RECOMENDAÇÃO N.º 11/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)














Entidade visada: Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária de Emídio Navarro
Procº: R-1880/04
Data: 2004/11/24
Assunto: Reclamação apresentada pelo docente XXX – Prestação de serviço docente exclusivamente nocturno – Determinação de horas extraordinárias – Redução da componente lectiva
Área: A4

1. Conforme foi dado oportuno conhecimento a V.Exa. organizou a Provedoria de Justiça um processo para apreciar queixa apresentada pelo docente acima identificado, professor do quadro de nomeação definitiva desse estabelecimento de ensino público, onde era questionada a legalidade do procedimento adoptado por esse órgão de gestão, no que concerne à determinação do horário lectivo semanal que lhe foi atribuído durante o ano lectivo de 2003/2004 para leccionar disciplinas do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário do respectivo grupo de docência e que considera especialmente lesivo da sua esfera jurídica. E isto por ter deixado de lhe ser paga a hora extraordinária semanal que até aqui e com o mesmo horário semanal lhe era abonada, apesar de alegadamente exceder a componente lectiva atribuída.



2. A instrução do processo organizado na Provedoria de Justiça analisou os elementos apresentados em abono da reclamação e procedeu à audição de V.Exa de molde a confirmar e esclarecer a actuação administrativa questionada.







2.1. Respondeu V.Exa, por ofício recebido em 30/07/2004, dando conta das razões de facto e de direito em que estribava a posição assumida e, em particular, dos critérios de cálculo adoptados para o estabelecimento do horário semanal do mesmo reclamante, argumentando, em suma e no essencial, que da conjugação dos artigos 83º, nº1, e 84º, nº 2, do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28/04, resultaria que apenas poderiam ser bonificadas as horas de serviço nocturno necessárias ao cumprimento da componente lectiva a que o referido docente se encontrava obrigado, mas que, no caso concreto, o horário nocturno que lhe fora distribuído corresponderia estritamente àquele que o mesmo precisaria para completar a componente lectiva a que estava sujeito e que era de 22 horas. Deste modo, e como sustenta, as 10 horas de serviço docente nocturno atribuídas integravam a respectiva componente lectiva, pelo que não poderia ser considerada qualquer fracção de serviço docente extraordinário que como tal pudesse ser remunerada.


3. Importando apreciar a questão decidenda perante a factualidade apurada e confirmada à luz do quadro legal implicado, não posso, porém, concordar com a linha de abordagem e posição interpretativa defendida na resposta de V.Exa. afigurando-se que a mesma não é de molde a justificar a validade da decisão tomada no caso vertente.


4. Com relevância para a pronúncia a que nos propomos, vem apurado que no ano lectivo de 2003/2004 foi distribuído ao docente em causa um horário semanal de serviço docente que perfez 10 horas lectivas nocturnas, uma vez que todas elas foram prestadas após as 19 horas (cfr. artigo 84º, nº1, do ECD), e que a componente lectiva semanal a cujo cumprimento estava o mesmo obrigado era de 22 horas por leccionar em dois níveis de ensino (cfr. leitura cotejada dos nºs 2 e 3 do artigo 77º do aludido Estatuto).


5. Cumprindo, de seguida, trazer à colação a legislação pertinente que com a matéria se relaciona e, em particular, as normas estatutárias do ECD, tenha-se presente que a prestação de serviço lectivo em horário nocturno beneficia de um factor de bonificação de 1,5 previsto no artigo 84º, nº2, deste Estatuto para efeito e na medida em que for assegurado o cumprimento da componente lectiva semanal estabelecida para o docente visado. Conforme resulta in fine deste preceito legal, o referido coeficiente de bonificação apenas incide sobre as horas de serviço docente nocturno necessárias ao completamento da componente lectiva semanal a que o docente se encontre obrigado nos termos dos artigos 76º e 77º do ECD – cfr. vasta e abundante jurisprudência dimanada a propósito, designadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28/05/96 (Rec. nº 37680), de 3/10/95 (Rec. nº 36394) e de 3/12/2002 (Rec. nº 0426/02) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 29/05/2003 (Proc. 11587/02), que se debruçaram sobre situações paralelas ou idênticas à aqui prefigurada.


6. Noutro plano, acresce assinalar que o trabalho docente extraordinário é conceptualmente definido como o serviço lectivo que for prestado além do número de horas da componente lectiva do horário semanal a que o docente está obrigado – cfr. artigos 61º e 83º, nºs 1 e 6, ambos do ECD. Quer isto dizer que o cálculo das horas extraordinárias é aferido por referência à duração da respectiva componente lectiva e à carga horária semanal efectivamente distribuída.


7. Do confronto entre os dois institutos assinalados decorre que, se o número de horas lectivas nocturnas atribuídas ao docente, por força do horário estabelecido, exceder a respectiva componente lectiva semanal, as horas leccionadas a mais não são bonificadas nos termos do sobredito artigo 84º, nº 2, mas são, outrossim, consideradas horas extraordinárias e, como tal, sujeitas a um regime de compensação remuneratória diferenciado nos termos do preceituado nos artigos 61º e 62º do ECD – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo acima referenciado.


8. Atendendo, pois, ao quadro normativo respigado, o cerne da questão radica em saber se o horário lectivo nocturno que foi atribuído ao docente visado excede ou não a componente lectiva a que estava afinal obrigado.


9. No caso concreto em apreço, haverá a considerar, em primeira linha, que o horário semanal deste docente integrava uma componente lectiva de 22 horas, como professor dos ensinos básico e secundário, na qual beneficiava de uma redução de 8 horas nos termos previstos no artigo 79º do ECD. Havendo que abater àquele horário a redução a que o mesmo docente tinha direito, a sua componente lectiva semanal era afinal de 14 horas (22h-8h).


10. Apurada a componente lectiva a que o docente estava efectivamente obrigado, importa tomar em consideração que na situação apreciada ao mesmo foi distribuído um horário de serviço docente exclusivamente nocturno por força do estatuído no artigo 84º, nº 1, do ECD.


11. E se o horário de 10 horas lectivas nocturnas é, como V.Exa bem considera, necessário para atingir ou completar a componente lectiva semanal concretamente atribuída ao impetrante nos termos conjugados dos artigos 77º e 79º do ECD, garantida que seja a sua bonificação pelo factor 1,5 a que se refere o nº 2 do artigo 84º, seguro se torna concluir que o horário nocturno leccionado corresponde, na realidade, a uma componente lectiva diurna de 15 horas (10×1,5), o que excede de facto a componente lectiva atribuída em mais uma hora de trabalho nocturno semanal.


12. Em resultado da carga horária nocturna globalmente considerada, fica demonstrado à saciedade que o docente XXX realizou efectivamente, e para além da componente lectiva legalmente composta para o seu caso, mais uma hora nocturna de trabalho acrescido. Assim sendo, tem o mesmo direito ao pagamento da hora de serviço extraordinário semanalmente realizada no período nocturno referido e desde o início de ano lectivo de 2003/2004 que deveria ser remunerada nos termos dos artigos 61º e 62º do ECD.


13. Em consequência das considerações assim expendidas, afigura-se que o entendimento expresso por esse órgão de gestão ao não reconhecer ao mesmo docente o direito a ser abonado da hora de trabalho extraordinário nocturno semanalmente prestada em função do horário que lhe foi atribuído, incorre em errónea interpretação e aplicação da lei atinente e infringe, por isso, o disposto no artigos 61º, 62º, 83º, 84º, todos do referido ECD – v. na mesma linha, a argumentação e conclusões assumidas para casos idênticos pela jurisprudência administrativista acima citada e que aqui seguimos de perto.


14. Em consonância com a posição interpretativa ora preconizada e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V.Exa:








que seja providenciado o pagamento ao docente XXX da hora extraordinária semanal por este efectivamente realizada desde o início do ano lectivo de 2003/2004, com os demais juros de mora, assim se repondo a legalidade posta em crise nos termos do estatuído nos artigos 61º, 62º, 83º e 84º, todos do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28/04.


Queira V.Exa. em cumprimento do dever consignado no artigo 38º, nº2, da citada Lei nº 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre o seguimento que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues