URGENTE


Ex.mo. Senhor


Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo


Praça de Alvalade, ns. 11 a 13


1749-070 LISBOA



 


 


Sua referência Sua comunicação Nossa referência


Proc. R – 4294/10 (A4)



 


Assunto: Reclamação apresentada pela docente …………. Faltas por doença. Licença sem vencimento de longa duração.



 


 


I



A docente supra identificada requereu a intervenção do Provedor de Justiça relativamente à situação que se sintetiza do seguinte modo:



1. A reclamante, docente do Agrupamento de Escolas de ………….., completou, em 12.6.2009, o período de 18 meses de faltas por doença.


2. Não obstante, foi convocada para se apresentar, em 27.07.2009, à junta médica dessa Direcção Regional, a qual considerou a docente apta para retomar o serviço a partir de 30.07.2009.


3. Tendo-se apresentado ao serviço na data indicada, gozou férias entre 3.8.2009 e 3.9.2009 e, em 29.9.2009, iniciou novo período de faltas por doença.


4. Tendo a escola requerido a submissão da docente a nova junta médica, tal pedido foi indeferido, mediante comunicação dessa Direcção Regional com o seguinte teor: “Junto se devolve o processo da doente ……………, visto que perfez os 18 meses de faltas por doença a 12 de Junho de 2009, tendo sido apta para retomar o serviço a partir de 30 de Julho de 2009, por decisão de Junta médica realizada a 29 de Julho de 2009. No dia 29 do mês de Setembro de 2009 voltou a adoecer sem ter prestado trinta dias de serviço consecutivos nos quais não se incluem férias, assim sendo, deve-se aplicar o ponto 5 do Art. 47.º do Decreto-Lei 100/99 de 31 de Março”.


5. No início de Fevereiro de 2010, a docente retomou o serviço, tendo iniciado novo período de faltas por doença em 26.4.2010.


6. Em face de novo pedido de submissão a junta médica formulado pela escola, essa Direcção Regional devolveu o respectivo processo, com o fundamento de não “haver lugar a intervenção de Junta Médica, em virtude de se encontrar de licença sem vencimento de longa duração de acordo com a informação enviada para a escola pelo ofício n.º 416 de 12 de Janeiro de 2010” .


7. Em 4 de Outubro último, a docente apresentou-se na escola, tendo sido autorizada pela Directora a retomar o serviço.


8. Ontem, porém, a mesma dirigente informou a docente que deveria abandonar o serviço, uma vez que, segundo indicação que lhe havia sido prestada telefonicamente por elemento da DRELVT, o regresso ao serviço apenas poderia ocorrer após o período de um ano em licença sem vencimento, para cujo cômputo seria necessário descontar os períodos em que a docente havia prestado serviço.



II



A apreciação da situação de facto exposta, à luz do regime legal aplicável, suscita dúvidas de relevo quanto à conformidade legal das decisões tomadas por essa Direcção Regional, que me cumpre submeter à ponderação de V.Exa.:



1. Em primeiro lugar, a situação da reclamante não é subsumível na previsão do art. 47.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, mas sim na norma contida no n.º 3 do mesmo preceito. Na verdade,


a. Dispõe o n.º 1 do preceito em causa que, findo o prazo de 18 meses na situação de faltas por doença, o pessoal nomeado pode, em alternativa, requerer a submissão a junta médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ou a passagem à situação de licença sem vencimento até 90 dias, por um ano ou de longa duração. Por seu turno, o n.º 3 prevê que passa “automaticamente” à situação de licença sem vencimento de longa duração o funcionário que não requerer, no prazo de 30 dias, a apresentação a junta médica da CGA e o n.º 5 prevê igual consequência para o que, “tendo sido considerado apto pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações, volte a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias” (sublinhado nosso).


b. Decorre, pois, das normas citadas que, findo o prazo de 18 meses na situação de faltas por doença, a capacidade do funcionário para o trabalho apenas pode ser ajuizada por junta médica da CGA e não por junta médica da ADSE ou por junta criada nos termos do art. 46.º, n.º 3, do mesmo diploma (como é o caso das que funcionam na dependência das direcções regionais de educação )


c. Aliás, se o art. 38.º, n.º 1, prevê que estas juntas apenas podem justificar faltas até ao limite de 18 meses, significa que, a partir de tal prazo, não podem as mesmas apreciar a incapacidade temporária para o trabalho (pois caso, contrário, estar-se-ia a admitir a competência e, simultaneamente, a limitar a decisão em determinado sentido).


d. Por outro lado, a letra da lei não deixa qualquer dúvida relativamente à interpretação exposta: o art. 47.º, n.º 5, refere-se expressamente à deliberação de junta médica da CGA (e não de qualquer outra junta) e encontra-se inserido em Subsecção (a VIII) que tem por epígrafe “Junta médica da Caixa Geral de Aposentações”. Já o art. 46.º, que se refere às juntas médicas da ADSE e sectoriais está inserido na Subsecção anterior.


e. Assim, admitir a solução defendida pela DRELVT seria aceitar um resultado interpretativo do preceito sem qualquer apoio no texto de lei. “Ora, como ensinam os melhores doutrinadores em matéria de interpretação de leis, o texto da lei deve ser o ponto de partida e o limite de qualquer interpretação legal, devendo respeitar-se o significado técnico-jurídico dos termos e expressões usados, pois, é de presumir que o legislador ‘soube exprimir o seu pensamento em termos adequados’ (Baptista Machado, Int. ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 189; F. Ferrara, traduzido por M. Andrade Int. e Aplicação das Leis, pág. 139)” .


f. Esta é, aliás, a posição da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público que, em esclarecimento publicado na respectiva página da Internet, afasta a aplicação do art. 47.º, n.º 5, aos casos dos funcionários declarados aptos pela junta médica da ADSE que voltem a adoecer sem ter prestado 30 dias consecutivos de serviço. Na verdade, considera que aquela norma abrange “exclusivamente os casos em que foram esgotados os prazos de 18 ou 36 meses previstos, respectivamente, nos arts. 38.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, do DL n.º 100/99, de 31 de Março, e em que a junta médica da Caixa Geral de Aposentações não tenha considerado o funcionário absoluta e permanentemente incapaz, sem ter mais de 30 dias seguidos de serviço, pode ser automaticamente considerado em licença de longa duração”.


g. Essa foi, também, a posição que essa Direcção Regional adoptou no caso que motivou a prolação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.5.2004 , já que, no despacho recorrido, foi considerado “que, pelo simples facto de haverem decorrido ‘18 meses na situação de faltas por doença’, não era já possível, por falta de base legal, a convocatória para nova junta médica, ficando o docente abrangido pelo art. 47º do DL n.º 100/99, de 31 de Março”. Posição que mereceu acolhimento no Acórdão, onde se afirma que “de acordo com o art. 47º ns. 1 e 3 do citado DL n.º 100/99, em tal situação, ou seja, findo o prazo de 18 meses na situação de faltas por doença, e não tendo o funcionário requerido, em 30 dias, a apresentação à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações (nada tem a ver com a Junta Médica Regional), ele passa automaticamente à situação de licença sem vencimento de longa duração” (sublinhado nosso).


2. Por outro lado, merece igualmente reservas a afirmação de que o regresso ao serviço da docente apenas poderia ocorrer depois de decorrido um ano desde a passagem à situação de licença. Embora não se conheça a fundamentação de tal posição, crê-se que a mesma se sustentará na ideia de que a dispensa de prazo para o regresso ao serviço, prevista no o art. 47.º, n.º 7, não é aplicável a todos os casos de passagem à situação de licença previstas no preceito, mas apenas aos casos em que tal passagem foi requerida pelo trabalhador, pelo que, nas demais, valerá a regra prevista no art. 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, nos termos da qual “o funcionário em gozo de licença sem vencimento de longa duração só pode requerer o regresso ao serviço ao fim de um ano nesta situação”.


3. O certo é, porém, que a norma do art. 82.º, n.º 1, não é aplicável aos docentes, na medida em que, por força do disposto no art. 26.º, n.º 3, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro , e da entrada em vigor do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, as normas contidas no Decreto-Lei n.º 100/99 em matéria de licenças são aplicáveis exclusivamente aos trabalhadores nomeados, ou seja, aos abrangidos pelo art. 10.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o que não é o caso dos docentes. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 100/99 aplica-se aos trabalhadores que exercem funções públicas apenas em matéria de faltas por doença, por força da remissão contida no art. 19.º, n.º 3, da Lei n.º 58/2009, regendo, quanto ao resto, o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) e eventuais regimes de carreiras especiais ainda não revistos.


4. A tanto não se opõe a norma do art. 86.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira Docente que, determina a aplicação, em matéria de licenças, da “legislação geral em vigor na função pública”: esta “legislação geral” não pode deixar de ser considerada, hoje, o RCTFP, já que actualmente o regime regra na função pública é o do contrato de trabalho em funções públicas e não o de nomeação.


5. Ora, não encontramos nos regimes aplicáveis à situação a sujeição a qualquer prazo do regresso ao serviço após licença prolongada. Na verdade, o regime aplicável aos contratados em funções públicas não o prevê (cfr. arts. 234.º e 235.º do RCTFP) e o mesmo sucede com o Estatuto da Carreira Docente. Aqui dispõe-se, tão só, que o regresso ao serviço de docente que tenha passado à situação de licença sem vencimento de longa duração na sequência de doença depende de parecer favorável da junta médica e, ocorrendo no decurso do ano escolar, implica que ao docente sejam atribuídas funções de apoio até ao início do ano escolar seguinte (art. 99.º, ns. 1 e 2) .


6. De todo o modo, mesmo para os casos sujeitos ao regime de licenças contido no Decreto-Lei n.º 100/99, como sucedia com os docentes até 1.1.2009, é duvidosa a interpretação segundo a qual a dispensa de prazo contida no art. 47.º, n.º 7, é aplicável apenas aos casos em que a licença tenha sido requerida nos termos do n.º 1, alínea b), do mesmo artigo e não às licenças ditas “automáticas”. Assim,


a. Em primeiro lugar, o elemento literal não aponta nesse sentido, na medida em que a remissão contida no preceito se faz para as licenças “previstas na alínea b) do n.º 1” e não para as licenças requeridas nos termos daquela norma.


b. Por outro lado, não se vislumbra razão válida para impor a tais situações de licença uma duração mínima. Nestas, não prevalecem as razões de estabilidade jurídica que levaram o legislador a prever tal período mínimo para as licenças prolongadas pretendidas pelos funcionários, as quais, aliás, legitimam o serviço a ocupar os postos de trabalho assim deixados vagos.


c. Em caso similar, entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte não merecer acolhimento a ideia de que a entidade pública em causa apenas deveria “receber ao seu serviço o trabalhador após o decurso de um ano contado desde o início da licença automática sem vencimento de longa duração”, com o fundamento de que “neste aspecto há que atender ao regime especial de ausência de prazo previsto no artigo 47º/7 do DL 100/99, que bem se compreende, uma vez que são muito diversos os pressupostos da licença radicada em doença do funcionário, com desvinculação compulsiva de funções por razões intrinsecamente negativas, comparativamente com a licença prolongada mediante autorização, cujas características de auto regulação e bondade intrínseca (a concessão depende de prévia ponderação da conveniência de serviço, cfr. artigo 73º/2 do DL 100/99) justificam maior estabilidade na ordem jurídica”.


d. Nem se diga que, nos casos de passagem automática à situação de licença, a imposição de uma duração mínima assume uma natureza sancionatória, que já não se justificaria nas situações da alínea b) do n.º 1. Com efeito, dificilmente se poderia aceitar tal compressão do direito fundamental ao trabalho (arts. 53.º e 58.º da Constituição), sem a precedência de processo disciplinar e as correspondentes garantias de audiência e defesa do arguido, em situações em que, além do mais, não está demonstrada qualquer culpa do trabalhador (o art. 47.º, n.º 5, por exemplo, aplica-se às situações de nova doença do funcionário anteriormente considerado apto para trabalhar) – arts. 3.º, n.º 1, 28.º e 49.º a 53.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, e art. 269.º, n.º 2, da Constituição.


e. A própria medida “sancionatória” – o afastamento compulsório do serviço por período de 365 dias – revelar-se-ia mais grave do que a mais longa das penas de suspensão (90 dias por infracção, com o limite total 240 dias por ano – art. 10.º, n.º 4, da Lei 58/2008) e mesmo da que é aplicável aos casos de prestação de falsas declarações sobre justificação de faltas [pena de suspensão, sujeita aos mesmos limites de duração máxima – art. 17.º, alínea h)]. Tanto basta, creio, para concluir que impor, a título sancionatório, uma licença sem vencimento por um ano contra a vontade do trabalhador, sem a demonstração do desvalor jurídico da actuação deste, nem o respeito pelas mais elementares garantias de defesa, constituiria uma desproporcionada e, portanto, inadmissível, restrição de um direito fundamental.


7. Por fim, a posição transmitida ontem à interessada no sentido de abandonar o serviço revela-se totalmente destituída de fundamento. Se se entende, como defendeu essa Direcção Regional, que a docente passou automaticamente à situação de licença sem vencimento em 29.9.2009 e que assim se deveria manter pelo período de um ano, é forçoso concluir que esse prazo já terminou, podendo a docente retomar o serviço efectivo. A circunstância de a mesma ter trabalhado durante o período considerado “obrigatório” de licença apenas pode relevar, na lógica da posição da DRELVT (que não acompanhamos, como se expôs supra), no domínio da reposição da legalidade violada, ou seja, na reconstituição da situação que existiria se não tivessem sido praticados os actos de autorização de regresso ao serviço que essa Direcção Regional considera ilegais. Assim, apenas poderia determinar, quando muito, o dever de repor as remunerações eventualmente auferidas.


8. Pelo contrário, ao descontar, no referido período obrigatório de licença os períodos de trabalho, incorre-se numa contradição insanável: ou se considera que a situação aplicável durante o último ano era o de licença sem vencimento, sendo eventualmente indevidas as remunerações auferidas, ou, pelo contrário, admite-se que a docente regressou ao serviço e, sendo assim, nada justificaria que fosse colocada novamente em situação de licença. Note-se que, ao impedir agora a docente de voltar ao trabalho e de auferir as correspondentes remunerações, estar-se-á, afinal, a compensar, na totalidade, uma eventual obrigação de reposição de remunerações com os vencimentos a que tem direito pela prestação de trabalho. Seria o mesmo que admitir uma penhorabilidade total da remuneração do trabalho.



III



Em face de todo o exposto, sou levado a enunciar, a título conclusivo, a leitura que este órgão do Estado faz da situação da reclamante:



1. A docente passou automaticamente à situação de licença sem vencimento de longa duração em 12.7.2009, por força do disposto no art. 47.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março.


2. Regressou ao serviço em 30.7.2009, o que lhe era permitido por o regresso não estar sujeito a qualquer dilação e por ter sido julgada apta para o serviço por junta médica dessa Direcção Regional, cumprindo, desse modo, a condição prevista no art. 99.º, n.º 2, do Estatuto da Carreira Docente.


3. O facto de ter iniciado, posteriormente, novo período de faltas por doença não implica a passagem à situação de licença. Ao invés, deveria ter-lhe sido aplicado o regime legal daquelas faltas.


4. Mesmo que assim não se considere, deve ser permitido, de imediato, o regresso da docente ao serviço, conforme pretendido por esta.



 


Razão que me leva a solicitar a V.Exa. a reapreciação da situação, à luz do regime e das considerações desenvolvidas supra, com a urgência que a situação exige, tanto mais que a docente se encontra, presentemente, integralmente desprovida de meios de subsistência.



Por último, solicito a V.Exa. a comunicação da posição final que, sobre a matéria, venha a ser tomada.



 


Com os melhores cumprimentos,



 


o Provedor-Adjunto



 


 


Jorge Noronha e Silveira