ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
(Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012)



I – O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
1.1. Autorização legislativa. Objecto e âmbito.


O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária teve a sua génese na autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo, nos termos do artigo 124.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010) , concretizada através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Novembro de 2010.
Muito embora as leis de autorização legislativa não possam ser “cartas em branco” ao Governo, devendo obedecer ao complexo regime actualmente estabelecido pelos n.ºs 2 a 5, do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa , devendo definir os respectivos objecto, sentido, extensão e a duração, excepto, quanto a este último requisito, quando concedidas na lei do Orçamento e incidam sobre matéria fiscal, situação em que se mantêm até ao termo do ano económico a que respeitam, a autorização legislativa para a criação do regime em análise apresenta-se particularmente desenvolvida, por se reportar a um meio processual alternativo de resolução de conflitos relativos a direitos indisponíveis, como é o direito ao crédito tributário (cfr. o n.º 2 do artigo 30.º, da Lei Geral Tributária ).
Deste modo, o âmbito da autorização legislativa para a instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, abrange, desde logo, a delimitação do objecto do processo arbitral tributário, enquanto direito potestativo dos contribuintes, a definição dos fundamentos que lhe podem servir de base, os princípios que o enfermam, a vinculação dos árbitros ao direito constituído e a proibição do recurso à equidade, a definição dos efeitos da instauração do processo arbitral tributário, assim como dos efeitos e fundamentos para apresentação do recurso da sentença do tribunal arbitral, do regime e fundamentos de anulação da sentença arbitral, atribuindo à sentença arbitral, que não tenha sido objecto de recurso ou de anulação, a mesma força executiva atribuída às sentenças judiciais transitadas em julgado.


Integram ainda o âmbito da autorização legislativa as condições de funcionamento do tribunal arbitral, a definição dos montantes e do modo de pagamento dos honorários e das despesas dos árbitros, dos critérios de determinação dos honorários em função do valor atribuído ao processo e da efectiva complexidade do mesmo, os critérios da nomeação dos árbitros, a autorização para revisão da legislação tributária em função do novo meio processual de resolução de conflitos e a consagração de um regime transitório que preveja a possibilidade de os contribuintes submeterem ao tribunal arbitral a apreciação dos actos objecto dos processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, em primeira instância, nos tribunais judiciais tributários, com dispensa de pagamento de custas judiciais.


 



1.2. O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
1.2.1. Objectivos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.


De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico em apreço, este tem o propósito de servir três objectivos essenciais, desenvolvidos no articulado subsequente:


1. O reforço da tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos por parte dos sujeitos passivos;
2. A maior celeridade do sistema da justiça tributária e,
3. A redução do número de processos judiciais em curso junto dos diversos tribunais tributários de primeira instância.


Regista-se, em nosso entender, uma complementaridade entre os objectivos propostos, tendente à concretização do princípio da tutela judicial efectiva, na sua vertente do direito à célere definição dos direitos e deveres dos administrados, em matéria tributária, a que não serão alheios objectivos de maior eficiência no aproveitamento dos recursos – quer da administração tributária, traduzida por um desejável maior zelo na apreciação das questões que lhe são cometidas no âmbito das suas competências, quer dos particulares, que apenas têm a beneficiar com a maior celeridade da decisão arbitral.


Por outro lado, nas palavras do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “O Governo português assumiu perante a União Europeia a obrigação de «implementar a nova lei de arbitragem fiscal» até ao 3.º trimestre de 2011 (ponto 3.35 iii. do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica), (…) implementação [que] é especialmente urgente pelo facto de os tribunais tributários não disporem, desde há muito tempo, de um número de juízes suficiente, estando mesmo os quadros por preencher desde há vários anos, o que se vem tornado mais patente pelo enorme aumento de actividade da máquina fiscal e correlativa amplificação da litigiosidade que se vem acentuando nos últimos cinco anos.”.


Com vista a garantir a necessária celeridade, e de acordo com a autorização legislativa contida na Lei do orçamento do Estado para 2010, foi adoptado um processo sem formalidades especiais (cfr. os artigos 17.º e 18.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ), de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros (cfr. o artigo 19.º, do mesmo Decreto-Lei ) sendo, ainda, estabelecido um prazo de seis meses para a emissão da decisão arbitral, prazo esse que poderá ser prorrogado por sucessivos períodos de dois meses, até um máximo de seis meses (nos termos do artigo 21.º, do citado Decreto–Lei ).


Assim, considerando as prorrogações, a decisão arbitral deverá ser emitida e notificada às partes no prazo máximo de doze meses, considerando-se o tribunal arbitral dissolvido nessa data (cfr. o artigo 23.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ).


A celeridade da decisão arbitral determina ainda a forma expedita de constituição do tribunal arbitral, cujo pedido é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao Presidente do CAAD (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ), bem como do procedimento de designação dos árbitros que o irão integrar (nos termos do artigo 11.º, do referido Decreto-Lei ).
Porém, o reforço da tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos não se basta com a maior celeridade na definição dos mesmos, mas também como a qualidade das decisões que os definem, motivo pelo qual o legislador estabeleceu critérios rigorosos quanto à composição dos tribunais arbitrais e quanto aos critérios de selecção dos árbitros, assim como sobre os efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral, sobre os princípios a que deve obedecer o processo arbitral e sobre os recursos e impugnações da decisão arbitral.


Nos termos dos artigos 5.º e 6.º do regime aprovado , os tribunais arbitrais funcionam com a intervenção de árbitro singular ou de colectivo, com três árbitros.


A intervenção de um único árbitro ocorre quando o valor da pretensão seja igual ou inferior a duas vezes a alçada do Tribunal Central Administrativo (i.e. € 60.000,00) e o contribuinte opte por não nomear árbitro. Neste caso, o árbitro é nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD.
A intervenção do colectivo ocorre sempre que o valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo ou o contribuinte opte por designar árbitro, independentemente do valor do pedido.


De acordo com o artigo 7.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária , os árbitros têm de ser pessoas de comprovada capacidade técnica, idoneidade moral e sentido de interesse público, a recrutar de entre juristas com pelo menos dez anos de comprovada experiência profissional na área do direito tributário, designadamente através do exercício de funções públicas, da magistratura, da advocacia, da consultoria e jurisconsultoria, da docência no ensino superior ou da investigação, de serviço na Administração Fiscal ou de trabalhos científicos relevantes nesse domínio.


Para as questões que exijam conhecimentos especializados noutras áreas, podem ser designados como árbitros licenciados em Economia ou Gestão, que preencham os mesmos requisitos anteriores, com as necessárias adaptações, sem que, no entanto, possam desempenhar funções de presidente do tribunal arbitral.


O artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro , prevê a existência de impedimento dos árbitros nomeadamente quando, nos dois anos anteriores, os designados tenham sido dirigentes, funcionários ou agentes da Administração Fiscal, membros de órgãos sociais, trabalhadores, mandatários, auditores ou consultores do sujeito passivo que seja parte no processo ou de entidade que se encontre com aquele em relação de domínio ou, ainda, de pessoa ou entidade que tenha interesse próprio na procedência da pretensão.


Prevêem-se ainda impedimentos nos casos do designado ter sido trabalhador, colaborador, membro, associado ou sócio de entidade que tenha prestado serviços de auditoria, consultoria, jurisconsultoria ou advocacia ao contribuinte, prevendo-se que o árbitro designado deva rejeitar a nomeação sempre que ocorra qualquer circunstância pela qual possa, razoavelmente, suspeitar-se da sua imparcialidade e independência.


Os árbitros ficam sujeitos aos deveres cominados pelo artigo 9.º, do citado diploma  (imparcialidade, independência e sigilo fiscal), cujo incumprimento superveniente poderá dar causa à sua substituição no processo, assim como à decisão conforme ao direito constituído, sendo-lhes vedado o recurso à equidade (cfr. o n.º 2 do artigo 2.º – à decisão arbitral são subsidiariamente aplicáveis, consoante a natureza dos casos omissos, as normas para que remete o n.º 1 do artigo 29.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ).


Não obstante as garantias de independência dos árbitros, o facto de o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não exigir aos árbitros um regime de exclusividade do exercício de funções, ao contrário do que o n.º 3 do artigo 216.º, Constituição da República Portuguesa, impõe para os juízes dos tribunais tributários, tem sido apontado como ponto negativo, a nível das garantias de imparcialidade.
“Desta perspectiva”, segundo Jorge Lopes de Sousa, “é de aplaudir vivamente o reforço e densificação dos impedimentos dos árbitros concretizado no código deontológico elaborado por aquele Conselho , que terá de ser complementado com aplicação atenta e rigorosa, de forma a não permitir o exercício da actividade de árbitro a quem não revele inequivocamente que está em condições se a assegurar a imparcialidade dos julgamentos arbitrais” .


Os efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 13.º e 14.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro , são os seguintes:


Para a Administração Tributária:
a) – Quando o pedido tiver por objecto a apreciação da legalidade dos actos tributários previstos no artigo 2º (actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta (n.º 1, alínea a), actos de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais (n.º 1, alínea b) e a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que não exista meio processual adequado à satisfação da pretensão referida na alínea anterior (n.º 1, alínea c)), o dirigente máximo da administração tributária tem a faculdade de proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto cuja ilegalidade haja sido suscitada, praticando, se necessário, o acto tributário substitutivo, no prazo de oito dias contados do conhecimento da constituição do tribunal arbitral – artigo 13.º, n.º 1;
b) – Não o fazendo, preclude-se o direito de o fazer, caso em que a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo, bem como ao imposto e período de tributação, a menos que existam novos fundamentos para o efeito – artigo 13º, n.º 3.


Para o sujeito passivo:
a) – Se o acto objecto do pedido de pronúncia arbitral for alterado, no todo ou em parte, ou substituído por outro, a administração tributária deverá notificar o sujeito passivo para que este, no prazo de 10 dias, se pronuncie sobre o mesmo. Se este nada disser ou declarar que mantém o seu interesse, o pedido de pronúncia arbitral prosseguirá contra este último acto – artigo 13.º, n.º 2 ;
b) – O pedido de constituição de tribunal arbitral leva à preclusão do direito de reclamar, impugnar, requerer a revisão – onde se inclui o pedido de revisão da matéria colectável – ou a promoção da revisão oficiosa, bem como suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes, excepto se se o procedimento arbitral terminar antes da data de constituição do tribunal arbitral ou se o processo arbitral terminar sem pronúncia sobre o mérito da causa – artigo 13.º, n.º 4.


Para ambos os sujeitos da relação jurídico-tributária:
a) – A apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral tem os mesmos efeitos da apresentação da impugnação judicial, salvo quando a lei dispuser diferentemente, nomeadamente no que se refere a (artigo 13.º, n.º 5):
1. Suspensão do processo de execução fiscal;
2. Suspensão e interrupção do prazo de caducidade do direito à liquidação;
3. Suspensão e interrupção da prescrição da prestação tributária;
b) – O pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinantes da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais e à apreciação de qualquer questão relativa ao projecto de decisão de liquidação a que se referem as alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 2.º, tem efeito suspensivo:
1. Da liquidação das prestações tributárias correspondentes às questões suscitadas, quanto à parte controvertida – artigo 14.º, alínea a);
2. Dos prazos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição da prestação tributária até à data da comunicação da decisão arbitral, excepto no caso de recurso interposto pelo sujeito passivo.


O processo arbitral subordina-se aos princípios referidos no artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro : do contraditório, da igualdade das partes, da autonomia do tribunal na sua condução e na determinação das regras tendentes à rápida obtenção de uma pronúncia do mérito das causa, da oralidade e da mediação na discussão das matérias de facto e de direito, a cooperação, a boa fé processual e a publicidade das respectivas decisões .


Ao conteúdo e forma da decisão arbitral se refere o artigo 22.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária , com remissão para o disposto no artigo 123.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário :


a) – Deve ser deliberada por maioria dos membros (à excepção, naturalmente, dos casos em que o tribunal seja constituído por um árbitro único), que a assinam, identificando os interessados, os factos objecto de litígio, discriminando a matéria provada da não provada, as razões de facto e de direito que motivaram a decisão, bem como a data em que foi proferida, sendo remetido um exemplar assinado a cada uma das partes;
b) – A decisão arbitral pode ser decomposta em diversos segmentos, traduzidos em pronúncias parciais que incidam sobre as diversas questões suscitadas no processo, relativamente às quais os árbitros podem lavrar voto de vencido, assim como quanto à decisão propriamente dita;
c) – A decisão deve ainda conter a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, sempre que se trate de decisão proferida por tribunal singular ou por tribunal colectivo, sem indicação de árbitro pelo sujeito passivo (cfr. o n.º 1 e o n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei em análise).


As decisões do tribunal arbitral são, em princípio, irrecorríveis; no entanto, os artigos 25.º e 27.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro , admitem a possibilidade de recurso, nos seguintes casos e com os seguintes fundamentos:


a) Recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada;
b) Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos casos em que a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
c) Recurso (impugnação) para o Tribunal Central Administrativo, no caso de decisão arbitral proferida por tribunal colectivo, cujos árbitros tenham sido designados pelas partes, com base nos seguintes fundamentos:
1.  Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2. Oposição dos fundamentos com a decisão;
3. Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia; 
4. Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
d) – Quando o tribunal arbitral seja a última instância, a respectiva decisão é susceptível de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).


Em qualquer das situações, o recurso ou impugnação da decisão arbitral tem os efeitos previstos no artigo 26.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro  (quanto à impugnação, por remissão do n.º 2 do artigo 28.º), isto é:


a) – Efeito suspensivo, no todo ou em parte, da decisão recorrida (quer a mesma tenha por objecto um acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta – cfr. o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) –, quer qualquer acto de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável, de fixação de valores patrimoniais ou de qualquer outra questão relativa ao projecto de decisão de liquidação – cfr. o artigo 2.º, n,º 1, alíneas b) e c));
b) – Se o recurso for interposto pela Administração Tributária, determina a caducidade da garantia que o contribuinte tiver prestado, para suspensão do processo de execução fiscal (apenas se o objecto da decisão arbitral for um acto de liquidação);
c) – Se o recurso for interposto pelo contribuinte, tem por efeito a cessação da suspensão da liquidação (se o objecto da decisão se enquadrar na previsão das alíneas b) e c) do n.º 1, do artigo 2.º).


Os efeitos da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, encontram-se fixados nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro :


a) A Administração Tributária fica vinculada, alternativa ou cumulativamente, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, nos termos da decisão arbitral favorável ao sujeito passivo, e até ao prazo previsto para a execução espontânea de sentenças judiciais dos tribunais tributários (n.º 1):
1. À emissão do acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;
2. Ao restabelecimento da situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, devendo adoptar os actos e operações necessários para o efeito;
3. À revisão dos actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por estarem inscritos na mesma relação jurídica de imposto (mesmo no caso em que estes correspondam a obrigações periódicas distintas), alterando-os ou substituindo-os de forma total ou parcial;
4. À liquidação das prestações tributárias de modo conforme com a decisão arbitral ou à abstenção de as liquidar;
5. À impossibilidade de, relativamente ao mesmo sujeito passivo e período de tributação, praticar novo acto tributário, excepto se com fundamento em factos diversos dos que foram objecto da decisão arbitral (n.º 4);
6. Ao pagamento de juros indemnizatórios e ou moratórios, nos termos da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (n.º 5);


b) – Sendo a decisão arbitral desfavorável à pretensão do sujeito passivo, para além dos efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (v. g. o prosseguimento da execução fiscal), vê este precludido o direito de, com os mesmos fundamentos  (n.º 2):
1. Apresentar reclamação graciosa;
2. Deduzir impugnação judicial;
3. Requerer a revisão oficiosa;
4. Requerer a revisão da matéria tributável;
5. Suscitar nova decisão arbitral sobre os mesmos actos.


c) – Se a decisão arbitral puser termo ao processo, sem conhecer do mérito da causa, por facto não imputável ao sujeito passivo, a partir da data da notificação da mesma, abem-se novos prazos para que este possa lançar mão de qualquer um dos meios de defesa indicados na alínea precedente (n.º 3).



1.2.2 – Competência dos tribunais arbitrais.


Como ficou dito supra, o artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento do Estado para 2010 – cfr. nota 1), autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.


Confessadamente quis o Governo que “A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária [viesse] a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos”


Desde logo, por não se descortinar, no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que o processo arbitral seja alternativa à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, actualmente prevista pelo artigo 145.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário  (e, anteriormente, de forma inovadora, pelo artigo 165.º, do Código de Processo Tributário ), enquanto meio residual de tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes contra “quaisquer actos que os lesem, independentemente da sua forma”, de “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos” e de “adopção de medidas cautelares adequadas” .


A competência atribuída aos tribunais arbitrais configura o respectivo processo, por um lado, como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial , mesmo quanto às situações especiais previstas nos artigos 131 a 134.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário , embora, por outro lado, possam ser objecto de decisão arbitral outras questões que, em regra, apenas poderiam ser submetidas à apreciação judicial a final (princípio da impugnação unitária), por lhes não ser reconhecida a natureza de actos destacáveis do procedimento tributário (cfr. o artigo 54.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ).


Assim, nos termos do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a competência dos tribunais arbitrais seria a de proceder à apreciação de pretensões dos contribuintes, relativas:


1. À declaração da ilegalidade de actos tributários (de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta) – artigo 2.º, n.º 1, alínea a);
2. À declaração da ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais – artigo 2.º, n.º 1, alínea b);
3. À apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que não exista meio processual adequado à satisfação da pretensão referida na alínea anterior – artigo 2.º, n.º 1, alínea c).


No que respeita à alínea a), poderá concluir-se que a decisão arbitral incide sobre situações até agora abrangidas pelo processo de impugnação judicial.


A única novidade nesta matéria está no prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral (cfr. o n.º 1 do artigo 10.º, do Decreto-Lei em análise ), alargado para noventa dias nas situações previstas actualmente pelo n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário , (de quinze dias, após a notificação de indeferimento de reclamação graciosa – ou da formação do indeferimento tácito, pelo decurso do prazo de seis meses sobre a data do pedido – cfr. os n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º, da Lei Geral Tributária) ou da reclamação prévia, nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta (de trinta dias após o indeferimento, nos termos dos n.º 2 do artigo 131.º, n.º 2 do artigo 132.º e n.º 3 do artigo 133.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, respectivamente – cfr. supra, nota 33).


Acontece, porém, que, nos termos do artigo 4.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária , o início do funcionamento dos tribunais arbitrais ficou condicionado à vinculação da administração tributária, por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que apenas viria a ocorrer com a publicação da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, com entrada em vigor em 1 de Julho, que veio restringir ainda mais o âmbito de aplicação do novo regime, quer quanto às matérias da competência da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, quer quanto aos requisitos exigidos aos árbitros, em função do valor das causas (cfr. os artigos 1.º a 3.º, daquela Portaria ).
Refere-se, a propósito, que o próprio artigo 4.º do Decreto-Lei em análise, ao remeter para o membro do Governo responsável pela área das finanças, limita a competência dos tribunais arbitrais aos litígios fiscais, deixando de fora toda a restante matéria tributária (taxas e contribuições para a Segurança Social), pelo que o conceito de “administração tributária” ali referido é muito mais restrito do que o que decorre do artigo 1.º, da Lei Geral Tributária .


No que respeita ao objecto da vinculação (artigo 2.º, da Portaria), não prescinde a Administração Tributária (máxime, a Direcção-Geral dos Impostos) da reclamação necessária a que se referem os artigos 131.º a 133.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nas situações em que ela é condição prévia à impugnação judicial nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta (o que se julga justificado pela aplicação subsidiária das “normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias”, a que se refere a alínea a) do n.º 1, do artigo 29.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não obstante a conclusão diversa a que poderá conduzir o estabelecimento do prazo de 8 dias, a contar do conhecimento da constituição do tribunal arbitral, para que o dirigente máximo do serviço possa proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário  cuja ilegalidade foi suscitada – cfr. o n.º 1 do artigo 13.º do diploma em análise).


Recorde-se, todavia, que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, reportava-se também à “revisão da legislação tributária cuja necessidade de modificação decorra da presente autorização legislativa” (n.º 4, alínea p) – cfr. supra, nota 1), que não ocorreu até à data da publicação da referida Portaria de vinculação.


Decorre ainda da mesma Portaria que ficam cerceadas as competências dos tribunais arbitrais para a apreciação das “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.


As matérias da competência da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo subtraídas à competência dos tribunais arbitrais relacionam–se com os direitos aduaneiros e classificação pautal, de natureza comunitária, não obstante a possibilidade de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, prevista no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (mas não no seu articulado).



2. Alterações ao Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (artigos 151.º e 152.º, da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012 – Proposta de Lei n.º 27/XII)


Os artigos 151.º e 152.º, da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Proposta de Lei n.º 27/XII) , contêm alterações à redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, assim como a revogação da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo e do artigo 14.º, do diploma citado.


A fim de aquilatar da coerência interna das alterações propostas, necessário se torna a sua análise conjunta com o regime anteriormente estabelecido pelas leis tributárias, assim como com a redacção inicial das normas cuja alteração está proposta, tendo em conta as restrições impostas ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária pela Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.



2.1.1 – O regime da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Distinção entre matéria tributável e matéria colectável. Distinção entre avaliação directa e avaliação indirecta. Os casos de avaliação por métodos indirectos: impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, regime simplificado de tributação e tributação das manifestações de fortuna.


De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, integrariam as competências dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais – embora apenas nas situações de avaliação directa, por a Administração Tributária se não ter vinculado às decisões relativas a actos de determinação da matéria tributável e da matéria colectável, por métodos indirectos, nem mesmo quando as mesmas incidam sobre “a decisão do procedimento de revisão”.


As expressões “matéria tributável” e “matéria colectável” são muitas vezes usadas em sinonímia, embora possam não ser exactamente coincidentes; estamos em crer, aliás, que a sua distinção entre as referidas expressões seja particularmente nítida no caso do IRC, em que a matéria colectável = lucro tributável – prejuízos – benefícios (cfr. o artigo 15.º, do Código do IRC ).
Por seu turno, o lucro tributável das pessoas colectivas (sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas de direito público ou privado), com sede ou direcção efectiva em território português, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e, eventualmente, corrigidos nos termos do Código do IRC (cfr. o artigo 17.º do mesmo Código ).


Assim, o lucro bruto, ou seja, o lucro contabilístico apurado no balanço, com as correcções decorrentes das normas tributárias, constitui a base do imposto, a matéria tributável, só este podendo ser determinado por métodos indirectos , nas situações expressamente previstas na Lei Geral Tributária, mas não já (nem sempre) a matéria colectável o poderá ser, caso sejam conhecidos prejuízos de anos anteriores ou benefícios fiscais dedutíveis, dada a subsidiariedade da avaliação indirecta relativamente à avaliação directa, sendo-lhe aplicáveis, sempre que possível, as regras da avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, da Lei Geral Tributária).


A confirmar a distinção entre aqueles conceitos, está o n.º 2 do artigo 15.º, do Código do IRC que manda aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições das alíneas a), b) e c) do número anterior, atinentes à determinação da matéria colectável, sempre que “haja lugar à determinação do lucro tributável por métodos indirectos”.


A referida distinção já não se afigura tão nítida nos restantes impostos, maxime no IRS, salvo para os sujeitos passivos que tenham rendimentos profissionais, comerciais, industriais ou agrícolas (categoria B) e sejam tributados com base na contabilidade, cuja determinação segue as regras do Código do IRC (por remissão do artigo 32.º, do Código do IRS).


Anteriormente às alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 127-B/2007, de 20/12 (Orçamento do Estado para 1998), que transformou a maioria dos abatimentos ao rendimento líquido total (previstos no então artigo 55.º, daquele Código) em deduções à colecta (artigo 80.º, na redacção que então lhe foi conferida), escrevia Rui Camacho Palma que a matéria tributável de IRS correspondia ao rendimento líquido das diversas categorias de rendimentos, após efectuadas as respectivas deduções específicas (cfr. o actual artigo 22.º, do Código citado – “Englobamento”); por seu turno, a matéria colectável seria o valor sobre o qual incidiria a colecta, após terem sido feitos os abatimentos ao rendimento líquido.


Segundo o Autor citado , “Em termos teóricos, poder-se-á afirmar que, para a fixação da matéria tributável, concorrem operações destinadas a deduzir do rendimento ou lucro ilíquido os montantes cujo dispêndio se relacione com a própria produção do rendimento ou lucro (que, no caso dos trabalhadores dependentes, englobarão pelo menos as contribuições para a Segurança Social – Aºs 2º/7 e 25º CIRS). Para a determinação da matéria colectável, pelo contrário, já concorrem operações que visam atender às circunstâncias especiais do sujeito passivo que à produção do rendimento ou lucro se não reportam”.


Não sabemos se, após as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 127-B/2007, de 20/12, se justifica a distinção entre matéria tributável e matéria colectável (apesar do disposto no artigo 65.º, do Código do IRS , sobre o apuramento do rendimento colectável), questão que agora se volta a colocar, face à disjunção estabelecida pela norma em análise.


* * * * * * * * * * *


A actual redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, ao determinar a competência dos tribunais arbitrais para a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria colectável e de actos de determinação da matéria tributável, abrangeria tanto a avaliação directa (correcções técnicas à matéria colectável), como a avaliação indirecta da matéria tributável; esta, no entanto, já subtraída a tal competência, por via da não vinculação da Administração Tributária.


Os actos de determinação da matéria tributável, por avaliação indirecta, não são apenas os que resultam da “impossibilidade de comprovação e de quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta de terminação da matéria tributável”, apurados, em regra, pelos serviços de inspecção tributária, em acções de inspecção externa, nas situações a que se refere o artigo 88.º, da Lei Geral Tributária, ou seja:


– Por “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais” (alínea a);


– Por “recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação (alínea b);


– Pela “existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal” (alínea c) ou,


– Pela “existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada” (alínea d).


Para além da avaliação indirecta nos termos descritos, com base em “indícios”, de entre os quais os enunciados no artigo 90.º, da Lei Geral Tributária  e, na falta de publicação dos “indicadores objectivos de actividade de base técnico científica” a que se refere o seu artigo 89.º, integram ainda o conceito de avaliação indirecta os regimes simplificados de tributação (ou, mais correctamente, o regime simplificado de tributação em sede de IRS – nos termos do artigo 31.º, do respectivo Código –, após a revogação, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, do artigo 58.º, do Código do IRC, em que se previa um regime simplificado de tributação das pessoas colectivas), assim como a tributação das “manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, nos termos do seu artigo 89.º – A.


Nas situações em que a matéria tributável é determinada por métodos indirectos, por “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta de terminação da matéria tributável”, poderá o sujeito passivo requerer a revisão da matéria tributável, nos termos dos artigos 91.º  e seguintes da Lei Geral Tributária, com efeito suspensivo da liquidação do imposto, como condição necessária à posterior impugnação judicial da liquidação a que aquela vier a servir de base (cfr. o n.º 5 do artigo 86.º, do mesmo diploma citado ), excepto se a matéria tributável tiver sido fixada por acordo entre a Administração Tributária e o contribuinte.


Assim, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, por “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta de terminação da matéria tributável” apenas é passível de impugnação judicial directa, se não der origem a liquidação (cfr. o n.º 3 do artigo 86.º e na alínea c) do n.º 2 do artigo 95.º, ambos da Lei Geral Tributária e a alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Será o caso de terem sido apurados prejuízos de valor inferior ao que o sujeito passivo considera serem verdadeiros e que poderão influenciar a matéria colectável de exercícios futuros (por dedução ao lucro tributável de um ou mais dos quatro exercícios posteriores, nos termos do artigo 52.º, do Código do IRC ).
O pedido de revisão da matéria tributável apurada por métodos indirectos constitui um procedimento autónomo, baseado num “debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver”, tendente à obtenção de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.


Já o regime simplificado de tributação acaba por se traduzir num método indirecto e automático de determinação da matéria tributável, de que o contribuinte não pode requerer a revisão, nos termos dos artigos 91.º e seguintes, da Lei Geral Tributária.


Se bem que a tributação pelo regime simplificado de tributação dependa, de entre outros factores, de o sujeito passivo não ter optado pela tributação segundo a contabilidade (possibilidade de opção que permite salvaguardar o princípio da subsidiariedade da avaliação indirecta, relativamente à avaliação directa), a liquidação de IRS emitida segundo o regime simplificado apenas poderá ser objecto de impugnação judicial, com fundamento em qualquer ilegalidade da própria liquidação (cfr. o n.º 4 do artigo 86.º, da Lei Geral Tributária), mas não com fundamento no erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável. (cfr. o n.º 6, do artigo 86.º, da Lei Geral Tributária).


Crê-se que o único meio de defesa do contribuinte contra o erro nos pressupostos de aplicação do regime simplificado de tributação (por exemplo, por errado enquadramento no mencionado regime), seja a acção para o reconhecimento de um direito em matéria tributária.


Nas situações em que o contribuinte revele “manifestações de fortuna” sem que tenha apresentado declaração de rendimentos ou aquelas se revelem incompatíveis com os rendimentos declarados, sem que faça prova da veracidade dos respectivos valores ou da fonte dos acréscimos patrimoniais de que beneficiou, poderão as manifestações de fortuna e acréscimos patrimoniais ser tributados, em sede de IRS, como rendimentos da categoria G, nos termos do artigo 89.º – A, da Lei Geral Tributária   .
Também nestas situações é vedada ao contribuinte a possibilidade de efectuar pedido de revisão da matéria tributável, nos termos dos artigos 91.º e seguintes, da Lei Geral Tributária; contudo, da decisão de determinação dos rendimentos tributáveis relativos às manifestações de fortuna e acréscimos patrimoniais cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo da liquidação (cfr. o n.º 7, do artigo 89.º – A, da Lei Geral Tributária, com remissão para o artigo 146.º – B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ).



2.1.2 – O regime da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – “A declaração de ilegalidade dos actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.


Traçámos, no início do ponto anterior, a distinção entre matéria tributável e matéria colectável, especialmente nítida no que respeita às pessoas colectivas, atendendo às definições contidas nos artigos 15.º e 17.º, do Código do IRC e, aderindo à opinião de Rui Camacho Palma e de Lima Guerreiro, considerámos que apenas a matéria tributável poderia ser determinada por métodos indirectos, salvo se não existirem prejuízos ou benefícios fiscais a deduzir ao lucro tributável, que, nessa situação, coincidirá com a matéria colectável.


É que, embora as pessoas colectivas sejam obrigadas a possuir contabilidade organizada e estejam adstritas ao dever de avaliação directa da matéria colectável sobre a qual incidirá o imposto a pagar por autoliquidação (cfr. o n.º 1 do artigo 82.º, da Lei Geral Tributária), os resultados contabilísticos são apenas o ponto de partida para a determinação do lucro tributável (com as correcções decorrentes do Código do IRC), segundo o princípio da “dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal”   .
Poderá acontecer que, sendo a contabilidade do sujeito passivo organizada nos termos das normas contabilísticas, permitindo a “comprovação e quantificação directa e exacta da matéria da matéria tributável”, haja necessidade de correcções aos valores declarados, sem que a Administração Fiscal fique legitimada à aplicação de métodos indirectos, pelo que tais correcções, ainda que da competência da Administração Fiscal, integram, ainda o conceito de avaliação directa.
Nessas situações, obviamente que o sujeito passivo não pode pedir a revisão da matéria tributável, como decorre do disposto no n.º 14 do artigo 91.º, da Lei Geral Tributária, segundo o qual “ As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo” (cfr. a redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro). 



Assim, na inexistência de norma que permita a apresentação de reclamação contra as correcções técnicas, com efeito suspensivo da liquidação, os contribuintes apenas poderiam deduzir reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial contra a liquidação emitida a final.
  



Também os actos de fixação de valores patrimoniais são actos de avaliação directa da matéria tributável dos imóveis, sobre os quais incidirá o Imposto Municipal sobre Imóveis (assim como os impostos devidos pela sua transmissão gratuita – imposto de selo –, ou onerosa, se superior ao valor declarado no contrato – IMT), segundo os procedimentos previstos no Código do IMI, em que se admite a possibilidade de ser requerida uma segunda avaliação (cfr. os artigos 74.º e 75.º, para os prédios rústicos e o artigo 76.º, para os prédios urbanos), como condição necessária à impugnação judicial prevista no artigo 134.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cfr. o artigo 77.º, do C. IMI ). 


Contudo, ainda que a avaliação através da qual é determinado o valor patrimonial tributário de um imóvel seja um acto pressuposto da liquidação dos impostos a que serve de base, o pedido de segunda avaliação não tem efeito suspensivo da liquidação, embora esta deva ser corrigida a posteriori, como acto consequente do valor patrimonial tributário judicialmente definido (invalidade derivada) .
2.1.3 – O regime da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – “A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior”.


A alínea c) do artigo 2.º, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro tem carácter residual, reservada às situações em que a lei não assegure ao sujeito passivo a faculdade de obter a declaração de ilegalidade de qualquer dos actos indicados na alínea b), de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável ou de fixação de valores patrimoniais – seriam, segundo se crê, aquelas decisões que não constituem acto destacável do procedimento de liquidação, directamente impugnáveis, mas apenas invocáveis em sede de impugnação judicial da liquidação emitida a final.


Estariam nesta situação os actos preparatórios da liquidação que, relativamente a esta, tivessem natureza prejudicial, por lhes serem lógica e cronologicamente anteriores e beneficiarem de autonomia , sempre que não fosse assegurada reclamação ou recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação, quanto à parte controvertida, como determinava a versão inicial do artigo 112.º, do Código do IRC .
A remissão para “qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação” , reportar-se-á não apenas à determinação da matéria tributável na avaliação indirecta, mas também às situações em que são efectuadas correcções técnicas, no âmbito da margem de livre apreciação da Administração Fiscal, com o preenchimento de conceitos vagos ou indeterminados, sem fundamentação suficiente , relativos aos custos ou perdas declarados pelo contribuinte .


Nos casos de avaliação indirecta, dispõe o sujeito passivo, em regra, da possibilidade de requerer a revisão da matéria tributável, nos termos dos artigos 91.º e seguintes da Lei Geral Tributária, o que já não acontece, também em regra, quanto às correcções técnicas, apenas sindicáveis na impugnação judicial do acto de liquidação, embora segundo Saldanha Sanches, fosse “defensável uma acção judicial sobre a existência dos pressupostos da tributação”, cuja inexistência se deverá à “necessidade de não permitir o uso abusivo de meios litigiosos com o fim único de atrasar e colocar entraves à cobrança de créditos fiscais”, tendendo-se a “encontrar sistemas que de forma mais ou menos feliz, com garantia ou sem garantia dos direitos e interesses legítimos dos contribuintes, procurem conciliar a necessidade de evitar as […] execuções injustas com os princípios da economia processual” .



2.2 – Os efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral sobre as pretensões previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.


Como já se antecipou supra, o pedido de constituição do tribunal arbitral para apreciação das pretensões relativas à ilegalidade dos actos de determinação da matéria tributável, dos actos de determinação da matéria colectável, dos actos de fixação de valores patrimoniais (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), ou de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anterior (artigo 2.º, n.º 1, alínea c), são os estabelecidos pelo artigo 14.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (transcrito supra, na nota 18), ou seja, efeitos suspensivos da liquidação, na parte correspondente às questões controvertidas (alínea a) e efeitos suspensivos dos prazos de caducidade e de prescrição, embora sujeitos a condição resolutiva (alínea b).


O efeito suspensivo da liquidação, previsto na alínea a) do referido artigo 14.º, é totalmente inovador: não que se não atribua efeito suspensivo da liquidação, quando a apreciação das questões prévias à liquidação de imposto seja deixada à Administração Fiscal, como acontece nos casos de pedido de revisão da matéria tributável – contudo, são raríssimos os casos em que a apreciação das mesmas seja da competência dos tribunais – a título exemplificativo, citaremos o recurso judicial a que se referem os n.ºs 7 e 8 do artigo 89.º – A, da Lei Geral Tributária (manifestações de fortuna) ou os anteriormente previstos nos artigos 83.º a 85.º, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações , embora a suspensão fosse, nestes últimos casos, meramente facultativa, por depender de requerimento dos interessados – suspensão apenas era obrigatória na situação prevista no artigo 83.º do citado Código (na pendência de inventário judicial).


Os efeitos suspensivos da caducidade e da prescrição a que se refere a alínea b) do artigo 14.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, também são inovadores, por confronto com as disposições dos artigos 46.º e 49.º , da Lei Geral Tributária.
Compreende-se, no entanto, a ratio da suspensão do prazo de prescrição da prestação tributária que vier a ser liquidada após a pronúncia arbitral, por não serem legalmente possíveis nem a sua liquidação nem a sua cobrança, enquanto a mesma se não tornar definitiva, excepto no caso de recurso interposto pelo sujeito passivo.



3. Os efeitos das alterações ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (artigos 151.º e 152.º, da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012 – Proposta de Lei n.º 27/XII). CONCLUSÕES.


Identificámos no ponto 2 as alterações ao Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, previstas nos artigos 151.º e 152.º da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012, transcritos na nota 41, que se consubstanciam:


1. Na revogação da alínea c) do artigo 2.º (em que se atribuía competência aos tribunais arbitrais para “A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior”);
2. Na revogação do artigo 14.º, relativo aos efeitos suspensivos do pedido de constituição do tribunal arbitral para apreciação das pretensões a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º;
3. Na alteração da redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, de “A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.” (sublinhado nosso).


As alterações propostas afiguram-se coerentes com ao teor a alínea b) do artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 23 de Março, através da qual a Administração Tributária não se vinculou às decisões dos tribunais arbitrais que tivessem por objecto as “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.


Deste modo, manter-se-á a competência dos tribunais arbitrais para apreciação das questões relativas à avaliação directa (actos de determinação da matéria colectável e actos de fixação de valores patrimoniais ), enquanto actos prejudiciais e autónomos relativamente ao acto de liquidação final, embora sem o efeito suspensivo que ao pedido da sua constituição era atribuído pelo artigo 14.º do Decreto-Lei em análise.


O que significará dizer-se que a decisão favorável ao sujeito passivo apenas imporá à Administração Fiscal o dever de conformação com a invalidade derivada da liquidação de imposto, na parte controvertida, que deverá ser anulada.


Assim sendo, os efeitos da constituição do tribunal arbitral para a apreciação das pretensões mencionadas na proposta de alteração legislativa, em pouco diferirão dos já atribuídos à interposição de impugnação judicial – não ficando suspenso o processo gracioso de liquidação, nada impede que a liquidação emitida na pendência do litígio seja objecto de execução, sem prejuízo da suspensão do processo executivo, nos termos dos artigos 169.º e seguintes, do Código de Procedimento e de Processo Tributário , por remissão do n.º 5 do artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (mediante prestação de garantia idónea, ou com dispensa da sua prestação, sendo caso disso).


Passa ainda a redacção proposta para a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária a atribuir competência aos tribunais arbitrais para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”, o que não constitui novidade relativamente ao regime da impugnação judicial de tais actos (em matéria tributária), até agora prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no n.º 3 do artigo 86.º e na alínea c) do n.º 2 do artigo 95.º, ambos da Lei Geral Tributária, enquanto actos directamente lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes.


Concomitantemente com as alterações ao Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012 contém alterações ao artigo 46.º, da Lei Geral Tributária – Suspensão do prazo de caducidade – (cfr. a redacção actual, na nota 65), pelo aditamento de uma alínea e) ao seu n.º 2, com a seguinte redacção: “2 – O prazo de caducidade suspende-se ainda: e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão.”.


No entanto, esta alteração ao artigo 46.º, da Lei Geral Tributária não se apresenta como equivalente, ainda que parcial, à actual redacção da alínea b) do artigo 14.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, em que se prevê a suspensão “dos prazos de caducidade do direito à liquidação (…) até à data da comunicação da decisão arbitral, excepto no caso de recurso interposto pelo sujeito passivo”.


Embora as propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, conjuntamente com a Portaria n.º 112-A/2011, de 23 de Março, não permitam o alargamento dos meios de defesa dos contribuintes contra actuações ilegais da Administração Fiscal, como decorreria da autorização legislativa contida no artigo 124.º, da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, também não se afigura conterem restrições às existentes antes da criação do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.


Se bem que as referidas alterações de regime constituam uma restrição ao âmbito das competências inicialmente atribuídas aos tribunais arbitrais, quer pela autorização legislativa, quer pelo Decreto-Lei que a concretizou, a simples existência de um meio alternativo de resolução de conflitos em matéria tributária continuará, certamente, a traduzir-se num reforço da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, decorrente da possibilidade de obtenção de decisão da sua pretensão tributária, em prazo (mais) razoável, mediante processo equitativo, conduzido por árbitros de elevada capacidade técnica e garantias de imparcialidade.


Lisboa, 9 de Novembro de 2011.
A Assessora,


/Mariana Vargas/


 


 


  Parecer sancionado por Despacho de Sua Excelência o Provedor de Justiça, datado de 14.11.2011


  Artigo 124.º – Arbitragem em matéria tributária
1 — Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.
2 — O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
3 — A arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.
4 — O âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir -se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
b) A definição, como fundamento do processo arbitral tributário, da ilegalidade ou da lesão ou o risco de lesão de direitos ou interesses legítimos, e como efeitos da sentença proferida a final pelo tribunal arbitral, da anulação, da declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido ou do reconhecimento do direito ou do interesse legalmente protegido dos contribuintes;
c) A determinação de que o julgamento do tribunal arbitral é feito segundo o direito constituído, ficando vedado o recurso à equidade;
d) A definição dos efeitos da instauração do processo arbitral tributário, harmonizando-os com os previstos para a dedução de impugnação judicial, designadamente em termos de suspensão do processo de execução fiscal e de interrupção da prescrição das dívidas tributárias;
e) A definição do modo de constituição do tribunal arbitral, subordinando-o aos princípios da independência e da imparcialidade e prevendo, como regra, a existência de três árbitros, cabendo a cada parte a designação de um deles e aos árbitros assim escolhidos a designação do árbitro-presidente e a definição do regime de impedimento, afastamento e substituição dos árbitros;
f) A fixação dos princípios e das regras do processo arbitral tributário, em obediência ao princípio do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes e com dispensa de formalidades essenciais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo;
g) A fixação, como limite temporal para a prolação da sentença arbitral e subsequente notificação às partes, do prazo de seis meses a contar do início do processo arbitral tributário, com possibilidade de prorrogação, devidamente fundamentada, por idêntico período;
h) A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada;
i) A definição dos efeitos da apresentação do recurso da sentença do tribunal arbitral, em particular quanto à manutenção da garantia prestada e ao regime da suspensão do processo de execução fiscal;
j) A definição do regime de anulação da sentença arbitral com fundamento, designadamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão e na falta de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas ou na pronúncia de questões que não devessem ser apreciadas pelo tribunal arbitral;
l) A atribuição à sentença arbitral, que não tenha sido objecto de recurso ou de anulação, da mesma força executiva que é atribuída às sentenças judiciais transitadas em julgado;
m) A definição dos montantes e do modo de pagamento dos honorários e das despesas dos árbitros, fixando os critérios de determinação dos honorários em função do valor atribuído ao processo e da efectiva complexidade do mesmo e estabelecendo valores mínimos que ofereçam garantias qualitativas na composição do tribunal arbitral, podendo ainda prever -se a possibilidade de redução de honorários, fixando os respectivos pressupostos e montantes, nas situações de incumprimento dos deveres dos árbitros;
n) A consagração da responsabilidade da parte vencida pela totalidade dos honorários e despesas dos árbitros, podendo ser estabelecidos critérios de limitação da responsabilidade da administração tributária, designadamente o do montante das custas judiciais e dos encargos que seriam devidos se o contribuinte tivesse optado pelo processo de impugnação judicial ou pela acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
o) A aplicação adaptada, para efeitos da nomeação dos árbitros, mediadores ou conciliadores do regime dos centros de arbitragem previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
p) A revisão da legislação tributária cuja necessidade de modificação decorra da presente autorização legislativa;
q) A consagração de um regime transitório que preveja a possibilidade de os contribuintes submeterem ao tribunal arbitral a apreciação dos actos objecto dos processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, em primeira instância, nos tribunais judiciais tributários, com dispensa de pagamento de custas judiciais.


  Artigo 165º – Reserva relativa de competência legislativa 


1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(…)
i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;
(…)
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da au