as conclusões da decisão do Tribunal de Justiça, no Acórdão de 01.06.2006, Processo C-98/05, aos impostos especiais do consumo portugueses, incluindo o IA.


Por último, a Administração Fiscal tem vindo a indeferir os pedidos de revisão oficiosa do IVA “pago em excesso” que lhe têm vindo a ser dirigidos (de acordo com informação obtida junto da DSIVA, foram já cerca de 1.000).


Analisemos então a questão.


2. LEGISLAÇÃO


2.1 Legislação comunitária – a Directiva 2006/112/CE (Directiva IVA)


– O artigo 73.º da Directiva tem a seguinte redacção:



«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.»


– O artigo 78.º, 1.º parágrafo, alínea a), da Directiva dispõe:


«O valor tributável inclui os seguintes elementos:


a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA».


– O artigo 79.º da Directiva prevê:


«O valor tributável não inclui os seguintes elementos:


a) As reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado;


b) Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no


momento em que a operação se realiza;


c) As quantias que um sujeito passivo receba do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que sejam registadas na sua contabilidade em contas de passagem.


O sujeito passivo deve justificar o montante efectivo dos encargos referidos na


alínea c) do primeiro parágrafo e não pode proceder à dedução do IVA que eventualmente tenha incidido sobre eles.»


– De acordo com o artigo 83.º da Directiva, o valor tributável nas aquisições intracomunitárias de bens é constituído pelos mesmos elementos que os utilizados para determinar o valor da entrega desses mesmos bens no território do Estado membro.


– O artigo 85.º da Directiva estabelece:


«Nas importações de bens, o valor tributável é constituído pelo valor definido para efeitos aduaneiros pelas disposições comunitárias.»


– O artigo 86.º, n.º 1, alínea a), da Directiva IVA estatui:


«O valor tributável inclui os seguintes elementos, caso não estejam já incluídos:


a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos fora do


Estado-Membro de importação, e bem assim os que são devidos em virtude da


importação, com excepção do IVA a cobrar».


2.2 Legislação nacional


2.2.1 IVA


– O artigo 16.º do CIVA prevê:


«1- Sem prejuízo do disposto no n.º 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.


(…)


5- O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, incluirá:


a) Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio


imposto sobre o valor acrescentado;


(…)


6- Do valor tributável referido no número anterior serão excluídos:


(…)


c) As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriadas;


(…)»


– O artigo 17.º do CIVA, que rege o valor tributável do IVA na importação de bens, dispõe:


«1- O valor tributável dos bens importados é constituído pelo valor aduaneiro,


determinado de harmonia com as disposições comunitárias em vigor.


2- O valor tributável incluirá, na medida em que nele não estejam compreendidos:


a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos antes ou em virtude da própria importação, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado;


(…)»


– O artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (em seguida designado «RITI») prevê:


«1- Na determinação do valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens é aplicável, em idênticas condições, o previsto no artigo 16.º do Código do IVA para as transmissões de bens.


(…)


3- Nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais sobre o consumo ou a imposto sobre veículos, o valor tributável é determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente».


2.2.2 ISV


A Lei n.º 22-A/2007, de 29-6 , procedeu à reforma global da tributação automóvel, aprovando o CISV e o CIUC e abolindo, em simultâneo, o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem.


– O artigo 3.º, n.º 1, do CISV estabelece o seguinte:


«São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos».


O artigo 5.º do CISV determina:


«1- Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.


2- Constitui ainda facto gerador do imposto:


a) A atribuição de matrícula definitiva nova após o cancelamento voluntário da


matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem


fiscal;


(…)


d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações


previstas no presente código.


3- Para efeitos do presente código entende-se por:


a) ‘Admissão’, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro


Estado-Membro da União Europeia em território nacional;


b) ‘Importação’, a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.


(…)»


– Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do CISV, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:


«a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos


operadores registados e reconhecidos;


b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou declaração complementar de veículos pelos particulares».


2.2.3 IA


O quadro legal relativo à tributação das viaturas automóveis constava do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18-2, estando as disposições relativas a vários tipos de isenções do imposto dispersas por vária legislação.


Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18-2, o IA era um imposto interno que incidia sobre os veículos nele mencionados, admitidos ou importados, no estado de novos ou usados, incluindo os montados ou fabricados em Portugal, que se destinassem a ser matriculados.


Previa o artigo 16.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei, que os operadores registados que admitissem ou importassem veículos automóveis no estado de novo, sem matrícula, apresentavam a declaração de veículo ligeiro (DVL) junto da estância aduaneira por onde procedessem ao pagamento do imposto ou da mais próxima da sua residência, caso não fosse devido pagamento.


Estabelecia o artigo 16.º, n.º 4, que o pagamento do IA tinha lugar, a solicitação do interessado, em momento anterior ao da matriculação, determinando o processamento do respectivo documento de pagamento.


Quanto aos veículos “usados”, admitidos ou importados, os sujeitos passivos eram os operadores, registados ou não. No caso de veículos automóveis providos de uma matrícula comunitária definitiva, os proprietários ou legítimos detentores podiam efectuar a admissão directamente, caso em que eram os sujeitos passivos (artigo 17.º).


3. DOUTRINA


3.1 Favorável à tese de que o IA e o ISV são impostos especiais sobre o consumo


A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes – Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação – Códigos Anotados


Em comentário ao artigo 3.º (incidência subjectiva), referem os autores na p. 41 que:


«1. Sendo o ISV um imposto monofásico, não são, como regra, sujeitos passivos do ISV os consumidores, à semelhança do que acontece com os impostos especiais de consumo harmonizados a nível comunitário (vide artigo 3.º do Código dos IEC), mas sim todos os que procedem à introdução no consumo dos veículos tributáveis, que esta introdução seja efectuada regularmente pelos operadores registados, operadores reconhecidos ou pelos particulares em nome dos quais seja emitida a declaração aduaneira de veículo, quer as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis».


E em comentário ao artigo 5.º (facto gerador), referem o seguinte nas ps. 47, 48 e 49:


«1. Embora a terminologia utilizada no artigo 5.º do Código do ISV não seja coincidente com a utilizada no artigo 6.º do Código dos IEC, é evidente a proximidade dos dois artigos, sendo que a produção e a importação são, normalmente, considerados os factos geradores típicos de cada um destes impostos. É certo que o Código do ISV utiliza os termos fabrico e montagem em vez de produção. No entanto, convém ter em conta a grande especialização internacional verificada na produção automóvel, que implica a inexistência de casos concretos em que um veículo automóvel seja totalmente produzido nas mesmas instalações industriais, sendo portanto mais adequado, na indústria automóvel, falar-se em montagem, dado que numerosíssimos componentes têm variadas proveniências e origens. Quer isto dizer que se considera como facto gerador do ISV e dos IEC a produção e a importação, embora seja mais adequado à realidade do sector automóvel o termos montagem».


(…)


3. Ao contrário do que acontece em muitos Estados-membros, em que a atribuição da matrícula é o facto gerador típico do imposto, em Portugal, a atribuição da matrícula, apesar de ser um importante instrumento de controlo do imposto, não constitui, em regra, um facto gerador de imposto, a não ser nos casos em que esta é atribuída de novo após o seu cancelamento voluntário, caso tal facto tenha dado lugar ao reembolso.


(…)


7. Muito embora o código do ISV defina o facto gerador nos moldes que se acabam de descrever, há autores que consideram que, do ponto de vista substancial, o facto gerador é a matrícula do veículo, pois, a liquidação do ISV só é feita quando na fase da venda do veículo se torna necessária a matrícula para o mesmo. Sobre as várias posições doutrinárias nesta matéria vide anotação do artigo 24.º.»


Antes de irmos ao artigo 24.º, parece-me importante transcrever parte dos comentários, nas ps. 78, 79 e 80, ao artigo 12.º (Estatuto do operador registado):


«3. Quanto aos procedimentos contabilísticos e em matéria de IVA, relativos à referida distribuição de veículos novos pelas redes de concessionários ou parceiros comerciais, há que distinguir as diferentes situações. No caso de vendas de veículos novos, em regime de suspensão do imposto, entre operadores registados, nada impede que a transmissão dos veículos seja contabilizada e facturada com a menção de isenção de IVA, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 12.º do CISV, conjugada com o artigo 15.º do CIVA. Quanto às restantes vendas de veículos novos, quer entre operadores registados e operadores reconhecidos ou mesmo a concessionários que não detenham qualquer estatuto, dado que o CISV não permite, aparentemente, a venda em regime suspensivo, parece não restar alternativa à facturação destas vendas com o ISV e o IVA (o que, em termos práticos, implica, também, a atribuição imediata da matrícula – dado que para o vendedor poder facturar o ISV deve previamente proceder à respectiva liquidação – e a concomitante desvalorização do veículo). Com efeito, de acordo com a doutrina maioritária, o IVA incide sobre a totalidade do preço facturado (para maior aprofundamento desta matéria vide anotações ao artigo 24.º) e o valor da factura deverá, assim, contemplar o valor económico do veículo e o ISV. Todavia, convém salientar que, nesta fase, o vendedor ainda não sabe, nem pode saber se o ISV é devido, dado que, só é possível saber se o veículo pode ou não beneficiar de isenção de ISV, ou se se verifica ou não qualquer das situações de não incidência do ISV, previstas no artigo 24.º. Assim sendo, a limitação de apenas entre operadores registados se poderem efectuar vendas de veículos novos, em regime de suspensão de ISV, para além de injustificada, face à existência de matrícula como elemento de controlo do imposto, constitui uma limitação comercial inaceitável para os operadores reconhecidos e é contraditória com o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 15.º e no n.º 1 do artigo 24.º. Para além disso, está em completa desconformidade com os usos comerciais do sector.


Com efeito, os procedimentos seguidos, há mais de 20 anos, pela generalidade dos operadores registados, nas vendas de veículos automóveis novos aos seus concessionários são os seguintes:


– na data da transmissão/entrega do veículo ao seu concessionário, os operadores registados processam uma factura onde debitam o valor económico da viatura e o respectivo IVA, procedendo à entrega do IVA ao Estado nos prazos legais;


– quando os concessionários os informam que o veículo já tem um cliente final concreto e, portanto, pode ser ‘declarado para consumo’, os operadores registados pagam o ISV ao estado e debitam-no, bem como o correspondente IVA, ao seu concessionário;


– o concessionário, por sua vez, repercute no consumidor final o IVA sobre o valor económico deste, o ISV e o IVA sobre o ISV.


Este procedimento contabilístico e fiscal actualmente seguido, como se referiu, pela generalidade dos operadores registados, tem completa aderência às fases através das quais as transmissões (vendas) são concretizadas. Com efeito, começa por fazer incidir IVA sobre o valor efectivo do veículo (valor económico), no momento em que este é vendido ao concessionário e, depois, quando o veículo é declarado para consumo, pago ISV e matriculado, completa-se a operação fazendo o débito ao concessionário do ISV e do correspondente IVA. Estes montantes (do ISV e do respectivo IVA), bem como o montante do IVA anteriormente debitado ao concessionário (sobre o valor económico do veículo) são, naturalmente, repercutidos pelo concessionário no consumidor final. Como o actual procedimento vem sendo seguido pelas empresas desde há mais de 20 anos, tem portanto, pelo menos implicitamente, o acordo da Administração Fiscal.»


Quanto aos comentários ao artigo 24.º (Veículos não destinados a matrícula), os autores referem o seguinte, nas ps. 106 e 107:


«1. Este artigo constitui uma importante inovação legislativa, dado que, pela primeira vez, se consagra a não sujeição a ISV dos veículos que não se destinem a ser matriculados, por se destinarem a desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, coleccionismo ou qualquer outra razão que dispense a atribuição de matrícula nacional. De qualquer modo, embora o DL n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, não contivesse nenhuma norma expressa semelhante a este artigo, pensamos que já era defensável a não tributação dos veículos abrangidos por este artigo….


2. À primeira vista este artigo poderá servir de base à tese de que o ISV tem a natureza jurídica de imposto de matrícula. Ao invés, poder-se-á defender que este artigo só vem por em evidência que as normas de incidência do ISV não têm apenas em conta as características físicas dos veículos, mas também a finalidade conferida ao respectivo uso, isto é, para que um veículo de passageiros esteja sujeito a ISV não basta que seja introduzido no consumo, é ainda necessário que se verifique uma condição subjectiva adicional: que o interessado pretenda matricular, porque pretende circular na via pública.


3. Nesta matéria, a Doutrina maioritária continua a defender que o ISV e o antigo IA são impostos internos de consumo que têm como facto gerador do imposto a ‘introdução no consumo’ (AFONSO, António Brigas, ‘Notas sobre o Código dos Impostos Especiais do Consumo’, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 402, Abril-Junho 2001, DGCI/CEAPT, pp. 147 a 183, em especial p. 151, BASTO, José Xavier, “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional’, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, DGCI/CEF, Lisboa, 1991, p. 24 , e VASQUES, Sérgio, ‘A Reforma da Tributação Automóvel: Problemas e Perspectivas’, in Fiscalidade, n.º 10, Abril 2002, pp. 59 a 94, em especial pp. 60/61) .



4. Uma corrente doutrinária mais recente, minoritária mas acompanhada pela Comissão das Comunidades Europeias , defende que o ISV e o antigo IA devem ser caracterizados como impostos de registo que têm a ‘matrícula’ como facto gerador do imposto (v.g. FERREIRA, Rogério Manuel Fernandes, e FERNANDES, Manuel Teixeira, ‘Da (não) incidência do IVA sobre o IA’, in Revista Fisco, n.º 124/125, pp. 3 a 17, e FERNANDES, Manuel Teixeira, ‘Tributação do automóvel; tributação do CO2’, in Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, ano 1, n.º 2, Lisboa, Verão de 2008, pp. 169/170 e 173/174).» (sublinhado nosso)



3.2 Favorável à tese de que o IA e o ISV são impostos de matrícula



FERREIRA, Rogério Manuel Fernandes, e FERNANDES, Manuel Teixeira – «Da (não) incidência do IVA sobre o IA: O Imposto Automóvel enquanto base tributável do Imposto sobre o Valor Acrescentado»


No referido artigo, a análise centra-se, como é bom de ver, no IA. Contudo, referem os autores na Introdução «…que a substituição do IA pelo ISV não retira actualidade à matéria dado que continuaremos a estar na presença de um imposto cobrado por causa (ou por ocasião?) da atribuição da matrícula nacional às viaturas automóveis».


Para os referidos autores «O pedido da matrícula parece ser o facto da vida real que faz nascer a obrigação do imposto, uma vez que, se o veículo for vendido, mas não for pedida a sua matrícula (por exemplo, por se destinar a colecção), então, não chega a dar-se o nascimento da obrigação de IA, como decorre, a contrario, do citado corpo do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40/93 (…) E compreende-se que assim seja, porque a matrícula constitui a ‘autorização’ para o veículo poder utilizar as vias públicas de um país concreto e, como tal utilização implica custos para a comunidade (por exemplo, ambientais e de saúde pública em sentido estrito), o IA surge como meio através do qual se opera a compensação dos referidos custos…».


Acrescentando: «O pedido da matrícula, porém, não será só o facto gerador do IA no caso das viaturas novas, pois é-o também no caso da atribuição de uma matrícula nacional aos veículos que, no estado de usadas, forem adquiridos noutro Estado membro, onde tinham sido matriculados. Com efeito, a DAV apresentada à Alfândega e relativa a uma viatura adquirida noutro Estado membro visa, exclusivamente, que lhe seja atribuída uma matrícula nacional – o que acontece em simultâneo com o pedido de liquidação do IA –, para que o seu titular a possa utilizar nas vias públicas nacionais, pois, ainda aqui, se a viatura não se destinar a ser matriculada não haverá lugar à obrigação de pagamento do IA».


Seguidamente, os autores analisam se o pedido da matrícula da viatura em Portugal «…é, normalmente, anterior ou posterior ao acto de ‘venda’ da viatura ao consumidor final – entrega do bem, na terminologia da 6.ª Directiva do IVA – feita pelo representante da marca ao adquirente (consumidor final), pois, assim, ficará mais claro se sobre o montante do IA deve incidir o IVA».



Os autores começam por descrever a prática comercial no sector, referindo:


«Relativamente a veículos vendidos a consumidores finais no estado de novos a prática seguida no sector automóvel consiste na sua entrega ao adquirente já devidamente matriculadas, pagando os representantes dos construtores (‘Stands’) ao Estado a importância do respectivo IA e fazendo incidir sobre tal importância o IVA à taxa aplicável, sendo que idêntico procedimento é seguido pelas empresas que transaccionam viaturas que adquirem noutros Estados membros no estado de usadas».


Questionando depois: «…importa verificar se os representantes dos construtores procedem ao pedido de matrícula das viaturas – e ao correspondente pagamento do IA – por sua conta e risco, ou se o fazem já com os veículos vendidos e, portanto, no interesse e por conta e risco dos adquirentes.»


Os autores começam por referir que lhes parece que o acto de matrícula, pelo menos do ponto de vista conceptual, é posterior ao acto de venda da viatura ao consumidor final, na medida em que apenas se pode pedir a matrícula de uma viatura em nome de uma concreta pessoa se essa pessoa, previamente, a tiver adquirido (no pedido de matrícula, os representantes das marcas indicam aos Serviços Oficiais o nome e a morada do adquirente, elementos estes que constarão no Certificado de Matrícula).


«No que se refere às viaturas adquiridas por particulares noutros Estados membros da UE no estado de ‘usadas’ o pedido de matrícula e o correspondente pedido de liquidação do IA – é feito pelo próprio particular (…) e um dos documentos exigidos pelos Organismos Oficiais para procederem à matrícula do veículo é a factura de compra. Nestes casos, é, pois pacífica a anterioridade da aquisição relativamente ao pedido de matrícula, não sendo devido IVA sobre o montante do IA.»


Seguidamente os autores apresentam outros casos em que sustentam que o nascimento da obrigação do IA tem, necessariamente, lugar depois da aquisição, como por exemplo, no caso de transformação do veículo, em que «…o nascimento da obrigação tributária do IA nada ter a ver com a venda da viatura».


Concluindo que «…o facto gerador do IA parece ser autónomo do facto gerador do IVA, o que é produto das diferenças conceptuais que existem entre ambos os impostos».


Depois de analisarem o acórdão do Tribunal de Justiça sobre o imposto de matrícula dinamarquês (a que adiante nos referiremos), os autores mencionam o seguinte na parte das conclusões:


«Em face da caracterização que fizemos do facto gerador do IA e da demonstração de que o mesmo parece depender, afinal, não da entrega da viatura automóvel, mas da matrícula, para poder circular e utilizar as vias públicas portuguesas, parece também poder afirmar-se – ou suscitarem-se também dúvidas muito legítimas – que estamos na presença de situação idêntica àquela que foi analisada pelo TJCE, a pedido do tribunal dinamarquês, e onde se concluiu que não é devido IVA sobre o IM que incide sobre as viaturas automóveis na Dinamarca.


Tal como acontece com o IM dinamarquês, também em Portugal, se a viatura não se destinar a circular, o IA não é devido, apesar de ter havido uma entrega de um bem em território nacional, pelo que o pedido da matrícula e o correspondente pagamento do IA não têm ‘uma ligação directa com essa entrega’, não devendo assim, ser incluídos na base tributável do IVA.


Também em Portugal se registam várias situações em que o pedido de matrícula e o pagamento do IA são feitos pelos adquirentes das viaturas automóveis, de que são exemplos as aquisições intracomunitárias e as reconstruções de viaturas acidentadas.


Por seu lado, os pagamentos do IA ao Estado feitos pelo ‘Stand’ (operador registado) são-no no interesse dos seus clientes, aos quais entregam as respectivas viaturas automóveis já matriculadas e, portanto, aptas a circular nas estradas portuguesas.


Assim, a importância que, para este efeito, o ‘Stand’ recebe dos seus clientes só o pode ser a título de ‘reembolso de despesas efectuadas’, devendo as mesmas ser registadas na sua contabilidade em ‘contas de terceiros’ (‘contas transitórias’, na expressão utilizada no Acórdão do TJCE).


O facto de não ser esta a prática seguida pelos ‘Stands’ (operadores registados) – isto é, de estes não costumarem registar em ‘contas de terceiros’ as importâncias recebidas dos seus clientes relativas ao IA – não é sequer de estranhar, uma vez que tal decorre de orientações genéricas que, sobre esta matéria, lhes têm sido transmitidas pela Administração tributária e que sempre exigiu que o IVA incidisse sobre o IA, como resulta do n.º 3 do artigo 17.º do RITI e de várias Circulares (cfr. ponto 2 do Anexo I da Circular nº 54/2005, Série II, da DGAIEC).»


Manuel Teixeira Fernandes


Finalmente, gostaria apenas de citar Manuel Teixeira Fernandes, no seu artigo «Tributação do automóvel; tributação do CO2», quando, nos aspectos críticos ao balanço provisório da Reforma da Tributação Automóvel, refere que «…não podemos esquecer os efeitos perniciosos da incidência do IVA sobre o ISV, que se apresenta como discriminatório para os automóveis novos. Com efeito, dado que o IVA não pode incidir sobre o ISV das aquisições intracomunitárias de automóveis usados feitas por particulares, o sector automóvel, as receitas fiscais e o ambiente são os principais prejudicados por uma opção política que, no mínimo, é discutível».



4. O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 01.06.2006, NO PROCESSO C-98/05 (DE DANSKE BILIMPORTØRER)


Em resposta às questões prejudiciais suscitadas pelo Tribunal Dinamarquês (Østre Landsret), o Tribunal de Justiça respondeu, em resumo, do seguinte modo:


«Um imposto de registo que incide sobre a matrícula de veículos automóveis (automóveis de turismo) que o distribuidor pagou em nome do seu cliente antes da entrega, registou na sua contabilidade como conta transitória e facturou ao cliente juntamente com o preço do veículo, não constitui um imposto que, em conformidade com o artigo 11.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, faz parte da matéria colectável de IVA, mas um montante que, nos termos do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva, deve ser excluído da matéria colectável.»



5. A POSIÇÃO DA COMISSÃO NA SEQUÊNCIA DO ACÓRDÃO DE DANSKE BILIMPORTØRER


Resulta das Alegações da Comissão no processo C-106/10 (Lidl & Companhia contra fazenda Pública), de 24.06.2010, a que tivemos acesso, que «…a Comissão entendeu que os impostos de natureza semelhante ao ‘Registreringsafgift af motorkøretøjer’ examinado pelo Tribunal nesse processo deviam, tal como este imposto dinamarquês, ser excluídos do cálculo do valor tributável para efeitos de IVA.


(…)


A Comissão considerou determinante, para efeitos da sua exclusão da matéria


colectável do IVA, o facto de se tratar impostos que procuram compensar os custos externos de utilização dos veículos automóveis no território do Estado membro em causa, e cujo pagamento constitui uma condição dessa utilização pelos adquirentes dos veículos. Por conseguinte, ainda que o pagamento seja efectuado pelo fornecedor antes da entrega do veículo ao cliente, esse tipo de imposto não tem uma relação directa com a operação de aquisição do veículo. O pagamento do imposto é feito no interesse do adquirente, o qual pode assim proceder de imediato à utilização do veículo sem ter de proceder ele próprio às formalidades de pagamento do imposto exigido para esse efeito. Neste contexto, a Comissão entendeu que o pagamento do referido imposto pelo fornecedor constituía uma despesa efectuada em nome e por conta do adquirente e que, sendo a mesma registada na contabilidade do fornecedor numa conta transitória, o seu reembolso pelo adquirente não deveria ser incluído no valor tributável em IVA da operação de aquisição do veículo, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, .1.º parágrafo, alínea c), da Directiva IVA.»



Com base neste seu entendimento, a Comissão iniciou procedimentos de infracção contra Portugal, Polónia, Áustria, Finlândia e Malta. No caso destes dois últimos Estados membros, os procedimentos de infracção foram encerrados, após modificações introduzidas nas respectivas legislações nacionais.


Pode ler-se o seguinte nas referidas Alegações da Comissão:


«25. No que se refere a Portugal, a Comissão endereçou em 18 de Outubro de 2006 uma notificação de incumprimento às autoridades portuguesas, chamando a sua atenção para o facto de o artigo 17.º do RITI exigir expressamente a inclusão do imposto automóvel, que se encontrava então em vigor nesse Estado membro, no valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a esse imposto. Por outro lado, tal parecia ser igualmente a interpretação dada pela administração fiscal portuguesa aos artigos 16.º e 17.º do CIVA, no que diz respeito às entregas de veículos no interior do país e às importações de veículos automóveis, apesar de a letra destas disposições não exigir expressamente a inclusão do imposto automóvel no valor tributável das operações em causa. A Comissão considerou que dadas as características do imposto automóvel português, ele tinha uma natureza semelhante ao imposto dinamarquês examinado pelo Tribunal no acórdão De Danske Bilimportører, já referido, pelo que não se justificaria a sua inclusão no conceito de ‘impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos’ visado no artigo 11.º, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme. Esta posição foi confirmada em parecer fundamentado emitido em 29 de Junho de 2007.


26. Todavia, uma vez que o imposto automóvel foi substituído a partir de 1 de Julho de 2007 pelo novo ISV, a Comissão enviou em 26 de Junho de 2009 uma notificação de incumprimento complementar às autoridades portuguesas, na qual tinha em conta as disposições do CISV.


27. Nessa notificação complementar, a Comissão alegava que não obstante os factos geradores do imposto enumerados pelo artigo 5.º, n.º 1, do CISV serem ‘o fabrico, montagem, admissão ou importação’, a mesma disposição deixa claro que o imposto só incide sobre veículos ‘que estejam obrigados à matrícula em Portugal’. Daqui resulta que o pagamento do ISV constitui uma condição da matrícula do veículo, tal como aconteceria no caso de um imposto sobre veículos que estabelecesse como seu facto gerador a matrícula do veículo. Segundo a Comissão, o efeito prático é o mesmo em ambos os casos.


28. A Comissão realçava ainda que a ligação do ISV à matrícula do veículo é reforçada pelo disposto nas alíneas a) e d) do n.º 2 do mesmo artigo, que enumera determinados factos geradores adicionais do imposto. A alínea a) refere ‘a atribuição de matrícula definitiva nova após o cancelamento da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal’ e a alínea d) refere ‘a permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código’. Esta última disposição é típica das legislações que consideram a matrícula como um facto gerador do imposto. Se esse fosse o único facto gerador da obrigação fiscal, seria fácil ao proprietário do veículo iludir o pagamento do imposto em causa, evitando precisamente a ocorrência do facto gerador, ou seja a matrícula do veículo. A previsão do facto gerador adicional relativo à permanência do veículo em território nacional permite assegurar a eficácia da cobrança do imposto e sancionar o proprietário em falta, mesmo que este não tenha matriculado o veículo.


29. A Comissão concluía portanto, na sua notificação complementar de 26 de Junho de 2009, que o ISV era um imposto de natureza semelhante ao ‘Registreringsafgift af motorkøretøjer’ dinamarquês, pelo que não deveria ser incluído no matéria colectável para efeitos de IVA das entregas, aquisições intracomunitárias e importações de veículos automóveis tributadas em Portugal.»


6. A AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA CONSTANTE DA LEI N.º 3-B/2010, DE 28-4 (OE PARA 2010)


Porventura tendo em conta a posição do Tribunal de Justiça e da Comissão acima referidas, o artigo 135.º da Lei n.º 3-B/2010 previa a seguinte autorização legislativa, não utilizada até ao momento:


«Artigo 135.º


Autorização legislativa relativa ao regime do IVA sobre o ISV


1 — Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de:


a) Excluir do valor tributável para efeitos de IVA o imposto sobre veículos, procedendo assim a um desagravamento fiscal de 20 %;


b) Compensar a exclusão referida na alínea anterior através de um agravamento das taxas do imposto sobre veículos no mesmo valor de 20 %;


c) Adaptar os Códigos do IVA e do ISV, assim como toda a respectiva legislação complementar, às alterações fiscais autorizadas pelo presente artigo, nomeadamente no que respeita à respectiva incidência objectiva, valor


tributável, facto gerador e obrigações acessórias.


2 — As medidas legislativas produzidas ao abrigo da presente autorização estão subordinadas à observação de um princípio geral de neutralidade orçamental, devendo deixar globalmente inalterada a receita fiscal resultante


da tributação automóvel e à manutenção dos regimes de isenção previstos na Lei n.º 22 -A/2007, de 29 de Junho, em sede de pagamento do IVA e do ISV, designadamente os destinados a pessoas com deficiência motora.


3 — As medidas legislativas produzidas ao abrigo da presente autorização devem espelhar as recomendações técnicas que entretanto venham a ser formuladas pelas instâncias comunitárias.


4 — O Governo estabelece as regras legais necessárias para assegurar que as alterações fiscais produzidas ao abrigo da presente autorização são comunicadas aos consumidores com inteira transparência e que por ocasião da sua introdução não se proceda a qualquer agravamento do preço base dos veículos automóveis.»


7. O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 20.05.2010, NO PROCESSO C-228/09 (COMISSÃO/POLÓNIA)


Pode continuar a ler-se o seguinte nas referidas Alegações da Comissão:


«30. Recentemente, em 20 de Maio de 2010, o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão no processo C-228/09, Comissão/Polónia (…). O Tribunal rejeitou o processo por incumprimento interposto contra a República da Polónia pelo facto de a sua legislação incluir na matéria colectável do IVA um imposto especial de consumo que incidia sobre os automóveis particulares. No entender da Comissão, que não foi confirmado pelo Tribunal, tal imposto era idêntico, em substância, ao imposto dinamarquês em causa no acórdão De Danske Bilimportører, já referido. O acórdão Comissão/Polónia, já referido, contém indicações muito claras sobre as condições que devem estar reunidas para que um imposto sobre automóveis escape à regra da inclusão no valor tributável do IVA prevista no artigo 78.º, 1.º parágrafo, alínea a), da Directiva IVA e seja considerado como uma despesa reembolsada ao fornecedor na acepção do artigo 79.º, 1.º parágrafo, alínea c), da mesma Directiva. À luz dessas indicações, a Comissão reexaminou a sua posição sobre o ISV e concluiu que tal imposto deve ser incluído no valor tributável para efeitos de IVA.


31. De acordo com o acórdão Comissão/Polónia, já referido, as condições para a exclusão de um imposto sobre veículos automóveis da matéria colectável do IVA são as seguintes:


1) o facto gerador do imposto é a matrícula do veículo e não existe um nexo directo entre o imposto e a operação de entrega, aquisição intracomunitária ou importação do veículo no território de um Estado membro (…);


2) o sujeito passivo do imposto é o adquirente do veículo e não o fornecedor, o qual apenas efectua o pagamento em nome e por conta do adquirente (…).


32. Aplicando o primeiro destes critérios ao ISV, decorre das disposições que regem este imposto que o facto gerador não é formalmente a matrícula do veículo mas sim o seu ‘fabrico, montagem, admissão ou importação […] em território nacional’. Porém, deve recordar-se que a matrícula do veículo constitui um facto gerador adicional do imposto no caso previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 5.º do CISV.


33. Quanto ao segundo critério, resulta inequivocamente do artigo 3.º, n.º 1, do CISV que os sujeitos passivos do imposto são os fornecedores dos veículos e não os adquirentes sobre os quais o montante do ISV é integralmente repercutido. Visto que o Tribunal considera determinante para a inclusão de um imposto na matéria colectável do IVA o facto de o mesmo ter sido pago em nome e por conta do fornecedor, e não em nome e por conta do adquirente (…), deve concluir-se que tal condição está preenchida no caso do ISV. Tal imposto inclui-se portanto no elenco de impostos visado pelo artigo 78.º, 1.º parágrafo, alínea a), da Directiva IVA.»


Assim, a Comissão propôs ao Tribunal de Administrativo que à questão colocada pelo Supremo Tribunal Administrativo fosse dada a seguinte resposta:


«Os artigos 78.º, 79.º e 83.º da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que as quantias pagas a título de um imposto sobre veículos com as características daquele em causa no processo principal devem ser incluídas no valor tributável em IVA das aquisições intracomunitárias de veículos automóveis.»


8. O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, DE 27.01.2010, NO PROCESSO 766/09


O Acórdão em apreço tem o seguinte sumário:


«I – O facto gerador de imposto sobre veículos é, entre outros, «o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos», de acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos.


II – O sujeito passivo do imposto sobre veículos é o respectivo operador/vendedor, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos.


III – Assim, o pagamento do imposto sobre veículos realizado pelo operador/vendedor do automóvel é feito em nome e a título próprio, e não em nome ou por conta do adquirente do veículo.


IV – Nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (novos) o imposto sobre veículos é incluído no valor tributável em IVA, de acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias [RITI].


V – A conclusão, porém, por não se afigurar de conformidade inequívoca e clara com o Direito Comunitário, deve ser colocada como questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título de reenvio prejudicial.»


Como se pode ver do sumário, e se confirma pela leitura do Acórdão, o STA propende a concluir que não haverá violação alguma do Direito Comunitário na inclusão do ISV no valor tributável em IVA.


Na verdade, pode ler-se o seguinte, no Acórdão em análise:


«Ao que julgamos, a solução encontrada pela sentença recorrida em nada afrontará, e antes respeitará, o Direito Comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu (TJCE). A aduzida similitude da presente situação com a resolvida por um acórdão do TJCE – a um pedido de interpretação do Direito Comunitário em matéria de IVA (reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 234.º do Tratado CE), formulado por um tribunal dinamarquês – parece não existir. Esse acórdão do TJCE limitou-se a declarar que, em face das disposições comunitárias que prevêem a integração de certos impostos e taxas na base tributável de IVA, e dadas as características do imposto dinamarquês incidente sobre a matrícula automóvel, o mesmo não poderia ser objecto de inclusão no valor tributável do IVA. Aí, no caso dinamarquês, decidiu-se, como de resto, a sentença recorrida refere, que ‘o valor tributável não poderia incluir as importâncias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens sendo que tal tributação específica dos veículos automóveis recaía sobre o adquirente e não sobre o sujeito passivo de imposto’. Segundo o aludido acórdão do TJCE, no quadro de um contrato de venda que preveja que o distribuidor entregue um veículo já matriculado por um preço que englobe o imposto de matrícula que pagou antes da entrega do veículo, ‘o montante desse imposto não pode ser incluído no valor tributável do IVA a aplicar à venda do veículo’. O TJCE justificou a sua decisão, em primeiro lugar, no facto de o imposto de matrícula ser aplicado a título da matrícula do veículo e não do fornecimento do mesmo e, em segundo lugar, na circunstância de o referido imposto ser pago pelo fornecedor do veículo por conta do adquirente.


No presente caso, porém, sem similaridade com esse caso dinamarquês, ao que julgamos, não será legítima a conclusão de que as quantias pagas pelo operador/vendedor, a título de imposto sobre veículos, são pagas em nome e por conta da adquirente, impugnante, ora recorrente. Ao contrário: no regime legal português, o sujeito passivo do imposto sobre veículos é o operador/vendedor dos veículos, e não a impugnante, ora recorrente, adquirente desses veículos. Assim, sendo o sujeito passivo da relação jurídica do imposto sobre veículos o respectivo operador/vendedor, será esse imposto devido e pago, por si, em nome e a título próprio, e não em nome e por conta da adquirente do veículo, impugnante, ora recorrente.


Razão por que, a nosso ver, improcederá a pretensão de exclusão do imposto sobre veículos do valor tributável em IVA, por força da aplicação do n.º 3 do artigo 17.º do RITI, a dispor que ‘Nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo ou a imposto sobre veículos, o valor tributável é determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente’.


E, então, havemos de convir, em síntese, que o facto gerador de imposto sobre veículos é, entre outros, ‘o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos’, de acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos. O sujeito passivo do imposto sobre veículos é o respectivo operador/vendedor, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos. Assim, o pagamento do imposto sobre veículos realizado pelo operador/vendedor do automóvel é feito em nome e a título próprio, e não em nome ou por conta do adquirente do veículo. Nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (novos) o imposto sobre veículos é incluído no valor tributável em IVA, de acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias [RITI].»


Contudo, o STA considerou o seguinte:


«A conclusão, porém, por não se afigurar de conformidade inequívoca e clara com o Direito Comunitário, deve ser colocada como questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título de reenvio prejudicial.


Com efeito, a solução da questão, não sendo pacífica nem evidente, apresenta-se duvidosa, afigurando-se temerário afirmar a existência de ‘acto claro’, para efeitos de dispensa de reenvio prejudicial ao TJCE.


Nesta situação, decidindo o Supremo Tribunal Administrativo em última instância e não se conhecendo jurisprudência do TJCE directamente aplicável, é obrigatório o reenvio prejudicial, de harmonia com o preceituado no artigo 234.º, parte final, do Tratado de Roma».


E, assim, o STA formulou a seguinte questão ao Tribunal de Justiça, a título de reenvio prejudicial:


«O artigo 78.º, § 1.º, alínea a), conjugado com o artigo 79.º, § 1.º, alínea c), da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de não permitir que, nas aquisições intracomunitárias, seja incluído no valor tributável em IVA o quantitativo do imposto sobre veículos, criado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho?»


Foi a esta pergunta que a Comissão, nas suas Alegações, respondeu da forma que vimos, ou seja, «Os artigos 78.º, 79.º e 83.º da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que as quantias pagas a título de um imposto sobre veículos com as características daquele em causa no processo principal devem ser incluídas no valor tributável em IVA das aquisições intracomunitárias de veículos automóveis.»


9. CONCLUSÃO


O ISV (e também o anterior IA) é um imposto especial de consumo, que tem como facto gerador o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Ou seja, não há qualquer dúvida que, pelo menos do ponto de vista formal, e ao contrário do que acontecia com o imposto dinamarquês acima referido, o ISV não é um imposto de matrícula (e também o não era o IA).


Acresce que, são os fornecedores dos veículos os sujeitos passivos do imposto, pagando-o em nome próprio, e não os adquirentes sobre os quais o montante do imposto é repercutido. Ou seja, e ao contrário do imposto dinamarquês, o imposto português não é pago pelos fornecedores em nome e por conta dos adquirentes dos veículos nem, ao que parece, registado em contas de terceiros apropriadas.


Assim sendo, parece que nas transmissões internas, nas aquisições intracomunitárias e nas importações de veículos automóveis, deve ser incluído o IA bem como o ISV no valor tributável de IVA.


Aliás, nesse sentido parece ir a mais recente posição da Comissão, atento o Acórdão do Tribunal de Justiça no Processo Comissão/Polónia e as características do ISV(/IA). Adicionalmente, no Acórdão citado, também o STA propende para esta tese.


Tem, contudo a última palavra, o Tribunal de Justiça, que se encontra analisar a pergunta formulada pelo STA, a título de reenvio prejudicial.


Assim, não parecendo assistir razão ao Reclamante, e estando o assunto objecto de queixa a ser analisado pelas competentes instituições europeias, não podemos intervir em favor das pretensões do Reclamante junto da Administração Fiscal.


 


O Assessor


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António Magalhães