PARECER


 Entidade visada: Secretário de Estado da Administração Educativa


Proc.º: R-2983/02 (A4)
Assessor: Fátima Almeida


Assunto: Fixação do calendário de funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar para o ano lectivo de 2002/2003 ; Despacho nº 19310/2002, de 29/07


1) Foram apresentadas na Provedoria de Justiça inúmeras queixas provindas de diversas organizações sindicais representativas do pessoal docente de educação pré-escolar, bem como de um elevado número de educadores de infância, tendo por objecto a apreciação da conformidade legal e constitucional das disposições regulamentares constantes do Despacho nº 19310/2002, do Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2º Série, nº 200, de 30/08/2002, diploma que delimita a duração das actividades educativas nos estabelecimentos de educação pré-escolar, para o ano lectivo de 2002/2003.


2) A Federação Nacional do Ensino e Investigação (FENEI) fundamenta o pedido de intervenção do Provedor de Justiça no facto de a regulamentação contida no Despacho nº 19310/2002, do Ministro da Educação, publicado no DR nº 200, 2º Série, de 30/08/2002, contender com alguns dos direitos de natureza laboral estabelecidos para os educadores de infância e com a legislação de valor hierarquicamente superior que enquadra o desempenho destes profissionais de educação pré-escolar, para além de contrariar princípios e regras legais que enformam o subsistema de educação pré-escolar; objecções estas que, no essencial, se podem sintetizar nos seguintes pontos:






a) No processo de elaboração deste regulamento não terá sido assegurada a necessária e prévia audição daquela organização representativa de trabalhadores, como era mister, tendo em conta que o mesmo diploma configuraria alteração do regime de trabalho e das condições de prestação do pessoal docente de educação pré-escolar;


b) A normação contida neste acto regulamentar compromete o gozo integral do período de férias destes profissionais de educação, na medida em que torna impraticável o exercício deste direito para aqueles que tenham 26 ou mais dias úteis de férias, situação que conduz à sua negação com ofensa das disposições legais e estatutárias que regem este instituto;


c) Também configura a previsão de injustificado tratamento discriminatório dos educadores de infância face aos docentes dos restantes níveis de ensino (ensinos básico e secundário), cuja actividade se rege pelo mesmo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28/04, ao prever a aplicação de maior carga lectiva anual para os primeiros, apesar de todos se integrarem num corpo profissional único, razão porque se mostraria violado o princípio geral da igualdade constitucionalmente consagrado;


d) Subverte e despoja de efeito útil o procedimento administrativo previsto na Lei- Quadro de Educação Pré-Escolar, aprovada pela Lei nº 5/97, de 10/02, para aprovação do horário específico de funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar (artigo 12º, nº3), ao vincular e condicionar a intervenção das escolas às regras e critérios consignados no novo regulamento.


3) Subsequentemente, também a Federação Nacional dos Professores (FRENPOF) e o Sindicato dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU), apresentaram idêntica pretensão sobre o mesmo objecto, que pela tipicidade de situações invocadas se agregaram a estes autos para tramitação conjunta, havendo a salientar, contudo, que, para além dos fundamentos comuns atrás assinalados, a conflitualidade normativa invocada é também polarizada na arguição dos seguintes vícios:






– A disciplina do invocado Despacho nº 19310/2002, impossibilita que os docentes dos jardins de infância usufruam dos períodos máximos de interrupção da actividade lectiva estabelecidos nos artigos 91º a 93 º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28/04, ao restringir a duração efectiva destes períodos a limites inferiores;


– Contraria os princípios consignados nos artigos 3º e 4º do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos estabelecimentos de educação e ensino não superior, aprovado pelo Dec-Lei nº 115-A/98, de 4/05, com as alterações introduzidas pela Lei nº 24/99, de 22/04, e contende com o exercício da autonomia das escolas ao nível da programação e organização das actividades escolares (princípio que é reiterado no âmbito do artigos 2º, nº2 e 6º, nº2, ambos do Despacho Normativo nº 24/2000, de 11/05) ao coarctar a possibilidade de os respectivos orgãos de administração e gestão poderem fixar outros períodos máximos de interrupção das actividades educativas, dentro da margem de livre conformação administrativa permitida pelo regime estatutário aplicável ao pessoal docente deste nível de ensino.


4) Lateralmente, também se esboçaram reservas acerca da vigência do artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79, de 31/12, no qual se filia o despacho questionado, por não se mostrar compatível com a aplicação plena das disposições legais constantes da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar – Lei nº 5/97, de 10/02 – maxime do seu artigo 18º, nº 1 – que é posterior e determinara a revogação expressa das disposições daquele diploma legal que à nova lei se mostrasse contrária (cfr artigo 24º, nº2). Finalmente, as normas contidas no citado artigo 19º também padeceriam de inconstitucionalidade formal na medida em que as organizações sindicais não participaram ou intervieram na sua feitura, o que traduziria violação do direito de participação dos trabalhadores da Administração Pública na elaboração da legislação do trabalho prevista no artigo 56º, nº2, alínea a), da Constituição, redundando o reconhecimento deste vício na consequente desvaloração dos actos normativos editados à sua sombra, como é o caso do Despacho nº 19310/2002.


5) Ainda na pendência da análise e instrução deste processo, foi assegurada a audição presencial das estruturas sindicais reclamantes, oportunidade em que prevaleceu a discussão e aprofundamento das diversas questões atrás enunciadas, orientada, com especial ênfase, para o impacto da regulamentação encerrada neste Despacho a nível pedagógico e científico, bem como a sua adequação aos princípios e objectivos prosseguidos pelo sistema educativo.


6) Instado a pronunciar-se sobre a matéria versada, o Ministério da Educação, através do Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, respondeu através do ofício nº 7094, de 25/10/02, onde concluiu pela improcedência dos vícios aduzidos, argumentando, sumariamente, o seguinte:






a) O despacho questionado, consolida e clarifica as regras normativas que enquadram o funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e a fixação dos períodos de interrupção da actividade lectiva, à semelhança das iniciativas regulamentares habitualmente promovidas para os restantes níveis de ensino, com o objectivo de “disciplinar e normalizar as condições de utilização desses estabelecimentos pelas crianças” e, do mesmo modo, criar estabilidade nas famílias e nos próprios educadores, permitindo o melhor planeamento das actividades com os educandos”;


b) Não procedeu a qualquer alteração normativa no quadro legal em vigor em matéria de educação pré-escolar, nem encerra qualquer disposição inovatória que prejudique a observância da disciplina legal aplicável aos educadores de infância, no que concerne à definição das condições de prestação da respectiva actividade docente, regime de duração e horário de trabalho respectivos, conforme os artigos 75º a 85º do Estatuto da Carreira Docente (ECD);


c) Também se encontra acautelado o gozo do direito a férias por parte destes docentes, tomando por referência o maior período de férias legalmente reconhecido no artigo 2º, nº1, alínea d), do Dec-Lei nº 100/99, de 31/03, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 157/2001, de 11/05, uma vez que entre a data-limite prevista para o encerramento dos estabelecimentos no Verão (11/07/03) e a data de reinício das actividades educativas no ano lectivo de 2003/2004, a ocorrer, com probabilidade, em meados de Setembro de 2003, estará garantido um período de cerca de 60 dias, sendo 44 dias úteis, dentro do qual poderão enquadrar posicionar qualquer período máximo de férias a que tenham direito e ainda reservar parte dos restantes, e no mínimo 15 dias, para as actividades de formação e avaliação das actividades escolares desenvolvidas e preparação das mesmas para o ano lectivo seguinte;


d) A regulamentação contemplada no Despacho questionado não contende com qualquer norma estatutária, legal ou constitucional, aplicável ao caso pelo que não tinha de ser objecto de negociação ou audição das organizações representativas, como também não introduz qualquer diferenciação estatutária desproporcionada ou desequilibrada na prática do desempenho dos educadores de infância face aos restantes docentes, daí não resultando, portanto, qualquer incompatibilidade com os preceitos constitucionais constantes do artigos 55º, 56º e 59º da Constituição.


7) Em face das anomalias imputadas ao regulamento em causa, justificar-se-á proceder a breve contextualização e enunciado das vicissitudes de ordem normativa subjacentes.


8) Para adequada compreensão da problemática ter-se-á presente, antes de mais, que o instrumento regulamentar questionado – Despacho nº 19310/2002 – cuidou, no domínio das actividades e decisões respeitantes à preparação do ano lectivo de 2002/2003, de estabelecer um conjunto de normas orientadoras a observar especificamente pelos estabelecimentos de educação pré-escolar no desenvolvimento do calendário de funcionamento para este ano lectivo, com a previsão de datas indicativas da duração dos períodos lectivos (actividades educativas com crianças, cfr ponto 1º, 1ª parte), dos diferentes períodos de interrupção das actividades lectivas a observar nas épocas do Natal e da Páscoa (ponto 1º, 2ª parte), bem como a definição das condições de aplicação e gestão destes períodos de tempo (pontos 2º a 4º). Configura, nos seus traços impressivos, uma iniciativa inovadora e sem precedentes no ordenamento jurídico da educação pré-escolar, embora com tradição normativa regular na organização do calendário escolar dos restantes níveis de ensino (básico e secundário), actualmente corporizada no Despacho nº 13859/2002 (2ª série) publicado no DR nº 139, de 19/06, com o qual apresenta diferenças substanciais no que respeita à duração das actividades lectivas(maxime no termo das actividades lectivas na época de Verão e na duração dos períodos de interrupção do Natal).


9) Tal como resulta do respectivo enunciado preambular, mormente dos fundamentos jurídico-normativos aí expressos, o presente despacho surge ancorado nos principios e regras que constam do artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79, de 31/12, diploma que à época aprovara os Estatutos dos Jardins de Infância do sistema público de educação pré-escolar, sendo manifesto o propósito do seu autor em assegurar uma relação de complementaridade/desenvolvimento com este dispositivo legal cuja vigência actual tem por adquirida. Observa-se que o preceito em causa, localizado no capitulo que incidia sobre o regime de atendimento dos estabelecimentos de educação pré-escolar do sector público (capítulo V), procurou, grosso modo, fixar os períodos de encerramento a observar nas unidades dependentes do Ministério da Educação durante o período de Verão (45 dias), bem como nas férias da Páscoa e do Natal (uma semana), relegando para o orgão directivo da escola a tarefa de fixar a sua concreta duração temporal, em articulação com as autarquias locais e as famílias interessadas – cfr artigo 19º, nº1.


10) Seguro é que o mesmo Despacho encerra um conjunto de vinculações dirigidas às escolas, no domínio da organização e desenvolvimento das actividades escolares, não originando, de per si, efeitos directos na esfera jurídica de terceiros.


11) Todavia, a despeito do enquadramento normativo em que se apoia o Despacho em crise, os fundamentos da reclamação assentam, como vimos atrás, nas alegadas divergências entre respectiva regulamentação e o edifício normativo editado após a entrada em vigor do Dec-Lei nº 542/79.


12) Com efeito, no conjunto dos instrumentos legais sobrevenientes avulta, desde logo, a Lei nº 5/97, de 10/02 – Lei Quadro da Educação Pré-Escolar – diploma que consagrou os princípios basilares e objectivos da educação pré-escolar, nomeadamente no planos organizativo, pedagógico, gestionário e administrativo (artigo 1º) determinando a revogação expressa das disposições do Dec-Lei nº 542/79 que com a nova disciplina se mostrassem incompatíveis (artigo 24º, nº2). É em matéria de definição do regime de pessoal destas unidades escolares que particularmente releva o esclarecimento aduzido no seu artigo 18º, nº1, disposição legal que mandar aplicar aos educadores de infância dos estabelecimentos de educação pré-escolar da rede pública o Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Dec-Lei nº 139-A/90, de 28/04.


13) Acresce que também o Despacho Normativo nº 24/2000, de 11/05, que define os parâmetros de caracter geral relativos à organização do ano escolar em todos os níveis de ensino, postula a articulação com o mencionado Estatuto na fixação do calendário de funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar da rede pública (cfr artigo 6º, nº1). É, pois, neste contexto remissivo que se coloca a questão da






I- Compatibilidade material do Despacho nº 19310/2002, e dos respectivos parâmetros organizativos, com o regime de interrupção das actividades lectivas constante dos artigos 91º a 93º do Estatuto da Carreira Docente


Salientamos, em jeito de observação introdutória, que as disposições deste Estatuto prevalecem sobre quaisquer outras normas gerais ou especiais que vigorassem à data do seu início de vigência e a estas se sobrepunham em caso de conflito de normas (cfr artigo 6º do Dec-Lei nº 134-A/90, de 28/04). Ora, no âmbito deste Estatuto a figura da interrupção de actividades lectivas (apesar da formulação textual mais abrangente, é apenas a estas que o legislador se refere) configura-se como uma regalia específica que o pessoal docente usufrui nas épocas do Natal, do Carnaval, da Páscoa e do Verão (por ocasião da interrupção dos trabalhos escolares dos alunos), cuja exacta duração é aferida em concreto pela avaliação dos interesses e recursos disponíveis em cada estabelecimento de educação ou de ensino (artigo 91º).


Traduz, antes de mais, uma dispensa de prestação da actividade lectiva, mas não do desempenho da função docente, posto que durante os períodos de interrupção podem ficar obrigados a comparecer na respectiva escola, quando convocados pelo orgão de administração e gestão, para o cumprimento de tarefas relacionadas com o planeamento, avaliação e execução de actividades pedagógicas necessárias ao bom funcionamento da escola, bem como para participação em acções de formação contínua, de harmonia com a programação de actividades previamente elaborada pelo orgão de administração competente (cfr artigo 92, nº1 e 2 “in fine”).


Contudo, de acordo com o artigo 93º do mesmo Estatuto, o pessoal docente abrangido não pode beneficiar, em cada período de interrupção lectiva, de mais de 10 dias, fixados de forma seguida ou interpolada, ou ainda, no seu cômputo global, de mais de 30 dias de interrupção por ano escolar, sendo certo, pois, que a duração efectiva destes períodos concedidos pode ficar aquém dos limites apontados.


Atenta a flexibilidade admitida na gestão e fixação dos períodos de interrupção lectiva , os princípios organizativos fixados no artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79 ou aqueles que no seu desenvolvimento constam do Despacho nº 19310/2002, não excluem ou comprimem a margem de conformação administrativa prevista no Estatuto da Carreira Docente para a determinação dos períodos de pausa lectiva nele previstos, mormente para a época do Carnaval, desde que a duração global das interrupções lectivas se atenha ao limiar previsto (30 dias) conforme, aliás, reconhece expressamente a entidade visada nas orientações interpretativas que oportunamente entendeu dimanar através das direcções regionais de educação.


Ademais, tal solução normativa não é directamente traduzível na lesão efectiva do direito à interrupção lectiva, pois está ainda assim dependente da intervenção conformadora dos orgãos de gestão das escolas, com a elaboração dos planos de distribuição do serviço compatíveis (artigo 92º, nº 2 do Estatuto), razão pela qual a divergência oposta pelos reclamantes não se mostra atendivel neste plano. Discorda-se, porém, do entendimento interpretativo assumido pelo Ministério da Educação no que concerne à aplicabilidade dos limites máximos fixados no Despacho nº 13 859/2002 para as pausas de Carnaval, pois não se alcança do formulação textual deste último (que opera estritamente no âmbito dos ensinos básico e secundário) qualquer conexão ou relação de supletividade com o calendário dos estabelecimentos de educação pré-escolar, afigurando-se antes que na fixação da sua duração se deve atender apenas aos limites previstos no artigo 93º do Estatuto da Carreira Docente.



II- Compatibilidade do Despacho nº 19310/2002 com o regime de férias do pessoal docente constante dos artigos 86º a 90º do Estatuto da Carreira Docente


Outra questão versada prendia-se com a possibilidade de a demarcação temporal constante deste Despacho poder interferir e prejudicar a fruição integral do período de férias vencido em 2003, tendo em conta as limitações temporais a que está sujeito o exercício deste direito pelo pessoal docente.


Neste plano, ter-se-á presente que o pessoal docente tem direito ao gozo do período de férias estabelecido na legislação geral em vigor na função pública – Dec-Lei nº 100/99, de 31/03, alterado por ratificação pela Lei nº 117/98, de 11/908, Dec-Lei nº 503/99, de 120/11, com a redacção dada pelo artigo 42º, nºs 2 e 3 do Dec-Lei nº 70-A/2000, de 5/05 e, finalmente, pelo Dec-Lei nº 157/2001, de 11/05 – com as especialidades derivadas dos artigos 86º a 90º do Estatuto da Carreira Docente (cfr artigos 75º a 86º), podendo, pois, dispor de um período variável de férias em cada ano civil, calculado em função da situação etária (no limite, de 28 dias) e do tempo de serviço prestado (mais um dia de férias por cada 10 anos de serviço, no limite, tendencialmente, mais 4 dias de férias) – cfr artigo 2º, nºs 1 e 3, do Dec-Lei nº 100/99, na redacção dada pelo Dec-Lei nº 157/2001.


A especificidade decorrente da actividade docente centra-se nos condicionalismos temporais a que está sujeito o gozo do período de férias, o qual terá obrigatóriamente de ocorrer, no limite, em dois períodos fixos e no espaço que medeia entre o termo do ano lectivo e o início do ano lectivo seguinte (artigo 88º, nº1e 2).


Ora, tomando como referência hipotética a verificação da situação limite préfigurada, ou seja, que o termo das actividades lectivas ocorra em 11/07/03, e partindo do pressuposto que o inicio das actividades do próximo ano lectivo terá lugar, conforme sugere a própria entidade visada, no decurso da 1ª quinzena de Setembro (15/09/03), o enquadramento temporal proposto pelo Despacho nº 19310/2002, permite considerar, a partir desta data, a disponibilidade de um período global de 45 dias úteis, dentro do qual deverá ser considerado o período de 15 dias reservado para actividades pedagógicas e de formação, de acordo com o ponto 3º do mesmo Despacho.


Sublinhe-se, porém, que a afectação deste período de tempo às actividades em causa, não implica que o estabelecimento de educação tenha de promover, no seu decurso, a convocação consecutiva e ininterrupta dos docentes para as referidas tarefas, apenas sendo exigido que a distribuição deste serviço se processe de forma equitativa e obedeça a planificação adequada por parte do respectivo órgão de gestão, de forma a que os docentes abrangidos não sejam, nem beneficiados, nem prejudicados com o cumprimento das tarefas atribuídas relativamente aos restantes– vide, neste sentido, o artigo 92º, nº2.


Tal significa apenas que no cenário-limite descrito, deverá o competente orgão de gestão da escola procurar assegurar a articulação equilibrada entre os dois instrumentos de gestão envolvidos: o plano de distribuição das tarefas a executar durante o referido período de interrupção e o mapa individual de férias respeitante a cada docente – de molde a salvaguardar, caso a caso, o exercício efectivo e integral dos direitos legítimos em presença – neste sentido aponta de forma evidente o dispositivo contido no ponto 4º do citado Despacho.


Tendemos, por isso, a não aceitar o raciocínio conclusivo desenvolvido pelos reclamantes que apontaria para o posicionamento das férias do pessoal docente no tempo sobrante, ou seja, nos 30 dias úteis remanescentes, ilação que indubitavelmente conduziria à prefiguração de um impedimento ao gozo integral do período máximo de férias legalmente previsto nas situações supra-descritas.


Mas ainda que outro pudesse ser o entendimento, é também certo que uma eventual colisão com o direito a férias nunca poderia constituir efeito directo do Despacho em causa, logo vício próprio imputável a este acto normativo, já que o mesmo não é imediatamente operativo, carecendo de exequibilidade materializada na afixação casuística das datas exactas de inicio e termo das actividades lectivas e dos períodos de interrupção, a estabelecer pelo orgão de direcção executiva da escola, em articulação com os parceiros educativos (cfr artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79, de 31/12 e artigo 6º, nº2 do Despacho Normativo nº 24/2000, de 11/05). Assim sendo, a sua apreciação apenas poderia relevar, caso a caso, no plano da intervenção reguladora da escola e assente em actos e situações particulares que não foram, no entanto, demonstrados nos autos.


De resto, não é demais sublinhar a fragilidade da argumentação fáctica aduzida pelos impetrantes neste plano, assente que está num pressuposto incerto, ou seja sobre um juízo de prognose relativamente à data do início do próximo ano lectivo – e da consequente retoma das actividades educativas com crianças, conforme o conceito vertido no artigo 2º, alínea r) do Dec-Lei nº 134-A/90, de 28/04 -, data que, aliás, ainda não se encontra formalmente fixada pelo Ministro da Educação.



III- Compatibilidade com o regime jurídico em matéria de duração e horário de trabalho


A apreciação da problemática focava também eventual desconformidade deste Despacho com as disposições legais vigentes no plano da organização e gestão dos tempos de trabalho do corpo profissional docente, padecendo tal raciocínio de algum equívoco conceptual que importa esclarecer. Na verdade, o referido despacho limita-se a veicular, como referimos supra, critérios que orientam a elaboração e a utilização, pelas escolas, dos instrumentos de organização dos tempos escolares e de desenvolvimento das actividades pedagógicas, lectivas e não lectivas, bem diversos de outros instrumentos de gestão conexionados com a organização diária e semanal da jornada de trabalho (determinação da carga horária de trabalho, incluindo as componentes lectiva e não lectiva, dos educadores de infância) ou ainda com a planificação e distribuição diária e semanal das actividades escolares (fixação dos períodos de duração diária e semanal da actividade escolar), em que afinal se traduz o horário de funcionamento destes estabelecimentos.


Conforme, aliás, bem aduz a entidade visada, neste ponto, quer os princípios organizativos constantes do Dec-Lei nº 542/79, quer as normas orientativas contidas no Despacho questionado, em nada influenciam, directa ou indirectamente, as condições em que se desenvolve a actividade profissional do pessoal docente destes estabelecimentos, maxime o quadro legal relativo à duração semanal da prestação de trabalho do pessoal docente (35 horas, de acordo com o artigo 76º do Estatuto da Carreira Docente), sequer a organização e duração das componentes lectiva e não lectiva que integram o respectivo horário de trabalho (artigos 77º a 85ºº do mesmo Estatuto), ou mesmo a definição dos critérios e procedimentos de distribuição da actividade escolar a que aludem os artigos 12º, nº 1 e 23º, nº2 da Lei nº 5/97, de 10/02 e artigo 9º do Dec-Lei nº 147/97, de 11/06 (horário de desenvolvimento das actividades escolares nos estabelecimentos de educação pré-escolar), de modo que pudessem demonstrar especial penosidade, dificuldades de realização profissional ou pessoal ou de conciliação com a vida familiar, o que de todo em todo não é invocado.


Também não se divisa aqui, pois, qualquer alteração normativa às condições de exercício dos direitos profissionais dos educadores de infância em matéria de duração e horário de trabalho.



IV- Compatibilidade com o regime jurídico de autonomia das escolas


Suscitava-se o problema da compatibilidade desta intervenção regulamentar com o grau de autonomia e competências próprias de que dispõem, nos termos da lei, os orgãos de gestão e administração das escolas e agrupamentos de escolas em matéria de organização e programação das respectivas actividades.


Os estabelecimentos públicos de educação e de ensino, como parte integrante que são da estrutura organizativa da administração educacional (cfr artigo 3º, nº2 do Dec-Lei nº 133/93, de 26/04, então em vigor) configuram serviços da administração directa do Estado, participam da chamada administração desconcentrada do Estado e estão, por conseguinte, inseridos numa cadeia de subordinação hierárquica em cujo topo se encontra o responsável máximo pelo Ministério da Educação, a quem cabe a direcção máxima dos serviços, conforme resulta do artigo 199º, alínea d) da Constituição.


As recentes reformas do sistema educativo, partilhando da lógica de descentralização das politicas educativas, dotaram as escolas de vasta autonomia, nomeadamente nos planos pedagógico e administrativo -vide artigo 59º da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14/10), a Lei nº 43/89, de 3/02 e o Dec-Lei nº 172/91, de 10/05. Neste contexto, o Dec–Lei nº 115-A/98, alterado pela Lei nº 24/99, de 22/07, cuidou de desenvolver e aprofundar o modelo de autonomia instituído, investindo as escolas de iniciativa própria nos domínios da organização interna e regulamentação do seu funcionamento (artigos 2º e 3º)


Contudo, a intervenção das escolas no processo educativo está subordinada a vários princípios orientadores (artigo 4º)onde sobressai a responsabilidade do Estado e o gradualismo do processo de transferência das competências (cfr artigo 49º), sendo certo que o desenvolvimento da autonomia na vertente pedagógica não dispensa a respectiva subordinação aos limites da flexibilidade que forem fixados a nível nacional (artigo 13º, alíneas a) e b) da Lei nº 43/89).


O desenvolvimento do modelo autonómico é temperado, desde logo, pela atribuição ao ministério responsável pela coordenação da acção educativa, de competências para a definição das normas gerais de educação pré-escolar, nomeadamente os seus aspectos pedagógicos ou técnicos (artigo 5º, nº7 da Lei de Bases do Sistema Educativo), com vista a assegurar o seu sentido de unidade e adequação aos objectivos de âmbito nacional (v.d artigo 44 da mesma lei).


Por outro lado, importa notar que a Lei nº 5/97, de 10/02 (Lei–Quadro da Educação Pré-escolar) também cometeu ao Estado o papel estratégico de definir as normas gerais que enquadram o desenvolvimento deste nível de ensino, designadamente nos domínios organizativo, pedagógico e técnico (artigo 5º, alínea c), atribuindo-lhe a tutela pedagógica e técnica dos estabelecimento de ensino (artigo 8º, alínea a) e artigo 15º, nºs 1 e 2 do Dec-Lei nº 147/97).


Entende-se, pois, a lógica da regulação em causa na perspectiva da responsabilidade do Administração Central Educativa em assegurar a coordenação e unidade da acção educativa e a sua compatibilidade com a politica educativa de âmbito nacional (artigo 48º da Lei de Bases) através da emissão de normas gerais orientadoras que balizem e orientem, a nível nacional, aspectos essenciais da organização da vida das escolas e a regularidade do respectivo funcionamento


No contexto legal enunciado a intervenção regulamentar questionada mostra-se legitimada até porque não prejudica o poder dispositivo conferido aos orgãos de gestão das escolas para a definição casuística do respectivo calendário escolar – determinação dos períodos de funcionamento (inicio e termo das actividades lectivas) e da oportunidade e duração dos períodos de interrupção das actividades lectivas (artigo 13º, nº 2,alínea e) -para a fixação do regime de atendimento (artigo 9º do DL nº 147/97)e a gestão dos horários de funcionamento (artigo 4º, alínea c) e artigo 12º, nº3, última parte da Lei nº 5/97), de acordo com o procedimento legalmente previsto.


Assim sendo, não se descortina no despacho nº 19310/2002, qualquer dissonância ou conflito com as normas e princípios que orientam as escolas em matéria de gestão dos tempos escolares (maxime a Lei nº 5/97 e o Despacho Normativo nº 24/2000.



V- Violação do princípio constitucional da igualdade


Impõe-se também aqui apreciar o problema da alegada inconstitucionalidade dos normativos do Despacho nº 19310/20002 sub iudicio, à luz do princípio geral da igualdade acolhido no artigo 13º da Constituição, em virtude de conter previsão de condições materialmente desiguais para os educadores de infância dentro do corpo único docente. Tal, na medida em que por força da sua aplicação das normas questionadas os educadores de infância terão de prestar, no corrente ano lectivo, maior número de dias de actividade educativa com alunos que os docentes dos restantes níveis de ensino.


Importa a este respeito notar que o invocado alargamento da carga lectiva anual dos estabelecimentos de educação pré-escolar, deriva da extensão dos períodos lectivos no Verão (+14 dias) e da redução dos períodos de interrupção lectiva na época de Natal (+ 4 dias de trabalho educativo com alunos), relativamente aos parâmetros temporais fixados para os estabelecimentos dos ensinos básico e secundário no Despacho nº 13859/2002, mas não traduz, por si só, o acréscimo da duração global das actividades escolares respectivas neste nível de ensino.


Destarte, não é despiciendo salientar que o princípio da igualdade consignado, em geral, no artigo 13º nºs 1 e 2 da Constituição é, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, um princípio estruturante do sistema juridico-constitucional, cujo conteúdo, nas dimensões de proibição de arbítrio e de proibição de discriminação que aqui interessa invocar, vincula o legislador na obrigação de conceder tratamento igual a situações de facto idênticas (com expressão na exigência de igualdade dos benefícios/prestações concedidas pela Administração Pública ) e tratamento diferente a situações que de facto não serão iguais.


Ora, conforme se assinalou supra, e não é demais salientar, o conteúdo normativo do invocado despacho promove apenas o enquadramento temporal do funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar, com incidência na organização das respectivas actividades e não interfere, directa ou indirectamente, em qualquer dos direitos e posições juridicamente relevantes contemplados no regime estatutário do pessoal docente, mormente com o direito a férias, as interrupções das actividades lectivas, ou em matéria de duração e horário de trabalho, como também não origina qualquer desequilíbrio ou disfunção nas condições de prestação do seu trabalho.


Acresce que nada permite, de per si, sustentar para este corpo profissional um eventual direito à prestação anual de um determinado número de dias de actividade lectiva que reclame tutela substantiva autónoma no respectivo contexto estatutário e, consequentemente, tratamento jurídico igualitário.


De resto, sempre se observa que no domínio da decisão pública normativa, a aplicação do referido principio constitucional de igualdade apenas impõe que a diversidade de estatuição, quando relevante, não seja materialmente infundada, irrazoável ou desproporcionada. No caso em apreço, a situação proporcionada pela aplicação do Despacho, no que concerne à duração anual da actividade lectiva dos educadores de infância, apesar da unicidade estatutária da carreira docente em que se integram (cfr artigo 34º do Estatuto da Carreira Docente) está objectiva e materialmente conexionada com a realidade escolar específica subjacente, com a caracterização e os objectivos de alcance social e educativo apontados para o subsistema de educação pré-escolar e plasmados na Constituição (artigos 67º, nº2, alínea c) e 74º, nº2, alínea b) ou em actos infra-constitucionais (artigos 4ºe 5ºda Lei de Bases do Sistema Educativo e artigos 2º e 10º da Lei nº 5/97, de 10/02.).


Deste modo também seria possível admitir a existência de um interesse constitucionalmente atendível para sustentar a diferenciação causada pelas normas em apreciação, na perspectiva do trabalhador envolvido.


Pelas razões expostas, não se divisa do tratamento diferenciado subjacente uma situação de desigualdade normativa susceptível de relevar no quadro dos princípios e regras constitucionais aplicáveis e, em particular, com o princípio da igualdade ínsito no artigo 13º nºs 1 e 2 da Constituição.



VI- A questão da inconstitucionalidade formal do artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79, de 31/12


Restava proceder à análise da constitucionalidade da disposição constante do artigo 19º do Dec-Lei nº 542/79, por alegada ofensa ao artigo 56º, nº2, alínea a) da Constituição (falta de intervenção no processo legislativo correspondente), juízo que a confirmar-se também acarretaria a inconstitucionalidade da norma regulamentar subjacente.


Por força do que dispõe o referido imperativo constitucional, é garantida a participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, redundando o incumprimento deste dever de audição prévia na inconstitucionalidade formal da lei cujo processo de feitura não assegurou tal formalidade essencial.


Na falta de explícita concretização constitucional do conceito de “ legislação do trabalho”e em face da tentativa de definição ensaiada à época pela Lei nº 16/79, de 26 /05, diploma que então regia, e rege ainda, a participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem inserido na noção de legislação do trabalho toda a normação “ que regule os direitos dos trabalhadores enquanto tais e as suas organizações, direitos esses reconhecidos na Constituição e na lei, abarcando, por isso, a regulamentação das relações individuais e colectivas de trabalho e, no que releva quanto à função pública , o que se estatui em matéria de regime geral e especial (…), condições de trabalho, vencimentos e demais prestações de caracter remuneratorio, regime de aposentação ou de reforma e regalias de acção social e de acção social complementar.” –cfr Ac do Tribunal Constitucional de 3/05/94, publicada no DR nº 136, Iª Série, de 15/06/94- vide ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação ao artigo 54º da Constituição da República Portuguesa, 3º edição, pág 296.


Ora, na situação apreciada, o dispositivo legal questionado limitou-se a enquadrar o funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e orientar a programação das suas actividades, não afectando, pois, de modo inovatório, o conteúdo de qualquer matéria relacionada com a configuração estatutária da prestação de trabalho docente, como demonstramos supra. Assim sendo, a norma questionada não é subsumível na previsão do artigo 56º, nº1, alínea a) da Constituição e não tendo sido objecto de consulta pelas organizações sindicais não incorreria no apontado vício de inconstitucionalidade.


Quanto muito a alegação poderia ter alguma pertinência relativamente às normas constantes do Capitulo XI do mesmo Dec-Lei nº 542/79, as quais deixaram já de vigorar na ordem jurídica, designadamente por revogação tácita operada pelo Dec-Lei nº 139-A/90, de 28/04, mas não se afigura que relativamente a estas ocorra um interesse juridicamente relevante susceptível de justificar o seu controlo constitucional – Acs do Tribunal Constitucional nº 238/88 e nº 153/2001.


As considerações atrás aduzidas valem “mutatis mutandis” para a apreciação do vício que se imputou ao processo de aprovação do Despacho 19310/2002, à luz do exercício do direito de negociação colectiva e de participação que decorre da Lei nº 23/98, de 26/05 e ainda do disposto no artigo 9º do Estatuto da Carreira Docente. De facto, também a normação deste Despacho não afecta, directa ou indirectamente, as matérias relacionadas com a situação profissional e estatuto dos educadores de infância, nem tão pouco se prende com a fixação de condições especiais de trabalho na respectiva unidade orgânica (seria o caso, por exemplo da fixação do horário de funcionamento diário e semanal). Em consequência, a matéria do referido acto regulamentar não é recondutível às situações que podem ser objecto de negociação colectiva nos termos do artigo 6º da aludida Lei nº 23/98 ou recair na alçada do direito de participação previsto no seu artigo 10º, pelo que a validade da sua emissão não estava dependente da prévia audição ou consulta às organizações sindicais. Conclui-se também aqui pela improcedência das alegações apresentadas.



VII- Em conclusão


Analisada a matéria reclamada à luz do enquadramento jurídico-legal pertinente e atendendo aos esclarecimentos oportunamente prestados pelo Ministério da Educação, não se afigura, pois, que o diploma regulamentar questionado configure actuação ilegal ou injusta, traduzível em lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, sequer matéria que permita formular juízo de desconformidade com os preceitos legais e constitucionais aplicáveis, sem prejuízo da eventual sindicabilidade dos actos que, em desenvolvimento dos princípios orientadores nele contidos, vierem a ser praticados pelos orgãos de administração e gestão das escolas no âmbito das suas competências próprias.


Inexiste, por isso, qualquer fundamento legal ou constitucionalmente relevante para prosseguir a intervenção deste Órgão do Estado nos termos pretendidos pelos impetrantes, razão pela qual, dignando-se o Senhor Provedor de Justiça concordar com as conclusões extraídas e respectiva fundamentação, devem as referidas reclamações ser consideradas improcedentes e a final determinado o arquivamento do processo vertente e respectivos anexos, ao abrigo do disposto no artigo 31º, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.


A despeito das conclusões assumidas, sobrelevam da análise e enquadramento jurídico realizado algumas considerações finais passíveis de justificar, no uso da competência legalmente cometida ao Provedor de Justiça pelo artigo 33º da Lei nº9/91, de 9/04, uma eventual chamada de atenção a dirigir ao Ministério da Educação, para efeitos futuros.


Na verdade, reconhecida, embora, a legitimidade das preocupações sociais do Governo e o intuito normalizador assumido pelo Despacho questionado – que apelam indubitavelmente a uma rigorosa programação das actividades do estabelecimento pelos respectivos orgãos de gestão (conforme, aliás, invocado no ponto 2º do ofício–circular emitido em 9/09/02 pelo Gabinete do Srº Secretário de Estado da Administração Educativa) – afigurar-se-ia ajustado que novas iniciativas normativas neste domínio fossem precedidas de aturado estudo sobre as respectivas repercussões a nível organizativo e pedagógico, ponderado que seja o seu ajustamento aos novos modelos orgânicos da realidade escolar (mormente à dinâmica própria das actividades dos agrupamentos de escolas que integrem jardins de infância).


Por outro lado e no que concerne ao impacte das novas opções nos direitos funcionais dos educadores de infância – afinal o motivo nuclear da presente intervenção -, mostrar-se-ia conveniente a promoção de normas orientadoras que assegurassem, de forma inequívoca, a estabilização dos parâmetros temporais em que se move a fruição do período máximo de férias vencido por estes trabalhadores em 2003, tendo em conta as limitações estatutárias a que o exercício deste direito está sujeito.


Nesta óptica e sem prejuízo da decisão de arquivamento preconizada, propõe-se ainda que, no âmbito das iniciativas legalmente cometidas ao Provedor de Justiça, seja formulada uma chamada de atenção a dirigir ao Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa, atentas as suas competências delegadas na matéria, na qual fiquem expressas as preocupações sublinhadas no parágrafo antecedente e sugerida a promoção de medida administrativa que, no âmbito da organização dos trabalhos escolares para o ano lectivo de 2003/2004, garanta a fixação de data de reinício das actividades educativas compatível com o cumprimento de tal desiderato.




Tendo o Provedor de Justiça concordado com as conclusões assumidas na presente Informação, bem como com a respectiva fundamentação, foram as reclamações apresentadas consideradas improcedentes e a final determinado o respectivo arquivamento, sem prejuízo da chamada de atenção que o mesmo Órgão do Estado entendeu dirigir a S. Exa. o Secretário de Estado da Administração Educativa. 



Entidade visada:
Secretário de Estado da Administração Educativa
Proc.º: R-2983/02 (A4)
Assessor: Fátima Almeida


Assunto: Reclamação apresentada pela Federação Nacional de Ensino e Investigação e Outros; Fixação do calendário dos estabelecimentos de educação pré-escolar para o ano lectivo de 2002/2003


1. Conforme foi dado oportuno conhecimento a V. Exa., organizou a Provedoria de Justiça os autos acima mencionados para apreciar a conformidade legal e constitucional das disposições constantes do Despacho nº 19310/2002, da autoria de Sua Excelência o Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 200, de 30/08/2002, com base em queixa que me foi dirigida pela Federação Nacional de Ensino e Investigação, a que ulteriormente foram agregadas, pela conexão de objecto e fundamentos, novas reclamações apresentadas quer por outras organizações sindicais, quer ainda por diversos funcionários a título individual.


2. A este respeito, cumpre informar V. Exa. de que, atendendo aos esclarecimentos oportunamente transmitidos por esse Ministério e realizada que foi a análise e enquadramento jurídico das questões suscitadas, concluí pela inexistência de fundamento, no plano da legalidade ou da justiça, para dar prosseguimento à minha intervenção sobre a problemática reclamada, tendo, nesta conformidade, determinado o arquivamento do mesmo processo, nos termos constantes do ofício de elucidação enviado aos reclamantes, cuja cópia anexo para conhecimento.


3. Reconhecendo as preocupações sociais e o intuito normalizador subjacentes à emissão do invocado Despacho nº 19310/2002, não posso, na oportunidade, deixar de salientar a V. Exa. que o raciocínio conclusivo alcançado, particularmente no que tange ao impacto desta regulamentação no exercício do direito às férias vencidas em 2003, assenta em pressupostos de verificação incerta, ou seja, num juízo de prognose sobre o interregno temporal disponível entre a data de cessação das actividades educativas no corrente ano lectivo e a data do reinício das mesmas actividades no próximo ano lectivo de 2003/2004, que se considera imperioso consolidar uma vez que esta última data ainda não se encontra formalmente fixada.


4. Nesta perspectiva, tenho por bem dirigir-me a V. Exa., expondo as conclusões alcançadas no processo em apreço e exortar a que no âmbito das decisões respeitantes à organização do ano lectivo de 2003/2004 e, em particular, na delimitação do calendário escolar dos estabelecimentos de educação pré-escolar, seja considerada a adopção de normas orientadoras compatíveis com a necessidade de salvaguardar o gozo integral do período máximo de férias vencido pelos educadores de infância em 2003, tendo em linha de conta os condicionalismos temporais que legalmente lhe estão associados, com especial incidência na fixação da data do reinício das actividades educativas no próximo ano lectivo.