Processo: R-815/08 e R-6491/07 (A4)


Entidade visada: Director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Assunto: Oferta pública de emprego. Requisitos de admissão. Idade máxima. Prazo de candidatura.


Tenho em atenção a correspondência já trocada com V. Exa. sobre o assunto em epígrafe.


1. Reporto-me, pois, à queixa relativa à oferta de emprego público, em regime de contrato individual de trabalho, para preenchimento de um lugar de técnico superior de 2ª classe do quadro de pessoal da Faculdade (Oferta Bolsa de Emprego Público n.º OE200712/0069), para licenciados em Economia, e à queixa relativa à oferta de emprego público (Oferta Bolsa de Emprego n.º OE200712/0160), destinada ao preenchimento de funções exercidas por técnicos superiores de 2ª classe, licenciados em Novas Tecnologias da Comunicação.


2. Em ambos os casos, questionou-se o facto de se ter estabelecido como requisito de admissão uma idade máxima, respectivamente de 35 e de 25 anos.


Na primeira das ofertas demandadas, questionou-se, ainda o prazo de candidatura, de três dias.


Na presente circunstância devo solicitar a atenção, em primeiro lugar, e porque mais significativo, para o requisito de admissão de 25 anos à Oferta Bolsa de Emprego n.º OE200712/0160.


3.1. Informou V. Exa, em 12 de Março de 2008, através do ofício DRH n.º 0229, que “devido ao facto de se preencher um lugar em que existe contacto directo com alunos, se nos afigurou razoável estabelecer o limite de idade de 25 anos com vista a facilitar as relações Serviço/Público alvo”.


Considerei então que essa informação não indicava particularidade que permitisse de forma razoável, racional e objectivamente fundada, um tratamento diverso do regime geral, pelo que solicitei melhor ponderação.


3.2. Através do ofício DRH, de 22 de Setembro de 2008, veio V. Exa. indicar a pretensão de ter “pessoas jovens, com maior disponibilidade para aprender novos métodos e práticas, em função da dinâmica do serviço“(1),” “interesse superior do Serviço, decorrente da prossecução da Modernização Administrativa” (2) e a necessidade de evitar caso “houvesse candidatos com grande experiência, a integrar numa categoria de ingresso, (. . . ) distorções no tocante a outros que, com menos experiência, ocupassem no mesmo Serviço categoria imediatamente seguinte ao ingresso” (3).


4. Importa, assim, analisar os argumentos aduzidos por V.ª Exa em favor daquele requisito de admissão, de forma a determinar se tal requisito tem cobertura legal.


4.1. Dou por adquirido que a Universidade Nova, enquanto pessoa colectiva de direito público, ao decidir celebrar um contrato individual de trabalho, deve respeitar o direito de acesso em condições de igualdade, conforme previsto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República, corolário do princípio geral da igualdade consagrado no artigo 13.º da mesma.


4.2. Aquele princípio da igualdade está também consagrado, aliás, nos artigos 22.º e 23.º do Código do Trabalho, de onde se extrai que “os critérios fixados nas ofertas de emprego não são livremente estabelecidos pelas entidades que os promovem, sendo limitados e tendo de respeitar escrupulosamente as regras relativas à não discriminação – directa ou indirecta – constantes dos preceitos legais supramencionados”.


4.3. Refira-se, ainda, que a actuação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, neste domínio de contratação, encontra-se também enquadrada pelo “Regulamento de celebração de contratos individuais de trabalho de pessoal não docente” aprovado pela Deliberação n.º 1145/2006, do Senado.


4.4. O seu artigo 19.º estabelece os princípios a que deve obedecer o processo de selecção e estabelece, entre outras, a garantia de igualdade de condições e oportunidades (alínea b) do n.º 1).


4.5. E o seu artigo 20.º, n.º 1, determina, ainda, que “os requisitos gerais exigidos para o recrutamento dizem respeito às habilitações literárias e profissionais exigidas para cada categoria profissional” excepcionando no seu n.º 2 as situações em que ” poderão ser fixados também requisitos especiais, relacionados com a especificidade das funções a desempenhar e o perfil requerido para tal, nomeadamente relativos à experiência profissional anterior“.


4.6. Assim, a questão em análise, perante o requisito de idade estabelecido, respeita à “especificidade das funções a desempenhar” e ao “perfil requerido para tal“.


4.7. V.ª Exa refere, quanto às especificidades das funções, que se trata de “um lugar em que existe contacto directo com alunos” pelo que a fixação de tal limite etário iria “facilitar as relações Serviço/Público-alvo” (ofício n.º DRH 229).


4.8. Ora, nos termos do aviso de oferta, a função para a qual se pretende contratar é de “investigação, estudo, concepção e adaptação de métodos e princípios científico-técnico, de âmbito geral ou especializado, executadas com autonomia e responsabilidade, tendo em vista informar a decisão superior“.


4.9. E não há qualquer sublinhado ou nota, mesmo, sobre o contacto diário com os alunos.


4.10. Aliás, a descrição funcional do aviso corresponde, quase literalmente, à descrição do conteúdo funcional do grupo de pessoal técnico superior de nível I, constante do mapa I do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, para cujo recrutamento não se encontra prevista nenhuma limitação de tipo etário, de acordo com as regras previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro.


4.11. Ademais, recordo que nem sequer relativamente ao exercício da função docente no ensino superior – vocacionalmente destinada ao contacto diário e permanente com jovens – a lei acolhe qualquer diferenciação fundada no nível etário do candidato, conforme se pode verificar da análise do Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro (Estatuto da Carreira Docente Universitária) ou do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho (Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico).


4.12. Ou seja, encontrando-se o núcleo essencial da função contratada, delimitada através de uma descrição funcional correspondente à carreira técnica superior, de características generalistas, considero que não foi aduzida qualquer particularidade que tivesse podido sustentar, um tratamento diferenciado do regime geral.


4.13. Invoca V.ª Exa que o limite máximo de 25 anos salvaguarda a capacidade de uma ” maior disponibilidade para aprender novos meios e práticas, em função da dinâmica do serviço“.


4.14. Esse tipo de justificação constava, recordo também, no preâmbulo do Decreto n.º 16 563, de 5 de Março de 1929: a “eficiência dos serviços públicos depende por um lado da eficiência dos funcionários que os prestam e por outro da sua perfeita adaptação às novas condições de vida que constantemente se criam; (. . . ) aquelas qualidades só excepcionalmente se encontram em funcionários que tenham ultrapassado um certo limite de idade, além do qual o espírito de iniciativa desaparece, para deixar lugar à rotina“.


4.15. Por isso, esse diploma fixou a idade máxima de 35 anos para primeira nomeação em lugar de acesso (art.º 4º). Todavia, esse entendimento passou a considerar-se como uma restrição à liberdade de trabalho.


4.16. Em consequência, o artigo único do Decreto-Lei n.º 232/76, de 2 de Abril, revogou, para todos os efeitos, o disposto no artigo 4.º do Decreto n.º 16 563.


4.17. Invoca, ainda, V.ª Exa, no mesmo ofício, objectivos de modernização administrativa e a necessidade de evitar as distorções que, num regime de carreira, a existência de pessoas com grande experiência em categorias de ingresso implicaria.


4.18. Essa alegação já não tem a ver com a especificidade de funções ou com o perfil exigido para o seu exercício.


4.19. De qualquer modo, sempre direi que com a modernização administrativa se pretende, sim, fomentar a qualidade e o aperfeiçoamento do serviço prestado pela Administração Pública, tarefa que incumbe a todos os trabalhadores e dirigentes de uma organização. Ademais, a “idade” e a “experiência” não andam necessariamente juntas.


4.20. Depois, que a experiência, afinal, não é elemento negativo, mesmo na lógica do concurso em análise, resulta de que ela é considerada, aí onde deve ser, na avaliação curricular, atribuindo-se dez valores aos candidatos que detivessem até um ano de experiência profissional, e por cada ano a mais de experiência, 1 valor, até ao limite de dez.


4.21. Finalmente, a alegação de que mais experiência na base da carreira pode ser constrangedora para quem, detendo menor experiência se encontra nas categorias imediatamente superiores, encontra-se desprovida de sustentação, mesmo em situações em que seja possível identificar idade e experiência. Na verdade, negligencia a riqueza intergeracional, em contexto de profundas transformações no âmbito de relações sociais e de trabalho, ocasionado por rápidas mudanças tecnológicas e institucionais.


4.22. Sendo a carreira uma sequência de posições ocupadas no trabalho ao longo da vida, vigorou durante muito tempo o conceito tradicional que a identificava como conjunto de funções, estruturada em categorias, frequentemente na mesma entidade. Para este modelo tradicional a idade cronológica era essencial, acedendo-se e evoluindo-se na carreira em função de escalões etários mais ou menos estandardizados.


4.23. Ora, o conceito de carreira também sofreu alterações, já que a velocidade a que ocorrem as transformações em referência, conduzem a carreiras nas quais a idade cronológica deixa de ser relevante, interessando, sim, como razão justificativa da diferença na contratação, a capacidade do candidato, nomeadamente nas sucessivas fases de aprendizagem, acrescentar valor ao trabalho a executar.


4.24. Neste contexto evolutivo, a miscigenação etária nas diferentes fases da carreira é o resultado de um processo normal de crescimento institucional.


4.25. Não se afigura, pois, justificada a consideração de que candidatos com mais de 25 anos sejam excessivamente longevos para ingressar numa carreira generalista como técnicos superiores de 2ª classe.


5. O enunciado que acabo de formular a V. Exa é aplicável, com as necessárias adaptações, ao limite de idade estabelecido na Oferta Bolsa de Emprego Público n.º OE200712/0069.


6. Quanto à duração do prazo de candidatura, considero que não se encontra afastada a debilidade apontada no ofício n.º 3527, de 3 de Março. Como aí se refere “[…] a exiguidade objectiva do prazo fixado na oferta [três dias] reduz as possibilidades de determinação dos mais bem preparados, limitando os objectivos do próprio processo de recrutamento e selecção: escolher os que melhor respondam às exigências e às necessidades sentidas pela entidade que recruta“.


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No quadro de todo o exposto, Senhor Director, não tenho dúvidas de que os dois concursos a que me reporto, ao fixarem limites máximos de idade de, respectivamente, 25 e 35 anos, violaram normas legais e padecem, por isso, de vícios de ilegalidade. Ocorre, ainda, que num deles – o concurso aberto para licenciados em “Novas Tecnologias de Comunicação” – foi expressamente excluído um candidato, pela simples e única razão de que tinha 27 anos de idade.



Ocorre-me que nos habituámos a assistir, no nosso País, a despedimentos de profissionais ocupados em empresas, com 40 ou 50 anos de idade, e que são atirados para o desemprego por longos períodos, por serem considerados “velhos” para trabalhar.



Assisto, agora, a um exemplo inverso: é o próprio Estado que elimina do acesso ao trabalho, sem fundamentação objectiva pertinente, profissionais com, respectivamente, 26 anos ou 36 anos de idade!



Acha V.ª Exa que a Faculdade a que preside, ao proceder assim, cumpriu a Lei e, sobretudo, satisfez a Justiça?



Cabe a V.ª Exa responder-me. E se admito que o longo tempo, entretanto decorrido, com respostas que reputo de infundamentadas, terá consolidado, mau grado, situações de facto – em relação aos candidatos admitidos nos concursos – espero, ao menos, de V.ª Exa um compromisso sério no sentido de que a Faculdade não repetirá, no futuro, o mesmo tipo de ilegalidade na abertura de concursos.