Exm.º Senhor


Presidente do Conselho Directivo da


Associação Nacional de Municípios


Portugueses


Av. Marnoco e Sousa, 52


3004-511 COIMBRA


 


 


Vossa Ref.ªOFI:802/2009-PB Vossa Comunicação10/07/2009 Nossa Ref.ªProc. R – 3430/09 (A6)


Assunto: Conselhos Municipais de Juventude. Lei n.º 8/2009, de 18 de Fevereiro.


 


1. Reporto-me ao regime jurídico dos conselhos municipais de juventude, criado pela Lei n.º 8/2009, de 19 de Fevereiro, a respeito do qual a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), presidida por V.ª Ex.ª, remeteu a este Órgão do Estado parecer jurídico, onde vêm questionadas algumas das soluções normativas vertidas no diploma legal em apreço.


Importa, a título prévio, sublinhar que ao Provedor de Justiça não compete pronunciar-se sobre as opções político-legislativas que estiveram na base da Lei n.º 8/2009 e que, no quadro da margem de liberdade de conformação do legislador parlamentar, enformam as soluções normativas vertidas na mesma Lei quanto às escolhas prevalecentes a respeito da concreta compleição organizatória dos conselhos municipais de juventude.


2. Assim sendo, apreciadas as questões suscitadas no referido parecer jurídico e ponderado o sentido da minha intervenção, no âmbito das competências estatutariamente atribuídas a este Órgão do Estado, entendi comunicar à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local a minha crítica, no quadro da actual Lei, quanto ao teor da norma constante do art.º 21.º, na parte que toca à responsabilidade da câmara municipal pelo apoio logístico e administrativo aos eventos organizados por iniciativa do conselho municipal de juventude, por considerar que a mesma não se conforma com o princípio da autonomia local, nomeadamente na sua vertente da autonomia financeira dos municípios.


Com efeito e concordando-se com a argumentação expendida por essa Associação, esta autonomia financeira assenta, no que para a presente situação releva, na capacidade de os municípios, com base em orçamento próprio, afectarem receitas a despesas definidas e aprovadas no exercício dos respectivos poderes, de acordo com as opções livremente feitas no seu seio, em harmonia com as regras democráticas e na estrita observância da lei.


Em face do preceituado no referido art.º 21.º da Lei n.º 8/2009, não se questiona o apoio logístico e administrativo que seja devido pelas câmaras municipais aos conselhos municipais de juventude e relativo ao seu funcionamento normal enquanto órgão consultivo do município sobre matérias relacionadas com a política de juventude, apoio esse que, segundo vem também referido no parecer jurídico anexo à exposição da ANMP, não assumirá significado financeiro relevante.


Já a promoção de eventos pelos conselhos municipais de juventude – realidade que a própria Lei n.º 8/2009 exemplifica com «a realização de encontros de jovens, colóquios, seminários, conferências ou a edição de materiais de divulgação» – extravasando, sem margem para dúvidas, a natureza de órgão consultivo que o legislador atribui geneticamente aos conselhos municipais de juventude, não deve onerar as câmaras municipais, sob pena de as mesmas se verem forçadas a associar-se financeiramente a eventos relativamente aos quais não tiveram qualquer poder de decisão, cujos custos não podem controlar e cujo impacte, no plano das despesas (e ainda que limitadas a um apoio logístico e administrativo), pode, de resto, não ser despiciendo.


Este dever das câmaras municipais de custearem, nos termos legalmente previstos, os eventos promovidos pelos conselhos municipais de juventude mina, por conseguinte, o seu poder de gestão e controlo do orçamento municipal, colidindo com o princípio da autonomia financeira dos municípios, também ele acautelado na Lei das Finanças Locais, situação esta de incompatibilidade com as normas constitucionais e legais vigentes que urge, pois, no quadro da Lei n.º 8/2009, remediar.


Assim sendo, como já acima noticiei, em consideração dos trabalhos em curso na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, com o objectivo de avaliar aquele diploma legal, e em alternativa à apresentação, junto do Tribunal Constitucional, de pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma em causa, entendi assinalar a deficiência em causa através de comunicação endereçada ao Senhor Presidente da referida Comissão, por forma a que esta situação de desconformidade jurídica, a manter-se o regime jurídico dos conselhos municipais de juventude, possa ser ponderada em sede da avaliação do diploma legal que enforma o mesmo regime.


De igual modo, na mesma comunicação, chamei ainda a atenção para a inconsistência da redacção, no quadro da actual Lei, das normas relativas à competência para a eleição de representantes em outros órgãos consultivos (art.os 10.º e 15.º, alíneas c) e d)).


Com efeito, quanto a esta matéria, apenas é aceitável que esteja em causa a eleição de representantes do conselho municipal de juventude – e não do próprio município – nos referidos órgãos.


3. No que concerne às restantes questões suscitadas pela Associação a que V.ª Ex.ª preside, e com o devido respeito que me merece a argumentação que sustenta as conclusões do parecer jurídico remetido, considero, todavia, não poder acompanhar as objecções levantadas relativamente às matérias que passo a elencar.


Assim, e no que tange a questão da dupla competência consultiva dos conselhos municipais de juventude (art.os 7.º, n.os 1 e 2, e 8.º da Lei n.º 8/2009), afigura-se-me essencial a circunstância de essa intervenção dos conselhos municipais de juventude, mediante a emissão dos correspectivos pareceres (destituídos, de resto, de natureza vinculativa), para além de servir um valor constitucionalmente tutelado no art.º 70.º da Constituição, deixa, em qualquer caso e independentemente das fases procedimentais da intervenção consultiva – e, este é, na minha perspectiva, o aspecto decisivo –, imaculado o espaço próprio da autonomia decisória dos órgãos municipais.


De igual modo, em relação à possibilidade de constituição de comissões intermunicipais de juventude (art.º 14.º da Lei n.º 8/2009), não se crê que a mesma contenda com as competências dos órgãos do município. Na verdade, a serem criadas, as mesmas comissões não consubstanciam forma organizatórias de cooperação ou coordenação do próprio município, não estando em causa qualquer dimensão de externalidade imputável ao município, mas tão-somente estruturas associativas de coordenação ao nível dos conselhos municipais de juventude. Não sendo, de resto, obrigatória a sua constituição, a previsão de comissões intermunicipais de juventude conforma-se com a autonomia de cada situação local, bem como com a diversidade autárquica, representando, ainda, formas legítimas de associação na prossecução de um interesse constitucionalmente tutelado.


Por seu turno, no tocante aos direitos dos membros autarcas dos conselhos municipais de juventude (n.º 2 do art.º 15.º da Lei n.º 8/2009), depreende-se a limitação dos poderes de intervenção no seio do órgão em apreço. Com efeito, consubstanciando os conselhos municipais de juventude, nos termos da lei, um órgão consultivo do município, mal se compreenderia que os membros autarcas pudessem, por essa via, condicionar ou, de alguma forma, direccionar o sentido dos pareceres dos conselhos municipais de juventude sobre matérias relacionadas com a política de juventude, relativamente às quais aqueles membros exercem (ou integram órgãos com) competências deliberatórias.


Não pode isto significar, outrossim, que, no caso dos presidentes de câmara, os quais, por força da lei, presidem aos conselhos municipais de juventude, fiquem os mesmos privados das funções inerentes à garantia da operatividade e ao normal e correcto funcionamento dos conselhos municipais de juventude, com refracção intra-orgânica.


Por último, quanto à proibição, relativamente aos membros indicados na sua qualidade de autarcas, de integrarem a comissão permanente do conselho municipal de juventude (n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 8/2009), a mesma não me merece censura, porquanto é lícita a opção feita para uma distinção clara entre o conselho municipal de juventude e os órgãos autárquicos do respectivo município, também ao nível da sua liderança.


Para já, aguardando a resposta do Parlamento à posição que transmiti, apresento a V.ª Ex.ª os meus melhores cumprimentos,


 


O Provedor de Justiça,


 


Alfredo José de Sousa