ANOTAÇÃO


Entidade visada: Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL)
Proc.º: R-5040/06
Área: A2


Assunto: Assuntos económicos. Comércio. Feirantes. Exercício da profissão.


Objecto: Exigência de documentos para a renovação do cartão de feirante que não constam da legislação aplicável; cobrança de juros de mora pelo atraso no pagamento dos lugares de venda relativos a períodos ainda não vencidos; atribuição dos lugares de venda nas feiras através de leilão; alteração unilateral dos dias de realização das feiras quando coincidam com dias feriados; revisão do regime jurídico da actividade de comércio a retalho exercida pelos feirantes.


Decisão: As diligências instrutórias promovidas pela Provedoria de Justiça junto da Direcção-Geral das Autarquias Locais determinaram o envio a todas as autarquias locais de um ofício-circular destinado a uniformizar procedimentos e a corrigir as anomalias detectadas no relacionamento com os feirantes.


Síntese:


1. Recebeu o Provedor de Justiça uma queixa apresentada por uma entidade representativa dos interesses dos feirantes, na qual foram colocadas diversas questões relacionadas com o exercício dessa profissão e com os procedimentos seguidos por diversas autarquias locais no que toca a estes profissionais.



2. Tais questões podem ser elencadas da seguinte forma:







a) Documentação exigida para efeitos de renovação do cartão de feirante
Algumas câmaras municipais exigiam documentos que não constam do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25 de Agosto, para efeitos de renovação do cartão de feirante, tais como, atestados médicos e declarações comprovativas da ausência de dívidas à segurança social.



b) Cálculo de juros de mora pelo atraso no pagamento dos lugares de venda
Determinadas autarquias municipais cobravam aos feirantes juros de mora que ascendiam, por vezes, a 50%, pelo atraso no pagamento dos lugares de venda no recinto das feiras, relativos a períodos ainda não vencidos.


c) Leilões dos lugares vagos nas feiras
De acordo com a reclamante, a figura do leilão de lugares de venda suscita questões de ilegalidade, uma vez que não consta do regulamento das feiras, não tendo sido ouvidas as organizações representativas dos feirantes e verificando-se ainda um desrespeito pela ordem de inscrição dos pedidos de instalação nas feiras.



d) Realização de feiras nos dias feriados
Alegou a reclamante que, de acordo com um protocolo celebrado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, só poderia haver alteração do dia das feiras quando se tratasse de dias de Natal, Páscoa e feriados municipais. Contudo, algumas autarquias não cumpriram esse protocolo.



e) Regime jurídico da actividade de comércio a retalho exercida pelos feirantes
Convicta de que a maioria das dificuldades sentidas pelos feirantes portugueses se deve ao desajustamento do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25 de Agosto, a reclamante pretendia que este diploma fosse revisto.



3. Estando em causa matérias que envolviam diversas autarquias e freguesias, solicitou a Provedoria de Justiça à Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) que se pronunciasse a respeito daquelas questões, designadamente no que se refere à correcção da actuação das autarquias locais visadas, face ao disposto na legislação aplicável.



4. Acedendo a essa solicitação, respondeu aquela Direcção-Geral, no que se refere à documentação exigida para efeitos de renovação do cartão de feirante (atestado médico e certidão comprovativa de ausência de dívidas à segurança social) que, embora o Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08, não tenha previsto, expressamente, a apresentação de atestado médico como condição para a renovação do cartão de feirante, no art.º 8.º do mesmo diploma exige-se que os indivíduos que intervenham no acondicionamento, transporte ou venda de produtos alimentares sejam portadores de boletim de sanidade.



5. Quanto à exigência de apresentação de certidão comprovativa de ausência de dívidas à segurança social, admitiu a DGAL que não existe fundamento legal para que as câmaras municipais condicionem a renovação do cartão de feirante à apresentação de tal documento.



6. Também quanto ao cálculo de juros de mora pelo atraso no pagamento dos lugares de venda, a DGAL disponibilizou-se para sensibilizar as câmaras municipais, através de ofício-circular, para a falta de suporte legal relativamente à cobrança de juros de mora sobre as quantias devidas pela ocupação de tais lugares, no que se refere a períodos não vencidos, dada a inexistência de fundamento legal para essa cobrança.



7. Pelo contrário, entende aquela Direcção-Geral que nada obsta a que as autarquias locais, no âmbito do poder regulamentar de que dispõem, determinem que o direito à ocupação dos lugares de venda seja adquirido em leilão ou em hasta pública.



8. Por fim, quanto à realização de feiras nos dias feriados, entende a DGAL que o protocolo celebrado entre a ANMP e as associações representativas dos feirantes quanto à suspensão dos dias de feira não pode sobrepor-se às decisões tomadas pelos órgãos autárquicos, aos quais cabe fixar a periodicidade das feiras, assim como os dias previstos para a sua realização, que poderão ser objecto de alterações.



9. A análise desta posição transmitida pela DGAL determinou o arquivamento do processo que havia sido aberto para apreciação desta reclamação, na convicção de que não se justificava prosseguir com as diligências instrutórias, atenta, desde logo, a disponibilidade manifestada por essa Direcção-Geral para agir, dentro dos limites das suas competências legais, junto das autarquias locais, no sentido da uniformização e da correcção de procedimentos no que se refere à actividade de comércio exercida pelos feirantes.



10. Na verdade, no que se refere às questões relacionadas com os leilões dos lugares vagos nas feiras e com a realização de feiras nos dias feriados, como referiu a DGAL, as decisões tomadas pelas autarquias locais a este respeito foram legitimadas pelo poder regulamentar que lhes foi expressamente concedido pelo art.º 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08, ao contrário do que sucedeu, por exemplo, para a fixação das condições exigidas para a renovação do cartão de feirante (cfr. art.º 4.º do mesmo diploma).



11. Também a questão suscitada em torno do cálculo de juros de mora pelo atraso no pagamento dos lugares de venda pôde considerar-se em vias de ser resolvida, pois a DGAL, reconhecendo a ilegalidade da cobrança de juros de mora relativos a prestações ainda não vencidas, disponibilizou-se para emitir um ofício-circular dirigido às autarquias locais para que corrigissem o procedimento errado que vinham seguindo a este respeito.



12. Por outro lado, a respeito da renovação do cartão de feirante por algumas autarquias, haverá que ponderar que o art.º 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08, não concedeu às autarquias locais qualquer poder regulamentar específico relativamente à renovação desse cartão, ao contrário do que terá feito, por exemplo, para a fixação da periodicidade e horário das feiras e mercados, do local de realização, das condições de acesso e ocupação dos lugares de venda, do número máximo destes e das taxas a pagar.



13. Admite-se, é certo, que a Portaria n.º 149/88, de 9.03, tenha instituído a obrigatoriedade de apresentação de atestado médico de aptidão aos feirantes. Contudo, como decorre expressamente, quer do preâmbulo desse diploma, quer do seu texto, tal obrigatoriedade coloca-se apenas aos feirantes que estejam em contacto directo com alimentos, o que excluirá, por exemplo, os feirantes que vendam vestuário (o mesmo resultaria, também, do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08, quanto ao boletim de sanidade).



14. Assim, não será de admitir que as câmaras municipais possam actualmente exigir a todos os feirantes a apresentação de atestado médico como condição para a renovação anual do respectivo cartão, sem distinguir a actividade exercida (venda de alimentos, roupa, ferragens, entre outros).



15. Ainda a respeito da exigência de atestado médico, será de referir que, nos termos do n.º 5 da Portaria n.º 149/88, de 9.03, só está prevista a exigência de passagem de atestado médico quando o pessoal das feiras, que tenha contacto directo com alimentos, tenha contraído qualquer doença susceptível de colocar em causa a saúde pública, nada se referindo quanto à obrigatoriedade de tal atestado como condição para a renovação anual do cartão de feirante.



16. Por outro lado, quanto à apresentação de certidão comprovativa de ausência de dívidas à segurança social, não só não se encontra fundamento legal para tal exigência, como também, como é do conhecimento público, foi entretanto instituída, por via legal (Decreto-Lei n.º 114/2007, de 19.04), a faculdade de dispensa no relacionamento com os serviços públicos de apresentação de certidão comprovativa de situação tributária ou contributiva regularizada.



17. Por último, no que se refere à pretendida revisão do regime jurídico que rege a actividade dos feirantes, tal matéria não cabe nas atribuições do Provedor de Justiça, já que não se detecta, no âmbito do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08, a violação de direitos, liberdades e garantias capaz de legitimar uma intervenção da parte deste órgão do Estado nesse sentido. Por outro lado, atento o princípio da separação de poderes, compete ao Governo ou à Assembleia da República promover uma alteração da legislação vigente, tanto mais que o assunto já foi suscitado no seio dos grupos parlamentares.



18. Nestes termos, encerrou-se a instrução do processo, transmitindo à reclamante que:



– a DGAL já se havia mostrado disponível para divulgar, através de ofício-circular, pelas autarquias locais, o entendimento de que não é possível cobrar juros de mora relativamente às quantias devidas pela ocupação de lugares de venda reportadas a períodos ainda não vencidos;


– a Provedoria de Justiça solicitou a essa Direcção-Geral que estendesse a sua intervenção também no que se refere à documentação exigida para a renovação do cartão de feirante nos termos acima referidos (obrigatoriedade de apresentação de atestado médico apenas para alguns feirantes e não exigência de certidão comprovativa de ausência de dívidas à segurança social);


– as decisões tomadas pelas autarquias locais quanto à forma de atribuição dos lugares vagos nas feiras e à realização de feiras nos dias feriados foram legitimadas pelo poder regulamentar que lhes foi expressamente concedido pelo art.º 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 252/86, de 25.08;


– não cabe ao Provedor de Justiça sugerir quaisquer alterações legislativas em sede de revisão do regime jurídico que regula a actividade dos feirantes, o que naturalmente não impede os interessados de insistir junto do Governo ou dos grupos partidários com assento na Assembleia da República para que tenham em conta as sugestões que foram feitas nesta matéria.



19. Posteriormente à decisão de arquivamento do processo, a DGAL remeteu ainda à Provedoria de Justiça cópia do ofício-circular n.º 17, de 24.05.2007, que enviou a todas as câmaras municipais do continente e que contempla todas as orientações que este órgão do Estado havia preconizado a respeito das questões expostas na queixa.