Assunto: Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto: diminuição do período de férias judiciais no Verão – Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto: não contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão até final de 2006.



Reporto-me às duas exposições de V.ªs Ex.ªs, com as datas acima assinaladas, a propósito dos dois assuntos identificados em epígrafe, e que a seguir se enunciam separadamente para facilitar cada uma das respectivas abordagens.



I) Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto:



1. A Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, que introduziu um conjunto de alterações a diversos diplomas, com o objectivo central de diminuir o período de férias judiciais no Verão, veio essencialmente trazer à ordem jurídica as seguintes alterações concretas.



Antes de mais, veio o diploma em apreço, como se disse, reduzir o denominado período de férias judiciais no Verão. Através de uma alteração ao art.º 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (1) – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, republicada em anexo à Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro –, o legislador estabeleceu que as férias judiciais no Verão passam a decorrer entre 1 e 31 de Agosto, e não entre 16 de Julho e 14 de Setembro, como acontecia anteriormente.



Em segundo lugar, o legislador vem determinar que os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e funcionários de justiça gozem as suas férias preferencialmente durante o período de férias judiciais (2), isto é, gozem preferencialmente as suas férias nos períodos de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa, e de 1 a 31 de Agosto (3).



Em terceiro lugar, a lei vem permitir que as férias dos magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais, possam ainda ser gozadas:



a) No período compreendido entre 15 e 31 de Julho (4);


b) Fora das férias judiciais e fora do período compreendido entre 15 e 31 de Julho, “por motivo de serviço público, motivo justificado ou outro legalmente previsto”(5).


Creio que as preocupações expressas por V.ªs Ex.ªs na exposição que me dirigiram, de alguma forma resultarão atenuadas se se fizer, por um lado, uma leitura conjugada das normas relevantes do diploma ou diplomas em causa e, por outro, uma aplicação das mesmas em termos conformes à lei e à Constituição.



A introdução, nas disposições constantes dos art.ºs 28.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 105.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, e 59.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça, da orientação de que as férias devem ser gozadas preferencialmente no período de férias judiciais, não deixa de se mostrar relevante para o efeito.



Repare-se que a lei anterior de alguma forma impunha o gozo das férias aos profissionais em causa durante as denominadas férias judiciais. De facto, o art.º 28.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na sua versão anterior à aprovação da Lei n.º 42/2005, estabelecia que os magistrados gozam as suas férias durante o período de férias judiciais (…)”, sendo que, nos termos do respectivo art.º 9.º, n.º 1 (na redacção introduzida pela Lei n.º 44/96, de 3 de Setembro), “os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial quando em exercício de funções, no gozo de licença, nas férias judiciais e em sábados, domingos e feriados”. Na redacção resultante da aprovação da Lei n.º 42/2005, introduziu-se, conforme já referido, no art.º 28.º, n.º 1, do mesmo Estatuto, a orientação de que os magistrados devem gozar as suas férias “preferencialmente” no período das férias judiciais, estabelecendo-se, no art.º 9.º, n.º 1, do diploma, que “os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial no período autorizado de férias (..)” (sublinhados meus) (6).



Em síntese, se anteriormente os magistrados judiciais e do Ministério Público dispunham, na prática, de mais 15 dias – de 1 a 14 de Setembro, já que, ao abrigo do actual regime, podem as férias ser gozadas no período de 15 a 31 de Julho sem a invocação de qualquer motivação especial – para poderem fazer, sem mais, naturalmente apenas condicionados pelos turnos, as suas opções quanto ao gozo efectivo do número de dias de férias de que dispunham, a verdade é que tais opções se limitavam, em princípio– a lei permitia também já que, por motivo de serviço público ou outro legalmente previsto, pudessem as férias ser gozadas em período diferente – ao período das férias judiciais.



A lei fala hoje em dia no gozo das férias preferencialmente no período das férias judiciais, estabelecendo, por outro lado, mecanismos sucessivos que possibilitam o gozo das férias fora daquele período das férias judiciais, designadamente no período compreendido entre 15 e 31 de Julho, sem a necessidade de serem invocadas razões justificativas, e fora de qualquer daqueles dois períodos, por motivo de serviço público, motivo justificado ou outro legalmente previsto.



Ou seja, enquanto que, no âmbito do regime anterior, os magistrados teriam de gozar, em princípio, as suas férias no denominado período de férias judiciais – delimitado, é certo, em termos mais amplos do que os actuais –, hoje em dia a lei apenas determina que as férias devem ser gozadas preferencialmente naquele período. Por outro lado, ao permitir, sem impor requisitos, o gozo das férias no período compreendido entre 15 e 31 de Julho, na prática o legislador reduziu a possibilidade de os magistrados disporem livremente (condicionados naturalmente pelos turnos) de apenas 15 dias no Verão, correspondentes à primeira quinzena de Setembro.



A mera indicação de que preferencialmente as férias devem ser gozadas no período das férias judiciais, reforçada pela possibilidade ínsita nos art.ºs 28.º, n.º 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e 105.º, n.º 3, do Estatuto do Ministério Público, de poderem as férias ser gozadas fora dos períodos delimitados na lei, por motivo de serviço público, motivo justificado ou outro legalmente previsto, possibilitará, na prática, o gozo das férias – por exemplo, mas não só – naquele período de 1 a 14 de Setembro.



Se, a título ilustrativo, não for possível a um dos profissionais gozar, de forma continuada, o número de dias de férias a que, nos termos da lei geral, tem direito, pelo facto de a Lei n.º 42/2005 ter reduzido o período de férias judiciais no Verão em 30 dias – o que equivale, para os efeitos aqui em discussão, e conforme já dito, a uma redução, na prática, de 15 dias, correspondentes à primeira quinzena de Setembro –, parece-me perfeitamente lícito que se faça uma interpretação das normas dos vários Estatutos, acima já mencionadas, que permitem o gozo das férias fora do período das férias judiciais e fora do período compreendido entre 15 e 31 de Julho, por motivo de serviço público, motivo justificado ou outro legalmente previsto, no sentido de permitir o gozo, pelo profissional em apreço, após o dia 31 de Agosto, dos dias de férias remanescentes. Aliás, tive conhecimento de que tal interpretação estará já a ser feita na prática.



Por outras palavras, sendo certo que as férias judiciais, no período do Verão, foram diminuídas com a aprovação da Lei n.º 42/2005, a verdade é que a flexibilização da legislação conexa com aquela medida – designadamente ao nível dos Estatutos dos magistrados, nos termos acima mencionados – possibilitará que, na prática, possam aqueles gozar as suas férias de acordo com a lei geral aplicável, isto é, com o regime das férias da função pública, de que já anteriormente beneficiavam, e nos mesmos termos em que tal regime lhes era anteriormente aplicado.



É um facto incontornável que, se e enquanto se mantiverem as denominadas férias judiciais, as férias dos magistrados judiciais e do Ministério Público, e também dos funcionários de justiça, sofrerão, como já sofriam anteriormente, algumas adaptações, face ao regime dos funcionários que asseguram outro tipo de serviços públicos. Designadamente mostra-se razoável que, dentro da medida do possível, possa o maior período de ausência daqueles profissionais, por motivo de gozo de férias, coincidir com o período em que o serviço público que asseguram está, fora as situações excepcionais definidas na lei, encerrado ao público. De resto, outros profissionais, pela natureza das coisas, e embora obviamente como profissionais liberais, portanto fora do quadro legal de que nos ocupamos, terão de fazer, na prática, esse esforço tendencial, como será o caso dos advogados.



Sendo certo que as férias judiciais não se confundem com as férias dos magistrados e dos funcionários, também é verdade que as mesmas – se e na medida em que subsistirem na ordem jurídica, aspecto que não me cabe comentar – condicionarão inevitavelmente as férias daqueles profissionais, nos termos já referidos. Isto é, as férias judiciais e o gozo das férias a que têm direito os magistrados e funcionários, se naturalmente não se confundem, também naturalmente aparecem interrelacionadas, condicionando-se mutuamente.



O certo é que a mera alteração do regime jurídico das férias judiciais, conforme ocorreu com a aprovação da Lei n.º 42/2005, não pode significar, em circunstância alguma, uma alteração, directa ou reflexa, no regime jurídico das férias dos magistrados e dos funcionários, quanto aos seus aspectos substantivos – número de dias de férias a que o profissional tem direito, número de dias de férias que o profissional pode gozar de forma continuada, etc. – estabelecido na lei geral, e já aplicado anteriormente. Assim sendo, a solução de equilíbrio terá de passar por uma interpretação e aplicação deste novo regime decorrente da Lei n.º 42/2005 conforme a essa lei geral, por exemplo, nos termos acima sugeridos.



No que toca à impossibilidade de aproveitamento de benesses legalmente previstas para a generalidade dos funcionários públicos, como as que resultariam do gozo de férias em certa altura do ano, para além de nenhuma novidade ser a esse respeito trazida pelas normas criticadas por V.ª Ex.ª, como se viu, não a encaro como injustificada ou violadora do princípio da igualdade.



Assim, primeiramente, há que notar que certas categorias de funcionários públicos se encontram já em situação similar à dos magistrados, como é o exemplo evidente dos professores. Estes devem, nos termos do Estatuto respectivo, gozar as suas férias no período das férias escolares, como aqueles nas judiciais.



Por outro lado, a vantagem em causa, adicionando-se alguns dias suplementares às férias, decorre do benefício que para o Estado se origina da não concentração das férias de todos os funcionários no período consabidamente mais apetecível pela sua generalidade, o de Verão, assim se tentando minimizar o efeito que essa concentração provoca na continuidade da prestação de um bom serviço público.



Ora, tanto no caso dos professores como dos magistrados, para além de as férias escolares e judiciais decorrerem nesse período mais procurado, o estival, nenhum benefício para o Estado decorreria do gozo de férias durante o tempo de aulas ou durante o período de funcionamento dos tribunais, antes existindo claro prejuízo.



São as características próprias do desempenho destas duas funções diversas que, em ambas, justificam a existência de regras próprias do respectivo Estatuto, aliás há muito existentes e por todos os que ao exercício das mesmas se candidataram conhecidas.



Não vejo, assim, qualquer diligência que possa considerar pertinente a este propósito.



2. Quanto à questão da discussão pública da proposta de lei que veio a dar origem à Lei n.º 42/2005, presumo que a mesma terá ocorrido nos termos previstos no art.º 150.º do Regimento da Assembleia da República – em razão da especial relevância da matéria –, que não impõe qualquer prazo para essa discussão, e não nos termos decorrentes do seu art.º 146.º, relativo à apreciação pública dos projectos e propostas de lei pelas organizações de trabalhadores. E isto, na medida em que, no caso concreto da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 42/2005, a audição das estruturas representativas dos trabalhadores estaria, quando muito, abrangida pelo regime da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, diploma que estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, e não do Código do Trabalho.



De qualquer forma, para os efeitos pretendidos por V.ªs Ex.ªs, o próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 374/2004 (publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Junho), considerou já que a Lei n.º 23/98 não pode ser qualificada como uma lei de valor reforçado, assim vedando a apreciação do eventual não cumprimento dos trâmites e procedimentos na mesma previstos em sede de fiscalização abstracta da legalidade.




II) Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto:



A Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de Dezembro de 2006.



Não creio que a aprovação deste diploma sujeitasse o legislador ao regime estabelecido na já acima referida Lei n.º 23/98. De facto, não estamos perante a definição de matérias relacionadas com a fixação ou alteração do regime das progressões ou dos vencimentos, antes sim perante a aprovação de uma medida pontual que, embora possa, na prática, ter efeitos sobre as remunerações e evolução nas categorias dos funcionários públicos, não representa qualquer modificação de regime ou de estatuto que devesse ser negociada com as organizações de trabalhadores ou participada por estas. É uma medida com um âmbito temporal definido, que deixará de subsistir na ordem jurídica findo o prazo na mesma estabelecido, e cujos efeitos quando muito representarão um não benefício para os seus destinatários. Eventuais situações posteriores que hipoteticamente levem à inversão de posições remuneratórias de funcionários da Administração Pública, já por várias vezes sancionadas pelo Tribunal Constitucional, só poderão ser verificadas em concreto, se e quando ocorrerem, já que a eventual verificação das mesmas estará por sua vez dependente da ocorrência e conjugação de vários factores.


 


 


 





Notas de rodapé:


(1) Cf. art.º 1.º da Lei n.º 42/2005.
voltar atrás


(2) Art.ºs 2.º, 4.º e 6.º da Lei n.º 42/2005, na parte em que introduzem alterações respectivamente ao art.º 28.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, art.º 105.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, e art.º 59.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto.
voltar atrás


(3) Art.º 12.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo art.º 1.º da Lei n.º 42/2005.
voltar atrás


(4) Art.ºs 28.º, n.º 2, 105.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, parte final, respectivamente de cada um dos acima referidos Estatutos.
voltar atrás


(5) Art.ºs 28.º, n.º 3, 105.º, n.º 3, e 59.º, n.º 3, respectivamente de cada um dos referidos Estatutos.
voltar atrás


(6) O mesmo se diga relativamente a disposições idênticas (art.ºs 105.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1), do Estatuto do Ministério Público, nas versões anteriores e posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 42/2005.
voltar atrás