A Sua Excelência
o Ministro da Ciência e do Ensino Superior


Procº: R-3301/02 (A6)


Data: 29/04/2003


Assessor: Ana Corrêa Mendes


Assunto: Propinas/Falta de pagamento



Tem sido, ao longo dos anos, suscitada por diversas vezes a licitude do comportamento de algumas instituições do ensino superior ao cobrarem, pelo pagamento das propinas fora do prazo estabelecido, um montante adicional, a título de penalização e com diverso nomen iuris.


Numa primeira análise a este problema, em resposta a situação verificada em determinado Instituto Politécnico, concluí que não é possível enquadrar esta figura no chamado direito de mera ordenação social, qualificando-a de contra-ordenação, punida com coima. Na verdade, era esse o regime resultante do art.º 13.º da Lei 20/92, de 14 de Agosto, que estabelecia expressamente tal sanção para o não cumprimento pontual da obrigação de pagamento de propina, aliás no seguimento do princípio da legalidade, ínsito no que a este ramo do direito sancionatório diz respeito no art.º 2.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).


Este regime veio desde logo a ser afastado pela Lei 5/94, de 14 de Março, revogando expressamente o art.º 13.º da Lei 20/92 e estabelecendo um mecanismo sancionatório alternativo, consistindo na caducidade da inscrição por efeito do não pagamento das propinas (cfr. art.º 9.º, n.º 1). Esta caducidade, ope legis, era reforçada pela nulidade cominada a qualquer acto que pretendesse contrariá-la (art.º 9.º, n.º 2, da Lei 5/94), aqui se incluindo, decerto, os actos subsequentes à inscrição e praticados como consequência dela.


Após a suspensão do regime jurídico enunciado, através do art.º 1.º da Lei 1/96, de 9 de Janeiro, foi o regime actualmente vigente introduzido pela Lei 113/97, de 16 de Setembro.


Para o que aqui importa, interessa verificar que o art.º 28.º comina com a nulidade todos os actos curriculares praticados no ano lectivo em que tenha sido verificado o incumprimento da obrigação de pagamento de propina, nos termos do art.º 14.º do mesmo diploma. Interessa também verificar que inexiste, de entre as várias tipificações contidas no diploma como ilícito de mera ordenação social, qualquer contra-ordenação que vise sancionar tal incumprimento.


Não prevendo o art.º 14.º o prazo para cumprimento da obrigação de pagamento de propina, veio o Decreto-Lei 304/97, de 8 de Novembro, para além de estabelecer um regime supletivo transitório, conferir competência para essa fixação aos órgãos próprios das instituições de ensino superior.


Ora, a situação que se presume existir em boa parte das instituições do ensino superior público, de resto verificada no caso concreto a que acima aludi, assenta na previsão de um prazo normal de pagamento, estabelecido de acordo com o disposto no citado Decreto-Lei 304/97, permitindo-se todavia o pagamento fora desse prazo, sancionado com a cobrança de diversas quantias, de acordo com certo escalonamento, inclusivamente parecendo admitir-se um pagamento a todo o tempo, visto que o último escalão traduz um intervalo temporal indefinido à direita.


Ora, o quadro normativo actual permite acalentar algumas dúvidas quanto à licitude da fixação deste agravamento de taxas, de modo muito particular se se permite o pagamento, ainda que agravado, a todo o tempo.


Na verdade, primeiramente, a exigência de uma sobretaxa, não sendo devida a título de coima, apenas poderá radicar na ideia de mora. Não me repugna a existência de tal sistema, decerto preferível a uma rigidificação dos prazos de pagamento, não fora o caso de me parecer que esta sobretaxa não poder deixar de assumir a mesma natureza que a taxa a que se adiciona e cujo incumprimento pontual se visa sancionar. Ora, ainda que assim não fosse e não bulisse esta faculdade, exercida pelas instituições de ensino superior, com a rígida quantificação da propina estabelecida no art.º 14.º, n.º 2, da Lei 113/97, de 16 de Setembro, fazendo-a equivaler ao salário mínimo, sempre seria de considerar excessivo e inconveniente que esse estabelecimento de sobretaxas fosse feito, como o é actualmente, sem qualquer enquadramento legal que permita assegurar um mínimo de equidade, quer dentro de cada instituição, quer no quadro global do sistema de ensino superior.


Numa segunda vertente, parece duvidosa (e certa, pela negativa, no caso dos pagamentos a todo o tempo) a compatibilidade da fixação de prazos adicionais, não prevista na Lei, com a sanção cominada no art.º 28.º da Lei 113/97. Na verdade, não se está perante a mera ineficácia de actos curriculares, ou mesmo uma simples anulabilidade, mas sim perante a sua nulidade, por natureza insanável.


Aproveitando o facto de estar neste momento a ser repensado o modelo de financiamento do ensino superior público, aqui se enquadrando a vertente da comparticipação pelo próprio estudante e sua família, julgo azado sugerir a Vossa Excelência que a preocupação expressa no presente seja considerada nos trabalhos em curso, prevendo-se expressamente um conjunto de regras que legitime, mas limitando-a de acordo com regras precisas, a prática actual de fixação de prazos suplementares para pagamento de propina, com agravamento do seu montante.


Tem particular acuidade a fixação de prazos máximos de cumprimento, a limitação do montante máximo de agravamento que pode ser aplicado, o esclarecimento de que a nulidade, a ser mantida esta sanção jurídica, só se produz em caso de incumprimento definitivo, parecendo também adequado que se redefina o universo de actos que podem ser atacados deste desvalor, designadamente esclarecendo se a inscrição é, ela mesma, nula ou não.


Certo da boa atenção de Vossa Excelência ao teor do presente, que apenas visa contribuir para a diminuição da litigiosidade sempre latente nesta matéria.