RECOMENDAÇÃO N.º 8/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)



Entidade visada: Secretário de Estado da Administração Local
Procº: R-905/04
Data: 2004/09/07
Assunto: Reclamação apresentada por XXX – Exercício do direito de acesso à informação administrativa não procedimental – Documento administrativo
Área: A4


1 – O cidadão acima identificado apresentou queixa na Provedoria de Justiça insurgindo-se contra a falta de resposta aos sucessivos pedidos de informação que o mesmo, desde 25/10/2000 e ao longo do tempo transcorrido, dirigiu aos antecessores de V. Exa., para que lhe fosse facultada a consulta de um processo administrativo detido por esse departamento governamental e, simultaneamente, a reprodução por fotocópia de um documento administrativo alegadamente nele incorporado, requerimentos estes que não lograram obter, até à data, qualquer decisão conclusiva.







1.1 – Tal a despeito da informação intercalar que o mesmo impetrante recebera em 19/02/2003 do Gabinete do membro do Governo cessante e que apenas apontara para o adiamento da satisfação do mesmo pedido.

2 – Convidado a pronunciar-se sobre os factos denunciados, respondeu o Gabinete do anterior Secretário de Estado da Administração Local a este órgão do Estado, através do ofício n.º 3120, de 13/05/2004, justificando o silêncio administrativo invocado com a argumentação que, nos seus aspectos essenciais, se pode sintetizar nos seguintes termos:







a) que o aqui queixoso tem vindo a insistir de forma “frequente e sistemática”, junto de diversos órgãos e serviços da Administração, para que lhe seja concedida permissão de consulta de processo administrativo de expropriação de um imóvel que era então propriedade de um familiar do requerente, comportamento que pode ser tido, segundo sustenta, como exercício abusivo do direito de acesso aos documentos administrativos que assiste ao mesmo particular;


b) e que o referido processo administrativo – que já se encontra decidido em definitivo – não estava em 2003 disponível para consulta do requerente, na medida em que até então se encontrava pendente de análise na Auditoria Jurídica do respectivo Ministério tendo em vista a preparação de resposta a um dos inúmeros pedidos que o mesmo interessado havia formulado;


c) sendo certo que o documento seleccionado que este pretenderia conhecer – e ao qual queria aceder por fotocópia – continha afinal informação técnica elaborada por uma consultora jurídica do Centro Jurídico – CEJUR da Presidência do Conselho de Ministros que embora tivesse servido “de base à tomada de decisão do então Secretário de Estado da Administração Local” não podia ser consultado por se considerar um documento interno.


3 – Compulsada a informação constante dos autos organizados neste órgão do Estado e ponderada a posição jurídica veiculada por esses Serviços, vem assente que o aqui reclamante formulou em 25/10/2000 um pedido simultâneo de consulta e emissão de fotocópia de documento seleccionado, relativo a um processo de expropriação concluso e do qual não é directamente interessado, pedido este que vem sendo sucessivamente renovado ao longo do tempo junto dos sucessivos responsáveis governamentais pela área da Administração Local.







3.1 – É, porém, perceptível que o seu interesse se resume, afinal, em conhecer o teor da informação contida no ofício n.º 1641, de 4/10/2000, proveniente do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e parecer anexo. Segundo se alcança, estão em causa documentos que o mesmo impetrante verificara não constarem do processo em causa aquando da primeira consulta que realizou em 24/10/2000.


4 – Desta sorte, dá-se por liminarmente adquirido que a pretensão de acesso à documentação pública em causa tem pleno cabimento no quadro dos direitos e garantias dos administrados a serem informados pela Administração sempre que o requeiram e, em particular, no exercício do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no artigo 268º, n.º 2, da Constituição, transposto pelo artigo 65º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), mas regulamentado pela Lei n.º 65/93, de 26/08, lei que dispõe sobre o acesso dos cidadãos em geral aos documentos da Administração, adiante abreviadamente designada por LADA.


5 – Releva salientar que se trata, afinal, do exercício de um direito à informação administrativa não procedimental atribuído a qualquer pessoa independentemente da invocação de utilidade ou interesse subjacente, e é emanação do princípio geral da administração aberta ou arquivo aberto reconhecido no referido normativo constitucional, estando, por isso, indissociavelmente ligado à concretização dos princípios da publicidade e transparência da Administração, bem como da justiça, da igualdade e imparcialidade (artigos 37º, n.os 1 e 2, 48º, n.º 2, e 266º, n.º 2, todos da Constituição, também presente no artigo 1º da referida Lei n.º 65/93), direito este que é assumido pela jurisprudência e doutrina dominantes como um direito fundamental de natureza análoga aos “direitos, liberdades e garantias”, sendo-lhe por isso aplicável o respectivo regime constante dos artigos 17º e 18º da CRP.


6 – Debruçando-nos, em particular, sobre a disciplina regulamentar contida na invocada Lei n.º 65/93, tenha-se presente que o seu artigo 3º, ao pretender delimitar o âmbito material deste direito, reporta-o aos documentos “que têm origem ou são detidos por órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas…”, entre outros (cfr. n.º 1). Ou seja, o que aqui está em causa é o acesso a documentos que relevando da função ou actividade administrativa do Estado se encontram ou deviam estar no arquivo administrativo do serviço.


7 – Tal é, segundo creio, o que se verifica com aqueles documentos cujo acesso foi solicitado pelo requerente a esse Gabinete. Na verdade, tomando por referência a conceptualização constante da referida lei, os documentos pedidos in casu não cabem no domínio dos que a LADA considera como não sendo documentos administrativos. Quer isto dizer que os pareceres jurídicos ou actos opinativos produzidos na preparação de determinada decisão administrativa não são notas pessoais, apontamentos e outros registos de natureza semelhante, como também não são seguramente referentes a reuniões do Conselho de Ministros ou dos Secretários de Estado (artigo 4º, n.º 2, alíneas a) e b) – vd. neste sentido, José Renato Gonçalves in “ Acesso à Informação das Entidades Públicas”, Almedina , pág. 35.


8 – Antes são plenamente recondutíveis à noção ampla de documento administrativo acolhida no artigo 4º, n.º 1, alínea a), da referida LADA, que abrange, em princípio, qualquer registo de informação detida pela Administração em função da sua origem e ligação funcional.


9 – Relativamente aos documentos administrativos (artigo 4º, n.º 1, alínea a), da LADA), assinale-se, outrossim, que a regra geral é a de que todos têm direito à informação mediante acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo (artigo 7º, n.º 1), ressalvado o acesso a documentos constantes de processos não concluídos ou a documentos preparatórios de uma decisão, caso em que a satisfação do pedido é diferida até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou logo que esteja decorrido o período de um ano após a sua elaboração (artigo 7º, n.º 4). Esta não é, de resto, a situação vertente já que, como se viu, o procedimento administrativo em causa se mostra de há muito concluído.


10 – Assente que o pedido de acesso versa sobre documentos administrativos, a questão reside em saber se, ainda assim, os mesmos estão sujeitos a acesso condicionado ou limitado. Ora, o parecer jurídico a que o requerente pretende aceder não assume a natureza de documento nominativo por não conter informação que caiba no conceito de dados pessoais na acepção dada pelo artigo 4º, n.º 1, alínea c), designadamente no âmbito da reserva da intimidade da vida privada.


11 – Por outro lado, não configura certamente um documento cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção do interesse público ou outras razões do sistema privado, por não conter matéria reservada ao nível de segurança interna ou externa do Estado Português, matéria em segredo de justiça, nem, como se viu, matéria abrangida pela preservação da intimidade da vida privada cuja confidencialidade se apresente inviolável nos termos previstos nos artigos 5º, 6º, 7º, n.º 7, e 10º, todos da LADA.


12 – Estando, pois, em causa o acesso a documentos de natureza administrativa e que não sofrem das limitações e restrições previstas no âmbito da LADA, a obtenção da informação visada pelo interessado está sujeita ao regime de acesso livre e generalizado por qualquer pessoa nos termos do já referido artigo 7º, n.º 1, devendo, no entanto, o respectivo pedido obedecer ao requisito constante do artigo 13º da mesma lei.


13 – E se é certo que o direito em causa não goza de protecção absoluta, não se afigura legalmente admissível que, além das já mencionadas, se criem outras restrições no acesso à informação pretendida que não relevem da prevalência de um direito fundamental colidente ou da protecção de valores constitucionalmente tutelados em igual ou maior grau – vd. neste sentido Raquel Carvalho, in “Lei de Acesso aos Documentos da Administração” Anotada, págs. 31 a 35.


14 – Assim sendo, não creio, Senhor Secretário de Estado, que assista razão a esses Serviços argumentar que o pretendido documento é um documento interno quando à luz do ordenamento jurídico vigente tal classificação não constitui critério condicionador ou inibidor da sua revelação, perante a amplitude do direito à informação administrativa constitucional e legalmente reconhecido a todos os cidadãos.


15 – Por outro lado, também não considero procedente a tentativa de reconduzir o comportamento do interessado a uma situação de abuso de direito pelo número de pedidos formulados com carácter repetitivo e sistemático, quando é manifesto que o mesmo decorre da ausência de pronúncia e decisão sobre os pedidos de informação antecedentes a que, aliás, a Administração se encontrava obrigada por força das regras e prazos legais fixados no artigo 15º da LADA. Face ao inexplicável mutismo em que se quedou a Administração a este nível, convirá V. Exa. que a reacção do requerente não pode, obviamente, representar o exercício desequilibrado e despropositado do direito de acesso à informação pública que legalmente lhe assistia, além de que não se vislumbra em que medida a mesma redundou em “entrave ou paralisação da actuação pública” – vd. Renato Gonçalves, in obra citada supra, págs. 44 e 45.


16 – Nesta perspectiva, entendo inexistir, no caso vertente, fundamento legalmente válido para impedir ou legitimar a recusa de revelação da informação a que o requerente pretendia aceder, sob a forma de consulta e emissão de fotocópia, para os efeitos previstos na sobredita LADA.


17 – E se assim é, não pode deixar de se concluir que o interessado e ora reclamante tem por força das disposições conjugadas do artigo 268º, n.º 2, da Constituição, do artigo 65º do CPA e dos artigos 4º, n.º 1, alínea a), e 7º, n.º 1, ambos da Lei n.º 65/93, de 26/08, direito a aceder aos documentos que pretendia conhecer e pelas vias solicitadas (artigo 12º, n.º 1, desta lei).


18 – Como contrapartida deste direito impendia sobre esses Serviços, que são detentores do processo administrativo visado, o dever de facultar o acesso aos documentos administrativos referenciados dentro do prazo de 10 dias fixado no artigo 15º da LADA, ou ainda, durante o mesmo prazo, na obrigação legal de se pronunciar ou decidir expressamente sobre a pretensão formulada, como igualmente prescrito no aludido preceito legal. Não o tendo feito na situação concretamente apreciada, esses Serviços violaram o regime de arquivo aberto contido na aludida Lei n.º 65/93 e ofenderam o direito fundamental de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no artigo 268º, n.º 2, da Constituição.


19 – Por tudo quanto exposto e ainda que a actuação descrita não lhe seja imputável, entendo, Senhor Secretário de Estado, haver fundamento para ser revisto o procedimento administrativo adoptado no caso vertente, porquanto ilegal, pelo que no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V. Exa.:








que seja facultada de imediato ao requerente …  o acesso, pela via por este pretendida de consulta do processo e reprodução por fotocópia, a todos os documentos administrativos que o mesmo vem solicitando desde 25/10/2000, assegurando-se deste modo o direito à informação administrativa que lhe assiste nos termos legal e constitucionalmente reconhecidos.


Na expectativa de que o objecto da presente iniciativa venha a merecer da parte de V. Exa. a melhor atenção, muito agradeço que no cumprimento do preceituado no artigo 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9/04, me seja oportunamente facultada informação sobre a posição que o acima recomendado vier a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues